quinta-feira, 30 de março de 2017

ANAMNESE

ANAMNESE

Sinto como se houvesse algo a fazer,
Mas não soubesse ainda ouvir sem susto
Palavras n'um sentido mais robusto
Dizerem dos segredos em meu ser.

Chega ao ponto em que para m'entender,
Seja preciso qu'eu me lembre justo
Aquilo que esqueci com muito custo
E preferia mesmo não saber.

Contudo, estão em mim n'algum lugar
As memórias que tenho-de alcançar,
Sob pena de perder-me enfim de vez.

Pois só essa lembrança tão molesta,
Que apesar dos pesares mais se presta
A me trazer de novo lucidez.

Betim – 30 03 2017

quarta-feira, 29 de março de 2017

IBITURUNA

IBITURUNA

Baldeio serras em busca de paisagens,
A ver dos altos, longe, a imensidão.
Por meandros, desce o Doce em direção
Às terras d'onde o mar me traz aragens.

Fico a rememorar nomes e viagens
Dos lugares que tenho por meu chão...
Desde moço correndo esse sertão,
Na sucessão de chuvas e d'estiagens.

Talvez tentasse ver pela distância,
Entre morros e vales, minha infância...
A roça agora apenas na memória...

Mas subo volta e meia a serrania
Mais certo que de lá torno poesia
Essa mirada míope e ilusória.

Gov. Valadares - 12 07 1996

CANOINHAS

CANOINHAS

Tenho tentado ver mais semelhanças
Que diferenças cá entre as pessoas.
Tento já não julgar se más ou boas,
Tampouco como vão suas finanças.

Hoje busco a ilusão de quando crianças
Víamos folhas boiar feito canoas,
Onde de poças d'água amplas lagoas,
Aos olhos cheios de luzes e esperanças.

Por encanto, ser menor do que as saúvas,
Que embarcadas nas folhas têm viajado
Há horas sem parar de lado a lado.

E seguem à deriva até as chuvas,
Já transbordando tudo em enxurrada,
Levem embora as folhas para estrada...

Betim – 30 03 1997

terça-feira, 28 de março de 2017

BEM PECULIAR

BEM PECULIAR

Tudo indica que não seja algo grave,
Essa vontade súbita de vê-la.
Talvez a nova lua ou alguma estrela
Brilhando para o agouro de obtusa ave.

Ou talvez seu olhar de novo suave
Trouxesse-me de volta enfim para ela
Ou senão, por sentir-se 'inda mais bela,
Houvesse de meu peito a única chave.

Ela, à sua maneira, tem me amado,
Ainda que pareça estranho ou errado
A essa altura da vida acreditar.

Apesar dos pesares, eu a aceito
E permito que me ame d'esse jeito,
Que considero, sim, bem peculiar.

Betim - 28 03 2017

segunda-feira, 27 de março de 2017

BUROCRÁTICO

BUROCRÁTICO

Com um beijo protocolar,
Registra o amor em duas vias,
Documentando a hora e o lugar
Mais cláusulas de garantias.

Reconhece firma e agonias
Onde o amor já não quer estar
Registra o amor em duas vias
Com um beijo protocolar.

A partir d'agora são um par
E se verão todos os dias.
Mesmo que já não queira amar,
Registra o amor em duas vias
Com um beijo protocolar.

Betim - 27 03 2017

(AB)USADA

(AB)USADA

Dizes que dás às mulheres
Que não te admitem querer
Tudo o que não ousam ter
E d’elas o que quiseres
Fazes sem tal parecer.

Porém, mais lábias que lábios
Tens à mulher que provocas...
Tuas palavras tão ocas
Só pretendem menos sábios
Os corpos que estranho tocas.

Quando a mão que ama machuca
E a boca que beija mente
Tudo que por fim se sente
É o asco da língua à nuca,
Que faz o toque indecente.

Tu não me dás o que quero,
Sim o que queres qu’eu queira.
Tu não me queres inteira,
Se és tudo, menos sincero,
E eu sou tão-só verdadeira.

Queres só qu’eu não me negue
Nas voltas de teus rodeios
Enquanto amassas meus seios,
Não por estar já entregue,
Sim esvaziada de anseios...

Betim – 12 03 2017

sábado, 25 de março de 2017

DIFERENCIAL

DIFERENCIAL

Difere o que se faz do que se ideia
Tanto quanto da mão difere a mente.
O real via de regra nos desmente
E desmascara diante da plateia...

Mas muda o mundo quem muda de ideia,
E tenta fazer algo diferente.
A inovação se impõe teimosamente
No passo que inicia uma odisseia.

Difere por não óbvio mas melhor
O novo que se toma por ideal
E agrega em si o máximo de valor.

É quando um sonho torna-se mais real,
Pondo até inimigos a favor
N'aquilo que é o seu diferencial.

Betim - 25 03 2017

quinta-feira, 23 de março de 2017

LABORLATRIA

LABORLATRIA

O trabalho é um deus que se ama e odeia,
Visto que sirva aos homens de medida...
Não por só pelo dinheiro gasta a vida
Quem se vende por vã pataca e meia.

Assim, caem como moscas sobre a teia,
No afã de s'encontrar uma saída
Para, entetido da hora da partida,
Viva sem perceber quanto o rodeia.

Uns dizem que o trabalho é deus ateu;
Outros, no pragmatismo mais plebeu,
Veem útil o servir mesmo que em vão.

Aqueles que trabalham noite e dia,
Todo imersos na própria fantasia
De sempre necessários... Só que não!...

Betim - 22 03 2017

ANTEONTEM

ANTEONTEM

Acaba de acabar, mas permanece
No ardor d'esse passado tão recente,
Como se ainda em mim fosse presente
Ou ainda do meu lado ela estivesse.

Depois de hoje e ontem, tudo desconhece
O sentimento por dentro da gente,
Vivendo no passado do presente
Entre o que aconteceu e o que acontece.

Eu sigo em frente como todo mundo,
Embora sem saber aonde vá
A ver ser ver verdade aqui ou lá.

De memória, contudo, me confundo
Tamanhas as tristezas e alegrias,
Que se alternam apenas em dois dias!

Betim - 23 09 1998

terça-feira, 21 de março de 2017

BORDA DA MATA

BORDA DA MATA

A estrada que margeia o arvoredo
Guarda o hálito de névoa d'alvorada,
Enquanto à sombra eu sigo caminhada
Sem o sol que castiga desde cedo.

Na grota, o rio cai sobre um lajedo,
Murmurando-se a canção  encaixoeirada,
Que faz ouvir de longe na jornada
Por terras onde corre cheio e ledo.

Se cruzo esses sertões de canto a canto
É por sempre querer de seu encanto
Ao longo de meus dias n'esse mundo.

Eu olho e vejo cada vez mais longe
Certo de que a vereda sempre alonge
O fim d'esse chão d'onde sou oriundo.

Tumiritinga - 09 07 1993

segunda-feira, 20 de março de 2017

ORELHAS- DE-PAU

ORELHAS-DE-PAU

Havia um tronco de árvore partida
Bem no meio da calçada, em plena rua.
Fora deixada ali e continua
A apodrecer depois de suprimida.

Por madeira de lei, o toco sem vida
Exibe o cerne sob a casca nua,
Enquanto o tom de brasa se acentua,
Por haver toda a seiva enfim perdida.

Sem embargo, laranjas excrecências
Combrem o nobre pau feito insolências
A maneira de orelhas ou algo vil.

Cheio de orelhas, o pau que ali fenece
Queda em silêncio como se dissesse
-- "Aqui jaz outro jovem pau-brasil".

Betim - 20 03 2017

domingo, 19 de março de 2017

FEROMÔNIOS

FEROMÔNIOS

O cheiro qu'ela exala me endoidece
E me faz desejá-la intensamente.
Cheiro de fêmea em flor que de repente
Me deixa de joelhos, quase em prece...

De mais perto seu sexo me estremece
Sob olor tão forte, úmido e envolvente,
Que me sinto encantado tão-somente,
Como se seu cativo eu me fizesse.

Umas gotas de suor por sobre a pele
Despertam toda sorte de ousadias
N'esse ardor que para ela mais me impele.

Assim tenho vivido, pois, meus dias
Na ânsia de que em seu corpo se revele
A cura de tamanhas agonias.

Betim - 19 03 2017

sábado, 18 de março de 2017

TEMPORIZADOR

TEMPORIZADOR

Se à ampulheta da vida, cada grão
Escorre a cada instante na existência,
Tem-se no nascimento, por coerência,
Contagem regressiva desde então.

N'uma corrida contra o tempo (em vão...),
Onde segundos passam sem clemência,
Os batimentos soam como advertência,
Porque bomba-relógio o coração.

Mais parece escorrer por entre os dedos
O ser que somos pelos dissabores,
Que têm na própria morte o maior dos medos.

Buscando esquecer estes temores,
Não levaremos mais do que segredos,
Quando a morte nos vier em meio a dores.

Betim - 01 05 1998

PROCLAMA

PROCLAMA

Desejam se casar aquele e aquela,
Que andam enamorados já faz anos.
Se acaso alguém souber de desenganos,
Faça saber ao padre na capela.

Mera formalidade... Descrevê-la
Reforça o mal estar dos mais insanos
Se metendo na sorte ou não dos planos
Que só dizem respeito ao moço e à bela.

Todavia, o jornal traz os seus nomes
Seguidos dos extensos sobrenomes
Que as famílias lhes deram desde o início.

Tornam público aquilo que é privado
Como fossem julgar o certo ou errado
De dois ante um contrato vitalício...

Betim - 07 06 1998

NÃO DÁ PARA NÃO LER

NÃO DÁ PARA NÃO LER

Admito carecer de redundâncias
Para mais refoçar o que s'escreve.
A linguagem premia quem se atreve
E faz pensar narrando suas ânsias.

Agora mesmo, tonto em meio a errâncias,
Eu me permito olhar algo mais leve
Meus erros ou omissões como se deve,
Lhes vendo inusitadas concordâncias.

Escrevo investigando meu idioma
A ver que, rebuscado, se retoma
Das palavras o maior significado.

Pois negar duas vezes, mais que afirmar,
Destaca o que se quer enfatizar
Mais próximo do certo que do errado.

Betim - 18 03 2017

sexta-feira, 17 de março de 2017

ERRÔNEA

ERRÔNEA

Muito acerca do que é ou o que não é
Passa antes por preguiça intelectual.
Mais fácil contrapor o bem e o mal
E fazer de tudo mais questão de fé.

Debalde é caminhar milhas a pé
Sem nem cogitar onde é o final.
Errando pelas ruas, por sinal,
Mais só na multidão se sente até...

Ansiava por respostas, mesmo falsas,
Desde que sempre honrando suas calças
Fosse muito correto, todavia.

Porque com pensamentos imperfeitos
Repete, sem notar seus preconceitos,
A errônea ideia que nunca discutia...

Betim - 17 03 2017

MÃOS CALOSAS

MÃOS CALOSAS

Começava na roça cedo o dia,
A tanger suas reses pr'o curral.
A braquiara cortada, do jirau,
Mais o milho da tunha ele trazia.

De sol a sol, a enxada alto brandia,
Abrindo cavas fundas no quiabal.
Tirava após sementes do embornal
Para as semear em hora já tardia.

Lá pelo lusco-fusco, bem cansado,
N'um degrau do alpendre recostado
Procura palha e fumo em meio aos grãos.

Olha os calos que tem em cada palma
E enxerga bem ali na noite calma
Uma história contada pelas mãos.

Sobrália - 13 12 1998

quinta-feira, 16 de março de 2017

DOMUS HELIANTHUS

DOMUS HELIANTHUS                                                                .forma
Talvez por meio de sólidos platônicos --
A saber, o tetraedro mais o cubo --
As paredes de sonho que aqui subo,
Gerassem dois volumes antagônicos.

Suma de ideias e ideais arquitetônicos,
A casa elevada sobre um tubo
Recicla seus resíduos como adubo,
Para nutrir jardins quase amazônicos.

Os telhados pelo ângulo do Trópico
Se inclinando voltados para o sol,
O seguem d'alvorada ao arrebol.

Isso pelo desejo não utópico
D'habitar a casa em movimento
Que gira sobre os trilhos no cimento.

*  *  *
                                                               conteúdo
Tal-qual o girassol buscando a luz,
A casa gira em torno de si mesma.
Embora lentamente, feito lesma,
Voltada para o zênite se induz.

O quarto onde o nascente sol reluz,
Gira para no poente ver o que esma.
Na mesa, manuscritos vãos em resma
Espelham a verdade em versos nus.

Posto o sol, a estrutura continua
O giro de seu trilho sob a lua
Para tornar de novo até o início.

Assim, mudando a vista da janela
Optimiza fachada pois lhe atrela
A energia e o conforto do edifício.

Belo Horizonte - 09 06 1998

terça-feira, 14 de março de 2017

HABITUADO

HABITUADO

Retorno, como d'hábito, ao boteco
E lá peço o de sempre, salivando...
O amargo desce a goela requeimando
Se no palato a língua estala a seco.

Sentado à mesa posta já no beco,
Eu olho em roda a rua quando em quando
A ver as raparigas vir em bando,
Enquanto o chope escorre do caneco.

A tarde aos poucos cai entre edifícios,
Indiferente aos meus antigos vícios
Ou ao meu descaramento contumaz.

E ria de mim mesmo feito rico
Se por uma hora ou duas beberico
Com tudo que na vida mais me apraz!

Belo Horizonte - 05 05 1998

MONOCROMÁTICO

MONOCROMÁTICO

Ando sem tempo para ver as flores
E as borboletas pelo meu caminho.
Passando de olhos baixos, tão sozinho,
Eu nem reparo mais as suas cores.

Em tristes tons de cinza, mesmo amores
Se perdem na distância, sem carinho.
Em vão canta na galha o passarinho,
Enquanto sigo imerso em meus temores.

A cidade se mostra em branco e preto
Saída d'algum filme muito antigo,
Como nuanças de asfalto e de concreto.

Cansado, eu me abandono n'um abrigo
Quase a ver no reclama do panfleto
A resposta às fumaças que persigo.

Belo Horizonte - 23 03 1998

segunda-feira, 13 de março de 2017

VAI CO'AS OUTRAS

VAI CO'AS OUTRAS

De Maria se diria tão-somente,
Que era de acompanhar suas amigas.
Fossem estas a encontros, festas, brigas...
Estava ela também ali presente.

Não tinha vida própria: Simplesmente,
Andava às voltas com alheias fadigas.
Contanto que amizades tão antigas
Se mantivessem sempre à sua frente.

Talvez ela já nem se dê mais conta...
Sem quê nem para quê, passa por tonta,
Tomando tantas dores que não suas.

Maria deveria ser mais só,
Para ser por amor -- e não por dó --
Aquela que se encontra pelas ruas.

Betim – 12 03 2017

A CORRIOLA

A CORRIOLA

Como tantas reuniões de malfeitores,
Aquela terminou intempestiva...
De navalhas na mão, em chaga viva
Pingava sangue ruim, escarro e suores.

A malta repartia-se os valores.
Mas, malandro de mente assim criativa,
No afã de sempre ter mais voz ativa,
Desata uma eloquência de doutores.

Gírias e palavrões em cusparadas
Trocadas entre as faces inflamadas,
Tendo armas e dinheiro sobre a mesa.

Morreram todos n’um “abracadabra!”
Resultando essa cena tão macabra,
Onde somente a grana sobra ilesa.

Betim – 13 03 2017

domingo, 12 de março de 2017

ONOMÁSTICO

ONOMÁSTICO

Essas pessoas, reais ou imaginárias,
Cujos nomes citei em meus escritos
Elenco no final, conforme os ritos
Que os livreiros impõem às obras várias.

Recordo-as cá, ainda que contrárias
Ou indiferentes mesmo aos mais bonitos
Versos onde universos infinitos
Evoquei como imagens libertárias...

Isso porque as pessoas em seus nomes
Têm de si os dizeres mais benquistos,
Tanto ao se verem quanto ao serem vistos.

Escrevo, deste modo, a suas fomes
De justiça, de paz ou do que for
A que brilhe em seus olhos mais amor.

Betim - 12 03 2017

DE SUPETÃO

DE SUPETÃO

Veio e, de supetão, me deu um beijo
Que me estalou nos lábios surpreendidos.
Seus olhos pareciam divertidos
Qual de traquinas pego em pleno ensejo.

Pensei escutar de anjos outro arpejo,
Enquanto os céus se abriam destemidos
Em face dos desejos incontidos,
Pois libertos enfim de todo pejo.

Sorriu, furtivamente, me esperando...
E ficou a me olhar de quando em quando,
Certa de me tocar o coração.

Desde então, minha vida é a seguir
À espera d'outra vez se repetir
O beijo que me deu de supetão.

Betim - 23 05 1996

sábado, 11 de março de 2017

TIROCÍNIO

TIROCÍNIO

D'entre as habilidades necessárias
Para tornar-se um bravo verdadeiro
É preciso que o espírito primeiro
Seja moldado por virtudes várias.

Há-que evitar posturas temetárias
Tão próprias de falaz aventureiro,
Quem mais que um homem d'armas, um guerreiro
Tem provas repetidas e diárias.

Afinal, mesmo tendo às mãos um reino,
Onde corpo e alma sãos, somente treino
É que faz o paisano ser mais forte.

Adquire a desejada proficiência
Para se combater com mais consciência
E não ceder nem mesmo face à morte.

Belo Horizonte - 11 03 2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

AZIMUTE

AZIMUTE

O ângulo entre o Norte e a minha mira
E a linha d'onde sou para onde vejo
Têm as medidas mesmas do desejo
Que por precisa meta o olhar aspira.

A lente da distância me confira
A beleza do que a alma faz ensejo
Ou cobiça... Afinal, sem qualquer pejo
Como se arma de fogo longe atira.

Assim encontro o rumo de ir avante
Para alcançar até o mais distante
Extremo que a vontade determina.

E sigo, sob o sol d'esse sertão,
Contente de tamanha imensidão
Aonde a travessia me destina.

Betim - 06 05 1998

BUMERANGUE

BUMERANGUE

Por que nas tuas mãos eu me sinto a esmo,
Lançado para longe, mais de légua?
Às vezes me tratando a coice d’égua;
N’outras, pondo-me à parte igual torresmo...

Sempre às voltas de mim comigo mesmo,
Tu me alternas a vida em guerra e trégua.
Não tentes me pautar por tua régua,
Julgando disparar enquanto eu lesmo!

Tampouco tenhas falsa compaixão
Mesmo que, arremessado contra o chão,
Levante eu toda a poeira do deserto...

Lamentável, contudo, é essa bossa
De ver a falha tua como nossa,
Embora eu volte a ti de peito aberto.

Betim - 10 03 1998

quinta-feira, 9 de março de 2017

ANTIMANICOMIAL

ANTIMANICOMIAL

-- “Não deixes que me deixem mais aqui,
Vagando entorpecido até a morte...
Não me deixes entregue à própria sorte,
Alheio de tudo quanto conheci.”

“Face ao que a mente sofre, estremeci
De ver o que a ninguém talvez importe:
Qualquer um -- seja fraco; seja forte -–
Pode passar também o qu’eu sofri!”

“Olha e vê muito além do razoável
E encontra o que transcende o racional,
Mas é não mais que  humano no final.”

“Pois, só me tocando algo impalpável
Sentirei a emoção que tens à palma
E olharás para dentro de minh’alma.”

Betim - 09 03 2017

quarta-feira, 8 de março de 2017

PANTEÃO

PANTEÃO

Encimando as colunas da fachada
A arquitrave recebe por dizeres
A honra de padecer sob os poderes
E a glória pelos séculos lembrada.

Mais carrega a estrutura porticada
O peso das palavras que os saberes
D'aqueles que grafaram os caracteres
E deixaram vida e obra para o nada.

Um dia, o duro mármore há-de ruir...
Como imagem do próprio Império a cair,
Enquanto a fala morre co'os falantes.

A escrita, todavia, permaneça
E em semelhante língua se conheça
Glória ainda maior que aquela d'antes!

Betim - 08 03 2017

terça-feira, 7 de março de 2017

BARRO PRETO

BARRO PRETO

Talvez eu seja feito de lama escura,
Igual a esta que escavo ora do brejo...
Então, a emanação que em chamas vejo,
De almas o fogo santo que fulgura.

Contudo, bem ou mal ando à procura
De tirar do negrume quanto almejo:
É mão que acha no barro o caranguejo
E após, seja o que for, forte o segura!

A argila que desliza pelos dedos
Se lhes imita os vincos e os segredos
Mais o moreno mesmo cá da pele.

De criatura me faço outro criador:
Que homens de barro preto sem valor
Eu minha humanidade assim revele.

Betim - 07 03 2017

sábado, 4 de março de 2017

DE CORAÇÃO

DE CORAÇÃO

Certas pessoas são como um presente,
Que o amor por vias tortas  nos tem dado.
A gente não escolhe amar... Ser amado...
Às vezes acontece simplesmente.

Certas pessoas vem viver na gente;
Dentro do peito, sempre do seu lado...
Viveria ao futuro do passado,
Não fosse seu sorriso à minha frente.

Ela foi a filha dada pelo amor,
Que terna me aqueceu com seu calor,
Juntos caminhando mão à mão.

Quem me ensinou a não ser tão sozinho,
Vivendo todo envolto em seu carinho
Amor que sei de cor; de coração.

Betim - 03 03 2017

sexta-feira, 3 de março de 2017

BEM-QUERER

BEM-QUERER

Quando se quer alguém mais do que a si,
É porque algo de mim n'ela subsiste.
Amor que sobre tudo e além persiste,
Pois meu nome em seu nome eu escrevi.

Filha é o maior amor que conheci,
Face a tudo que n’esse mundo existe.
Por seu sorriso já não sou mais triste,
Desde que no meu peito eu a senti...

Mais tenho recebido e tenho dado
Ao viver dos amores o melhor
A cada novo dia do seu lado.

Mas seja o coração ainda maior
Por mais e mais amar e ser amado
Até caber-me todo o seu amor!

Betim – 02 03 2017

APÓS O LEVANTE

APÓS O LEVANTE

No chão, poças de sangue entre os caídos...
Tropas marchando por ruas vazias,
Enquanto quedam mais e mais tardias
As sombras sobre mortos e feridos.

Exangues, rostos já desfalecidos
Que externavam inúteis agonias
Não clamarão por sob as lajes frias
O humílimo silêncio dos vencidos.

Por toda parte cacos de vidraça,
Entulhos e colunas de fumaça:
O caos d’onde irrompera a força bruta...

É restabelecer a qualquer custo
A ordem sob esse mando mais robusto,
Que à noite da cidade agora enluta.

Belo Horizonte – 28 02 2017

quinta-feira, 2 de março de 2017

TERRA FIRME

TERRA FIRME

Tão longe me tem feito navegar
O meu coração, nau transoceânica...
Em qual exíguo atol, ilha vulcânica,
Me fez inopinado ora ancorar?!

Terra firme cercada de amplo mar
Onde as ondas com fúria ultratitânica!
Das estrelas e sua alta mecânica,
A única orientação d'esse lugar...

Já sem bússolas, mapas ou astrolábios,
Tão longe -- muito longe... -- o coração
Perde-me em sua vã navegação.

Impossível dizer se menos sábios
Olhos que atravessaram um oceano
Hão-de chorar o próprio desengano...

Betim - 02 03 2017

quarta-feira, 1 de março de 2017

AMADA

AMADA

Se te sentires só ou esquecida
Lembra-te que n'algum lugar alguém
Está sempre pensando em ti também
E te quer mais que a sua própria vida.

Porque distância só não invalida
O ardor dos olhos fixos para além...
O amor é feito com gestos, porém.
Mesmo estes de saudade mal contida.

A gente olha nos olhos na esperança
De ter a alma pelo outro inteira vista
E reter a alma do outro na lembrança.

Isso, mais que qualquer outra conquista,
Vale quando a gente enfim se cansa
Diante do quanto agora um do outro dista...

Betim - 01 03 2017