quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

EXTREMA-UNÇÃO

EXTREMA-UNÇÃO

À morte, faço as contas d'esta vida...
Listo arrependimentos e remorsos,
Que, a despeito de todos os esforços,
Revisitam minh'alma combalida.

Ao pé do leito o padre me convida
A mais rogar dos anjos os reforços,
Embora eu, a esconder dedos retorsos,
Desdenhe a conversão controvertida.

Enquanto a vida passa por meus olhos,
Recebo sobre a testa os santos óleos
À espera que uma doce morte venha.

Ela, porém, se afasta do meu lado
Pouco depois d'eu ser desenganado
Para que falsas promessas eu mantenha!

Betim - 07 12 1998

O AGNÓSTICO

O AGNÓSTICO

Não me foi concedido conhecer
Entidades ou espíritos d'Além...
Prodígios nem milagres vi também,
Senão os que a Natura faz saber.

Se Deus eu sequer tento compreender,
É que seguir rebanhos não convém.
Em minha mente o Eterno m'entretém
Tanto quanto o Infinito nego haver...

Apenas essa carne onde eu habito
É tudo em que deveras acredito
Com suas sensações e realidades.

O mais são ilusões que em vão contemplo
Nas sós arquiteturas d'algum templo
Onde os homens põem deuses e inverdades.

Betim - 18 12 2018

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

POST-MORTEM

POST-MORTEM

”Oh vida, me é vindo o teu fim…
Oh sim, o meu fim seja vindo!” 
Como eu despedindo de mim;
Como eu de ti despedindo…

Deixo do mundo quanto é lindo,
Porquanto vindo como eu vim
“Oh sim, o meu fim seja vindo!
Oh vida, me é vindo o teu fim…”

Como eu despedindo, por fim:
Já me basta a mim que existindo
Fosse a vida partindo assim...
“Oh sim, o meu fim seja vindo!
Oh vida, me é vindo o teu fim.”

Betim - 19 11 1991

SEXO DOS ANJOS

SEXO DOS ANJOS

Cu não tem sexo: Macho e fêmea têm!
Qualquer um pode dar, se lhe convém,
Àquele que bem quer.
Cu é uma paragem mais sensível
Onde abaixo de muito baixo nível
Costumam a ofender…

Se tu, todavia, te permites,
Verás qual explodissem dinamites
Ao tomares no cu.
Em recíproco gozo, a troca-troca,
Quem dá ainda mais recebe em troca…
Assim eu como tu.

Tomar no cu supõem ser algo sujo
Ou que possa mudar o dito cujo
De macho n’uma fêmea.
Que tolice!… Se todo mundo é gente
Importa muito mais o que se sente
Na busca d’alma gêmea.

Há-que se conhecer antes de tudo
Para se permitir quando desnudo
Essa carícia ousada.
E, indiferente se homem ou mulher,
Descobrir-se a alegria do prazer
Enfim compartilhada.

Sim, porque nos papéis tradicionais
De papai e mamãe tão sempre iguais
Nem um nem outro goza.
Ao contrário, inventando-se desculpas
Tão-só fazem lidar co’as suas culpas
Em vida duvidosa…

Ou senão, a extinguir toda a libido,
Têm o desejo já como um tempo ido;
Deixado para trás.
Restando-lhes tão-só consolação
De se buscar prazer em solidão,
Levando carga atrás.

Mas não! Não seja o cu desperdiçado
Porquanto limpo e bem lubrificado,
Piscando de ansiedade!
Receba, após mil beijos de minete,
O membro intumescido que se mete
Na funda cavidade.

Indistinto se erótico ou se vênero.
Não seja mais o amor questão de gênero,
Sim algo natural.
Toma antes para ti como pessoa
Aquele que gozando se atordoa
No teu cu afinal.

Belo Horizonte — 18 12 2018

APOLOGÉTICA

APOLOGÉTICA

Concedo aos heresiarcas: Têm razão.
Aliás todos, acerca de Deus, têm.
À imagem-semelhante mais convém
A que calhar melhor com a ocasião.

Seja Deus bom pastor no coração;
Ou rei talvez na mente: O Sumo Bem.
Será médico, juiz, banco, armazém...
Recebendo oração e adoração!

Todos têm razão, pois, todos errados:
Islâmicos, cristãos, pagãos, judeus...
Nas vãs verdades que ensinam sobre Deus.

No fim, bem mais importa aos consolados,
-- Sobretudo aos "irmãos" da Cristandade --
A ideia de Deus que a Sua realidade...

Belo Horizonte - 19 11 1998

ESPIRITUAL

ESPIRITUAL

Ainda lanço luzes sobre o abismo
A perscrutar-me às trevas más moções.
Mas já não busco sombras ou visões,
Não tendo nada além de cepticismo.

Não me investigo o ser por egoísmo,
Andando imerso em minhas solidões.
Antes me ocupo só com reflexões
Sobre o espírito, não o espiritismo...

Eu deixo para os crédulos as crenças
Mais as superstições e as oferendas
Que mudassem dos deuses as sentenças.

Permanecem em mim tal como lendas,
Que já não levo a sério por pretensas;
Ou não lembro sequer por estupendas.

Belo Horizonte - 14 11 1998

SANTÍSSIMO

SANTÍSSIMO

Para a roda do tempo de correr...
Se todo imerso pelo Santo Esp'rito,
Até o vão do espaço onde estou sito
Em derredor de mim deixa d'haver.

Deveras, haverá tempo a conter
A Eternidade? Espaço há o Infinito?
Se no Livro da Vida está escrito:
-- "Sou Aquele que Sou"-- glória e poder!

Mas, se a consciência é esse quase Nada
Onde meu Ser existe e onde Deus mora,
Transcende o espaço-tempo, ilimitada,

E evade de mim, sem lugar nem hora.
Alcançará, porém, n'essa jornada,
Àquele que, em silêncio só, adora.

Betim 08 07-1998

domingo, 16 de dezembro de 2018

DE CIVITATE DEI

DE CIVITATE DEI 
 
De abstrato-armado s’ergue a Cidade de Deus;
Nas nuvens, logo acima às cidades terrenas.
É bem-aventurado o que por amor apenas
Acolhe indiferente os crentes e os ateus.

No seio dos cristãos, em Sião dos judeus
E com boa vontade após horas amenas...
Ou mesmo ao coração nas entregas mais plenas,
Lá estará Jesus reunido com os Seus.

É d‘onde a verdadeira Igreja longe vai
Buscar o pecador em espírito imerso
Às moradas d’além  que tem o Nosso Pai.

Seu rebanho reúne às nações quem disperso:
Nova Jerusalém, cujo traçado sai
Ao plano do Arquiteto o fim d'outro Universo.

Betim – 12 09 1998

sábado, 15 de dezembro de 2018

SAGRAÇÃO

SAGRAÇÃO

Ao pórtico minh’alma logo cambaleia,
Embora ainda o corpo, contido, se iniba.
-- O sonho do profeta é o poema do escriba;
A Luz de sua imagem aos versos permeia:

Armas depostas, as mãos livres de quem semeia
Fazem da espada arado por vertente arriba.
Nos pratos da balança a Justiça se iliba
Com sementes de Paz lançadas à mancheia!

Maravilhosa visão que nos olhos contemplo!
Ideal supremo ao qual o coração palpita!
Pois onde honra e humildade se fazem exemplo...

Pela Ordem de Christo, eis a Verdade infinita!
Sobre a pedra angular eu me edifico templo
Em cujo altar, em paz, Seu espírito habita.

Belo Horizonte - 15 08 1998

REZAS

REZAS

Debulhava sementes de braquiárias
Qual contas d'um rosário doloroso,
Que desfiava caminhando pesaroso
Pelo pasto a cuidar das alimárias.

Dos mistérios as rezas fiz diárias,
Quando à desilusão me vi esposo
Sem memória nenhuma d'outro gozo,
Senão cumprir promessas necessárias...

Semeava pelos ventos meus temores
Lançados como os últimos haveres,
Crente d'haver dos males os menores.

Mas forçado p'lo jugo dos deveres,
Meditei de Maria as cinco dores
Entre o querer de Deus e os meus quereres.

Sobrália - 20 09 1998

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

MAL-VINDO

MAL-VINDO

Sê mal-vindo tu que andas pelas sombras;
Tu que agora atravessas este umbral,
Cujos passos se orientam para o mal
E com olhos de morte cá me assombras!...
Oh potência das trevas infernal!
És ruína que em ti mesmo t'escombras...
Penoso caminhando nas alfombras,
Justo aqui tua estrada tem final?
        --"Eu t'esconjuro! Espírito maligno!
        Retorna tu e aqueles de teu signo

Tu és mal-vindo! Três vezes mal-vindo!!!
Trazes tão-só desgraça e mais discórdia
Aos festins que transformas em mixórdia,
Se inspiras, na balbúrdia discutindo,
Um conviva com outro desavindo!...
Sim, vai-te embora! Tem misericórdia
Dos que aqui se abrigam em concórdia
Antes que o nosso tempo seja findo.
        -- "Caminha pela noite quem na noite
        Mais espezinha as almas com açoite."

Mal-vindo pois maldito! Em maldições
És recebido aonde quer que vás...
Tu, que das horas boas fazes más,
Envenenando em vão os corações.
Deixa-nos com as nossas opiniões
Sem que nos manipules por detrás.
Tu, que nos trazes guerra, vai em paz
E busca companhia entre os vilões...
        -- "Dá meia volta! Torna já d'aqui,
        Esta casa não é lar para ti!..."

Betim - 14 12 2018

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

GENEALOGIA DO POEMA

GENEALOGIA DO POEMA

D'onde vem o poema? Quem é seu pai?
Em que ventre é pacientemente gerado? Quem é sua mãe?

A quem pertence? Criatura d'um deus criado... Sim: o poeta!

Pois bem, pode o poeta, 
inspirado por musas ou assombrado por fantasmas,
deixar sobre o papel suas impressões antes
que os leitores se apropriem do texto
e o reescrevam a cada leitura?

Semelhante a Deus, o poeta é um pai ausente:
Abandona o poema e vai cuidar de si. Ou do Universo...

Resta ao poema passar pela existência absurda dos poemas:
Existir sempre que os olhos pousam sobre as letras
Ou que os ouvidos lhes percebam as sílabas.

Seja em caracteres; seja em sons, o poema chega ao leitor.
É sua grande missão, afinal, para isso fora escrito,
ainda que o poeta o negue, autossuficiente,
argumentando tê-lo escrito como necessidade d'expressão.

Se assim fosse, não sairia da gaveta, não
viria a lume confuso e frágil; não
encheria páginas e páginas com sensibilidade, não
atravessaria os séculos e os oceanos, não
habitaria, ainda que por instantes, no coração e mente do leitor.

O poeta se defende porque sabe o poema com seus traços: É seu filho.
Deriva de sua mente e de suas sua visão de mundo, logo,
as fragilidades d'ele são fragilidades suas. Exposto,
o poeta se vê no poema.

Sangue do seu sangue, como um filho,
o poema é o poeta, subsiste-lhe.

E é essa consanguinidade que o exaspera.

Betim - 13 12 2018

AVOENGO

AVOENGO

Vem desde o meu avô essas olheiras;
Essa insônia sem fim, esse cansaço
Logo ao aboio dos bois: Currais, porteiras...

Cumpri a obrigação, um mau pedaço:
Casei e descasei; criei meninas
E por prédios deixei meu fino traço.

Também vômito e versos nas esquinas
Além d'um fatalismo que não sei
Se fez o não mais baças às retinas...

Sem embargo, não fui filho de rei.
Tampouco de nobre ou de burguês,
Antes filho do mundo me tornei.

Venho das madrugadas, ou talvez,
Das madrugadas venham tais alardes
Entremeados de bílis e embriaguez:

-- "Envelhecer é a arte dos covardes!
Dos que, como eu, bateram retirada
Sem grandes alaridos nem retardes..."

"Eu deixo para trás montes de nada,
Desço rios de lágrimas, subo abismos
E contemplo os estratos da alvorada."

"Tolerei do egoísta os egoísmos
E ainda dos histriões as histrionices 
Até render-me ao puro cepticismo..."

"Sem ascendente em Gêmini ou Pisces,
Jamais mostrei aos outros quem eu era, 
Senão para amargar com pedantices."

"Tornei-me pouco a pouco uma quimera
De mim mesmo sem lastro pela vida,
Nos ecos que meu canto reverbera."

"Porque fazer a vida mais comprida
Tão-só adia a triste e má verdade,
Que a gente vive sempre de partida."

"Se após de meu avô caminho a herdade
A ver as suas obras e conquistas,
Tão-só ruínas trago à claridade."

"Bem breve se marejam minhas vistas
A lembrá-lo chamar com voz robusta
Às reses ressurgindo-lhe imprevistas."

"Fico parado a vê-lo, não sem susto,
Como se na porteira ora estivesse
Ou reclinado à sombra d'um arbusto."

"A casa em que viveu; os filhos, a messe...
Tudo aquilo que há muito se perdera 
Como nunca existido ali houvesse."

"Se ele, que tanto teve e eu não tivera,
Pôde deixar de ser sem mais nem quê,
Quanto mais eu? De quem nada s'espera."

"Não pretendo do Fado mais mercê
Que desaparecer, vago e discreto,
Sem que ninguém sequer finja o porquê."

"E os lamentos que canto quando poeto
Deixo afinal dispersos como folhas
Que esvoaçam por um pé de vento inquieto."

"Eu, maestria, tão-só co'o saca-rolhas
Para vinho entornar... Pois na poesia,
Nem erros nem acertos, só escolhas."

"Fosse eu sensato, nada escreveria
Muito menos sonetos ou rondéis
Que pouca gente a ler se me atrevia."

"Deixava para os vates seus lauréis
E com eles as palmas recebidas
Dos leitores mais gratos e mais fiéis."

"Restem-me essas vidas esquecidas
Cuja herança carrego inopinado
Em memórias que nunca serão lidas."

Encerro esse monólogo arrastado,
Mas sobretudo estúpido e inconcluso,
Deixando ora o leitor desobrigado.

Pois mais ideias caindo em parafuso
Apenas os conduzem à loucura
D'um poeta já excêntrico e confuso.

Quem mais sabedoria se procura
Não há-de pelas linhas mal traçadas
De s'encontrar senão mais amargura.

Tampouco queira achar em mim carradas
Já d'alguma poesia tão sapiente
Que faça às almas mais edificadas.

Ler-me-ão desavisados tão-somente
Ou os desinteressados em más vidas
Atrás de seus azares simplesmente.

E, olhando-me o retrato, as coisas idas
Deem um sentido qu'eu jamais tivera
N'essas olheiras sempre escurecidas..."

Betim - 13 12 2018

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

MILÊNIO - ou o fim do mundo que não veio

MILÊNIO - ou o fim do mundo que não veio

"Ao menos pude ver o fim do mundo
Ou senão o Milênio que o promete..."
-- Na esperança que então se nos repete
D'outro ponto final vasto e profundo.

O alvorecer do fim me foi fecundo,
Coberto de ressaca e de confete.
Depois de regressar do rio Lete,
Em versos e champanhe já desbundo:

-- "Evoé! Vinde findar-nos, Antichristo!
Cumpri do Apocalipse os sete selos,
Realizando os sinais como previsto...

Mas na branca manhã de meus desvelos,
Não vi quaisquer prodígios senão isto:
"Os mesmíssimos males e atropelos!..."

Betim - 12 12 2018

A ESPADA DE DÂMOCLES

A ESPADA DE DÂMOCLES

Busca antes à vaidade que à verdade
Aquele se coloca sobre todos,
Embora com bravatas e denodos
A jactar-se com grande propriedade.

Quem se dá excessiva liberdade,
Tentando aconselhar de muitos modos,
Não percebe por sobre seus engodos
A espada por um fio de maldade...

Assemelha-se a Dâmocles no trono:
Refestelado em luxo aqui e ali
Como de tudo aquilo fosse dono.

Patético, dos outros zomba e ri.
Até que horrorizado, quase ao sono,
Vê a espada pendente sobre si!

Betim - 12 12 2018

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

SR. BOM SENSO

SR. BOM SENSO

Que se difira o sábio do sabido,
Bem como o poeta douto do pretenso...
Ainda que seu saber seja imenso
E o laurel pelas letras merecido.

No trato co'os demais aborrecido,
Mostra-se, todavia, um tanto infenso,
Como fiscal da escrita por bom senso
Entre o condescendente e o descabido.

Sim, o Bom Senso: Filho do Bom Gosto;
Pai do Senso Comum e do bastardo
Clichê... Que não lhe dá senão desgosto!...

Pois esse afrancesado felizardo
Entende do leitor por pressuposto
Um intelecto inculto e meio tardo.

Betim - 11 12 2018

OSSUÁRIO

OSSUÁRIO

Entre úmeros e fíbulas mexidas
Mais falanges em pó de volta ao pó,
Fêmures sustentando um crânio só
Qual feixes de esculpturas divertidas.

As catacumbas d’ossos revestidas
Herdam do campo santo fieis tão-só.
Onde obscuros artistas sem mais dó
Põem caveiras de tíbias guarnecidas!

Com efeito, se admira à luz de velas
Inumeráveis vértebras, costelas,
Mandíbulas, clavículas e escápulas…

Mas vindo à cripta mais que de ordinário,
Indiferentes, põem n’um relicário
Ossos tanto de santos que de crápulas.

Betim—10 12 2018

O CARIOCA

O CARIOCA

Mas contam que Bocage aqui andando
Pela ampla Guanabara, de passagem,
Reteve enternecido a sua viagem,
Loas tecendo ao Rio venerando.

Assim, o gentil Janeiro sonetando,
Calhou a si tão bem quanto a paisagem
Um ardor tropical de bom selvagem,
Que pela terra o foi apaixonando.

Escreve lisonjeiro ao vice-Rei
A fim-de que intervisse contra a lei,
Cá ficando a poetar em desvario.

Baldas quedam as súplicas, porém.
Restando-lhe clamar como convém:
-- "Nem Goa nem Lisboa... Quero o Rio!"

Betim - 09 12 2018

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

MANÍACO

MANÍACO

Caminha pelas sombras, predador,
Belo e mau como um lívido Satã.
À caça de mulheres cujo amor
Revelará mortal pela manhã…

Com efeito, as mais ávidas em flor
Quedam hipnotizadas n'esse elã
Que envolve todo grão conquistador
Às voltas com orgia assim pagã.

Finge ser dos amantes o melhor.
Porém, tão-logo as deita no divã,
Parece confundir prazer e horror
Pronto a lhes devorar a carne chã.

Sua ânsia de prazer só não é maior
Que o apetite por sangue cujo afã
O leva a conduzir ao seu sabor
Às moças que seduz com lábia vã.

Deveras, a ocasião se faz melhor
A sós na alcova… Pois, moral malsã
Dá razão ao misógino valor
Que ainda faz da vítima a vilã…

Matava indiferente do estupor,
Fosse ela donzela ou cortesã…
Em plena foda, ao gozo, em pleno ardor;
Deixando-a inerte já sem amanhã.

Traz consigo, em memória do terror,
À guisa de troféu ou talismã,
D'elas alguma joia em seu favor,
Quer fosse um camafeu ou cruz cristã.

E some… Sem deixar senão pavor.
Após tomar a morte como irmã,
Um maníaco em série matador
Se mostra a insanidade mais insã.

Betim - 08 12 2018

sábado, 8 de dezembro de 2018

A ÚLTIMA TENTAÇÃO

A ÚLTIMA TENTAÇÃO

O fardo que carrego ora m’esmaga
Sob signo do egoísmo que em mim nasce.
Meu pecado está sempre à minha face...
Sei que mero remorso não m’o apaga.

Percebo já meu ombro aberto em chaga
E, talvez, à medida que a Hora passe
Mais pesada a matéria se tornasse
Me perfurando a carne feito adaga!

Eis que ouço a gargalhada vã do Diabo...
Após m’enganar no erro a pouca fé,
Com vis sofismas eu por terra acabo.

Por mea culpa! Mea maxima culpa!! É
Ver-me feito refém ao fim e ao cabo
E minh’alma imortal eterna ré!...

Betim - 04 12 1998

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

DEUS EX-MACHINA

DEUS EX-MACHINA

E no final Deus salva, não o herói.
Seus transes de ventura e desventura
Fazem-lhe das histórias escritura
A um público que aflito se condói.

De modo que a existência humana sói
A peripécias vãs beira à loucura.
Pois não se salva o herói -- triste figura! --
E o Deus que tudo fez também destrói... 

Vem redentor, igual no Corcovado
-- Sobre as nuvens em seu imenso abraço --
Salvar enfim o herói de seu fracasso.

Pois Deus, em desenredo inesperado,
Do palco-Mundo é máquina ilusória,
Que traz ao herói sem mérito a vitória!

Betim - 26 05 1998

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A EMENDA

A EMENDA

Escrevendo um soneto atarantado,
Enveredei por rimas que, tonantes,
Aqui e ali variam as consoantes
Deixando o verso frouxo e descuidado.

No afã de ver o poema publicado,
Envio-no com pressa aos contratantes,
Que me advertem das rimas um pouco antes
De levarem ao prelo um verso errado.

Folha à mão, considero-lhe os poréns,
Co'os olhos sobretudo nos vinténs
Que me darão a paga por completo.

Encabulado em tomar a decisão,
Atraso a primeiríssima edição
E a emenda me sai pior do que o soneto...

Betim - 06 12 2018

PERIPATÉTICO

PERIPATÉTICO

-- "Eis aqui uma árvore de louro.
Acolá, uma fonte d'água pura..." --
Assim o grande mestre se afigura
Lendo ao livro da vida seu tesouro.

E continua: --"Valem mais do que ouro
As lições observadas na Natura!" --
Lógico, o Estagirita outra leitura
Deixava para um século vindouro".

Andando pelos campos macedônios
Se ri tanto de deuses e demônios
Que usam para explicar o inexplicável...

E no afã de instigar os seus discípulos,
Mostrava o quanto os dogmas são ridículos,
Visto saberes d'um mundo imutável.

Betim - 05 12 2018

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

DESINTELIGÊNCIA POÉTICA

DESINTELIGÊNCIA POÉTICA

Uma metáfora de bloqueio criativo: A musa rompe com o poeta e ele fica sem inspiração.
Ele até escreve rimas, mas não sai poesia d'ali. Só DESINTELIGÊNCIA...

ANTIMUSA

Ordinária! Tu não vales
Do que comes nem o angu!...
Leva contigo teus males
Ou senão os põe no cu!

Sim: No teu que é mais redondo!
Se te doer, passa pomada...
Diz que foi um marimbondo,
Que te pôs descadeirada.

Vai chupar prego, vadia, 
Até que vire tachinha!
Pagar pau dia após dia,
Que não passas d'uma zinha!

Tem de pôr fé n'essa zorra:
Puta formada pela USP!
Quando toma muita porra,
Engole tudo sem cuspe.

Vai te foder, boqueteira!
Eu sei bem o tu que fazes...
Pondo chifre à noite inteira;
De manhã fazendo as pazes!...

Olha, p'ra mim já deu. Vaza!
Volta p'ra quem te comeu...
Não quero ver n'essa casa
Nem sequer um cisco teu.

Aliás, só me incomoda
Uma coisa em tua merda:
Foste tonta a vida toda
Ou só te fazes de lerda?!
................................................

ANTIPOETA

Corno! Filho d'uma puta!!!
Eu que não mais fico aqui!
Lava a boca com cicuta,
Qu'estou bem melhor sem ti.

Fica sim, é teu direito:
Não quero nada contigo.
Isso tudo é só despeito
De cão que late e nem ligo.

O que fiz e o que não fiz
Já não é da tua conta.
Vou aonde sou feliz:
Nunca fui lerda nem tonta!

Quanto a ti, triste poeta,
És, no mínimo, um ingrato:
Não me amaste por discreta,
Tampouco pelo recato...

Boqueteira? Com prazer!
Faço bem! Faço gostoso!
Faço p'ra dar e receber,
Sobretudo com quem gozo. 

A me foder, certo ou errado,
Lamentas não seres tu:
Andas muito preocupado
Do que ponho no meu cu...

Mas, sobretudo, se escreves
Sem a minha inspiração
Os versos a que te atreves
Têm rancor no coração.

Bebes litros de veneno
Sem veres minha agonia...
Pois sabes que ódio tão pleno
São rimas, mas não poesia.

Betim - 04 12 2018

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

CACÓFATO

CACÓFATO

Se ALMAMINHA fez célebre Camões
Sem ele dar-se conta que o escrevera,
Mais ainda se quis quem mal o lera
Alheio das mais doutas opiniões...

Ao terno vocativo e seus senões
Outra cousa um maldoso lh'entendera
E ainda outra quem d'ouvido em cera
Menos se lh'escutou que deu razões.

Se estragaram-lhe os versos tal galhofa
É que o besta à barriga mais estofa
Vendo o tolo sem cuidar da própria vida

Bah! Até os mestres erram... Quem diria?!
Diante d'outra leitura bem vadia
Ou senão d'alguma mente poluída!

Betim - 02 12 2008

ÍNCUBOS

ÍNCUBOS

Rogo-te: Não te deixes enganar
Pelo meu fugidio e distante olhar...
Sim, tenho estado atento!
Percebes que me movo pelas sombras
E inelutavelmente tu me assombras
A cada vão momento.

Não se turvem os verdes olhos teus
A especular de mim sonhos de Deus
Ou estradas para o Além.
Ao contrário, como o húmus mais escuro,
Eu às turfas dos charcos me afiguro
Já sem qualquer porém.

Matéria putrefeita das baixadas,
Onde forte neblinam alvas geadas,
-- Manhãs de imensidão --
Sou antes a memória enternecida
Do que julgaste vir d'uma outra vida,
Mas é teu coração.

Não sou senão lembrança que passeia
Por estradas rurais na lua cheia
Ou por casas vazias,
Como se humanidade que, incorpórea,
Carregasse o estandarte da vitória
Entre terras sombrias.

Cuida que te assovio em meio ao vento
Tanta melancolia onde o lamento
Harmoniza a saudade.
E entende que ainda que escondido
Tu verás o meu vulto presumido
Por toda essa cidade.

Madrugada, sozinha pela alcova,
Ainda teu desejo se renova
E buscas impassível
O calor de carícias tão antigas
Que do limbo me admiro que persigas
Minha boca impossível.

Sem embargo, suspirosa tu me chamas,
Tendo a mão sobre a vulva posta em chamas.
Como se a minha mão
Pousasse novamente em tuas coxas,
A ponto de deixar-te marcas roxas
Tamanha excitação.

A bela se desnuda feito ninfa
Ao gozo liquefeito todo em linfa
A encharcar-lhe o lençol.
No entanto seu amante evanescente
De seu quarto outra vez se fez ausente,
Logo ao raiar do sol.

Betim - 03 12 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

COMO UMA DAMA

COMO UMA DAMA

Quem bela, recatada e só do lar
Ou esperando o marido a procurar
Para lhe dar prazer...
Como do macho branco complemento
Busca se colocar todo momento
E não como mulher.

Mas sim cobiçadíssimo troféu
Com contrato de amor já no papel
E obrigação de amá-lo.
Aprendendo a sorrir-lhe o tempo todo
Como se estivesse ótima, de modo
A não pisar seu calo.

Ao contrário, paciente ainda espera
Ao menos uma flor na primavera
Ou beijos de Ano Bom.
A todos faz saber que são felizes,
Ainda que ocultando cicatrizes
Sob o tailleur marrom.

Mas o que mais dói é a indiferença...
É ele não pensar no qu'ela pensa
E por fim ignorá-la!
E mais tarde, ei-los diante dos olhares:
Enquanto ele lhe fala com bons ares,
Sorrindo, ela se cala.

Quem discreta, elegante e comedida,
S'empenha em parecer bem resolvida
Das escolhas que fez.
E o prazer que promete sua beleza
Vê como maldição da Natureza
Ou como carma, talvez.

Já de noite, sublimando seu desejo,
Recobre-se de sedas e de pejo
Deitada em sua cama
Sempre pronta para o receber
Ainda s'esforçando em parecer
Muda... Como uma dama!

Betim - 01 12 2018

VISÃO PERIFÉRICA

VISÃO PERIFÉRICA

É diferente o olhar sobre a cidade
De quem a vê passar pela janela
D'outro ônibus ou trem que lhe revela
Todo dia uma dura realidade.

Acostumar-se co'a dificuldade
Que mais afasta o asfalto da favela
E ainda crer que assim se desmantela
A ordem piramidal da sociedade.

Longas horas perdidas no percurso
Questionam quem do mérito o discurso
Insiste em lançar mão para mandar.

A verdade é que aqui da periferia
A cidade mais parece a fantasia
Que julga pôr cada um em seu lugar...

Betim - 01 12 2018