domingo, 31 de dezembro de 2017

N'OUTRAS PALAVRAS

N'OUTRAS PALAVRAS

Tem gente que se faz ora de mouca
Certa que uma palavra mais aflita
Não cale ao peito a dor, tão-só a grita,
Seja a sua desdita muita ou pouca.

Contudo, mesmo quando dita louca,
Soa à poesia ainda não escrita...
Pode variar de errática à infinita
Até deixar-me a fala quase rouca.

Tem gente que se faz ora de surda,
Pois crê toda a poesia ser absurda,
Ficando o dito por não dito ou mudo...

N'outras palavras, poeto do que quero
Se, e somente se, quanto for sincero
Emergir do inconsciente mais agudo!

Gov. Valadares - 04 04 1995

ENTANTO

ENTANTO

Pretendo todo o tempo andar atento,
Mas quanto mais eu tento mais me atenta:
A distância à lembrança só aumenta,
Conquanto nada esteja ora a contento.

Entanto, mesmo sem qualquer intento 
Sempre e sempre o passado se apresenta...
E com ele quanto ele representa
De novo em pensamento e sentimento..

Assim, para esquecer um grande amor,
Que se faz presente por saudade e dor
É preciso fingir que não me importe.

Amar, quer no passado ou no presente
Seja algo em todo caso diferente,
Não minha costumaz falta de sorte...

Belo Horizonte - 03 05 1993

sábado, 30 de dezembro de 2017

D'ORAVANTE

D'ORAVANTE

Não mais ser um refém de meus problemas!
Mas, no que depender de mim ou não,
Poete eu a minha humana condição 
E não outra engrenagem nos sistemas...

Para valer a pena escrever poemas
Carece mais ter dúvidas à mão,
Que sempre para tudo solução 
Na vida e seus inúmeros dilemas.

D'oravante serei calmo, não frio
Ciente de que a verdade, na verdade
Se revela n'algum canto sombrio.

E ainda que não seja novidade,
-- Ao contrário, p'ra mim até tardio --
Saiba eu ver tudo com serenidade.

Betim - 30 12 2017

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

SILOGISMO

SILOGISMO


Outra vez, terminou sem começar.

O amor primeiro tem como premissa 

Ser um archote cujo ardor se atiça 

Apenas para após ver se apagar. 


Vencendo a nulidade ao não amar, 

Por premissa segunda ou por preguiça, 

Sentimento que em vão se desperdiça 

É tesouro no fundo de ébrio mar... 


Se se arde por tão-só volver ao escuro 

E se não traz senão insanidade, 

Logo, não há no amor qualquer futuro. 

  

Mas, face a esta silógica verdade, 

Aonde levarás, desejo obscuro? 

A outro lugar-comum: Felicidade. 


Betim - 05 05 1996 

GARAPA

GARAPA

Passa a cana na moenda, colhe o caldo
E espreme dois limões mais o bagaço.
Tem-de fazer do jeito como eu faço
Senão arrisca ao fim ser tudo baldo.

Nas contas lá do céu tem de ter saldo
P'ra Deus abençoar nosso cansaço.
Bebendo, estalo os beiços: -- "Geladaço!..."
E eu um copo após outro já m'esbaldo.

Fazendo assim-assado há-de dar certo.
Qualquer outro refresco nem de perto
Me mata a fome e a sede n'um só gole.

Fica a palavra dada e o arranjo feito:
Garapa preparada d'este jeito
Deixa o sujeito até de miolo mole...

Belo Horizonte - 29 11 2017

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

ELA E ELE - amor em três actos

ELA E ELE – amor em três actos 

PROÊMIO  

Diante de nossos olhos acontece 
Alguma história assim todos os dias: 
Ela e Ele compartilham-se alegrias 
À medida que um ao outro mais conhece.    

Esta história com muitas se parece... 
Tanto, que não importam as etnias, 
Pátrias, lugares, épocas, poesias  
Ou nem sequer o deus de cada prece. 

Tampouco hão-de importar que nomes tomem... 
Seja Ela só mulher; e Ele, só homem. 
Vós-outros os chamais como quiserdes! 

Resta, contudo, a vós eu advertir 
Que os três actos d'amor logo a seguir 
Sempre os repetireis sem o souberdes.

* * * 

ACTO PRIMEIRO – O enamoro

PRAZER EM CONHECER 

Ele vem sem saber para que vem... 
Anda tão distraído que por nada 
Espera que lhe exista alguma estrada 
Para se seguir junto com alguém.    

Ela chega sem qu'Ele olhe. Porém,  
Quando a vê a percebe inalterada... 
Ao certo pensa ainda uma hora errada 
Para o querer consigo Ela também.  

Ele conversa mesmo sendo em vão 
Manter-se longe o olhar do coração, 
Deixando de qualquer outra esperança. 

Ela, por mais sensata, se protege
Por entender que a estrela que lhe rege  
Não brilha tanto quanto na lembrança. 

* * *

ATÉ BREVE

Caminhos que se cruzam e após vão
Aonde for possível e além ir...
Ele não foi sequer se despedir
Quando Ela partiu com seu coração.

Ela o levou consigo, embora em vão.
Por temer consequências no porvir,
Afastou-se a melhor se descobrir,
Sem saber d’Ele e sua escuridão.

Ele espera; Ela, não. Ou melhor, vê
Cada extremo senão, cada porquê,
Em face já de sua ampla insistência.

Ele, por distraído ou tolo, fala
Ao passo que, atenciosa, Ela se cala
Sem saber que esperar da experiência.

* * *

POR OBSÉQUIO

Ele se derrama em mimos e atenções;
E Ela, entre lisonjeada e reticente,
Confrontando o homem ora à sua frente,
Contesta uma a uma suas ilusões.

Ele responde já não ter opções:
Precisa conhecê-la tão somente.
E se algo acontecer qual tem em mente
Não sofrem eles maiores decepções.

Curiosa, Ela já quer saber seu plano
Apenas a mostrar com quanto engano
Pretendia Ele entrar em sua vida. 

Ele se reconhece enamorado
D’Ela e, deverasmente, culpa o fado
Querer quem quase a si desconhecida.

* * *

ACTO SEGUNDO – os amantes

ANTEGOZO

Ela já se deleita em tê-lo ao lado
E sente falta d’Ele quando ausenta.
Ele, sempre que pode, se apresenta
À sua porta com ledo cuidado.

Lá chegando, se sente transportado
Ao aconchego que alegre experimenta.
Horas gozosas... Quando Ela o contenta
E às quais Ele, aliás, se fez rogado...

Ele lhe beija as mãos com tal ternura
Qu’Ela enfim se abandona à calentura
De o ter tão docemente junto d’Ela. 

Mas sem um mais nem quê, logo Ela chora...
Vendo-a emotiva, tímido, Ele cora
E beija o rosto tépido à donzela.

* * *

TONS SOBRE TONS 

Ela chora. Dois olhos d'água ao rosto. 
Ele lhe bebe as lágrimas... E sorri!... 
Beija-a violentamente aqui e ali 
Até da própria dor Ela ter gosto. 

Ele toma do cinto ao largo posto 
E ata seus pulsos bem junto de si. 
Cheira-lhe o pescoço, a colibri... 
Após, rasga o vestido descomposto. 

Suga faminto, pálidos, seus seios... 
Mais torturando-a até sentir anseios: 
Faz com que implore ser toda desnuda.   

Ele a olha... Ela é mais bela que a beleza!  
Vê em seus olhos sós a chama acesa 
E afinal a possui, confusa e muda. 

* * *

ÊXTASE

Amaram-se em silêncio, sem ousar
Que palavras quebrassem esse encanto.
Ela se arqueia e freme... Cai a um canto
E o abraça forte sem nada falar.

Ele logo a aninha ávido a secar
Aquela última lágrima em seu pranto.
Quando beija seus olhos ao acalanto
De carícia impossível de findar.

Ela reluz igual gema brilhante
Ao palor que Ele exsuda n'esse instante
E molha os lençóis sob o casal.

Ela sorri. Alumbra-se seu rosto.
Ele registra o quadro ali composto
E adormece em seus braços afinal. 

* * *

ACTO TERCEIRO – o desenlace

DEPOIS DO AMOR

Acorda co'o barulho do retrete
E levanta, automático, para ir.
Espera que Ela saia para partir,
Despedindo-se pouco antes das sete.

E, na saída, a cena se repete:
Mais beijos estalados a se ouvir!
Ela o abraça, querendo lhe impedir.
Ele a beija, deixando-a no tapete...

No caminho, remorsos e segredos
O acompanham até os arvoredos
Onde tenta ocultar todo pecado.

Sob as sombras, mil vezes se maldiz...
Infeliz por ter sido tão feliz,
Ainda que em lugar ou dia errado!

* * *

ANTES DA DOR

Ela está tão contente! Mal sabe Ela...
Pensa qu'Ele saiu para o trabalho.
Mas volta n'um horário incerto e falho
Enquanto Ela observava da janela.

Passou as horas lívida e singela,
À espera d'um patético espantalho,
Que volta com cara de paspalho
E ainda atucanado para vê-la.

Abre a porta sorrindo e o faz entrar.
Ela procura em vão lhe animar,
A Ele que vai partir seu coração. 

Quando sua mudez enfim se impôs,
Percebe o seu silêncio ser o algoz,
Que traz a Ela de volta a escuridão. 

* * * 

ENTREOLHOS

Ela olha para Ele: Estava arredio. 
A conversa sem fio e sem lugar. 
Ela o acarinha; Ele a repele ao tocar:
Enquanto o arde d'amor, gela-a de frio.

Perdido o olhar, Ele a olha vazio. 
Em si vagou e só foi se encontrar:
O coração, medroso para amar; 
O corpo, seco por saciado o cio. 

Ela o olha, mas Ele não está ali!
Agora chora quem último ri
E os olhos nos seus olhos não são seus... 

Espelham-se sem ver quem bem à frente...
Se impossível dizer que têm em mente
Só o silêncio entreolhos diz -- ”Adeus...“ 

* * *

EPÍLOGO

Como vos adverti, conto comum
Esse que a vós narrei de amor e dor.
Ide de volta ao lar com mais ardor
Reviver tudo com alguém ou algum.

Se o gozo d'essa vida for nenhum,
Ao menos a lembrança tem valor
D'aqueles que se amaram sem supor,
Que repetissem um lugar-comum.

Assim também amais e sois amados,
Mas vós -- por bem ou mal enamorados
Ou que buscais no amor algum conforto. --

Ouvi, portanto, a luz da narrativa:
-- "Antes morrer d'amor enquanto viva,
Que inútil o avivar quando está morto."

Galileia - 04 01 1994

ASSENTAMENTO

ASSENTAMENTO

Era roça, mas tinha ardor de luta.
Não era terra herdada, era conquista.
Pois não fora comprada a prazo ou a vista,
Ao que a sua valia era absoluta.

Por nada nem ninguém se lhe permuta
Esta terra a seus olhos tão bem-quista.
Que, tomada d'algum monopolista,
Porquanto improdutiva e devoluta...

Cabanas e roçados dão a posse
Aos homens e mulheres assentados
N'um chão regado à lágrima agridoce.

Mas sonhos pelos campos veem semeados.
E, prontos a enfrentar quem quer que fosse,
Verdejam os terrenos ocupados.

Pará de Minas - 26 12 2017

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

À NOITE

À NOITE

Escureceu e apenas vagalumes
Luzindo aqui e ali pelo caminho...
Nos longes, relampeava bem clarinho
Instantâneos de serras e seus cumes.

Em concerto ritmado nos friúmes
Acordes que nas sombras adivinho:
Dois sapos coachando e um passarinho
Responde assoberbado de ciúmes...

Nem lua nem estrelas vêm brilhar
Tão carregado o céu de nuvens grossas
Pouco antes d'um dilúvio desabar.

Libélulas chapinham pelas poças
E as corujas azulam do lugar
Co'a chuva que abençoa nossas roças.

Pará de Minas - 26 12 2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

SOLFEJOS

SOLFEJOS

Estes sons sem qualquer significado
Além do serem sons e soarem bem,
Têm me invadido o quarto e a alma também
Vindos d'alguém algures acordado.

A melodia qu'eu tenho escutado
Não chegava a ser música, porém,
Repetia-se como mais convém
A quem do canto faz aprendizado:

-- "Dó, ré, dó, dó, ré, mi. Mi, ré, dó...
Seguia a solfejar na noite só.
E, a batucar co'os dedos, eu ouvindo.

A voz atravessava a escuridão
E acalentava em plena solidão...
Me vi quase chorando de tão lindo!

Betim - 23 12 2017

ESPÓLIO LITERÁRIO

ESPÓLIO LITERÁRIO

Deixo para depois da minha morte
A ilusão de influenciar quem quer que seja.
Resulte n'algum bem tanta peleja,
Onde o desesperado se conforte.

Afinal hão-de seguir-me o esconso norte,
Certos de que a verdade ali esteja.
E, embora eu não mereça tal inveja,
Muitos se alegrarão de tão má sorte!

Meus males serão bens de qualidade
Àqueles que buscarem, por absortos,
Aspectos de qualquer dourada idade.

Sem ter-de endireitar caminhos tortos,
Outro exemplo da estranha realidade
Da poesia viver de poetas mortos.

Betim - 22 12 2017

GENUÍNO

GENUÍNO

A par de dramaturgos e ensaístas,
Tenho procurado ouvir-me a própria voz.
E não os emular em versos sós
No afã de figurar por fúteis listas.

Não me vejo ranqueado entre os artistas
Que de antigas escritas sopram pós:
Reescrevem a fazer pouco de nós,
Furtando d'outros bem diante das vistas.

É como se escrever só fosse certo
Após subir nos ombros d'um experto
E, lá do alto, admirar nossas vidinhas.

Não importa se sou ou não de interesse;
O que escrevo, correto me parece.
Pobres as rimas? São ao menos minhas!

Betim - 23 12 2017

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

UM DESALMADO

UM DESALMADO

A vida é movimento continuado
Do ser entre se almar e desalmar.
Por pena ou humanidade, há-que encontrar
Algum discernimento mais confiado.

O mundo fez de mim um desalmado
No dia em que cessei de me importar
E a esperança deixou de ter lugar
Dentro do coração amargurado.

Com efeito, parece que minh'alma
Perdera-se-me e bem com ela a calma
Que tinha no semblante quando moço.

E o pouco ou quase nada que hoje sinto
Só lembra do que tanto me ressinto,
E tem me feito mais e mais insosso...

Betim - 19 12 2017

ESPÓLIO LITERÁRIO

ESPÓLIO LITERÁRIO

Deixo para depois da minha morte
A ilusão de influenciar quem quer que seja.
Resulte n'algum bem tanta peleja,
Onde o desesperado se conforte.

Afinal hão-de seguir-me o esconso norte,
Certos de que a verdade ali esteja.
E, embora eu não mereça tal inveja,
Muitos se alegrarão de tão má sorte!

Meus males serão bens de qualidade
Àqueles que buscarem, por absortos,
Aspectos de qualquer dourada idade.

Sem ter-de endireitar caminhos tortos,
Outro exemplo da estranha realidade
Da poesia viver de poetas mortos.

Betim - 22 12 2017

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

FIGURA DE PROA

FIGURA DE PROA

Irrompe contra as ondas o veleiro
Co'os três mastros vergados pelo vento.
Na proa, uma sereia face ao tormento,
Cantando para mar e marinheiro.

Em belíssima mulher, esse madeiro
Fora esculpido apenas com o intento
De afastar-lhes o espírito agourento,
Que aos homens rouba o sopro derradeiro.

Estes que pelo mar foram espalhando
Sua visão de mundo e sua língua,
Certos que toda luz aos poucos míngua...

Mas 'inda a ouvem cantar de vez em quando
Os versos d'uma gente navegante,
Que foi ao fim do mundo e mais avante.

Betim - 20 12 2017

CONHECENÇA

CONHECENÇA

Mas como é bom rever a ponta aguda
Depois de navegar por mar aberto!...
Saber-me do canal de novo perto,
Onde aos olhos cada angra se desnuda.

Pelos costões de pedra ir sem ajuda
Até topar co'o cabo indescoberto.
E em todo o litoral quase deserto,
Reconhecer mesmo a ilha mais miúda.

Dos rasos de arrecifes e de abrolhos
Passei ao largo pondo longos olhos
Para avistar enfim a extensa costa.

Agora é só fundear a embarcação
No estuário d'água doce d'um rincão
Onde coisa nenhuma me desgosta.

Ubatuba - 16 07 2017

sábado, 16 de dezembro de 2017

EM GRUPO

EM GRUPO

Ser mais um entre muitos ou não ser?
Eu, para bem ou mal, me tornei nós...
Mas, mesmo que tão juntos, somos sós
Às voltas com joguinhos de poder...

Em grupo, viver é sobreviver.
Como se da manada andando após
Um guepardo sempre à espreita que, veloz,
Fosse a qualquer instante surpreender.

O medo nos motiva a ir em frente
E nos reúne em torno do presente
Tal-qual peças vãs n'um tabuleiro.

Nós: Eu sou eu perdido em meio a eus!
Para fazer sentido isso, só Deus...
Ou senão outra parte sem inteiro.

Betim - 16 12 2017

ALJÔFAR

ALJÔFAR

Cintila sobre a face embevecida
Essa lágrima só de maravilha.
Assim uma mamãe e sua filha
Sorrindo d'emoção quase incontida...

Certas que assim será por toda a vida,
Pois, quanto maior o amor, mais se partilha...
E mesmo após a morte ainda brilha
Sua estrela no céu engrandecida!

Essa lágrima vale mais do que o ouro,
Visto tamanho amor o maior tesouro
Que deixam como herança para os seus.

Mas fique tal imagem registrada
Como memória sempre a ser lembrada
D'um amor semelhante ao amor de Deus.

Betim - 16 12 2017

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ARCO-ÍRIS

ARCO-ÍRIS

Após a chuva em sol se interromper,
As nuvens, feito aguadas de cobalto,
Fazem rajar o azul por todo o alto
E o arco de sete cores aparecer.

No estio vêm alegres de se ver
Quando até mesmo o sol de luz é falto
E seus raios refratados dão um salto
Para em meus olhos virem se perder.

Cores dentro da luz, revelação
Da íntima natureza da energia
Vista como frequência e oscilação.

Por símbolo da mais pura alegria,
-- Seja d'Aliança; seja à humana união --
S'eterne, embora efêmero, em poesia.

Betim - 12 12 2017

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

LIBELO

LIBELO

Mui respeitosamente, eu vos escrevo
No sentido de ouvirdes meu clamor.
Àquele que ora acuso, em desfavor
De mim bem se fez rico e longevo.

Se enumerar seus crimes não me atrevo
É antes por repulsa que pudor.
Tal homem me causara tanto horror
A ponto d'eu pagar o que não devo.

Escrava, não esposa, tenho sido...
Em seus lábios o amor fora a mentira
Com que m'enternecera o tolo ouvido.

Ponde termo à união que ninguém vira
Em justiça acolhendo o meu pedido:
-- "Seja nulo o que em Deus não existira!"

Betim - 12 12 2017

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

MEIAS-IRMÃS

MEIAS-IRMÃS
Elas eram ainda bem pequenas;
As duas filhas d'uma só mulher.
Uma negra, mais linda que qualquer;
A outra, bela de faces bem morenas.
E embora diferenças assim plenas
Não se afastam nenhuma hora sequer:
Ambas sempre a sorrir, haja o que houver,
De sorte que tranquilas e serenas.
Filhas da Tolerância, têm dois pais:
O Respeito e o Direito. Além do mais,
Ao vê-las toda a gente já se alegra.
Precisas conhecê-las, se te apraz:
Àquela que é morena chamam Paz
Enquanto a Liberdade, sim, é negra.
Betim - 11 12 2017

domingo, 10 de dezembro de 2017

EM DUAS RODAS

EM DUAS RODAS

Sair em busca d'horizonte
A além das serras de Minas
E irromper pelas neblinas
Só tendo a distância à fronte:
Panoramas nas retinas.

À terra do fogo e do frio
Seguir ao sol; ao céu azul
Do sul d'América do Sul!
E, passando mar e rio,
Avistar o extremo paul.

Rodar e rodar e rodar
Dias, noites, desertos, rotas...
Topar paragens ignotas
Perto de nenhum lugar
Onde Judas já sem botas!

Meio-irmão de soledades,
Outro lobo pela estepe
A uivar, todo serelepe,
Ao luar das imensidades
Sem abrigo nem estepe...

Pois após cada confim,
No mirante, de atalaia,
Ir ter co'a gélida praia
Que banha a terra do fim,
E gritar enfim: -- "Ushuaia!..."

Betim - 10 12 2017

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

PLANETÁRIO

PLANETÁRIO

Visto de cima lembra um caracol
Esse grão de Universo onde a gente actua:
Cada planeta em círculos flutua
A cirandar em roda cá do sol.

Ou com cacos d'espelho e algum farol
Estrela a estrela qual no céu pontua
Para, de longe, a Terra mais a lua
Ante à matéria escura d'um lençol.

Mais além, Marte, Júpiter, Saturno...
Onde um olhar incrédulo e soturno.
Negou-se a ver qual vira Galileu.

Outro orbe colorido ao imaginário
E logo monto todo o planetário,
Mostrando a todo mundo o mundo seu.

Betim - 07 12 2017

AUTOELOGIO

AUTOELOGIO

Tenho sido o melhor que posso ser
E, embora não pareça bastante, eu
Vejo não ser sequer mérito meu
O bem ou mal do qu'eu ouso escrever.

Mas se escrevinho, por assim dizer,
É por me suceder qual sucedeu:
Nem um declínio nem um apogeu...
Tudo está sempre por acontecer.

N'um futuro que nunca vem, vivi
A escrever do que sinto ou que senti
Mesmo alheio a certames e troféus.

Porque foi com extrema liberdade
Que por sujeito à minha humanidade
Em versos me elevei até os céus!...

Betim - 07 12 2017

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

ESPLÊNDIDO

ESPLÊNDIDO

Foi pouco antes de cair um aguaceiro...
A chuva vinha escura e, de repente,
O céu se abriu p'ros lados lá do poente
E luziu por um instante passageiro.

Quem andava comigo viu primeiro
E apontou admirada para frente:
Nuvens douradas por um sol ausente
Cobrindo majestosas todo o outeiro!

-- "Esplêndido" -- disse ela assim do nada,
Ainda que apressados pela estrada
Buscássemos das águas ter guarida.

Olhei e vi aquilo boquiaberto
Como súbito houvesse descoberto
A luz de Deus nas nuvens escondida.

Betim - 04 12 2017

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

JEITOSA

JEITOSA

Seu jeito mexia co'a gente:
Acanho de moça donzela...
Sempre tão doce e envolvente,
Que linda menina aquela!...

Muito jeitosa de corpo ela...
Sempre tão graciosa e atraente...
Acanho de moça donzela,
Seu jeito mexia co'a gente.

Meio ousada; meio inocente,
Muito jeitosa de alma a bela...
Sempre tão alegre e ridente.
Acanho de moça donzela,
Seu jeito mexia co'a gente.

Betim - 20 11 2017

EM RÉPLICA

EM RÉPLICA

Não que negue a importância dos conceitos,
Ou que me cegue a factos tão adversos...
Concedo que ilumine dons dispersos
E a contragosto admita meus malfeitos.

Penso ser, para todos os efeitos,
Apenas um que tem escrito versos
E se arrisca em assuntos controversos,
Soltando pensamentos imperfeitos.

Mas não pretendo ser dos outros juiz
Nem ensinar ninguém a ser feliz
Com frases positivas ou algo assim.

Quero antes me buscar sempre mais fundo,
Não belezas que agradem todo mundo,
Sim dúvidas que mais falem a mim.

Betim - 03 12 2017

PARALAXE

PARALAXE

A depender do seu ponto de vista;
Seja mais à direita ou mais à esquerda,
O indivíduo vê mais ou menos perda
Dentro da ordem social capitalista.

Entretanto, à medida que ele insista
Em superar os velhos padrões que herda
Ver-se-á como um estúpido de merda,
Que da verdade ainda muito dista.

Tem-se diante dos olhos realidades
A mudar em função das perspectivas
A despeito de vãs perplexidades.

Há-que se fazer leituras pensativas,
Sob pena de só ver pelas metades
Um mundo dividido em cores vivas.

Betim - 04 12 2017

sábado, 2 de dezembro de 2017

DE RESTO

DE RESTO

Não guardarei amor tão-só,
Nem por saudade; nem por dó
Dos dias que vivi contigo.
Deixo-nos nomes sob abrigo
D'esse rebuscado rondó.

Resta a mim voltar a ser só;
Desfazer na garganta o nó,
Quando teu nome desdigo.

Lembrar-te como um sonho antigo
E olhar p'ra frente sob perigo
De repetir o havido só!...
Se apenas pó de volta ao pó
As flores secas no jazigo...

Betim - 02 12 2017

E VICE-VERSA

E VICE-VERSA - rondó

Vastos sentimentos assim
Como os que há entre ti e mim
Conflitantes são tal maneira
Que me trazes gelo e fogueira
N'estes teus lábios de carmim.

Dor e prazer; tédio ou festim
De tudo o que sentes, enfim,
A recíproca é verdadeira.

À flor da pele... Ao cabo e ao fim!
-- E eu a gastar o meu latim! --
És inimiga e companheira...
Senão a única, a derradeira
A quem eu sempre digo sim.

Betim - 30 11 2017

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

JANGADAS

JANGADAS

A coisa mais bonita de se ver
São velas brancas a ir de encontro ao vento:
Mar e céu s'espelhando no momento
Que as jangadas maream ao alvorecer...

Repara o olhar de tanto se perder
Por horas em perigos sem contento
A perscrutar das nuvens o tormento
Antes de que a maré retorne a encher.

Aquele arco em parábola descrito
Parecia sim tender para o infinito
Tão elegante a curva da envergada.

A singrar o horizonte azul marinho
Sobre as ondas fazendo seu caminho
Até sumir da vista rumo ao nada.

Betim - 28 11 2017

FILHO-DA-PUTA!

FILHO-DA-PUTA!

Certas palavras cabem quase tudo
Por sob um guarda-chuva de sentidos.
Termos chulos ou não, os ofendidos
Preferem me castrar por mal-desnudo!...

Escrotices à parte, um abelhudo
(D'esses tolos de doer pelos ouvidos!)
Riu dos poetas por menos conhecidos:
-- "És um sábio ou te tens feito de mudo?"

Pensei e respondi: -- "Surdo, talvez.
É melhor não ouvir quem, de altivez,
Do que fala nem ele mesmo escuta"

Dizendo o que dizia sem saber
E sem saber ao certo o que dizer,
Saiu-se com um feroz "Filho-da-puta!"...

Betim - 29 11 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

EX-ABRUPTO

EX-ABRUPTO

De repente, eu me vi envelhecido
Como os anos em segundos se passado...
Acordo e não sei quem está ao lado,
Tampouco quanto tempo adormecido.

Levanto sem saber que tenho sido
Não mais que outro tipo acomodado,
Tal era o estranhamento atravessado
Do que é imaginado ao que é vivido.

Nua sobre cama, ela ainda dorme...
Eu espero afinal que se conforme,
Enquanto saio sem qu'ela sequer veja.

Canalha de a deixar em meio ao sono,
Quanto vivi aqui eu abandono
Para voltar a ser quem quer qu'eu seja.

Belo Horizonte - 27 11 2017

domingo, 26 de novembro de 2017

PAPEL DE SEDA

PAPEL DE SEDA

Por transparência furto do retrato
Esse rosto que me olha e me sorri.
A pena toma as linhas para si;
Revela tal e qual o seu recato.

Talvez não percebesse de imediato
O enlevo que ao papel me permiti
No desenho d'alguém que nunca vi,
E mesmo inacabado eu arremato.

É suave o desenhar na folha lisa
Ao contínuo escorrega do nanquim
Que sobre o branco-nada se desliza.

Cada traço da estranha diz de mim:
Tomando-lhe d'olhar a luz precisa,
Eu fico enternecido ou coisa assim...

Belo Horizonte - 25 11 2017

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

MONOMANIA

MONOMANIA

Escrevo e apenas isso me interessa.
O resto, ou melhor, tudo além do texto
Tão-somente me serve de pretexto
Para o verso que tenho na cabeça.

Eu poeta tenho sido a toda pressa,
Embora prosador quase bissexto...
Pondo a palavra fora do contexto,
Entendo que meus males ela expressa.

Advirto aqui e ali que sou somente
Um autor que talvez nem valha a pena
Visto que minha luz pouca e pequena.

Ainda assim, é quanto tenho em mente:
Certo de tudo ser novo de novo,
Eu deixo alguns maus versos para o povo.

Betim - 24 11 2017

DE CERTA MANEIRA

DE CERTA MANEIRA

Porque é preciso, sim, pensar e ser
D'uma certa maneira, isto é, a certa.
De maneira que a gente só acerta
Quando faz o que tem-de se fazer.

De certa maneira, há-de parecer
Certo quem do que faz se faz alerta:
Sua maneira co'a d'outros concerta
No afã de, igual a todos, a si ver...

Da maneira certa há-de se ser gente
Quem anda como os outros tão-somente
E, à semelhança d'eles, para nada.

Mas a gente anda assim sem saber onde,
Visto que o que de si mesmo s'esconde
Faz da maneira certa a mais errada...

Betim - 24 11 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

PSICOGNOSES...

PSICOGNOSES...

Muitos vi quando em face d'alheio trauma
Que oscilem entre o estúpido e o pernóstico
Ao disparar algum vago diagnóstico,
Que à base de opioide o doente acalma.

Ignorando os recônditos d'uma alma
Lhe dão sempre o mesmíssimo prognóstico...
E seja o doutor crente; seja agnóstico,
Entrega o coitado à divina palma!...

Triste de quem à beira da loucura
Espera d'estes tais alguma cura,
Mesmo que se desnude totalmente.

Distraídos de jaleco e estetoscópio
Prescrevem outra vez mais do seu ópio
Sem verem quem está à sua frente.

Belo Horizonte - 21 11 2017

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

CLAQUETE

CLAQUETE

Os fotogramas correm pela fita
Vinte e quatro quadros por segundo...
Por pôr em movimento um outro mundo
Enquanto o olhar lhe finge que acredita.

Na tela, a vida é muito mais bonita
E até o quotidiano mais profundo.
Ora imperador; ora vagabundo
A personagem segue a sua escrita.

Quando a imagem e o som em sincronia,
Na montagem dos rolos da edição
O encanto do cinema acontecia:

É tudo de mentira... Outra ilusão
De quem projecta luz mais fantasia
E ao baque da claquete diz: --"Acção!".

Betim - 12 11 2017

SARAVÁ!

SARAVÁ!

À força que habita em ti,
De mãos erguidas saúdo!
Respeito, acima de tudo,
A luz que te trouxe aqui
E a fé no peito desnudo.

A paz que levo comigo
Contigo esteja também.
Chega-te, como convém:
Tu tens em mim um amigo,
Nas horas de Deus, amém!

À luz dos antepassados,
Celebremos mão a mão.
De pés descalços no chão
Acompanhando ritmados
Batuques do coração.

Onde espíritos e santos
Vêm fazer sua morada,
És bendito desde a entrada.
Reverencia os quatro cantos,
Pois esta terra é sagrada.

Que se abram teus caminhos
Nas cantigas de orixá!
Pela glória d'Oxalá,
Do Pai recebe os carinhos:
-- "Anda com fé... Saravá!"

Betim - 16 11 2017

TRAQUINAS

TRAQUINAS

Dizia o pai de seu pai:
-- "Deixa esse menino ser criança!"
Aquilo entrou na lembrança,
E volta se se distrai
Ou quando quer ter esperança.

De facto, quando menino
Fora feliz sem querer.
Livre -- por assim dizer --
Só fazia o pequenino
O que queria fazer.

Vivia de pé no chão
A correr pelo terreiro...
Aprontava o tempo inteiro
Se safando da confusão
Com um sorriso matreiro.

Adorava pregar susto
Em quem visse pela frente.
Amado de toda gente,
Insistia a todo custo
Em se alegrar simplesmente.

Tudo hoje é apenas ânsia!
O tempo passou... Talvez
Nada valha após os dez!...
Só quer em segunda infância
Criança ser ele outra vez.

Betim - 17 11 2017

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ARTE-FINAL

ARTE-FINAL

Tenho me debruçado sobre esboços
Onde, rebuscando algo de interesse,
Faça querer saber quem não soubesse
E fale ao coração dos mais insossos.

Aqueles que, como eu, já não tão moços,
Em cujo turvo olhar mal transparece
Qualquer outra empatia senão esse
Gosto por exageros e alvoroços.

Aprendam a ver arte em quase tudo
De modo que o desenho não mais mudo
Expresse o pensamento ensimesmado.

E vejam com meus olhos a beleza
Que enxergo na sutil delicadeza
De imagens e palavras lado a lado.

Betim - 15 11 2017

domingo, 12 de novembro de 2017

EUS EM MIM

DRAMATIS PERSONÆ

Eis: Estes são aqueles que não sou!...
Quem talvez pudesse ter eu sido
Se diversa actitude houvesse tido
Ou as escolhas lograsse refazer.

São pessoas que em mim fui conhecer
Vivendo algo que não tenho vivido.
Eu por meio d'elas vivo o impermitido
Em transes d'aventura e de prazer.

Uma a uma, experimento fantasias
Ao ponto de me outrar pelas pessoas,
Cujo drama ando a ver todos os dias.

Mas, s'eu para a plateia exclamo loas
É bem para que me ouçam ousadias
E guardem de meus eus memórias boas.

Betim - 12 11 2017

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

GAMBIARRAS

GAMBIARRAS

Tudo o que se tem à mão
Ganha nova utilidade
Quando se faz solução
Que resolva, certa ou não,
Na hora da necessidade.

Para alumiar, por exemplo,
Os sós desvãos da consciência
De olhos fechados contemplo
Minh'alma como se templo
Da já perdida inocência.

Assim também a poesia
Lança luzes onde obscura
A ciência ou a filosofia...
Dando às letras fantasia
E aos males da mente cura.

Pois precária e provisória
A verdade d'umas rimas,
Não pretende maior glória
Que guardar pela memória
Alguns lampejos de estimas.

Mesmo rimas de improviso,
-- Qual oráculo os bandarras --
Já nos põem de sobreaviso
E alumiam onde é preciso
À maneira de gambiarras.

Betim - 08 11 2017

MÁQUINA DE ESCREVER

MÁQUINA DE ESCREVER 

Tinha os olhos mais doutos que letrados
Atrás d'aquelas teclas cheias de dedos...
Metralhava ao papel amores ledos
Em vermelho e maiúsculas grafados.

Saudoso de meus versos extremados,
Reconheço ora às laudas velhos medos
Nas entrelinhas onde sós segredos
Foram quedar por décadas guardados.

A folha em branco -- pura mas vazia --
Recebendo-me as letras que algum dia
Farão tremer o peito ainda infante.

Uma máquina feita de esperança
Aquela onde escrevera quando criança 
E onde alguma poesia fez-me errante.

Betim - 11 11 2017

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

QUEBRA-MAR

QUEBRA-MAR

Saúdo a noite imensa sobre o mar
N'essa estrada que avança contra as ondas.
Rogo, oh lua, tão-só que não t'escondas
E alumies meu silente caminhar.

Seja eu outro encantado sob o luar
Que vaga sentinela em longas rondas,
A ver d'astros as órbitas redondas
N'um desinteressado contemplar.

Postado no limite feito farol,
Eu em vigília aguarde vir o sol,
Envolto de marulho e maresia.

Sê, oh lua, a perfeita companheira;
Aquela que busquei a vida inteira
E permanece ao menos em poesia.

Ubatuba - 20 07 2017

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A RESPEITO

A RESPEITO

Dói sentir na pele o ódio; o preconceito...
Após outra resposta atravessada,
Que aquela gente diz por tudo e nada
A depender das fuças do sujeito.

No intuito de fazer algo a respeito
D'essa falta de respeito descarada, 
Decidi contrariar toda a cambada,
E então fazer as coisas do meu jeito.

Para eles, isso é caso de somenos...
"Os grandes buscam ter com os pequenos
Meios de se distinguir a todo custo."

E eu, menor que os menores, tenho visto
Tão-só dessemelhança, pois tudo isto
Embora verdadeiro, não é justo.

Belo Horizonte - 28 10 2017

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

DOS DIAS IDOS

DOS DIAS IDOS

Enquanto o sol se põe entre edifícios
E tudo pouco a pouco fica escuro,
Nas sombras que se alongam eu procuro
Dos dias idos válidos resquícios.

Deixo as luzes cambiantes dos inícios
Aos olhos apressados do futuro...
E estabeleço, ainda que inseguro,
Poéticas novas d'artes e artifícios.

Aquele escrever meu antigo e estranho
Fora-se co'as fumaças vãs d'antanho
Junto com inquietudes desmedidas.

Mas olho o sol se pôr -- qual fazia antes --
A ver cá das alturas dos mirantes
Os versos que escrevi em minhas vidas.

Belo Horizonte - 19 10 2017

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

FEMINICÍDIO

FEMINICÍDIO

O corno do meu ex quem me matou...
Foi me sangrando as carnes feito presa.
Seu gesto fora de ódio, não tristeza
Pelo amor que era pouco e se acabou.

Depois que tudo aquilo se passou,
Fugiu d'ali correndo na certeza
Que s'eu de suas mãos saísse ilesa
Ele não seria o homem que pensou.

Em face da barbárie consumada,
O povo só se admira; não faz nada,
Senão me ver culpada por ser morta:

Figuro como crime passional,
Estampado na capa d'um jornal,
Que mais uma estatística reporta.

Betim - 11 10 2017

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

CHEIRO DE CHUVA

CHEIRO DE CHUVA

É no vento que a chuva vem primeiro...
Chega n'um cheiro cheio de sul e mar
Que roça as altas serras, sem parar,
E eleva em redemunho o chão mineiro.

Avanguarda das nuvens, esse cheiro
Súbito faz a noite refrescar
Em húmidas lufadas de bom ar,
Que boa prosa traz para o terreiro.

De vera, a gente sai sob relento
Apenas para já sentir no vento
A chuva qu'inda tão distante molha.

E espera, n'uma fé agradecida,
Pela estação das chuvas ver mais vida
Enfim reverdecer em cada folha.

Betim - 09 10 2017

sábado, 30 de setembro de 2017

O DESENGANADO

O DESENGANADO

Disseram-me que não passo de amanhã;
Para eu me preparar para minha hora...
Não que se tenha escolha, muito embora
A dor que me acompanha feito irmã.

A vida por um fio jaz mal-sã,
À espera d'uma mínima melhora.
De sorte que me indago mesmo agora
Se a morte é uma amiga ou uma vilã.

As horas que me restam em meu leito
Passo silente e só do mesmo jeito,
Com um semblante imóvel, olhando a esmo.

De qualquer forma morro pouco a pouco...
Já nem de todo lúcido nem louco,
Tão-só desapareço de mim mesmo.

Betim - 30 09 2017

OSTRACISMO

OSTRACISMO

Não que temesse ainda as soledades
Ou a violência dos ventos d'estes altos...
Apenas já não tenho sobressaltos
Toda vez que me inculpam inverdades.

Venho não por avesso às más cidades,
Mas sim por de beleza os olhos faltos:
Aborrecem-me os brados dos arautos
Tanto quanto murmúrio e inimizades.

Retiro-me das vistas e das falas,
E afasto-me do teatro do poder
Dos senhores em suas antessalas

Se tudo por mais longe mais fugaz,
Só pretendo à distância melhor ver
Na esperança que aqui encontre paz.

Juatuba - 24 09 2017

DO CONTRA

DO CONTRA

Dias há em qu'eu vou além da conta
E, igual louco, interpelo tudo e todos.
Questiono das razões e dos maus modos,
Mesmo com prejuízo meu de monta...

É quando mais nada me amedronta
Nem surpreende em face dos engodos
D'aqueles que chafurdam sobre lodos,
Tentando m'enrolar com lábia pronta.

Cá reverbero os ais de mil murmúrios
Nos quais me inflamo contra despropósitos
Que vêm maldisfarçados como augúrios.

Mas desconstruo ornatos por compósitos
E faço ver algures quão espúrios
Os valores de que enchem seus depósitos!

Betim - 26 09 2017

UMA IMAGEM E MIL PALAVRAS

UMA IMAGEM E MIL PALAVRAS

O que me diz a face que olha muda
Em pleno contraluz fotografada?
Talvez uma verdade imaginada
Que em minh'alma se faça mais aguda...

Ao que no seu olhar me desiluda,
Diante da lucidez ali encontrada;
Ou que dizendo tudo diga nada
Enquanto seu segredo se desnuda.

Em mil palavras soltas se traduz
A imagem que atirei de contraluz
N'alguma luminosa fotografia.

Logo as vejo lhe vir brotando uma a uma
Até que a vã linguagem se consuma
E n'elas reste apenas a poesia.

Betim - 21 09 2017

CORPUS CHRISTI

CORPUS CHRISTI

Porque sagrado o pão que aqui se oferta
A estes que se reúnem junto à mesa,
Dando graças p'la luz eterna acesa
Que enfim a alma dos homens fez desperta.

Porque sagrada a mão que está aberta
Para a oração e a bênção; posta em reza,
Enquanto se faz memória da grandeza
D'Aquele que há-de vir em hora incerta.

Porque sagrado o amor que se alimenta,
Cada vez que se come com irmãos
E a Palavra de Cristo lhes sustenta.

Mas mais sagrada a fé nos olhos sãos,
Que só aos mais humildes se apresenta
De ver o próprio Deus em suas mãos.

Betim - 19 09 2017

sábado, 16 de setembro de 2017

QUEBRA-CABEÇA

QUEBRA-CABEÇA

Mil peças espalhadas pelo chão
Sigo juntando há dias, sem descanso.
Como quando mui só, um louco manso
Joga pedras na lua e em seu clarão.

Ignoro que figura busco em vão
Ver formada à medida qu'eu avanço.
Só sei é ver o ardor com que me lanço
Ganhar logo contornos de obsessão.

Com efeito, o problema à minha frente
É tudo o que consigo ter em mente,
Visto que não complete o quadro todo.

E mais quebro cabeça ali, de modo
Que acontece d'eu ver enquanto explodo
Mil peças espalhadas novamente...

Betim - 15 09 2017

A ENCHENTE

A ENCHENTE

Perdi tudo o qu'eu tinha em minha casa:
Inúteis os retratos, livros, discos...
Voltei assim que pude; corri riscos,
Para rever só restos n'água rasa.

Mesmo agora, o arroio ainda vaza
Pelas frestas dos pórticos mouriscos.
Enquanto apenas pássaros ariscos
Pousam sobre gradis que a chuva arrasa.

Molhadas, as lembranças e a mobília
S'entulham pelos quartos da família
Sem que nada se possa aproveitar.

Acendo no salão outra candeia
E admiro àquele caos como se alheia
A vida que vivi n'este lugar.

Betim - 15 09 2017

terça-feira, 12 de setembro de 2017

INVERÍDICO

INVERÍDICO

Tomando por verdade devaneios,
De ficções tenho dado testemunho.
Logo, o que aqui se lê desde o rascunho,
São-me mais ansiedades do que anseios...

A galope, a cabeça vai sem freios
Girogirar ideias em redemunho,
Até eu declarar de próprio punho
Como se fossem meus vícios alheios:

Para os devidos fins, venho mentindo
Acerca do que é claro e do que é lindo,
No afã de viver vidas que não minhas.

Assim, eu de inverdades tenho escrito
Sempre as falsas memórias d'um aflito
Perdidas n'essas mal traçadas linhas.

Esmeraldas - 10 11 2017

sábado, 9 de setembro de 2017

VER-O-VERSO

VER-O-VERSO

O poeta, mesmo silente, não se cala:
Ver o verso no avesso d'uma folha,
Logo transforma a frase que ali olha
Bem diversa d'aquela que se fala.

De facto, o verso às vezes intercala
Luz e sombra de cujo ritmo recolha
As palavras que tem à sua escolha,
Enquanto seu olhar mais se arregala.

E, sílaba após sílaba, confere
A verdade a que o verso se refere,
Pelo metro de tônicas e rimas.

Pois ver-o-verso é lê-lo atentamente.
Ter que a poesia n'ele se apresente,
Se sentimentos por matérias-primas.

Betim - 04 09 2017

domingo, 3 de setembro de 2017

HOMENS D'ARMAS

HOMENS D'ARMAS

Lutam por glória, terras e bandeiras
Os que fazem da guerra seu ofício.
Pela História assistindo desde o início
O bailado incessante das fronteiras.

Mas, tendo morte e dor por companheiras,
A violência se torna quase um vício...
Em seus olhos não há qualquer indício
De culpas nem esperanças verdadeiras.

Espalhados pelo campo de batalha,
Eles aguardam que a ordem seja dada
E a sorte uma outra vez seja lançada.

Têm que a vida talvez nem tanto valha,
Preferindo arder logo feito chama
A perecer aos poucos n'uma cama.

Betim - 31 08 2017

O BÍGAMO

O BÍGAMO

-- "Mas d'agora em diante há-de ser assim:
Se eu vou, tu vens; e se ela vem, tu vais!
Amor, a bem dos bens, menos é mais...
Quando amar demais pode ser o fim."

"Talvez esse amor não seja tão ruim,
Sendo o querer tão simples, ademais,
Amar aos poucos não cansa jamais,
Pois as duas terão o melhor de mim."

"Não me peças para ir quando não posso!...
O instante de nós dois será só nosso;
O mais será saudade e distração."

"Amor, não fico aqui, pois, salvo engano,
Nada mais mata o amor que o quotidiano
E é terra de ninguém o coração."

Betim - 01 09 2017

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

FELICIDADES!

FELICIDADES!

Diverso é ser feliz de ser alegre
Tanto quanto há pessoas... Em verdade,
Alegria não é felicidade,
Embora nada nem ninguém as regre:

A bolha de sabão que desintegre
Em pleno ar, sem qualquer necessidade,
Senão como um capricho da vontade,
Faz que mesmo o infeliz talvez se alegre...

Alegria se externa n'um sorriso,
Ao passo que ao feliz não é preciso
Sequer algum motivo para o ser.

Felicidade está só na consciência.
O mais é distração; irreverência,
Que faça alguém sorrir sem nem querer.

Belo Horizonte - 24 08 2017

sábado, 26 de agosto de 2017

AGOSTO

AGOSTO
De repente, os ipês pelas janelas!...
Minhas pupilas buscam ver, inquietas,
Às árvores que têm por prediletas,
Se na paisagem seca o brilho d'elas:
É quando com floradas amarelas,
Por serras e veredas já repletas,
Vêm fazer dos mineiros tão mais poetas,
Visto as terras de Minas tão mais belas!...
Perco a noção do tempo ali parado,
Enquanto vai o sol de lado a lado
Tendo-lhe o ouro furtado pelas flores.
Beleza que não cansa de ser vista...
Agosto é quando é Deus tão mais artista,
Que chego a enternecer com simples cores.
Igarapé - 21 08 2017

terça-feira, 22 de agosto de 2017

REBULIÇO

REBULIÇO

Não lhe soube bem esse vinho aflito,
Que a ela serviram antes da conversa:
Tagarelava n'um tapete persa
Qualquer besteira acerca do infinto...

O facto é já nem acham esquisito
A confusão de sua voz dispersa,
Mas o que ela fez, fez porque perversa      
Ou por ver no grotesco algo bonito.

Talvez venham chamar de rebuliço
Essa comédia de erros posta em cena
Que a tantos entretém em hora amena.

Ou, não tendo sentido nada d'isso,
Não fez mais do que pôr de pernas pr'o ar
A festa em frase dita p'ra causar...

Betim - 22 08 2017

domingo, 20 de agosto de 2017

CAFUNDÓS

CAFUNDÓS

Eu, vez ou outra, de tudo e todos fujo
E vou n'alguma roça onde ninguém.
Pois lá nos cafundós e mais além...
Onde só baldeia gado em pasto sujo.

Em meio aos versos vãos que garatujo,
Tenho passado os dias vão também,
Ainda que mais só do que convém,
Enmimesmado feito um caramujo.

D'ali, eu vejo o dia demanhando
Na melopeia dos bois que ecoam o aboio;
De longe respondendo meu comando.

Porque brilha no friume d'um arroio
A luz que me trouxera a estes sertões
E mais me faz amar tais solidões.

Betim - 17 08 2017

ALGURES

ALGURES

Tenho andado por aí sem qualquer norte,
Seguindo, distraído, algum caminho.
Passo a passo, porém, eu me avizinho
Do que se não me mata faz mais forte.

Talvez aonde vou já não me importe
Tanto quanto esta estrada em que caminho,
Cujo fim, bem ou mal, eu adivinho
Decerto não chegar antes da morte.

Algures pelas terras brasileiras,
Poeto acerca de tudo que acontece,
Enquanto busco as novas rotineiras.

Que, embora não pareça muito certo,
A morte cerca àquele que padece,
Estando muito longe ou ainda perto!

Betim - 17 08 2017

SEMICERRADOS

SEMICERRADOS

Se te pintas com sombras a mirada
Sabes n'um piscar de olhos me levar
Do lugar-comum a um comum lugar,
Parecendo que estás compenetrada.

Olhas como se visses pouco ou nada
Por me quereres para além d'olhar
E dentro de mim fosses encontrar
Uma verdade há muito segredada.

Em teus olhos obscuros, quase arábios,
Mal entrevejo as pupilas esmeraldas
Que mais me têm perdido em noites baldas.

Tampouco te reparo os finos lábios,
Absorto todo em ver que vês enfim
De olhos semicerrados para mim...

Belo Horizonte -12 08 2017

terça-feira, 15 de agosto de 2017

POR IRONIA

POR IRONIA

-- "Tudo bem?" -- alguém pergunta.
-- "Nada mal!" -- o outro responde.
... E a coisa segue por aí:
-- "Muito bom." -- aquele ajunta
-- "Bom ou mau?... Sem quê nem onde!" --
E diz de si para si:
-- "Quanto mais a boca assunta,
Mais o coração esconde...".

Não sabem o que dizer,
E dizem algo arbitrário
Ou que todo mundo diz.
Ninguém quer mesmo saber
Quanto sente e mente vário
Ao dizer-se bem feliz...
Por ironia, há-de ser
O contrário do contrário!

Ser feliz dizem que é dom:
-- "Ou se tem ou não se tem
Em si a felicidade!" --
Falam sem mudar de tom.
N'um paradoxo, porém,
Minto ao dizer a verdade:
-- "Está tudo muito bom...
Eu é que não estou bem!"

Betim - 07 08 2017

ENTRE FADAS

ENTRE FADAS

Doura às nuvens d'horizonte
Um sol nascente invernal,
Que vindo detrás do monte
Mostra a paisagem irreal
De colinas neblinadas.

Era íntima soledade
Onde encontro a fantasia:
A caminho da cidade,
Milhões de fadas eu via,
Como se luzes aladas!

De facto, ao nascer do sol
O mundo queda silente.
'Té n'orvalho o caracol
Para quando, de repente,
Fadinhas são despertadas.

Brincam no pólen das flores;
Voltejam dentes-de-leão...
A reluzir multicores
Asas da imaginação
Pelas manhãs encantadas.

Vêm e vão borboletando
E pousam de asas luzindo.
Até que de vez em quando
Voam o bailado mais lindo,
Nas auroras serenadas...

-- "Vinde folgar, minhas manas,
Sem qualquer reserva já!
Tão peraltas, doidivanas,
Voejai aqui e acolá...
Vinde, lindas! Vinde, amadas!..." -

Aquela às demais comanda
E de todas quer-se rainha,
Cantando a rodar ciranda:
... "Se esta rua fosse minha,
Tinha pedras ladrilhadas"...

Os mais diversos folguedos
Estes serzinhos brilhantes
Sempre tão belos, tão ledos,
Enchendo os ares errantes
Das minhas sós madrugadas.

Assim folgava eu também,
Absorto tão-só a vê-las.
E embora fossem d'Além
Ou dimensões paralelas
Eram ali admiradas.

Pois ver o que não se vê
E rir do que não existe
Alegra aquele que crê
Ou ao menos faz menos triste,
Enquanto está entre fadas.

Betim - 10 08 2018

MAIS VINHO!

MAIS VINHO!

Ora, bolas... Que maçada!
Se comida eu já comi;
Se bebida eu já bebi,
Mas de vinho não tem nada
O que faço ainda aqui?

Não venha à festa sem vinho
Quem mais como eu o aprecia.
Se o tinto é meu descaminho,
O verde traz-me alegria,
Esteja eu junto ou sozinho.

Um cálice transbordante
Reluzindo a luz de velas
Faz da namorada amante;
Visto as mulheres mais belas
E a conversa interessante.

É tanta felicidade
Prometida n'um só brinde,
Que até a prosperidade,
Cristais à mão, clamais: "Vinde!"
A que no vinho a verdade
Mais e melhor se deslinde.

Aquele que por primeiro
Nos dá carinho e calor
É, de janeiro a janeiro,
Tanto no amor que na dor
Sempre o melhor companheiro.

Amigos, por sua vez,
De alegria tão modesta,
Eu digo em bom português:
-- "Falte tudo n'uma festa,
Mas não falte o meu xerez!"

Belo Horizonte - 12 08 2017

DISPARATES

DISPARATES

Dizes as palavras certas
Para as pessoas erradas
Com um furor inclemente.
No peito, chagas abertas
Sangram tristezas passadas
Sobre amores do presente.

Ferida, feres de morte
Àqueles que por amor
Estão mais perto de ti.
E enfim se afastam, de sorte
Que um rastro de fúria e dor
Vás deixando aqui e ali.

Com tamanho destempero,
A pouca razão se perde
Em muita aporrinhação:
Tu, da calma ao desespero,
Tremendo igual vara verde
No calor da discussão...

Esses tantos sentimentos!
Essas razões tão injustas!
-- A olhos mal dissimulados... --
Dão tom para tais momentos
Nos quais deliras às custas
De quem escuta teus brados.

Porque no ataque s'escuda
Quem vive em meio a temores
E agride antes de agredido:
Só ódio à face desnuda
A vociferar horrores
Sobre mais um desvalido.

Betim - 13 08 2017

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

ANTICLÍMAX

ANTICLÍMAX

Pesa-me o ânimo triste após o coito
Como um fardo de culpa e de remorso.
No escuro, fixo o olhar sobre o alvo dorso
Alheio até da cama em que pernoito.

Mesmo tendo chegado um tanto afoito,
Só penso se terá valido o esforço:
Ignoro pela curva em seu escorço,
Se ela tem quarenta ou se dezoito...

Pouco importa... Sequer lembro o seu nome...
Ainda que por parvo ela me tome,
Ora a deixo sozinha em meio ao sono...

Saio apressado enquanto nasce o sol.
E a seiva masculina em seu lençol
É a única lembrança que abandono.

Belo Horizonte - 15 05 1995

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O SÓSIA

O SÓSIA

Parece bem comigo e não é eu
Aquele em cujo rosto me confundo...
Tanto, que seria eu se n'algum mundo,
Onde também seu rosto fosse o meu...

Olhando-o frente a frente, sucedeu
De n'ele ver talvez meu eu profundo
A ponto d'eu pensar por um segundo
Que de facto meu rosto fosse o seu.

E se for? Ou melhor, s'eu não for um?!
Se além d'ele e de mim houver algum
A repetir-se em mil rostos iguais?...

Mato-o: Vejo-me morto em fria ardósia...
Resta-me o sósia qu'eu sou de meu sósia
Vivendo em seu lugar uns anos mais.

Betim - 04 08 2017

terça-feira, 1 de agosto de 2017

REBOSTEIO

REBOSTEIO

Este estado de coisas que nos cerca
-- Com todos os senões vãos de permeio... --
Algures têm chamado rebosteio,
Pois bosta às mentes férteis mais esterca:

O mal-lavado com o sujo alterca,
Em disparates pondo as mães no meio.
Sei de boa intenção o inferno cheio,
Mas sempre tem alguém pulando a cerca...

Facto é que não há factos, sim factoides!
Os grandes batem boca nos tabloides,
Enquanto quedam mudos os miúdos...

Contudo, pagam tortos por direitos.
Ninguém nunca assumindo seus mal-feitos,
Até pela verdade enfim desnudos.

Belo Horizonte - 28 07 2017

quarta-feira, 19 de julho de 2017

ARRAIAL

ARRAIAL

Um lugar longe e pequeno
Em noite de grande festa...
Derramava luar pleno
Sobre fogueira e sereno,
Rebrilhando suor na testa.

Vinham mocinhas faceiras
Entre olhares e meiguices
Se rindo das brincadeiras
N'aquelas rodas danceiras
A rodar sem-vergonhices.

Contudo, quedava eu triste
Em meio a tanta alegria.
Tão estranho era à folia,
Que pensando em quanto existe
Mal lembrava que existia...

Quem na treva olvida a luz
Fecha os olhos para o belo.
A noite passa em desvelo
Sem ver aonde conduz
O amor e seu atropelo.

Pois, se o povo folgando
Não me cura o coração,
O que resta é a ilusão
D'encontrar-me vez em quando
N'uma festa de são João.

Betim - 24 06 2017

terça-feira, 18 de julho de 2017

HOMILIA

HOMILIA

Em verdade, ninguém sabe de Deus...
O que quis, o que quer ou há-de querer.
Todos apenas veem o Seu poder
E intuem da realidade os sonhos Seus.

Os homens -- quer patrícios; quer plebeus --
Só reconhecem Deus dentro do ser,
N'uma consciência plena de saber
Que traz discernimento aos olhos meus.

Deus é mistério. Deus é além-tudo...
Diante d'Ele melhor eu quedar mudo
Do que viver falando em Seu nome.

Melhor é admitir minha ignorância
E silenciar de toda essa inconstância
Que através da existência nos consome.

Sorocaba - 18 07 2017

domingo, 16 de julho de 2017

O ARQUEÓLOGO

O ARQUEÓLOGO

Na cratera d'algum vulcão extinto
Ou nas ruínas d'um palácio etrusco
Vestígios de quem fui ainda busco
E as lendas que descri por fim desminto.

Camadas e camadas de indistinto
Pó cobrindo o horizonte revelhusco...
De civilizações o lusco-fusco
Percorro em intrincado labirinto.

Talvez mais no passado que ao presente
Eu viva de mim mesmo indiferente,
Olhando para além do quotidiano.

Por isso têm me visto distraído:
Por caminhos que vão até o Olvido,
Sigo as pegadas vãs do ser humano...

Sorocaba - 16 07 2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

UMA MARIONETE

UMA MARIONETE

Transita entre o caos e o extraordinário
Com liames a prender-te as mãos e os pés.
De qualquer modo, mal sabes quem és:
Apressa o passo em frente -- e sim -- no horário!

Não te alegra o espetáculo, ao contrário,
Mal suportas a vida e seu revés...
Só te resta encarar, mesmo de viés,
Outra revolução do proletário.

Busca certezas mais tranquilizantes
Às dúvidas sempre inquietadoras,
Visíveis em muitíssimos semblantes.

Mas finge quando vês reveladoras
Mudanças que mantém tudo como antes
Mostrarem-se, afinal, conservadoras…

Betim - 11 07 2017

O AUTOINTITULADO

O AUTOINTITULADO

Diz-que falar demais e ouvir de menos
É o mal de quem pensa saber tudo.
Este não conseguia quedar mudo
Face a problemas grandes ou pequenos.

Chamam-no de "doutor" sem ter ao menos
Atravessado uns bons anos de estudo...
Impõe tal tratamento a si contudo,
Encarando-nos com olhos amenos.

Media-se o saber com seu dinheiro,
De sorte que falava o tempo inteiro,
Sem saber do que estava enfim falando.

Atentos às palavras de seus lábios,
Comparavam-lhe os ditos aos mais sábios
Por melhor o iludir de quando em quando.

Betim - 10 07 2017

sábado, 8 de julho de 2017

FALCOARIA

FALCOARIA

Pousada em minha destra, olhos vendados,
A ave aguarda na névoa matutina
A ordem de começar sua rapina,
Por todos esses campos e banhados.

Tensa, ainda mantém os pés arqueados
Pronta para a guerreira disciplina,
Que fez sempre tão próspera a assassina,
Ao deixar rastejantes destroçados.

Acto contínuo, tiro d'ela a venda,
Lanço-a e logo alça voo de encontro ao vento,
Buscando nas alturas nova senda.

Porém, se cá no chão vê movimento,
Despenca desde as nuvens em contenda...
Levanta em pleno ar um peçonhento!

Betim - 07 07 2017

quarta-feira, 5 de julho de 2017

VELÓRIO

VELÓRIO

A vela acesa, o fósforo apagado...
Sobre a mesa os distingo pensativo:
"Se para morrer basta-se estar vivo,
Eis aqui vida e morte lado a lado!"

A luz a propagar-se é antes Fado,
Que às trevas devassava imperativo.
Resta apenas prantear sem lenitivo
Tudo o que agora fica no passado.

O fósforo apagado, a vela acesa...
Se este ardeu sua vida com presteza,
Aquela se consome lentamente.

Em chamas, todavia, vão queimar
Seja ligeiro; seja com vagar,
Como luz que alumia indiferente.

Betim - 04 07 2017

segunda-feira, 26 de junho de 2017

CORPO A CORPO

CORPO A CORPO

Como em luta eu jogar contra o teu peito
Meu corpo sob teu corpo atravessado
Para que toda entregue ao meu cuidado
Te possua no abraço mais estreito.

Uma pequena morte d'esse jeito
Nós vivemos enquanto lado a lado
Me tiras todo o fôlego e, esgotado,
Enfim eu me abandono sobre o leito.

Nas lides d'amor sempre sou vencido
Pela tua violência carinhosa
Que em minha carne tenho mais sofrido.

Decerto uma inimiga perigosa
A quem por suave força submetido
Mais de minha fraqueza por fim goza.

Pouso Alegre - 18 06 2017

domingo, 25 de junho de 2017

INTROSPECÇÕES

INTROSPECÇÕES

Não raro veem a vida como luta
Entre o que se precisa e o que se quer.
Todo humano -- seja homem ou mulher --
Busca assim orientar sua conduta.

Mas quem o coração melhor escuta
Percebe que afinal, venha o que vier,
Razão não há uma única sequer
Para tanta esperança resoluta.

O que acontece ao longo d'essa vida
Faz a estrada onde andamos em comum,
Indo de nada p'ra lugar nenhum...

Passo a passo, porém, é percorrida
Rumo justo ao que nunca se compreende
E ao fim que cedo ou tarde nos surpreende.

São Paulo - 17 06 2017

sábado, 24 de junho de 2017

SOBRE NÓS

SOBRE NÓS

Que bom termos um ao outro! Mas que bom
Estar contigo agora nos teus braços!...
E reter de teu rosto os finos traços...
E ouvir de tua boca o doce som...

Entregue a teus carinhos, tens o dom
De fazer-me esquecer de meus cansaços,
Ao me deixares com beijos e abraços,
Por toda a pele marcas de batom...

Quem me dera ficar! Mas quem me dera
Poder não me afastar nunca de ti!
E viver para sempre esta quimera...

Sem embargo, possa eu deixar aqui
Perpetuada a alegria que tivera,
Certo de que hoje um grande amor vivi.

Betim - 26 05 2017

MORAL DA HISTÓRIA

MORAL DA HISTÓRIA

Do bate-papo ao bate-boca, a voz
S'eleva em meio à turba em desvario.
De longe, só se escuta um vozerio,
Que muito pouco ou nada diz de nós.

Incerto do que possa vir após,
Eu resisto a tão-só me encher de brio.
Pois pouco importa já se choro ou rio:
Sem moral nem história, somos sós...

Mais longe da verdade que do nada
A discussão seguia acalorada
Acerca do que é certo e do que não.

Mas a única certeza era da glória
De se fazer ouvir... Moral da história:
Nenhum correto e todos têm razão!

Betim – 31 05 2017

CASA DE ORATES

CASA DE ORATES

Passado o surto, vem a letargia...
Horas e horas olhando para os lados!
Onde zanzam por pátios clausurados,
Evitando-se a própria companhia.

Após, medicação e terapia:
Co'a rotina de médicos cuidados,
Já aéreos, alheios e alienados,
Vivemos a ilusão de mais um dia.

Por incapaz de ter as ideias certas
Eu ando imerso em minhas descobertas,
Ainda que ninguém possa entender.

No fim das contas é isto a loucura,
Ou seja, n'uma casa cheia e escura,
Entre outros esquecidos s'esquecer...

Betim - 06 06 2017

O DESAFECTO

O DESAFECTO

Que maçada! Rever quem não quero ver...
Quem me fez chorar lágrimas amargas!...
Tanto fez que me fez burro de cargas
Ainda qu'eu tardasse a perceber.

Este -- tão fastidioso e inútil ser! --
Se orgulhava de ter as costas largas...
Às minhas, porém, vergas nas ilhargas
Fez sua língua de açoite a maldizer!

Inimigo de amigos, sacripanta!
A falsidade d'ele fora tanta,
Que dá repulsa só d'eu me lembrar.

Topar com ele justo aqui e agora
Co'a mesma cara estúpida d'outrora,
Foi só e infelizmente muito azar...

Betim - 10 06 2017

O CANDIDATO

O CANDIDATO

Vinha trocando pernas pela rua,
Quando parou defronte à prefeitura,
Como se lhe avaliasse a arquitetura
Ébrio sob a luz pálida da lua.

Súbito, passa a mão pela calva nua,
Sustentando co'a voz teatral figura...
Discorre de nossa glória mais futura
E o que mais à cidade contribua.

Trazia mais respostas que perguntas
E a fé de que as pessoas quando juntas
Têm força p'ra mudar o mundo todo.

Por fim, perdido entre fins e meios
Só faz alimentar novos anseios
Até que outra esperança vire engodo...

Capão Bonito - 15 06 2017

BUCÓLICA

BUCÓLICA 

Foi na noite dos tempos, ainda antes
D'haver um nome para cada cousa...
Foi quando o traço escrito sobre a lousa
Soube ressoar os ais de dois amantes.

Assim poeta e pastor -- seres errantes --
Fez-se aquele que com palavras ousa
Nas soledades onde o olhar repousa
Pôr em versos amenos seus instantes.

Muito antes dos idiomas, as canções
Expressavam dos poetas emoções
Em grunhidos bárbaros ritmados.

Desde sempre à Natura sons tomando
No afã de que com versos quando em quando
Encher os campos d'ecos namorados.

Capão Bonito - 16 06 2017

SUBPROLETÁRIO

SUBPROLETÁRIO

Enquanto uns poucos tinham quase tudo,
Quase todos tinham quase nada.
Mas todos n'essa terra desolada
Muito sós... Do miúdo ao mais graúdo!

Muita miséria aqui o sobretudo
Esconde-me jornada após jornada...
Em meio os que na rua têm morada,
Vejo um povo fechado e carrancudo.

A vista da cidade era d'extremos:
A carência e a opulência desmedidas
N'um diário espetáculo vividas.

Se for tudo o que somos o que temos,
A riqueza se faz do que perdemos
E, ao fim, se faz de nossas próprias vidas.

São Paulo - 17 06 2017

domingo, 4 de junho de 2017

NO JUQUINHA

NO JUQUINHA

Quem desapareceu virou estrela
E foi luzir bem alto lá no céu.
Mas ficou na memória sob o véu
Da serração mirando a aurora bela.

O seu sorriso aberto por nós vela,
N'esses sertões de andar de déu em déu,
Deixando-nos aqui e ali e ao léu
Os passos que veredas nos revela.

Quem desapareceu virou estátua
Depois de brilhar feito chama fátua
E trilhar os caminhos mais distantes.

Ele, que mereceu permanecer,
Nos mostra co'a imagem de seu ser
Quão bem-aventurados os errantes.

Morro do Pilar - 10 10 2012

sexta-feira, 2 de junho de 2017

MORAL DA HISTÓRIA

MORAL DA HISTÓRIA

Do bate-papo ao bate-boca, a voz
S'eleva em meio à turba em desvario.
De longe, só se escuta um vozerio,
Que muito pouco ou nada diz de nós.

Incerto do que possa vir após,
Eu resisto a tão-só me encher de brio.
Pois pouco importa já se choro ou rio:
Sem moral nem história, somos sós...

Mais longe da verdade que do nada
A discussão seguia acalorada
Acerca do que é certo e do que não.

Mas a única certeza era da glória
De se fazer ouvir... Moral da história:
Nenhum correto e todos têm razão!

Betim – 31 05 2017

sábado, 20 de maio de 2017

LIVROS DE FOLHEAR

LIVROS DE FOLHEAR

E se n'um piscar de olhos o desenho
Se movimenta assim, folha por folha,
Em viva animação para quem olha
A ponto d'envolver com tal engenho,

Talvez a cor desfaça o sobrecenho
N'algum divertimento que recolha
Para além das palavras essa escolha
De se ter ao folhear diverso empenho.

Tal-qual a escrita faz nas entrelinhas,
Figuras contando outras historinhas
-- Quando os olhos cansados já de ler... --

Possam se lhes servir de complemento
De modo a aprofundar o entendimento,
Transformando a maneira de se ver.

Betim – 05 05 2017

O NOME DAS CORES

O NOME DAS CORES

Há emoções às vezes tão visuais
Que não cabem apenas na linguagem.
O nome dado às cores traz a imagem,
Que traduz sentimentos e sinais.

Quando virem poesia em tudo mais,
As cores servirão como mensagem;
Serão de mil palavras uma viagem
Entre dois corações e tantos ais:

Um amarelo amaro, um azul céu
E uma verde esperança sobre cinzas
Espalhadas no branco do papel...

Iluminando as faces mais ranzinzas
As cores se revelem plenamente
Tudo que não se diz porém se sente.

Betim – 10 05 2017

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O ANTICONSPIRACIONISTA

O ANTICONSPIRACIONISTA

Procuro parecer bem preocupado
Com factos insondáveis aos pequenos.
Porém, trato os vulgares com somenos
E os mais cheios de razão deixo de lado...

Deveras, estou muito atarefado
Em ser nas trevas luz ou, pelo menos,
Fazer crer aos espíritos amenos
Que um mistério será sim revelado.

Às voltas com grandíssimos problemas,
Decifro os intrincados teoremas,
Que se ocultam por trás das globais redes.

Só eu vejo da trama cada indício...
Não obstante trancado n'um hospício,
Escrevendo com fezes nas paredes.

Betim - 15 05 2017

sábado, 22 de abril de 2017

CATA-SONHOS

CATA-SONHOS

Dependurada sobre a minha cama
Uma peneira com ossos e penas.
Onde vejo passar brisas amenas
Antes que o sono traga uma outra trama.

O luar pela janela se derrama
E projeta na mente belas cenas;
Vãs imaginações deixando apenas
Mais poluções noturnas no pijama...

Os sonhos qu'eu aqui tenho sonhado
Sob a aura benfazeja do amuleto
Mostram dores e amores lado a lado.

Pois mesmo meu desejo mais secreto
De mim para mim me era revelado
Quando me cata sonhos esse objeto.

Betim - 21 04 2017

SORORIDADE

SORORIDADE

Saúdo essa irmandade de mulheres,
Que tem nos feito todos mais humanos.
Difere do que vejo há tantos anos
Às voltas com direitos e deveres.

Há-que tornar mais sábios os saberes
Sem ignorar dos homens seus enganos
Ao denunciar de tantos tantos planos,
Que perpetuam estúpidos poderes.

Sórores -- religiosas ou nem tanto --
Lutando contra séculos de abusos;
Pelo que talvez haja de mais santo!

Por isso desmascaram os obtusos,
E enaltecem àquelas cujo encanto
Está em pôr os tolos tão confusos.

Betim - 22 04 2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

ANGORÁ

ANGORÁ

Sabe a gata
Aonde anda.

Sobe e desce
Na varanda!

Fala mansa...
Ordem branda...

-- "N'essa gata,
Ninguém manda.

Vira-lata
De quitanda!..."

Preguiçosa
Como um panda,

Pulou no ar...
Caiu de banda!

Betim - 18 04 2017

quinta-feira, 13 de abril de 2017

NOVENTA E NOVE TROVAS

PRIMEIRA

Chamam às quadras de trovas,
Quando co'o metro dileto
Têm, ao trazer boas-novas,
Em si um poema completo.

            *   *   *

SEGUNDA

Silva o rebenque no arranque:
-- "Zurra burro! Relincha égua!"
Que importa que mula manque?
Vou rosetar mais meia légua!...

            *   *   *

TERCEIRA

Olhos nos olhos da fera
E pernas p'ra que te quero!
Tomo onde menos s'espera
Carreiras de desespero...

            *   *   *

QUARTA

Hoje te vejo de perto;
Amanhã eu vou-me embora...
À noite passo desperto
Para ver-te desde a aurora!

            *   *   *

QUINTA

Uns olhos de verde gaio
Passo os dias a admirar.
Olhos que olho de soslaio
Para ela não me maldar.

            *   *   *

SEXTA

Pôr gravata vez em quando
Qual arreio em potro xucro:
Nasci desnudo e berrando...
Venha o que vier será lucro!

            *   *   *

SÉTIMA

Muitos dizem ser mentira
Isto de amar de verdade.
Mas quanto o peito delira
Não sabem nem a metade...

           *   *   *

OITAVA

Se nada vem por acaso,
Por que só me vens co'a lua?
A saudade, em todo caso,
Ao meu lado continua.

           *   *   *

NONA

-- "Meninas de bendizer!
Mulheres de bem amar!
Onde anda meu bem-querer?
Onde haveria-de andar?"

           *   *   *

DÉCIMA

Vez em quando me lamento
Das voltas que o mundo dá.
Volta e meia é sentimento
Algo bom em hora má.

           *   *   *

DÉCIMA PRIMEIRA

A morte vem a galope
Montada n'um corcel negro...
Doente, já tomo xarope;
Triste, ligeiro me alegro.

           *   *   *

DÉCIMA SEGUNDA

-- "Eu vou mais logo à cidade
Mas volto ainda cedinho."...
O tempo d'uma saudade
Não passa quando sozinho!

           *   *   *

DÉCIMA TERCEIRA

Abro olhos a ver e olhar,
Ora raso; ora profundo.
Fecho olhos a imaginar 
A imensa imagem do mundo.

           *   *   *

DÉCIMA QUARTA

Cumbuca de sapucaia
A prender mão de macaco,
Que nem onça na azagaia
Presa dentro do buraco.

           *   *   *

DÉCIMA QUINTA

Alguém que cedo madruga
Com mais ajuda de Deus
Apenas suores enxuga,
Não as lágrimas dos seus...

           *   *   *

DÉCIMA SEXTA

A espera de quem alcança
Sempre é difícil momento.
Há quem chame de esperança 
E outros de padecimento...

           *   *   *

DÉCIMA SÉTIMA

Jamais toma as minhas dores,
E ainda me põe no fogo...
Com quem não morro d'amores,
Só falo "olá" e "até logo".

           *   *   *

DÉCIMA OITAVA

Quem faz hora, nada faz:
Perde tempo seu e alheio...
Homem vão em horas más,
Sempre bota Deus no meio!

           *   *   *

DÉCIMA NONA

Muitos vão do luto à luta
Com sangue nos olhos fitos.
Misturam fel com cicuta,
No cálice dos aflitos...

           *   *   *

VIGÉSIMA

Mineiro não faz presença,
Nem diz falso frase leda.
Tampouco pede licença,
Ele diz mesmo é "arreda!".

           *   *   *

VIGÉSIMA PRIMEIRA

Sou, como diz o outro, prático:
Não caço chifre em cavalo!
Quem me sabe sistemático
Cala a boca quando eu falo.

           *   *   *

VIGÉSIMA SEGUNDA

O dia tem tantas horas,
Que às vezes nem me dou conta.
Ai senhores, ai senhoras,
Logo o sol no céu desponta!

           *   *   *

VIGÉSIMA TERCEIRA

Tem a ver com ir em frente
Essa coisa de viver.
A gente olha e, de repente,
Tudo está a acontecer.

            *   *   *

VIGÉSIMA QUARTA

Tem dias que nem discuto:
"Tudo é como tem de ser"...
N'outros, digo resoluto:
"Nada tem quem tudo quer!" 

            *   *   *

VIGÉSIMA QUINTA

Tudo é confuso -- não nego --
Quem tenho sido eu não sei,
Se rei em terra de cego       
Ou cego em terra sem rei.

            *   *   *

VIGÉSIMA SEXTA

Cheio de boas intenções
Faz-se da vida um inferno...
O que são desilusões 
Quando o suplício é eterno?

            *   *   *

VIGÉSIMA SÉTIMA

Vive com medo de aranhas
Quem d'elas teme o veneno.
Eu a conversas estranhas
Evito desde pequeno.

            *   *   *

VIGÉSIMA OITAVA

Dizem que em noite de lua
Aparece assombração.
Mulher de branco na rua
Já me dá palpitação.

            *   *   *

VIGÉSIMA NONA

Devagar se vai ao longe
E com Deus no coração.
Se o hábito não faz o monge,
Tampouco a cruz o cristão.

            *   *   *

TRIGÉSIMA

-- "Ó menina dos meus olhos!
Ó menina d'olhos meus!
Por que prendes a ferrolhos
Este amor que te deu Deus?"

            *   *   *

TRIGÉSIMA PRIMEIRA 

Se Deus fez o mundo todo
Em sete dias precisos,
Espalhou homens a rodo,
Mas lhes negou paraísos.

            *   *   *

TRIGÉSIMA SEGUNDA

Nunca dou ponto sem nó
Em catiras com vizinho:
Levo tombo uma vez só;
Na segunda, vou sozinho.

            *   *   *

TRIGÉSIMA TERCEIRA

Escorre à ponta dos cílios
Lágrimas desde o infinito...
Amor de mãe pelos filhos
É o maior e o mais bonito.

            *   *   *

TRIGÉSIMA QUARTA

Um pai zela de dez filhos,
Mas dez não zelam d'um pai...
Feito trem fora dos trilhos,
Ninguém sabe aonde vai.

            *   *   *

TRIGÉSIMA QUINTA

De dois dedos de prosa
A garrafas de poesia!...
A conversa é mais gostosa
Quando a cachaça a inicia.

            *   *   *

TRIGÉSIMA SEXTA

Atrás da porta outro escuta
O segredo que se esconde...
Quando envolve uma disputa,
Punhal vem sem saber d'onde. 

            *   *   *

TRIGÉSIMA SÉTIMA

Cai a máscara do falso;
Embarga a voz do falaz.
A verdade é cadafalso
Do ardiloso contumaz.

            *   *   *

TRIGÉSIMA OITAVA

Não sei se me calo ou falo,
Mas quem só serve, servo é...
Enquanto existir cavalo
São Jorge não anda a pé!

            *   *   *

TRIGÉSIMA NONA

Quem tem dois pássaros voando,
Mas nenhum na sua mão,
Sonha ter de quando em quando
Posse da própria ilusão.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA

Não há erro mais humano,
Que fazer a coisa certa.
Se é no mundo tudo engano,
Dá-se mal quem o conserta.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA

No sertão da minha terra,
Passa boi, passa boiada...
O olhar nos longes da serra;
Além da curva da estrada.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA

O ninho do joão-de-barro
No alto do jacarandá.
Parece um tanto bizarro
Quando morador não há.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA TERCEIRA

Pega o boi com chifre e tudo
Quem cuida da própria vida.
Demanda trabalho e estudo
O fazê-la bem vivida!...

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA QUARTA

Conta o milagre do santo,
Mas não conta o milagreiro.
Gratidão não chega a tanto
Quando a graça é mais dinheiro...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA QUINTA

-- “Aqui, um conto de réis!
Ali, um milhar de reais!
Se se vão dedos e anéis
Nem já os reis são reais...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA SEXTA

A ocasião faz o ladrão;
A aventura faz o herói...
É, n'uma história, o vilão
O que nunca se condói.

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA SÉTIMA

Juventina tem cem anos;
Dona Mocinha, noventa...
Quem faz alegres seus planos 
É mais jovem que aparenta.

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA OITAVA    

Se é trovador quem faz trovas
Penso eu ser um, afinal.
Tu que lês ora o comprovas
Para o bem ou para o mal...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA NONA

Venda "secos e molhados"
Com cadeiras na calçada...
Onde chegamos cansados
A cerveja é mais gelada.

           *   *   *

QUINQUAGÉSIMA 

Fico até mais crente ao vê-la
Vir em roupas de ver Deus,
Quando reza na capela
Para si e para os seus.

           *   *   *

QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA 

Se muito grande é o mundo,
Ainda maior o Universo...
O olhar mais largo e profundo
Cabe todo n'um só verso.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA

Bem diziam os antigos:
-- "Tudo o que viste, Deus viu!
Ele quem com mil perigos
Distingue o bravo do vil."

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA

Vire e mexe um vem e diz
Para tudo ter respostas.
Triste quem quer ser feliz,
Com receitas, não apostas...

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA QUARTA

Um pé de laranja lima
Carregado de florzinhas,
Eu olho de baixo a cima
À procura de joaninhas.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA QUINTA

Andorinha faz verão,
Quando em bando, não sozinha!
Uma só é solidão; 
Uma é só andorinha.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  SEXTA

Quem pode ter qualquer um
Não raro não quer ninguém.
Antes quer, sem pejo algum,
Todo mundo em vez d'alguém.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  SÉTIMA

Trago um arranjo de flores
Para roubar-te um sorriso.
Se em teus olhos vejo amores,
Tenho tudo qu'eu preciso!

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  OITAVA

Papo de cerca-lourenço...
Conversa p'ra boi dormir...
Quando o discurso é extenso
Se concorda sem ouvir.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  NONA

Se alguém anda tão-somente
Sem dar conta do que faz,
Dá um passo para frente
E dois passos para trás.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA

O fogo que em vão atiço
Saltou longe do braseiro...
É assim quando o feitiço
Vira contra o feiticeiro!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA PRIMEIRA

Dias há em qu'eu me sinto
De costas p'ra própria vida.
Tudo parece indistinto,
Já frustrado de saída...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SEGUNDA

Nas voltas que dá o rio;
Nas voltas que o rio dá:
Canoa em remanso frio
É toda a beleza que há!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA TERCEIRA

Põem a verdade de lado
Quando razão querem ter!
Jamais será encontrado
O que já não se quer ver...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA QUARTA

Corria à boca miúda
A última d’algum incauto:
Quem nunca a ninguém ajuda
Cai no chão olhando pr’o alto!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA QUINTA

À meia noite era meia lua 
Brilhando sobre a cidade.
Andarilhos pela rua,
Corações pela metade.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SEXTA

Mas quem me ilumina o rosto
E parte o seu pão comigo,
A este acompanho com gosto;
A este que chamo de amigo.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SÉTIMA

As paredes têm ouvidos;
As janelas, muitos olhos.
A portas fechadas, ruídos
Escapam pelos ferrolhos...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA OITAVA

O coração é tambor
Que bate desatinado...
Mil vezes morre d'amor
O que vive enamorado.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA NONA

Têm tido mais alegrias
Os últimos que os primeiros;
Aqueles têm fantasias;
Estes, apenas dinheiros...

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA

Ter erudição a uns soa
Como coisa rara e nobre,
Mas a maus olhos destoa,
Qual seda vestindo pobre.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA PRIMEIRA

Conto quarenta anos feitos:
Já vi e vivi um tanto.
Passos tortos fiz direitos...
Sou bento mas não sou santo!

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA

Vou para a festa correndo;
Volto para casa andando...
Vejo o dia amanhecendo
Em folias vez em quando.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA TERCEIRA

Tem dia que não é dia:
Não houve aqui vencedor...
Ninguém é na hora tardia 
Nem caça nem caçador.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA QUARTA

Depois de posto em garrafa
E de cruzar todo o oceano,
Um vinho me afogue a estafa
E alumbre o meu desengano!

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA QUINTA

Antes cedo do que tarde...
Antes tarde do que nunca!
Embora às vezes se atarde,
O amor de flores se junca.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SEXTA

Não me engano nem me iludo
Em descrer dos olhos meus:
O crédulo crê em tudo;
O crente só crê em Deus.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA

Um que nem bem vai embora
E já fala em vir de volta...
Triste de quem sem demora
Anda com a língua solta.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA OITAVA

Isso d'escrever poesia
Para uns é café pequeno.
Esses não têm alegria
Nem o semblante sereno.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA NONA

Sem-vergonha aqui é mato:
Dá em tudo que é lugar!
O que de manhã eu cato,
À tarde torna a brotar...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA

Salamaleques à parte,
O respeito e a cortesia,
Antes são refinada arte
Que custosa fantasia..

            *   *   *


OCTOGÉSIMA PRIMEIRA 

Quem dá o que não possui
Perde até o que não tem.
Não se sabe mas se intui
O lugar que lhe convém.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SEGUNDA 

O amor é pássaro arisco,
Que se afasta quando acuado.
Sabe em cada olhar um risco
E em cada sorriso um fado.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA TERCEIRA 

Fidalgo de meia pataca!
Puto sem eira nem beira!!
Falando igual maritaca
Um caminhão de besteira...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA QUARTA

Se segunda à sexta eu busco,
Sábado e domingo eu acho:
Nas sombras d'um lusco-fusco,
Do arrebol o último facho.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA QUINTA

Vez em quando vou à forra
Contra as mazelas da vida:
Ainda que viva ou morra,
Antes tê-la bem vivida!

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SEXTA

Eu -- mais dia, menos dia --
Parto d'esta p'ra melhor...
Mas fiz tudo o que podia
Com fé, esperança e amor.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SÉTIMA 

Perdem as folhas o viço
Quando vem no outono o frio.
Antes fosse apenas isso,
Mas junto com ele o estio...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA OITAVA 

Amanheço na esperança
E anoiteço em desespero...
Minh'alma jamais descansa,
Querendo tudo que quero.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA NONA

Molha tolos fina chuva,
Que nos pega de surpresa:
Cai como à mão uma luva,
Tua orvalhada beleza.

            *   *   *

NONAGÉSIMA

Ignora a dor d'este mundo
Quem vive só de aparências.
Qualquer olhar mais profundo
Evitam as vãs consciências.

            *   *   *

NONAGÉSIMA PRIMEIRA

À custa d'algum versinho,
Perdia a hora vez em quando...
A manhã em que escrevinho,
Cheira a café fumegando.

            *   *   *

NONAGÉSIMA SEGUNDA

Em teus olhos vejo estrelas;
Em teu sorriso, promessas...
Mas me negas conhecê-las
N'esse silêncio que expressas.

            *   *   *

NONAGÉSIMA TERCEIRA

Além do bem e do mal,
As razões do coração
Pesam mais do que, em geral,
Qualquer razoável razão.

            *   *   *

NONAGÉSIMA QUARTA

Nada como um outro dia
Para se entender o havido.
Quem ontem riu d'alegria,
Hoje está entristecido...

            *   *   *

NONAGÉSIMA QUINTA

Temo que a estrada da vida
Após muito caminhar
Dê n'um beco sem saída
Ou mesmo em nenhum lugar...

            *   *   *

NONAGÉSIMA SEXTA

Ser feliz -- quer sim; quer não --
É mais empenho que sorte:
Uns buscam ser na ilusão;
Outros, só depois da morte.

            *   *   *

NONAGÉSIMA SÉTIMA

Busca alegria absoluta,
Mas Liberdade primeiro!
Melhor um dia de luta
Do que mil de cativeiro...

            *   *   *

NONAGÉSIMA OITAVA

Às letras eu me dedico
Por mais e melhor saber.
Não que me façam mais rico,
Sim me ensinem a viver.

            *   *   *

NONAGÉSIMA NONA

-- "A quantas andam as trovas
Com que costumas poetar?"
-- "São noventa e nove novas
N'esse livro de folhear."

Betim - 12 05 2017