quarta-feira, 30 de novembro de 2022

DELÍRIOS

 DELÍRIOS


— “Mas, dizei-me vos-outros, vos conjuro!

Que notícias haveis d’aquela que amo.

Vede: O amor faz rodeios feito o ramo

D’uma videira em torno do inseguro.”


“Quanto desassossego e desapuro?!...

Que idéias imperfeitas ora tramo?!...

Vós que me ouvis, medi o quanto clamo:

– Onde s’encontra aquela que eu procuro?...


“Eis que as luzes que tive hoje são trevas

E a angústia toma o espírito após levas

De ausências e silêncios desiguais”


“Pois o amor – ou a loucura, se o entendeis —

Às vezes vai de encontro às próprias leis.

Sede-me vós juízes de meus ais!”.


Betim - 12 12 1996


LIDES D’AMOR

LIDES D’AMOR


Às curvas do seu corpo o ardor perpassa

Com lascivas carícias sobre a pele.

Regalo-me de ti se mais me impele,

Voluptuosamente a sua graça.


Submeto-me à vontade que me abraça,

E as leis do amor que impõem a todo aquele,

Que antes a bela amou; que após a vele,

E ao sono seu desejo então renasça.


Teu corpo adormecido do meu lado

Entre lides d’amor quedou prostrado…

Mas mesmo de partida eis-me amador:


Graças, bela, por horas tão gozosas!

Deixo-te enamorado algumas rosas,

E um soneto a vermelho tinto d’amor...


Belo Horizonte - 12 05 1996


terça-feira, 29 de novembro de 2022

VIGÍLIA

VIGÍLIA

Àquela que amo escrevo este soneto,

Movido por saudades desmedidas.

Na esperança que as rimas comovidas

Possam lhe consolar o peito inquieto.


Mesmo distante busco o seu afeto 

Em vigílias por noites tão compridas,

Que anseio pelo dia em nossas vidas

Em qu’eu n’ela estarei enfim completo.


Se ela sorri, sorri toda a Natura 

Como seu sorriso fosse de luz pura

Ou semelhante ao sol por céus abertos.


E é com a sua imagem luminosa,

Que velo a madrugada silenciosa,

Atravessando páramos desertos.


Belo Horizonte - 02 10 1997


INDECÊNCIAS

INDECÊNCIAS


Mais promete a beleza da mulher 

Quando faz recordar doces prazeres,

Mostrando os ombros nus entre afazeres

Para acender-me os olhos de querer.


Parece em me atentar mais s’entreter,

Certa de ter em mim novos lazeres.

Na ânsia de devorar-me sem talheres,

Chega perto demais por m’envolver:


Encosta no seu colo a minha face

De modo que ao virar-me (se eu ousasse…!)

Teria já meus lábios no seu sexo…


Finalmente, ao entreabrir o seu decote,

Ela se achega fungando em meu cangote

Para me balbuciar coisas sem nexo…


Belo Horizonte - 13 08 1999

LÍRICA

LÍRICA

Fossem tão bons os versos quanto a musa,

Que com doces carinhos m'os inspira,

Já não diriam rude a minha lira,

Ou mal de nossa história por confusa…


Cantasse o amor mundano, como se usa,

No qual com exageros se delira,

Talvez o aplauso alheio se me ouvira,

Mas não os seus suspiros de reclusa.


Embora grande o amor, falta talento

Para dizer ao seu contentamento,

Que a amo em cada sílaba medida.


Reste-me da poesia essa intenção

Ao lhe tentar falar ao coração,

Senão mais entendida, mais sentida.


Belo Horizonte - 07 07 1997


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

UM ENCONTRO HUMANO

UM ENCONTRO HUMANO

As almas não se encontram, bem dizia

Manuel Bandeira em sua “Arte de Amar”,

E por que se haveriam-de encontrar

Se entre corpos cada um mais se perdia?!

Almas gêmeas… Estranha alegoria!

Quando tão melhor um comum lugar

Onde os corpos s’encontram a gozar

Dos prazeres em plena fantasia.

Talvez seja só eco ao que intuíra

Platão ao comentar do hermafrodita,

Cujo gênero em duplo se acredita.


Se não verdade, mais bela mentira!

Ou seja, a arte amorosa do prazer

No ambíguo-mas-humano bem-querer.


Belo Horizonte - 13 12 1998


PRAZER, AMOR!

PRAZER, AMOR! (fado)


Antes de te conhecer, 

Nem me conhecia…

Vivendo sem teu querer, 

Eu sequer vivia,

Tal o afã d’eu m’esquecer

Na noite vazia…!

Antes de te pertencer,

Não me pertencia…


Inconsciente como algum 

Sonâmbulo em sonho.

Sempre no lugar comum 

D’algum bar medonho

Onde apenas sou mais um

A beber tristonho.

Até que, sem pudor nenhum,

Olhos em ti ponho.


Ao te conhecer, amor,

Eu me conheci.

Já não m’escondo da dor,

Se junto de ti

Tudo tem muito mais cor;

Nunca me senti

Como agora, trovador,

Tão feliz aqui.


Antes de te conhecer, 

Nem me conhecia…

Vivendo sem teu querer, 

Eu sequer vivia,

Tanta a ânsia d’eu m’esquecer

Na noite vazia…!

Antes de te pertencer,

Não me pertencia…


Belo Horizonte - 12 03 1996


PSICOSSOCIAL

PSICOSSOCIAL


No fundo dos teus olhos eu olhei.

E lá, jazem segredos abissais…

— Onde luz nenhuma não chega jamais —

Nos recônditos d’alma, t’encontrei.


Por sobre a tua pele eu te toquei.

De séculos de dor, os negros ais

Ecoavam existências desiguais…

Nas sombras da cidade, t’escutei.


Não é teu sofrimento só mental,

Se ausente da pirâmide social

Caminhas alta noite pela rua.


Tua dor sobretudo é exclusão,

Mas passas, invisível, na ilusão

De que catas estrelas para a lua.


Belo Horizonte - 08 05 1998

PLATÔNICO

PLATÔNICO 


Em meio a escuridão plena e soturna,

S’especula da luz inteligível

Des’ que Pandora, em gesto irreversível,

Esperanças deixou ao fundo da urna.


Havendo, além das trevas d'essa furna,

De aparecer de facto luz sensível

Talvez o mundo feito assim visível,

Nos mostre a realidade ao fim nocturna.


Mas se em sombras se vive toda a vida,

No amor alguma luz é presumida

Apesar dos grilhões que nos proíbem.


Que se ilumine o amor dentro das almas,

De modo que, espelhadas, sejam calmas,

Enquanto os corpos nus se desinibem…!


Santa Bárbara - 07 30 1997


domingo, 27 de novembro de 2022

DE TODO O CORAÇÃO

DE TODO O CORAÇÃO

E eu, embora calado e pensativo,

Tenho guardado em mim tanta ternura,

Que sinto o peito arder de calentura,

Enquanto o meu olhar do teu captivo.

Em meio a turbilhões de anseios vivo,

Pois — no ápice do prazer e da loucura —

Te amar tem sido insólita aventura,

E extremo d’um desejo subversivo…

Tenho ainda em meus dedos teu calor,

Depois de mil carícias ao sabor

Das curvas pelo teu corpo desnudo.

Do mesmo modo os lábios bem molhados

Eu trago de teus beijos namorados…!

Eu ardo de te amar mais do que tudo.

Betim - 12 05 1997

CHE PECCATO…

CHE PECCATO…


Que fizemos, amor, de nossas vidas,

Hoje perdidas sem qualquer sentido…?

Que pode ter com o amor acontecido

Se era luz e ora trevas insabidas?…


Que mal nos faz sangrar tantas feridas

Depois de anos tendo convivido?

Quantas histórias temos presumido,

Ao invés de conversarmos sem saídas…?


Que desastres nos perde o amor que é tudo?

Que t’encontra e depois me deixa mudo??

Que nos separa embora nos amando…?


Que encanto salvará nosso amor doente???

Que milagre o fará eternamente ???

Que pecado deixá-lo!? Que miserando?!


Betim - 08 09 1998


sábado, 26 de novembro de 2022

MORTO DE AMOR

MORTO DE AMOR

Este amor me tem feito muito mal,

Como andasse de noite no sereno

A procurar nas sombras mais veneno

Para esquecer teus olhos afinal.


Pareço um morto-vivo funcional,

Vagando pelo mundo ultraterreno…

Recoberto de culpas, me condeno

Por eu querer tão bem alguém tão mau!


Eu te amar me tem sido um infortúnio

De lunático uivando ao plenilúnio

Sem que nada na vida me conforte.


Que tu me ames ou não já nem importa,

Apenas te lamento a ideia torta

De haveres com amor me dado a morte.


Betim - 02 05 1998


PROVA D’AMOR

PROVA D’AMOR


Se o ouro se prova ao fogo; o amor, na dor.

É preciso passar pelos reveses

Para que a vida a dois algumas vezes

Cresça co’os infortúnios ao redor.


É nas adversidades que melhor

Transparecem um ao outro estupidezes…

Com o tempo, semanas viram meses

E algo mais complicado vira o amor. 


Tantos dizem “eu te amo” o tempo todo

E tantos de facto amam a seu modo,

Que o amor precisa sempre ser provado.


Se o que muito se diz, pouco se sente

Quem ama muito faz e segue em frente

Ou nada significa ser amado.


Betim - 20 08 1997 


FLAGELOS

FLAGELOS


Nós nos ferimos, eu e tu sangrando

Os nossos corações à flor da pele!

Incerto ao que o futuro nos revele,

Considero o vazio quando em quando…


O facto é que as farpas vão cravando

Fundo de cada peito antes imbele.

Quanta desfaçatez ‘inda desvele

Nosso amor n’esse estado miserando?!?


Do modo que medido eu fui por ti,  

— Cheio de imperfeições — eu te medi:

Em sílabas dispus grave torpor. 


N’este metro, só versos infelizes…

Feridas se tornando cicatrizes,

Enquanto os corações em desamor.


Betim - 16 08 1998


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

QUARTO DE HOTEL

QUARTO DE HOTEL

Noite alta e o coração anda desperto

A rever a silhueta contra a luz

D’aquela que amorosa me conduz

A um lugar em mim indescoberto.


Em todo caso, o quarto está deserto:

N’um sonho o seu sorriso me seduz.

Eu paro a recordar-lhe os ombros nus

E os seios no decote semiaberto…


Agito-me na cama a noite toda

Certo de que a distância me incomoda

Mais que a solitude d’estas horas.


Assim, na escuridão, tua presença

Parece atravessar a noite imensa

A me trazer de volta sem demoras.


Santa Bárbara - 12 07 1997


O LIVRO DOS MORTOS

O LIVRO DOS MORTOS


Com maus versos e sem ressentimentos,

Te tenho escrito poemas amorosos.

Apesar dos momentos mais ditosos,

Eu contigo vivi padecimentos…


Talvez houvesse até merecimentos

Ou tenha tido luzes n'alguns gozos,

Mas o amor tem caminhos tortuosos

Nos quais se deixa horrores por tormentos…


Vivi intensamente a minha vida

Como homens de pirâmides antigas

Fizeram escrever pelas paredes.


Porém, minha miséria é desmedida:

Perdidas as amadas e as amigas,

Restarão as desculpas que me pedes!


Ubatuba - 31 12 1999


AQUELA QUE ME DEIXA

AQUELA QUE ME DEIXA

Uma mulher me veio em meio ao sonho:

Dizia que me amava, mas partia.

E eu, tomado de estúpida apatia,

Segui de longe seu andar tristonho. 


Desperto de cenário tão bisonho,

A recordar-me a imagem que fugia: 

O porte senhoril, a face esguia...

À luz, seus olhos baixos recomponho.


Mas não fixei seu rosto, coisa alguma.  

Sequer soube d'um nome a ter chamado,

Se todas as mulheres e nenhuma.

 

Era ela um recordar, porém, sonhado; 

Alguém que à minha mente desarruma...

Aquela que me deixa em meu passado.


Belo Horizonte - 07 09 1997

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

SAUDOSO

SAUDOSO E eu pensava saber o que é saudade... Ou ter falta d’alguém não doesse tanto…! Como calar tantos ais tristes de espanto, Se vivo desolado em soledade? Quão longe estou de ti n'esta cidade?! Tão distante não me ouves mais o canto… Escusa, minha amada, se me encanto Contigo eu conheci felicidade…! Contigo, as horas são-me mais breves, E até as dores sobre mim mais leves Se tuas mãos sustentam-me o rosto. Sem ti, porém, eu vivo em desconsolo. Saudoso de carinhos, deito ao solo, Transido de carências e desgosto… Brumal - 17 06 1997

LAUDAS PERFUMOSAS

LAUDAS PERFUMOSAS


Se eu derramar um poema em teu ouvido

E, linda, me beijares com ternura,

Talvez os versos valham-me a procura

Nos escuros recônditos d’Olvido.


Contassem-me do olhar incendido

Que s’espelha em teus olhos de luz pura,

Pode ser qu’eu poetasse com ventura

Acerca d’este amor que tens vivido.


Então, somente então, do que sinto

Diriam estes ais que não desminto 

E t’escrevo ao lembrar horas saudosas.


Porque a alma me roubaste com um beijo,

E o corpo me ardeste de desejo,

Recebe-me tu, laudas perfumosas...


Belo Horizonte - 21 12 1997


ENLUARADA

ENLUARADA


Afasto dos mundanos minha pena

E a caminho de ti eu peregrino.

Onde, ora profano; ora divino 

Teu olhar se revela à lua plena.


Eu me demoro a olhar para esta cena

Quando a ti, enluarada, me destino. 

Até que o coração em desatino

Diante de teu sorriso se apequena.


Ao toque de teu rosto tão-somente

Vejo que não és mármore, sim gente!

E que me queres quanto eu te quisera.


Já de damas-da-noite se perfuma

O teu jardim de casa envolto em bruma…

Tu te banhas de luar à minha espera!


Santa Bárbara - 24 07 1997


SERENÍSSIMA

SERENÍSSIMA


Este amor que vivemos, minha amada,

Enche horas de suspiros e de ensejos,

Enquanto estrelas caem aos teus desejos

E o luar se nos derrama em serenada.


Triste é mirar a noite ora estrelada

Se, sozinho, ao violão elevo arpejos

Na esperança de a ti ofertar beijos:

— “Estrela d’alva em minha madrugada!...”


A luz se acende em tua escrivaninha

E logo uma silhueta se adivinha 

À voz que se derrama em serenata.


Ao chamado dos versos, de repente,

Assomas à janela a ver contente 

No céu a lua plena pôr-se em prata.


Santa Bárbara - 31 01 1997


quarta-feira, 23 de novembro de 2022

BOA NOITE... BOM DIA!

BOA NOITE... BOM DIA!


Todas as noites, sinto ao ver chegar

A hora em que ela sorri se despedindo.

Suspiro de deixá-la ao encontro findo,

Ansioso de amanhã a reencontrar…!


Sei que ando pela rua sem lugar

E apresso a madrugada que vem vindo.

Vou sonhando acordado o rosto lindo,

Que já me acostumei a acarinhar.


Logo logo virá um novo dia

E a tristeza dará azo à alegria

De a ver enamorada novamente.


Entrementes, um outro pôr-de-lua

BOA NOITE... BOM DIA!


Todas as noites, sinto ao ver chegar

A hora em que ela sorri se despedindo.

Suspiro de deixá-la ao encontro findo,

Ansioso de amanhã a reencontrar…!


Sei que ando pela rua sem lugar

E apresso a madrugada que vem vindo.

Vou sonhando acordado o rosto lindo,

Que já me acostumei a acarinhar.


Logo logo virá um novo dia

E a tristeza dará azo à alegria

De a ver enamorada novamente.


Entrementes, um outro pôr-de-lua

Me faz dar meia volta à sua rua

Para velar teu sono ternamente.


Betim - 12 04 1997

Para velar teu sono ternamente.


Betim - 12 04 1997

ANTES DO AMOR

ANTES DO AMOR


No princípio, era o amor. Antes de tudo,

O amor estava em mim a gerar vida.

O amor era uma história a ser vivida

Dentro d’um coração enfim desnudo.


Já quanto a ser feliz, eu não me iludo…

O amor é antes algo que convida

A ver o que virá logo em seguida.

Jamais um fim em si mesmo, contudo.


O amor é continente indescoberto

Que a linha do horizonte traz, decerto,

Àquele que navega quanto havia.


E eu, que me faço nauta para amar,

Pela fé, desde as praias d’aquém-mar,

Ainda antes do amor, eu já o via.


Betim - 12 07 1996

SOBRESSALTO

SOBRESSALTO

 

De súbito me vêm uns calafrios,

Como se aragem forte em corredor

Levantando papéis ao meu redor

Se fizesse presença nos vazios.

 

Pego-me a perscrutar sótãos sombrios,

De todo enmimesmado n’um torpor:

— “Felizes para sempre enquanto for…

Parece uivar o vento entre baldios.

 

Trêmulo, fecho os olhos e me cubro,

Enquanto outro crepúsculo aurirrubro

Prenuncia nos campos mais geada.

 

E incerto da verdade que me pasma,

Fico como esperasse algum fantasma

Em vigília por toda a madrugada.

 

Betim - 06 06 1992 


DE PARTE A PARTE

DE PARTE A PARTE

 

Se partes não suporto o olhar perdido 

De quem me vê passar pelo caminho. 

Se recomponho o rosto em desalinho, 

Suponho-me uma máscara ao vivido. 

 

Assim como eu, tu tens te aborrecido

Ao vagares alhures sem carinho. 

Pois mesmo acompanhado anda sozinho, 

Quem leva o coração ‘inda partido. 

 

De parte a parte, apenas solidão

Trazemos tendo os olhos marejadas

De tanto recordar cada senão…

 

Basta! Sejam passados os passados.

Se careces de mim, de ti preciso:

Volte com teus carinhos meu sorriso!

 

Belo Horizonte - 11 07 1992 


LETARGIA

 LETARGIA


Quatorze vezes mais a gravidade 

Tem pesado meu corpo contra o chão…

Não é preguiça ou mesmo depressão,

Apenas o desânimo me invade.


Todo entregue ao niilismo e à nulidade,

Cogito cartesiano se a Razão,

Carece, como a Força, de direcção

Sob pena de oscilar na eternidade. 


De facto, em pedesis meu pensamento 

Parece opor, a cada vão momento,

À mente uma dialética aleatória.


Sucede ao dia a noite e à noite o dia…

Eu aceito o Universo em letargia,

Vivendo sem qualquer culpa nem glória.


Betim - 22 11 2022


OPALESCÊNCIAS

OPALESCÊNCIAS

 

Como crer na algidez de tuas falas,
Quando em teus olhos vejo tanto ardor?
Ou como ainda negas teu amor,
Se quando eu te confronto tu te calas?

Olhos, que a me luzir duas opalas,
Com negra iridescência têm calor
Em contraste co’os lábios já sem cor,
De quanto, inconvincente, tu me falas.

Pois entre o que se diz e o que se pensa,
Não raro pode haver distância imensa,
Mesmo que o coração esteja à palma.

Até porque, nos lábios, a verdade
Esconde-se com mais facilidade…
Já olhos dizem ser janelas d’alma!

Belo Horizonte - 10 10 1991


terça-feira, 22 de novembro de 2022

ONTEM À NOITE

ONTEM À NOITE 

 

Não cabe já em mim qualquer tristeza: 

Algo de muito bom me aconteceu...! 

O meu olhar cruzou de novo o teu, 

E o que vi fora bem mais do que beleza. 

 

Vi que a minha paixão saiu ilesa, 

Mesmo depois de tudo que se deu. 

Vi que te agrada ter alguém como eu

Admirando-te o espírito e a agudeza. 

 

Tenho andado nas nuvens desde então,

Mas na ânsia de falar-te ao coração, 

Eu fui antes sincero que galante…

 

Perdoa se me faço inoportuno,

Apenas esperanças vãs reúno

Para t’enternecer de novo amante.


Belo Horizonte - 20 09 1992 


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

VIA FÉRREA

VIA FÉRREA

Era muito quente, úmido e escondido

Nas ravinas sinuosas das vertentes.

Onde, longe das casas e das gentes,

Andávamos em busca do insabido.


Ainda muito novo e convencido,

– Ou igual diziam lá, “dado a repentes…” –

Os seguia pisando nos dormentes

Dos trilhos suburbanos a corrido.


E para não passar como covarde,

Tinha-de acompanhar sem dar vacilo

Aos vãos do pontilhão sem mais alarde.


Um monte de moleques era aquilo!

Que na linha do trem gastando a tarde,

Atravessava um tempo mais tranquilo.


Betim - 21 11 1998


domingo, 20 de novembro de 2022

VOCALISES

VOCALISES

 

Não t’entendi a letra da canção,

Contudo, à tua voz reconhecia. 

Lembrava-me uma alegre algaravia

De vogais se alongando em cantochão…

 

Inventaste uma língua de ocasião,

Cuja compreensão eu desconhecia.

Qual fosse instrumental a melodia,

Cantada sincopada à percussão.

 

Mas teu canto um lamento pareceu, 

Porque sei que essa dor que te alucina, 

No insincero sorriso s’escondeu. 

 

Divavas mil solfejos, cristalina,

Ao êxtase de todos, menos eu,

A t’esperar aos prantos na cortina. 

 

Belo Horizonte - 11 10 1992 


MISERANDO

MISERANDO


Alguns anos atrás eu escrevi

“Fluência do meu ser”, significando

Algo sobre alguém tímido falando

Inusitadamente sobre si.


Concedo que inopinado m’excedi

Pelo comportamento miserando

Tendo arroubos verbais de vez em quando

Ao confessar tristezas que vivi…


Súbito, como um rio na torrente,

Fluem de mim palavras tão-somente

De verdades profundas e escondidas.


Logo sangrando o açude da prudência,

Verto mágoas de toda uma existência

A pessoas, por fim, desconhecidas!


Belo Horizonte - 20 11 1997

influências

influências 

 

[ influir ] 

não-fluir, 

não deixar fluir 

o fluido. 

 

[ influir ] 

influenciar, 

não te deixar 

fluir sozinha. 

 

[ influir ] 

influenciada 

não fluis 

livremente. 

 

[ influir ] 

ao influenciar 

teus fluidos 

corporais. 

 

[ influir ] 

fluência do meu ser!

eu ter fluído em ti

te influenciou. 

 

Belo Horizonte - 07 07 1992 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

NARCOLÉPTICO

NARCOLÉPTICO

O dia passa como se enevoado
Co'os olhos entreabertos, salvo engano.
N'um desarranjo de ciclo circadiano,
Caminho de mim mesmo alienado.

Atravesso o expediente anestesiado,
Visto incomunicável n'outro plano.
Em pleno abandono do quotidiano,
Arrasto-me de espírito alquebrado.

Cochilo entre vozes dissonantes
A discutir assuntos importantes,
Enquanto eu me congraço em evadir.

Fantasma pelo mundo material,
Pareço errar em busca d'um final
À minha nulidade de existir.

Betim - 18 11 1997

ESBOÇOS PARA UM RETRATO

ESBOÇOS PARA UM RETRATO

 

Tentei então traçar o teu retrato 

Em folha de papel acartonado

Entretanto, o olhar semicerrado

Borrou-se n’uma lágrima de ingrato…

 

Aquilo que figura queda abstrato.

Ao mostrar sobretudo o que guardado

Se sugere em contorno esfumaçado,

Enquanto mil estrelas no chão cato.

 

Bem pude colocar ali o encanto, 

Que cultivo por ti, facto constante,

Apesar dos pesares e do instante.

 

Foi assim, com os olhos em quebranto, 

Que te pus entre estrelas e ilusões

N’um papel sem maiores pretensões.

 

Belo Horizonte - 01 09 1992

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

VICISSITUDES

VICISSITUDES 


Deveras, lamentar pouco adianta.

Consequências têm causa, tanto quanto

Reveses são razão de desencanto,

Se irrompe o pranto preso na garganta.


As coisas dando errado, não espanta

Cada qual se afastar para o seu canto…

Quando tudo vai mal, quedo em quebranto,

O menor contratempo se agiganta. 


Pois essa fase ruim atravessada

Supersticiosamente é prolongada

Pela nuvem escura que me cerca.


Inobstante, calejo o coração 

Sem considerar nada mais, senão 

Ter que o mal com o pior em mim alterca.


Belo Horizonte - 15 11 2022


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

ANTEPENÚLTIMO

ANTEPENÚLTIMO 


A cada passo mais perto do fim

Caminho inopinado para o nada.

De ânsia apenas se fez a minha estrada,

Onde nenhuma glória coube a mim.


Parto tão fracassado quanto vim

À luz do vasto mundo… Na jornada,

Vi o vento apagar cada pegada,

Indiferente até se não ou sim.


Mais convém ao idealista a fantasia,

Embora a realidade a cada dia 

Se imponha sobre os sonhos e os desejos.


No fim das contas, tudo é mais do mesmo:

Atravessei desertos andando a esmo,

A ter de fogos fátuos seus lampejos…


Belo Horizonte- 15 11 2022


ANTESSONO

ANTESSONO


Como estivesse morto vejo a vida:

D'olhos fechados; deitado no escuro,

Pela semi-inconsciência me procuro

Findo um dia frustrado de saída.


Anseio pela angústia presumida

Em face das mazelas do futuro.

E a despeito de estar são e seguro

No sono breve morte é conseguida.


Esse desejo meu de já não ser

É o único refúgio da esperança

Depois de fracassar mais uma vez.


Eu dormir me recorda de morrer.

Que não serei sequer uma lembrança

D’essa vida em que nada bom se fez.


Betim - 14 11 2022


terça-feira, 15 de novembro de 2022

AGUACEIRO

AGUACEIRO


Gosto de quando a rua vira rio

Durante um aguaceiro formidável!

Gosto de perscrutar o imponderável 

Dos céus descendo à terra em desvario.


É bom sentir bater o baque frio

Da saraiva por sobre o impermeável,

No clímax da Natura irrefreável

Ao se precipitar pelo vazio.


De botas, sigo andando na torrente

Com forças a medir contra a corrente,

N’um brinquedo vadio e descuidado.


E tenho que me vale este momento 

Toda a vida vivida ao sentimento 

De ver, como eu, o mundo transtornado.


Betim - 14 11 2022


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

DISTÚRBIO

DISTÚRBIO


Não. Este mal que tenho não me tem.

Isto é, não me define a minha doença.

Embora me comova a lua imensa,

Cuja influência meus nervos entretém.


Vario em desvario… Assim, porém,

Caminho ao largo manso e sem ofensa

Imerso em quanto a mente sente e pensa

E indiferente àquele que a mim vem.


Dizem que sou de lua. Por suposto,

Eu vivo ruminando algum desgosto,

Que me impede de ver qual todo mundo.


Deveras, com minh’alma em turbilhão,

Cogito as tais razões do coração

Limítrofe do abismo mais profundo.


Betim - 10 11 2022


quinta-feira, 3 de novembro de 2022

JURAMENTADO

JURAMENTADO


D’aquilo que dou fé sou escrevente

E firmo com meu nome bens alheios.

Indiferente aos fins, sejam os meios

Um lugar de verdades tão-somente.


De tão qualificado que inocente,

Meu olhar testemunha vãos anseios

Enquanto as ambições correm sem freios,

Mas bem documentadas finalmente.


Meu trabalho é pôr tudo por escrito

Sob pena de que o dito por não dito

Fique-nos para as páginas futuras.


De modo que, cronista de fortunas,

Ordene entre demandas as comunas,

Deixando a letra fria em escrituras.


Betim - 03 11 2022