quinta-feira, 25 de abril de 2024

SERRA NEGRA

SERRA NEGRA


Quem vem de volta logo reconhece,

No contorno das serras, sua terra.

Revela o sol nascente quanto encerra

Este chão que a memória nunca esquece.


Murmura um regozijo feito prece,

Ao passo que o espírito longe erra…

De lá, toda a tristeza se desterra

E o mundo mais bonito lhe parece.


Súbito, vêm à mente mil histórias.

Incerto se derrotas; se victórias,

De novo vai ao encontro dos amigos.


Enquanto isso o caminho s'encomprida

E passa a própria vida mais vivida,

Deixando passos novos sobre antigos.


Betim - 15 04 2024


sexta-feira, 5 de abril de 2024

BRAÇO DE ALAVANCA

BRAÇO DE ALAVANCA


O mundo que desloco em minha mente

Pesa mais que o planeta em qu'eu habito.

É mudar de lugar o que acredito

Para ver o que quer que se sustente.


Confesso que estas horas ando ausente,

Absorto co'as esferas do Infinito

Em nova trajectória ante o conflito

De orbitar meu mundo diversamente…


Mudar-me alguns milímetros já muda

Inteiro um universo sem que acuda

Qualquer divindade em meu favor.


Pois forço o mundo inteiro na esperança

De mudar quem me orbita a vizinhança

E mudar a mim mesmo sem pudor.


Betim - 04 04 2024


segunda-feira, 1 de abril de 2024

À ESPERA DO CÂNCER

À ESPERA DO CÂNCER

Vivem como se não quisessem mais

Tantos são os venenos que consomem! 

Pernicioso a si saber-se-á o homem

Em vista dos seus hábitos mortais?


Aquele é muito triste ou só demais…

Outros sequer reparam no que comem…

Há os que estão em guerra com o abdómen…

E muitos a engolir os próprios ais…!


Vivem como se não tivessem medo

De morrer muito mal ou muito cedo,

Em vista do marasmo de seus dias.


E o tédio leva ao vício que leva ao ócio…

A despeito d’estrelas ou equinócio,

A morte ronda as vidas mais vazias.


Betim - 31 03 2024


quarta-feira, 27 de março de 2024

MACHO, ADULTO, BRANCO

MACHO, ADULTO, BRANCO


Era, como se diz, homenzarrão.

Andava por vastíssimas planícies,

Deixando após si suas imundícies,

N’uma ávida e intrincada exploração.


Ainda a majorar a destruição,

Pela antropização das superfícies,

Espalha toda a espécie de pernícies,

Até a terra nua em exaustão.


De facto, uma pegada gigantesca

Impõe sobre a paisagem, irrefreável,

Por resultado mácula grotesca.


Era, como se diz, insaciável.

Ao crer-se mais e maior não se completa:

Tão grande que não cabe no Planeta...


Betim - 26 03 2024


sexta-feira, 22 de março de 2024

UM POBRE MAIS POBRE QUE EU

UM POBRE MAIS POBRE QUE EU


Andava tão perdido em pensamentos,

A recolher-me os cacos pelo chão,

Que de minha miséria ostentação 

Eu fiz sem me poupar padecimentos.


Foi quando me surgiu nos desalentos

Topar d’entre os paupérrimos um grão:

Era um senhor de imensa solidão,

Diletante dos seus próprios lamentos.


Vinha d'olhar perdido e ensimesmado

De modo que ao passar bem ao meu lado

M’esbarrou sem pedir sequer licença. 


Seguiu pelo caminho indiferente,

Deixando o seu vazio de presente,

A ponto de negar minha presença. 


Belo Horizonte - 20 03 2024

quinta-feira, 21 de março de 2024

ANTE VÓS, SERVO REVOSSO

ANTE VÓS, SERVO REVOSSO


Ante vós, servo revosso,

Eu vos presto juramento 

De vassalagem no intento

De obrigar-me quanto posso

Em vosso contentamento.


Não há-de haver um momento

Que não deseje o olhar vosso.

Doando-me, vosso e revosso,

Ao amoroso sentimento

Por um bem que seja nosso.


Todo o querer vos endosso

Sempre aos prazeres atento.

Tamanho o estremecimento,

Tão-logo a pele vos roço,

De vossos beijos sedento.


Inobstante o encantamento,

Eu se vos pareço insosso

De desalentos me aposso:

Com o meu pranto e lamento

O rio do amor engrosso.


Ante vós, servo revosso,

Eu vos presto juramento 

De vassalagem no intento

De obrigar-me quanto posso

Em vosso contentamento.


Betim - 02 02 2024


terça-feira, 19 de março de 2024

UM DESSERVIÇO

UM DESSERVIÇO 


Será desfeito quanto tenho feito…

Se muito ajuda quem não atrapalha,

Que dizer quando a nada se trabalha

E anseios já não têm qualquer efeito?


Tudo aquilo por fim era imperfeito

E, inútil, resta a um canto feito tralha.

Alguém há-de pagar por minha falha

E após me olhar com ódio, contrafeito!


Fracasso… Quanto tempo foi perdido?!

Há anos que mais nada faz sentido,

Embora eu tenha dado o meu melhor.


Não importa: Interessa o resultado.

Deixo meu infortúnio no passado

E aceito que o que fiz não tem valor.


Betim - 19 03 2024


ANOITECER

ANOITECER


Surgia a estrela d'alva sobre os cerros…

E a lua, um alfange forjado em prata,

Mais urgia violões em serenata

À noite se achegando dos desterros.


Cá, no peito do poeta, posto a ferros,

Amor logo se agita e se desata:

Irrompe outra cantiga à sua ingrata,

Mas não por seus acertos, sim seus erros!


Também a sapaiada nos baixios,

Em melopeia de coaxos arredios,

Traz mais melancolia àqueles breus.


Restava ao bardo apenas soltar versos,

Que para a amada soam ais dispersos

Ao ver em lua e estrela os olhos seus…


Betim - 15 03 2024


sexta-feira, 8 de março de 2024

PERLINCAFUZES

PERLINCAFUZES


Falava arrevezado uns disparates,

Que tinha em alta conta de sapiência…

Grave, como se fosse uma excelência,

Sentencia as verdades dos orates!


Crê intelectualíssimos debates

Seus obtusos discursos sem audiência

E ignora que lhe ignorem a consciência,

Quando brilhante exibe os seus quilates.


Mas devo confessar mal compreender

Seu pretenso e enigmático dizer

Se se digna a alumiar as minhas trevas.


Eu o deixo a falar tão-só consigo

Incapaz que lhe sou como inimigo

De altercar mais falas vãs em levas!...


Betim - 01 02 2024


CASARIO

CASARIO


Mais que uma cidade, uma paisagem 

Ao míope mosaico de telhados,

Torres, adros, janelas, porticados,

Sacadas, chafarizes, céu, ramagem…


As retinas capturam sua imagem

E gravam na memória seus traçados.

Longe, lhe descortino os amplos prados

Que ao alto Itacolomy dão vassalagem.


Miro e remiro a terra ouropretana

A contemplar-lhe os séculos e as luzes;

Seu amplo panorama de obra humana:


Ao redor das igrejas e das cruzes,

O ajuntamento… A vida quotidiana

E as águas a descer nos alcatruzes…


Ouro Preto - 25 02 2024


MOTU PROPRIO

MOTU PROPRIO


Em sendo a vida toda uma ilusão,

Na qual o coração se nos engana,

De cada escolha feita ainda emana

A dúvida em seguir em frente ou não.


Andamos sem saber qual direcção

Em meio à multidão e à luz mundana,

A atravessar a faina quotidiana,

Na esperança do próximo verão…!


A ver… Ano após ano, a felicidade

Revela-se uma impossibilidade

A todo mundo pelo mundo todo.


De sorte que escolher é tão-somente

A arte de contentar-se co’o presente

E ser infeliz a seu próprio modo.


Betim - 08 03 2024


quinta-feira, 7 de março de 2024

FABULOSO

 FABULOSO 


Coisas há que nem imaginadas

Se veria sequer por sonhadores

Ou mesmo mentirosos escritores

Às voltas com histórias inventadas.


Acontecem encontros nas estradas,

Que fazem memoráveis os alvores.

Se, à luz de tais lugares, mais amores

Reviravoltam mentes fascinadas.


Outro olhar, rebrilhando, testemunha

A beleza e o prazer da descoberta,

Onde algo fabuloso enfim se impunha.


E, para muito além da vida incerta,

Restará a experiência do sublime,

Que de todos os erros me redime.


Belo Horizonte - 06 03 2024








sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

RIOS DE JANEIRO

RIOS DE JANEIRO 


Ruas se tornam rios n'estes dias,

Nos quais as águas descem em torrentes...

Vão juntando enxurradas as vertentes,

Abrindo voçorocas junto às guias.


Cascatas vêm jorrar das penedias

Ao despencar de alturas inclementes:

Albores, turbilhões intermitentes,

Surgem nos temporais das serras frias.


Durante os aguaceiros formidáveis, 

Nos altos uivam ventos indomáveis

A revirar coqueiros e telhados.


Por fim, desliza a terra saturada

Em quedas de barreiras sobre a estrada,

Enquanto os vales dormem alagados.


Betim - 15 01 2024

 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

BONANÇA

BONANÇA


Mil sóis brilham depois da tempestade

Em largas poças d’água a encher a rua.

Espelha-se dourada a aurora nua

N’um quadro de ideal tranquilidade.


Como se virginal, toda a cidade

Por entre brumas brancas se insinua.

Amanhece em silêncio e continua

Tudo imerso em intensa claridade.


O aguaceiro que caiu a noite toda

‘Inda escorre nas pedras do caminho

Onde chapinha alegre um passarinho.


Nada aqui me aborrece ou me incomoda.

Outra manhã lavada e reluzente 

Fazendo a terra nova novamente 


Belo Horizonte - 19 01 2024


DO QUE NÃO SEI

DO QUE NÃO SEI


Pior que não saber: Não querer saber…

Antes passar por néscio que ignorante,

Pois tudo o que conheço, n’um rompante

Vou, por estupidez, desaprender.


Penso que não pensar seja perder

De saída a noção do relevante.

Se ignoro, julgo menos importante

Exacto quanto sei desconhecer.


Soubesse as coisas todas d'esse mundo,

Eu nada pensaria mais profundo,

Com receio de errar algo sabido.


Só sei que o que, afinal, tenho ignorado

Me dá a conhecer, mesmo que errado,

A verdade por trás do irreflectido.


Betim - 31 01 2024


quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

NÉ-NÃO!

NÉ-NÃO!


Negativa veemente e coloquial,

Dita p’ra desdizer algo mal dito,

Faz parecer o avesso do bonito

Mais absurdo que estúpido afinal.


Mas era o fel da língua, tal-e-qual,

A azeitar um aparte quase aflito

De quem levanta a voz alto e expedito

Para calar ofensas d'um boçal.


Dissesse que sou parvo ou meio triste,

Jamais eu lh'o diria: — “Tu mentiste!”

Qual disse após de mim, acusatório.


Mais disse ele: — “És cachorro que só late!”

Tendo ouvido tamanho disparate,

Calhou bem renegar seu tom inglório…


Betim - 16 01 2024



sábado, 6 de janeiro de 2024

FILME QUEIMADO

FILME QUEIMADO


A película em vão se me obscurece

Por excesso de luz na exposição.

As formas viram sombras e um borrão

No quadro revelado ora aparece.


Imagem de desastre se parece

Minha cara a s’encher de escuridão,

A despeito do estouro do clarão,

Que de súbito à pele empalidece.


Por muito menos, homens mais vividos

Deixaram seus temores insabidos

E, sós, se recolheram a um retiro.


Talvez tenha chegado meu momento

De aceitar-me, afinal, em desalento,

Tendo o filme queimado por mal tiro…


Betim - 07 12 2023


DRAMATIS PERSONÆ

DRAMATIS PERSONÆ


Era um enredo escrito a muitas mãos

Aquele que contavas para ti:

Um facto distorcido aqui ou ali

E todo um carnaval de sins e nãos.


Mil culpas carregadas; sonhos vãos…

Diálogos exaustivos vi e ouvi!

Ao coro dos vilões me percebi

Contar da ampulheta os finos grãos.


A ti, protagonista inopinada,

Coube nos conduzir do nada ao nada,

Apesar dos vacilos caricatos.


E a mim restou apenas entender

Qual papel me compete empreender

Em nossa ópera-bufa de insensatos.


Betim - 06 01 2024


sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

LATIFÚNDIO

LATIFÚNDIO 

Por privada de gente, a propriedade 

Mais s'estende baldia e empobrecida

Do que possa caber a própria vida,

Restando em inventários como herdade.


Desmatada, a capoeira logo invade

Toda a gleba de terra desvalida

Face à especulação mais descabida:

— “E onde é mato será tudo cidade…


Deixam de ser as grotas e as veredas

D’onde as águas, claríssimas e ledas,

Escorriam preciosas para o açude.


A terra revestida de concreto

É quanto sonha o lucro mais abjeto

Que, todavia, a tantos tanto ilude.


Betim - 05 01 2024


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

SEMIDEUSES

SEMIDEUSES 


Aqueles que s'elevam dos demais

Por feitos cuja fama e admiração

Perpetuam-se aos olhos da Nação

Co’os nomes a luzir em memoriais.


Ao deixarem legados imortais,

Da própria morte fogem na intenção,

De superar-se a humana condição

Por meio dos esforços pessoais.


Eles sofrem e sangram, todavia,

Sabendo envelhecer, dia após dia,

Apesar de quem são ou do que têm.


Lembrados hão-se ser eternamente,

Antes como uma ideia do que gente,

Ao se buscarem algo mais além.


Betim - 03 01 2024