segunda-feira, 29 de março de 2021

CONSTERNADO

CONSTERNADO

Se tenho caminhado sem mais meta
pela rua...

Se enquanto m'embriago, na sarjeta
boia a lua...

Se em meus sonhos dormes tão inquieta;
toda nua...

Se o luar lembra no mar minha silhueta
sobre a tua...

Se então vejo brilhar-te a aura repleta
de luz crua...

Se a poesia tão pouco serve ao poeta
na dor sua...

Se a vida, mesmo quando é incompleta,
continua...

Guriri - 31 12 2020

quinta-feira, 25 de março de 2021

OS PÉS PELAS MÃOS

OS PÉS PELAS MÃOS (rondel)

Falava do que nem pensava...
Dizia o que sequer sentia!
Por parecer ser, enganava.
Para parecer ter, fingia.

Com uns, era igual cotovia.
Com outros, que nem fera brava.
Dizia o que sequer sentia...
Falava do que nem pensava!

Para se afirmar, renegava:
Para tudo e todos mentia
O que de si mesmo ocultava.
Dizia o que sequer sentia...
Falava do que nem pensava!

Betim - 25 03 2021

terça-feira, 23 de março de 2021

TRAJECTÓRIA

TRAJECTÓRIA 


Há pessoas que encontram a poesia ao longo de suas vidas. Umas entendem que ela faz perceber através das palavras o inusitado nas pessoas e nas coisas. Outras, por outro lado, escrevem para si mesmas n'um movimento cada vez mais profundo dentro de si mesmos. Creio que me identifico com o segundo tipo... Escrevo desde a adolescência e sigo escrevendo, embora já um homem de meia idade. Nunca o fiz por desejar notoriedade ou deixar por meio das letras algum legado. Na verdade, não me importo muito com a indústria literária ou de entretenimento: Jamais pretendi viver da escrita, ao contrário,  sempre reservei o direito de, ao menos nos versos d'um poema, ser totalmente livre do mundo e suas responsabilidades. Escrevo poesia, talvez, porque quase ninguém paga para ler.  Quem leu, leu porque quis e gostou porque achou bom. Nunca me motivou o comercial nem o acadêmico da Literatura. Logos, não escrevo para vender livros ou ou gerar teses de mestrado.


Trajectória, dizem alguns, é o caminho descrito por algo em movimento. Sou um poeta em curso que bem recentemente começou a expor seus escritos para a incompreensão alheia. Sim, para não quer vender seus alfarrábios as páginas virtuais facilitaram muito as coisas. Comecei a publicar poemas na web apenas em 2015, embora já escrevesse há 24 anos...!  Ocupei alguns espaços; afastei-me d'outros, mas jamais me deixar pelo compadrismo literário de aplaudir para ser aplaudido. 


Em tempo: Divido com minha precária ocupação de poeta a pretensão de ser fotógrafo e a responsabilidade de ser arquiteto. Pago minhas contas com projetos enquanto devaneio com letras. Os instantâneos?  Penso ser outra crise de meia idade! Penso ser feliz com tudo o que faço, bem ou mal, mas devo confessar que preocupo os mais próximos com essa mania de escrever sempre que posso. Hipérgrafo, dizem de mim os entendidos... Mas, oportuna ou inoportunamente, viver entre as letras tem me ajudado a ser com mais profundidade tudo o que sou.


Escrevo, mais amiúde, versos de forma fixa, isto é, com estrutura estrófica, metro, ritmo e rima. Escrevo versos livres também, por via de regra, quando aflitos demais para caber em esquemas. Vez em quando, prosaico, arrisco um conto ou uma crônica. Escrevi um romance: PASSIONAL - Notas d'um bilhete suicida, mas não tive dinheiro para imprimir e publicar. Não muito raro, pago uns tostões para ser lido em antologias, mas com tanta discrição que eu mesmo me esqueço que contribuí para elas. Gosto quando alguém senta para conversar comigo sobre poesia, mas ainda é algo muito raro. Às vezes encontro uma turma legal para teclar e trocar impressões, ainda que a maioria dos literatos deseje sobretudo ser declarado gênio antes dos vinte anos...


Eu não. Até porque tenho mais de quarenta!


Betim - 11 03 2031

RAIO DE SOL

RAIO DE SOL


Raia o sol enquanto ela me sorri

E outro dia alvorece na janela.

Alegria e beleza os lábios d'ela

Entreabertos ao beijo... Bem ali...!


É assim desde qu'eu a conheci:

Um sol em seu sorriso se revela

Como se a própria luz surgisse n'ela

E todo um Universo houvesse em si. 


Acordar ao seu lado todo dia

É ter nos olhos cheios de ternura

Dois espelhos onde ela reluzia!


É uma mulher feita de luz pura,

A doce amada em minha companhia,

Que me acorda sorrindo com candura.


Betim - 21 03 2021

quinta-feira, 18 de março de 2021

ATRÁS DAS LENTES

ATRÁS DAS LENTES


Tem um olho que vê e outro que percebe

As minúcias de quem se lhe rodeia

E já se pretende amigo em meio a ceia...

Folgado feito um príncipe na plebe!

-- Pois míope entre sombras devaneia.


Na ideia de que dando se recebe,

A outros faz elogios à mancheia

E desata a falar da vida alheia

Às voltas com quem come e com quem bebe.

-- Pois míope entre sombras devaneia.


Anda pelo jardim junto da sebe,

Construindo-se castelos seus de areia.

Incerto já do que ama e do que odeia

Ou do mundo como ele lhe concebe...

-- Pois míope entre sombras devaneia.


N'um espelho d'água o luar s'embebe

Enquanto ao redor tudo clareia.

Logo emerge do fundo uma sereia

Ao náufrago que, enfim, desapercebe

-- Quem míope entre sombras devaneia.


Belo Horizonte - 05 01 2021

quinta-feira, 11 de março de 2021

DESAPAIXONADO

DESAPAIXONADO


Um desejo de amar maior que o amor

Que de facto se sente pela amada

Pode ter sido a ideia enamorada,

Que então se permitiu com dissabor.


Amar sem ser amado sem valor

Torna mesmo uma gema lapidada,

Ao fazer de infinitos quase nada

Em meio a grosseria e despudor.


Não se respeita aquele que permite

Dizer gostar d'alguém que lhe desgosta,

Se viciado em veneno se admite!


E deixa-se abater por quem s'encosta 

Até que exploda feito dinamite,

Pois já não há pergunta nem resposta...


Betim - 02 01 2021

segunda-feira, 8 de março de 2021

O MITÔMANO

O MITÔMANO


O pior dos mentirosos é aquele

Que acredita ser real sua ficção,

Andando, de ilusão em ilusão,

Às voltas com que os outros pensam d'ele.


Ou melhor, ignorando o que revele

De verdade em mentiras sem noção.

Após negar além da compreensão

Até que a realidade lhe atropele...!


Mas descaradamente mente em tudo,

De maneira que, mesmo estando mudo,

Sua mudez também é de mentira.


Por dentro, maquinando as inverdades

Pretende distorcer com liberdades 

O imenso egocentrismo que lhe inspira.


Betim - 06 03 2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

PARTILHA

PARTILHA 


Nada tenho que já não te pertença

E nada sou que já não seja teu.

Sem te amar sequer eu sou mais eu

Andando tal-e-qual sombra que pensa.


Mais do que ser teu par, ser-te presença

Mesmo depois que tudo se perdeu...

Ao ver que nem venceu nem convenceu

A solidão sensata em noite imensa.


Contigo, passo o dia em fantasia

Como se a garimpar nossa alegria

Entre veios de pedra preciosa.


Porque te amo o dia hoje é mais bonito

E a cada dia mais eu acredito

Que a vida pode ser maravilhosa.


Betim - 04 03 2021 

segunda-feira, 1 de março de 2021

TIPOGRÁFICO

TIPOGRÁFICO


Os tipos espalhados sobre a mesa

À espera das palavras e seus versos

Parecem ter em si mais universos

Que os infinitos que há na Natureza.


Prensa, tinta e papel mais a destreza

Dos olhos tão atentos quanto imersos

Às voltas com tabloides controversos

Ou contos de mistério e de tristeza.


No prelo, em vista da última versão,

Como Literatura em gestação

Surgia no papel em frente e avesso.


Montando cada fólio letra a letra,

Mais a argúcia do mestre lhe penetra

Até que o manuscrito enfim impresso.


Pará de Minas - 28 02 2021