SABERES
É impossível ensinar algo a quem pensa que sabe tudo.
Betim - 29 05 2024
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
XAVECO Enquanto te improviso galanteios, Talvez tu me sugiras maravilhas: Reparo os ombros nus feito armadilhas, Chamando-me ao decote dos teus seios. Belos fins justifiquem parvos meios, No afã de desbravar-se novas trilhas! Teus lábios recendiam a baunilhas, Embora m’evitassem com rodeios… Perto demais, vagueio que nem preá Em face da serpente sibilante, Que me avança e recua a todo instante. Ignoro o que fora ou que será. Mais do que convencer-te ou qualquer plano Celebro desde já o encontro humano. Betim - 28 05 2024
FIGURA FEMININA
O preto sobre o branco: Silhueta
D’um rosto de mulher sem muitos traços;
Há flores nos cabelos; há embaraços
De pétalas e pelos na palheta.
Com tons de terra d’África ela poeta,
Salpicando de pontos os espaços.
Não há ali tristezas nem cansaços,
N’uma mensagem simples e direta.
Em perfil, se sugere algo ancestral,
Que dos sonhos irrompe qual memória
Perdida d’entre as sombras vãs da História.
Figura quase abstracta, por sinal.
Faz belo, a despeito dos desgostos,
Este rosto a caber todos os rostos.
Betim - 29 05 2024
CONTRARRELÓGIO
Vinha — "Em carreira pela carreteira!" —
Sempre co’os olhos fitos na chegada.
Como se nada o fosse parar. Nada.
Antes d'aquela linha derradeira…
Todo imerso na própria brincadeira
— "Ciclista campeoníssimo de estrada!"—
O menino acelera a pedalada,
Tendo tão-só o tempo à dianteira.
Era não mais que um corpo em movimento
A deslizar no asfalto e no cimento,
Ainda co’o cronômetro correndo.
E vai… Pela cidade indiferente,
Sem saber o que vem à sua frente;
Certo de que realiza algo tremendo.
Betim - 01 05 2024
CARICATURAL
– Dois olhos cobiçosos, um narigão
A boca escancarada, o queixo avaro… –
Do retrato mordaz nenhum reparo,
Visto eu te parecer algum vilão.
O que te fiz de mal, querendo ou não,
M'enfeia aos olhos teus: Tão ignaro,
Que mal me posso ver quando m'encaro
N’essa obra singular de tua mão.
Eu deixo como está pelo papel,
Sabendo-o para mim algo cruel
Por entender a dor que me apregoas.
E aceito te ser tal caricatura,
Certo de que me olhaste sem ternura,
Como a mais imperfeita das pessoas.
Contagem - 24 05 2024
HORIZONTES
Das alturas, em face de amplidões,
Surpreende contra o sol vales brumados,
Enquanto sobe a trilha nos cerrados
E galga as penedias dos sertões.
Cercara-se de imensas solidões
Até descortinar os céus raiados
E os cumes dos morros elevados
Banhados d’ouro fino por clarões.
Sabe do fugidio da beleza,
Enquanto dos Gerais a natureza
Contempla ensimesmado e agradecido.
Travessia de distâncias sublimadas,
Dando-lhe a conhecer pelas jornadas
Horizontes ao olhar enternecido.
Brumadinho - 11 05 2024
NO HOJE-AGORA
Importante é o que está acontecendo,
Enquanto tenho o corpo em movimento.
Pôr no tempo presente o pensamento,
Mesmo sem haver nada de estupendo.
Tudo deve passar n'algum momento,
Sob pena de sentir-se apodrecendo.
Só costuma não crer no que está vendo
Quem se ignora desde o nascimento…
É preciso deixar o que passou
E não se deslumbrar co’o que ficou
Ou mesmo s’exilar em velhas ilhas.
No hoje-agora — não ontem ou amanhã,
Eu viva a minha vida tendo o afã
De encontrar no caminho maravilhas!
Betim - 22 05 2024
OBSOLECÊNCIA
O meu tempo se foi sem que atinasse:
Eu, quando dei por mim, já não servia.
Como a viver senão de nostalgia
Ou de quinquilharia eu não passasse.
Obsoleto de todo, quanto olhasse
Tão-só faria ver sem serventia
Cada mínima coisa que eu fazia,
Se co'a devida luz m'examinasse.
Quando não um , após anos sendo usado,
Nos fundos d’um belchior, abandonado,
Eu resto entre outras tantas bagatelas.
O meu tempo passou sem que soubesse.
Que sou senão memória que s’esquece
Ou outro fauno evitado por donzelas?
Betim - 20 05 2024
HÍGIDO
Em estado de pleno bem estar,
Caminho para os altos neblinados.
Vibrando, em batimentos compassados,
O coração no peito a cada arfar.
N’uma trilha escarpada, sem parar,
Avanço d’olhos fitos sobre os prados,
Que s’estendem nos verdes ondeados
Do mar de morros baixos do lugar.
As pernas me obedecem o árduo esforço,
Embora ainda escorram pelo dorso
Em bicas tanto o suor quanto o sereno.
Exausto já — porém, mais bem disposto;
Eu sigo para o topo só por gosto
De ser ao céu imenso tão pequeno.
Brumadinho - 11 02 2024
DESENCONTRADOS
Ao atar e desatar de nós, a vida
S’enredou uma trama previsível.
O amor, por fim, tornou-se algo risível
Como qualquer mania descabida.
Semelhante à chegada é a partida,
Meio à névoa no porto do impossível…
Meus olhos marejados creem plausível
Que a própria fuga em si seja a saída:
Na direcção oposta que seguiste
Eu dei rumo a meus passos na esperança
De deixar no passado quanto existe.
E enquanto na distância a gente avança,
Nem sei mais dizer se alegre ou triste
A imagem que te trago na lembrança.
Betim - 15 05 2024
MOTO-CONTÍNUO
Talvez eu seja apenas mais um tolo,
Incerto se engano a mim ou a toda gente.
Como quando em contínuo indiferente
A água no sobe-desce do monjolo.
Se face à gravidade não há dolo,
Tampouco o movimento é inocente:
O ciclo se repete tão-somente,
Em seu trabalho infindo do alto ao solo.
Assim, também a vida como a vivo
Segue com precisão de mecanismo
As alturas e as baixezas do egoísmo.
Mas leve é meu esforço… Algo furtivo
— Ignoro se ao começo, meio ou fim —
Que s'enche e s’esvazia dentro em mim.
Betim - 13 05 2024
MALEDICÊNCIAS (gazel)
Passo e vejo do outro os tormentos,
Imerso em descontentamentos:
— “Sem sentimentos; sem sofrimentos.” —
Nos diz quem sentiu e sofreu…
Traz seus — dir-se-ia — argumentos,
Em face do que aconteceu.
Maldiz a vida por momentos,
Que anos de dor lhe concedeu:
— “Que sou senão esquecimentos
Na mente de quem me conheceu?” —
Maldiz tudo e todos aos ventos
E a quem der tento ao brado seu:
— “Que sou senão meus desalentos,
Em face de quem m'esqueceu?” —
No mais, falava aos elementos
Como a quem lhe desentendeu:
— “Que sou senão os maus intentos
De quem, egoísta, me perdeu. —
Parecia ler meus pensamentos…
Nem sei se era ele ou se sou eu!
Betim - 10 05 2024
POR ALGUNS INSTANTES
Não sei se foste tu ou se fui eu
Quem se perdeu de nós ao nos perdermos.
Só sei que os dois partimos para os ermos,
Sem saber o que era meu e o que era teu.
Não sei dizer nem quando aconteceu
Isto de nos olharmos sem nos vermos…
Incertos do contexto e até dos termos,
Eis a página que o azar nos escreveu:
Soltamo-nos as mãos meio ao caminho,
Como quem quer chegar antes ao fim
E andasse mais veloz porque sozinho.
Contudo, ao entardecer, pensas em mim.
E, por alguns instantes; sem carinho,
M’esperas vir por onde um dia eu vim.
Betim - 05 05 2024