quarta-feira, 28 de setembro de 2022

ESPERANÇOSO

ESPERANÇOSO

Um pouco antes do dia amanhecer,
Cantam os passarinhos ao redor.
Tudo parece em paz e até melhor,
Renovado ao que quer que venha a ser.

Mais um dia de vida p’ra viver;
Mais uma hora vivida para o amor…
Enquanto a solidão torna maior
A consciência de si em cada ser.

Espero pelo sol que não demora,
Embevecido pela rósea aurora
Que enche de matizes todo o céu.

E ao concerto fugaz dos passarinhos
Contemplando os sinais circunvizinhos
Transbordo de impressões outro papel…

Betim - 27 09 2022

terça-feira, 20 de setembro de 2022

CORDEL DO ANDARILHO E SUA TRISTEZA

CORDEL DO ANDARILHO E SUA TRISTEZA


Andava légua e meia pela estrada

Quando fui encontrar minha tristeza.

Aproximando d’outra encruzilhada,

M’esperava, anciã, de vela acesa.

Sozinha, bem no meio do jornada, 

M’envolveu n’um instante de clareza:


– “Por aqui seguirás para a distância,

Andando como sempre caminhaste.

Por ali, tornarás com a tua ânsia

De partir se ficares onde amaste

Se, amando, te ressente tanta errância

Que te inquieta onde quer que tu andaste.”


— “Mas, por quem sois, tristíssima senhora,

Deixai-me que caminhe o meu caminho!

Nem prazer nem dor mais me apavora,

Mais do que o ter-de ser sempre sozinho!

Permiti que ame minha amada agora

E depois partir livre passarinho…


A senhora tristeza, no entretanto,

Se calou encarando esse andarilho

Com um olhar profundo de acalanto

Como se, docemente, para um filho

Olhasse entre sorriso e quase pranto

Que s’embarga no olhar de maior brilho:


— “Andarilho que amaste uma mulher,

Recorda-te que andar é quem tu és!

Se deixas teu caminho a quem vier

Tu perderás o chão sob os teus pés…

Para não seres mais do que qualquer,

É querer a alegria que o revés.


“Se amaste as longitudes dos desertos

E as longas soledades silenciosas,

Admirado nas dores por expertos

Por fim te recolheste às venturosas

Que te leem os relatos descobertos

E te invejam a amada imersa em rosas!


Quedo absorto e admirado das palavras

Com que a tristeza a mim s’esclareceu.

Poesia, a mais incerta d’entre as lavras

Dê paga pelo verso que m’escreveu!

Diz a Tristeza: Tu, que n’alma escalavras,

Força ainda mais fundo teu cinzel!


Betim - 20 09 2022






segunda-feira, 19 de setembro de 2022

SAUDADE ANDARILHA

SAUDADE ANDARILHA


Ter saudade é sentir falta 

De quem não está ao lado

Ou do que tão-só sonhado…


É ver até que o olho salta

Na foto d’um rosto amado

De tão amiúde admirado…


É pensar — que ideia incauta! —

Sempre no amor distanciado

Enquanto se apressa o andado.


REFRÃO:   

Ficando, é saudade da estrada.

Andando, é saudade da amada.


Ter saudade é soledade…

Buscar-se a si na estradeira:

Mundo velho sem porteira!


É, sozinho, ver verdade

Na carreira costumeira

De ir ladeira após ladeira


É sentir a extremidade

Desde a estada derradeira,

Se hoje suor, sonho e canseira.


REFRÃO:   

Ficando, é saudade da estrada.

Andando, é saudade da amada.


Essa saudade andarilha

É nunca estar resolvido,

No ir ou ficar dividido.


É desejar maravilha

Em cada dia vivido:

Mais sábio pelo insabido!


É seguir a própria trilha

Até encontrar sentido

Que leve de volta ao havido…


REFRÃO:   

Ficando, é saudade da estrada.

Andando, é saudade da amada.


Betim - 18 09 2022


sexta-feira, 16 de setembro de 2022

ENSURDECEDOR

ENSURDECEDOR


Uma bomba a faiscar fio a pavio,

Que logo engole tudo pela frente.

Vaza tímpanos... Zune tão-somente,

Como fosse um uníssono vazio.


Era zumbido zoando de assovio

E mais nada de vozes de mais gente.

Ao redor parecendo tudo ausente,

Enquanto cada mente em desvario.


Mas depois do estampido, um alvoroço

Onde braços e pernas agitadas

Em meio ao irreal silêncio das calçadas.


Quem mantiver cabeça no pescoço,

Tenha para si quanto o instante aterra:

Eis a música da arma; o som da guerra!


Betim - 16 09 202

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

ESTOICO

ESTOICO


“Antes não ter que ter e após perder”

Diz a sabedoria dos vencidos!

Acumular é mal de tempos idos,

Que nada traz senão mais desprazer.


Na roda da fortuna, todo o poder

Gira ao redor de pares guarnecidos:

Somente vencem sempre os que, vendidos,

Fazem coro a quem mais lhes prometer.


Eu, de outro lado, já não faço conta

De quanto perco ou ganho n’essa vida:

Sigo mísero enquanto o sol desponta!


Certo apenas que alguém nos desvalida

E no fim todo mundo desaponta

Nos deixando uma dor imerecida.


Nova Lima - 07 09 2022






quarta-feira, 7 de setembro de 2022

DE CU É ROLA

 DE CU É ROLA


Tabuísmo extremista e universal,

‘Tá na boca do povo revoltado

Com as más intenções d’algum folgado,

Que quer levar vantagem no final.


Tipo vil, falastrão etcetera e tal…

Que adula sem fazer-se de rogado

Ou demonstrar o quanto é abusado,

De modo semelhante ao sexo anal.


Passa escorregadio pela lábia

E toma para si tais liberdades

Que engana gente tida por bem sábia.


Sem limites, se vale de inverdades

Para gozar de quem o leva a sério,

E no fim lhe reserva o vitupério…!


Nova Lima - 07 09 2022


DESAVERGONHADA

DESAVERGONHADA


Tu, muito embora casta; embora pura,

Tens com tua beleza tal poder,

Que inflamas mesmo os santos de querer,

Enquanto rezas nua na clausura…


És demasiado carne e formosura

Para viveres só a esvanecer.

Não te faria Deus para o prazer

Apenas para arderes de loucura!


Sê desavergonhada pelo gozo,

Que de ti mesma obténs no prazeroso

Afã de te tocares com lascívia.


E não te negues mais, porque pecado

É deixares teu corpo abandonado;

Já sem sangue por sob a pele lívia.


Betim - 05 09 2022











terça-feira, 6 de setembro de 2022

AFRODISIA

 AFRODISIA


A todo o tempo; a toda hora!

Sempre que te for possível 

Eu estarei disponível…

Melhor? Só se for agora!

Para outro encontro


Já podes vir se quiseres;

Se puderes, se me amares…

Tanto quanto desejares:

D’entre todas as mulheres,

Eis-me toda a teus manjares!


Se te apraz minhas carícias,

Me apetece teus desejos.

Em meus braços benfazejos,

Sou um jardim de delícias

Onde repousas sem pejos.


Explorador pelas curvas

De minha alva geografia,

Vens para minha agonia.

Quando, insólito, te curvas

Sob o afã da fantasia.


A teus dedos minha pele

Se arrepie, transtornada.

E por mais uma jornada,

Às fúrias de amor apele,

Tão de ti enamorada…


Betim - 05 09 2022


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

ORIUNDA

ORIUNDA


Não tanto os olhos, antes os olhares

Contam de sua história e sua origem.

Eram fundas miradas de vertigem,

Enviesadas a mim como a meus pares.


Contavam d’outras épocas, lugares

E mesmo dos costumes que ‘inda afligem

Mulheres que cobertas de fuligem

S’escondem atrás de homens e de altares.


Baixa a sua cabeça, todavia,

Quando sustento o olhar para encará-la

No afã de surpreender-lhe a fantasia.


Enigmaticamente, nada fala

E se retira certa de que, enfim,

Eu d’ela menos sei que ela de mim!


Betim - 05 09 2022

sábado, 3 de setembro de 2022

SOB ANONIMATO

SOB ANONIMATO 


Enquanto o divergir for perigoso,

Faz-se-me necessário já não ser;

Ou melhor, ser, mas sem aparecer,

Oculto n’um pseudônimo rançoso.


Fiel a meu espírito suspeitoso,

Escrevo-me impressões sobre o poder

Sem deixar quem eu sou transparecer,

À margem d’outro estado fascistoso!


Hoje, esse triste país em qu’eu habito

Queima poemas e poetas no Interdito,

Em meio a religiosos vendilhões…


Um campo de batalha em cada esquina,

Eis quanto a tirania determina

Àqueles que sustentam opiniões.


Betim - 02 09 2022