sexta-feira, 31 de julho de 2020

ÁLCOOL FORTE

ÁLCOOL FORTE

Esquecer. Eu preciso t'esquecer.
Copo após copo. Sim... Dia após dia.
Deixar rolar lágrimas... Poesia,
Apenas p'ra sentir, não escrever.

Falar comigo mesmo a m'entreter,
À mesa, solitário, na boemia.
Indo de bar em bar, sem alegria,
Para atrás de garrafas m'esconder.

Tudo para não mais lembrar de ti
Nas ruas onde andei, aqui e ali,
Braço dado contigo, enamorado.

Eu beba, enternecido, um álcool forte,
Que único lenitivo para a morte,
Faz deixar para trás todo o passado.

Betim - 31 07 2020

AEROMODELOS

AEROMODELOS

Uma incursão de caças pelo teto
Do quarto do garoto sonolento…
A guerra aérea, seu divertimento,
Paira em fios acima do alfabeto.

De A a Z, era o seu alvo predileto:
Ter as letras na mira no momento
Quando seus olhos põem em movimento
Aeroplanos n’um voo ultrassecreto:

No alto, canhões de luz de antiaérea
Varrem as altas nuvens contra os ases
Pela imaginação cruzando audazes.

A lua na tomada brilha etérea…
Logo o Barão Vermelho é abatido,
Quando o menino cai, adormecido.

Belo Horizonte — 20 05 1994

quinta-feira, 30 de julho de 2020

ROSAS DOS VENTOS

ROSAS DOS VENTOS 

Tantas rotas eu dei aos sentimentos;
Tantas me foram já desventurosas, 
Que aos ventos atirei versos e prosas,
Qual se alivia a carga entre tormentos. 

Quantas vezes topei com maus momentos!?... 
Quantas lidas em noites tempestuosas?!... 
Mil amores segui seguindo as rosas,
Com Neptuno a rodar os quatro ventos... 

Rosas dos ventos que então navegante 
Perdi por rotas vãs que vão avante, 
A todo pano pelo azul profundo!

Ventos às rosas murchas e passadas...
Levai-m’as! Novas rotas são traçadas
A ver n'um novo amor um novo mundo.

Belo Horizonte - 13 06 1996


quarta-feira, 29 de julho de 2020

POR REJEIÇÃO

POR REJEIÇÃO

Se tu, d'um modo ou d'outro, não me queres,
Apesar d'eu te amar e tu me amares,
Cuida para que a vida que buscares
Não te leve mais longe do que esperes
-- E uma estranha a ti mesma te tornares!

Seguirei a beijar outras mulheres,
Lembrando de teus lábios e vagares,
Que levarei por todos os lugares
Antes que tu m'esqueças os prazeres
-- E uma estranha a ti mesma te tornares!

O não que tens à boca; o malmequeres
Que despetalas para os meus azares!...
Tudo o que, indiferente, me negares
Deus te conceda em dobro ao quereres
-- E uma estranha a ti mesma te tornares!

E se um dia aos pagos tu volveres
Para me confundir em teus folgares
Lembra que pedi para voltares,
Porém tiveste medo de sofreres
-- Para estranha a ti mesma te tornares!

Betim - 28 07 2020

segunda-feira, 27 de julho de 2020

AQUÉM-AMAR 

AQUÉM-AMAR 

Às vésperas do amor; antes de tudo,
Como ao cais, caravela de partida
Para descobrimentos conduzida
Pelo vento a silvar bem forte e agudo.

Ou, do lado de cá, onde desnudo
Teu corpo antes do meu jaz sem guarida...
Virgemmente na espera d'outra vida,
Da qual, enamorado, 'inda me iludo.

O amor é continente indescoberto 
Que pela linha do oceano então deserto, 
Antes mesmo d’eu ver, em mim já via. 

E eu?... Sou a nau que além quer navegar
Por um amor que ainda aquém-amar 
Antes mesmo d’eu ser, em mim havia. 

Betim - 12 05 1996

sábado, 25 de julho de 2020

PONTO CEGO

PONTO CEGO

A ver... D'aqui onde olho nada vejo:
Eu não sei o que fazes ou o que sentes.
Eu só sinto que tu, de facto, mentes
Acerca do que entendes por desejo.

Pois, se tu me quisesses, sem gracejo,
Mostrarias o oculto a minhas lentes,
Visto que nos meus olhos displicentes
Toda a tua inconstância lacrimejo...

Eu, com efeito, choro a tua ausência
Como fosses sabida inexistência
Ao largo d'uma vida bem vivida.

Talvez te sonhe, linda, no que ignoro.
E, ao imaginar na ausência, eu tanto choro
O teu olhar que ao nada me convida.

Betim - 25 207 2020

quinta-feira, 23 de julho de 2020

CATA-PIOLHOS

CATA-PIOLHOS

Splot! Explode feito um bago entre as unhas
O insecto que me andava na cabeça!...
Tanto se avizinhando ao qu'eu conheça,
Que as ideias já lhe eram testemunhas!

Muquirana ou mucana por alcunhas,
Praguejo-o até que em minhas mãos pereça!
Na fé que todo o mal que lhe aconteça
Seja-me um livramento n'estas grunhas...

Ei-lo tão diminuto rastejando!
Pelo chão da tapera por nefando
Artífice da morte e vampirismo.

Um após outro sejam espremidos
E ao Quinto dos Infernos conduzidos,
Tendo-me os dedos como cataclismo!!!

Betim - 22 07 2020




segunda-feira, 20 de julho de 2020

CATEGÓRICO

CATEGÓRICO

Se deixo de te amar é porque o amor
Não deveria ser dever moral.
Tampouco algum encargo marital,
De cuja obrigação se faz favor.

Fazer da solidão um mal menor,
Em face do pecado original
Que é estar n'este mundo e ser mortal
Com desejos e dúvidas e dor...

N'outras palavras, não é um contrato
Que imponha o pudor e o recato
Devidos a quem vive em sociedade.

Entre quatro paredes, todavia,
Ao tolerar um do outro a fantasia,
Sejamos o que for, em liberdade.

Betim - 20 07 2020

quinta-feira, 16 de julho de 2020

NEGACIONISTA

NEGACIONISTA

Eu nunca neguei nada a ninguém não,
A não ser que renegue o não ou o sim.
Eu só não desafirmo que, por mim,
A vida por si mesma é negação.

Sem maiores delongas, a noção
De que nego do início até o fim,
É por não dar a dúvidas clarim,
Ao obliterar sem mais explicação.

Se não houver o que há, talvez nada,
Vera ou inverazmente, haja no mundo
Ou nem haja mais mundo nem jornada.

Tampouco me haverá algo fecundo
Senão o que já é fava contada
E sequer sondo ao pélago profundo.

Betim - 16 07 2020

domingo, 12 de julho de 2020

SAUDADE VEM DE SOLEDADE

SAUDADE VEM DE SOLEDADE

Acho que sim, eu sinto falta:
Saudade vem de soledade.
Estar só -- oh ideia incauta! --
Mais faz querê-la, na verdade.

Acho que sim, sinto saudade
Quando a lágrima do olho salta.
Saudade vem de soledade!
Acho que sim, eu sinto falta...

Estar só --  a angústia me assalta!--
Sinto falta; sinto saudade.
Mais sua ausência se ressalta:
Saudade vem de soledade!
Acho que sim, eu sinto falta...

Betim - 12 07 2020

URGÊNCIA-EMERGÊNCIA

URGÊNCIA-EMERGÊNCIA

Sob risco de morrer ou mal viver,
Cheguei necessitando de cuidado.
Morte e vida caminham lado a lado
Depois do que não soube precaver.

São politraumatismos, a saber,
Edemas e hematomas no costado.
Com o sobrolho esquerdo retalhado,
O sangue continua a m'escorrer.

Morrer é transformar pessoa em cousa:
Escrever nome e datas n'uma lousa
Até m'os apagar chuvas e ventos...

Enquanto estiver vivo, todavia,
Urge agora estancar a hemorragia
E me manter na mente os pensamentos.

Betim - 12 07 2020


quinta-feira, 9 de julho de 2020

NA ESBÓRNIA

NA ESBÓRNIA

Se, de pernas para o ar, me alucinares,
Entregue aos meus desejos; aos meus beijos.
Talvez te dedilhasse alguns arpejos
Pelas tuas auréolas, com vagares...
-- Dar-te-ia mil amores por me amares!...

Confesso que ao rondar por lupanares,
D'outras tantas beldades fiz ensejos;
Entre alheias alcovas, percevejos 
Aturei para o mal de meus azares!
-- Dar-te-ia mil amores por me amares!...

Ébrio fauno, por todos os lugares
Onde uma luz vermelha aos azulejos,
Eu fiz a meretrizes mil gracejos
No afã de conhecer-lhes os folgares.
-- Dar-te-ia mil amores por me amares!...

Aceita, bela dama, meus bons ares
Em troca de carinhos benfazejos:
Pelas noites de Vênus, sem bocejos,
Eu terei os prazeres que me ousares!...
-- Recebe mil amores por me amares!...

Betim - 09 07 2020

quarta-feira, 8 de julho de 2020

AVALANCHA

AVALANCHA

Hei sido reticente do quando ou onde...
Entanto, acima das nuvens, na jornada
Surpreendo neblinosa outra alvorada:
Eu berro e nem o abismo me responde!

Encadeei palavras, mas aonde 
Irão quando o infinito tende ao nada? 
Nem m'especularão a derrocada,
Visto quanto a geleira mal esconde.

Eu e meus planos vamos muito em breve,
Despencar, um por um, em plena rota
Em cujo aclive a noite nos deteve.

Pois apesar da esplêndida derrota,
Escreverei meu nome sobre a neve
N'um glaciar em degelo, gota a gota...!

Belo Horizonte - 11 04 1998


segunda-feira, 6 de julho de 2020

LINHA DE MONTAGEM

LINHA DE MONTAGEM

Quem senão o que muito s'engrandece,
À guisa de demiurgo omnipotente, 
Em linha de montagem nos faz gente:
Onde se nasce, cresce e enfim fenece.

Aquele que ninguém sequer conhece,
Mas pôs em movimento, indiferente, 
O Universo que temos pela frente
E está por trás de tudo o que acontece.

Quem senão o que tem papel activo
Na desgraça d'alguém que, salvo engano,
Incapaz de passar pelo Seu crivo…

Apenas engrenagens n'algum plano,
Demasiado complexo e decisivo
A cumprir o entender do Soberano...

Betim - 06 07 2020

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A PIOR PESSOA DO MUNDO

A PIOR PESSOA DO MUNDO (vilanela)

Talvez eu seja o que o outro diz de mim...
Ao lhe ferir d'um modo indescritível; 
Quem mais o aproximou da morte, enfim.

Considera-me um lixo humano ao fim
Ou senão estrupício desprezível,
Talvez eu seja o que o outro diz de mim...

Decerto algum demônio carmesim
Fez-me exterminador irreprimível...
Quem mais o aproximou da morte, enfim.

Tu me tomas por verme ou coisa assim
E me queres um mal irreversível!
Talvez eu seja o que o outro diz de mim...

Teu ódio de meu ódio quis-se afim
Em mútua destruição; indistinguível! 
Quem mais o aproximou da morte, enfim.

Considera-me alguém de baixo nível
Quem mais o aproximou da morte, enfim.
Sou-te o pior de mim; o mais horrível:
Talvez eu seja o que o outro diz de mim...

Betim - 03 07 2020 

quinta-feira, 2 de julho de 2020

TESTEMUNHO

TESTEMUNHO

Viver sem perceber sequer que vive...
Parece ser a esfera irrefletida
De quem como eu passara toda a vida
Negando que estivesse n'um declive:
-- Lembre-se qu'eu também aqui estive!

Não terá sido inútil o que obtive
Com tanta luz frustrada de saída.
Minha miséria é coisa conhecida...
Condenada por muitos, inclusive!
-- Lembre-se qu'eu também aqui estive...

Quem sou? Em que me livre; em que me prive,
Tão-só me desconheço em minha lida.
A existência, uma sarça consumida
Da qual apenas cinzas me retive...
-- Lembre-se qu'eu também aqui estive!

Diga-me, quem comigo mais convive,
Pois ando sem saber quanto valida
A caminhada vã logo cumprida
E enfim desapareça no que tive...
-- Ou esqueça qu'eu também aqui estive.

Betim - 30 06 2020

quarta-feira, 1 de julho de 2020

ASSASSINATO

ASSASSINATO

Olhos que partem para escuridão
Mas ainda te olhando desde dentro.
Parecem perseguir-te noite adentro
Em meio em tua insone confusão.

Na hora tinhas uma arma e uma razão,
Apontando para o alvo circuncentro.
Com efeito, atiraste bem no centro
Para causar a morte, certo ou não.

Mataste. Alguém morreu por teu impulso.
Dos caminhos do mundo fora expulso
Aquele que cruzou o teu caminho.

Ficaram, como a foto d'um retrato,
Olhos a te acusar de assassinato
Quando d'olhos fechados e sozinho.

Betim - 01 07 2020