sábado, 22 de abril de 2017

CATA-SONHOS

CATA-SONHOS

Dependurada sobre a minha cama
Uma peneira com ossos e penas.
Onde vejo passar brisas amenas
Antes que o sono traga uma outra trama.

O luar pela janela se derrama
E projeta na mente belas cenas;
Vãs imaginações deixando apenas
Mais poluções noturnas no pijama...

Os sonhos qu'eu aqui tenho sonhado
Sob a aura benfazeja do amuleto
Mostram dores e amores lado a lado.

Pois mesmo meu desejo mais secreto
De mim para mim me era revelado
Quando me cata sonhos esse objeto.

Betim - 21 04 2017

SORORIDADE

SORORIDADE

Saúdo essa irmandade de mulheres,
Que tem nos feito todos mais humanos.
Difere do que vejo há tantos anos
Às voltas com direitos e deveres.

Há-que tornar mais sábios os saberes
Sem ignorar dos homens seus enganos
Ao denunciar de tantos tantos planos,
Que perpetuam estúpidos poderes.

Sórores -- religiosas ou nem tanto --
Lutando contra séculos de abusos;
Pelo que talvez haja de mais santo!

Por isso desmascaram os obtusos,
E enaltecem àquelas cujo encanto
Está em pôr os tolos tão confusos.

Betim - 22 04 2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

ANGORÁ

ANGORÁ

Sabe a gata
Aonde anda.

Sobe e desce
Na varanda!

Fala mansa...
Ordem branda...

-- "N'essa gata,
Ninguém manda.

Vira-lata
De quitanda!..."

Preguiçosa
Como um panda,

Pulou no ar...
Caiu de banda!

Betim - 18 04 2017

quinta-feira, 13 de abril de 2017

NOVENTA E NOVE TROVAS

PRIMEIRA

Chamam às quadras de trovas,
Quando co'o metro dileto
Têm, ao trazer boas-novas,
Em si um poema completo.

            *   *   *

SEGUNDA

Silva o rebenque no arranque:
-- "Zurra burro! Relincha égua!"
Que importa que mula manque?
Vou rosetar mais meia légua!...

            *   *   *

TERCEIRA

Olhos nos olhos da fera
E pernas p'ra que te quero!
Tomo onde menos s'espera
Carreiras de desespero...

            *   *   *

QUARTA

Hoje te vejo de perto;
Amanhã eu vou-me embora...
À noite passo desperto
Para ver-te desde a aurora!

            *   *   *

QUINTA

Uns olhos de verde gaio
Passo os dias a admirar.
Olhos que olho de soslaio
Para ela não me maldar.

            *   *   *

SEXTA

Pôr gravata vez em quando
Qual arreio em potro xucro:
Nasci desnudo e berrando...
Venha o que vier será lucro!

            *   *   *

SÉTIMA

Muitos dizem ser mentira
Isto de amar de verdade.
Mas quanto o peito delira
Não sabem nem a metade...

           *   *   *

OITAVA

Se nada vem por acaso,
Por que só me vens co'a lua?
A saudade, em todo caso,
Ao meu lado continua.

           *   *   *

NONA

-- "Meninas de bendizer!
Mulheres de bem amar!
Onde anda meu bem-querer?
Onde haveria-de andar?"

           *   *   *

DÉCIMA

Vez em quando me lamento
Das voltas que o mundo dá.
Volta e meia é sentimento
Algo bom em hora má.

           *   *   *

DÉCIMA PRIMEIRA

A morte vem a galope
Montada n'um corcel negro...
Doente, já tomo xarope;
Triste, ligeiro me alegro.

           *   *   *

DÉCIMA SEGUNDA

-- "Eu vou mais logo à cidade
Mas volto ainda cedinho."...
O tempo d'uma saudade
Não passa quando sozinho!

           *   *   *

DÉCIMA TERCEIRA

Abro olhos a ver e olhar,
Ora raso; ora profundo.
Fecho olhos a imaginar 
A imensa imagem do mundo.

           *   *   *

DÉCIMA QUARTA

Cumbuca de sapucaia
A prender mão de macaco,
Que nem onça na azagaia
Presa dentro do buraco.

           *   *   *

DÉCIMA QUINTA

Alguém que cedo madruga
Com mais ajuda de Deus
Apenas suores enxuga,
Não as lágrimas dos seus...

           *   *   *

DÉCIMA SEXTA

A espera de quem alcança
Sempre é difícil momento.
Há quem chame de esperança 
E outros de padecimento...

           *   *   *

DÉCIMA SÉTIMA

Jamais toma as minhas dores,
E ainda me põe no fogo...
Com quem não morro d'amores,
Só falo "olá" e "até logo".

           *   *   *

DÉCIMA OITAVA

Quem faz hora, nada faz:
Perde tempo seu e alheio...
Homem vão em horas más,
Sempre bota Deus no meio!

           *   *   *

DÉCIMA NONA

Muitos vão do luto à luta
Com sangue nos olhos fitos.
Misturam fel com cicuta,
No cálice dos aflitos...

           *   *   *

VIGÉSIMA

Mineiro não faz presença,
Nem diz falso frase leda.
Tampouco pede licença,
Ele diz mesmo é "arreda!".

           *   *   *

VIGÉSIMA PRIMEIRA

Sou, como diz o outro, prático:
Não caço chifre em cavalo!
Quem me sabe sistemático
Cala a boca quando eu falo.

           *   *   *

VIGÉSIMA SEGUNDA

O dia tem tantas horas,
Que às vezes nem me dou conta.
Ai senhores, ai senhoras,
Logo o sol no céu desponta!

           *   *   *

VIGÉSIMA TERCEIRA

Tem a ver com ir em frente
Essa coisa de viver.
A gente olha e, de repente,
Tudo está a acontecer.

            *   *   *

VIGÉSIMA QUARTA

Tem dias que nem discuto:
"Tudo é como tem de ser"...
N'outros, digo resoluto:
"Nada tem quem tudo quer!" 

            *   *   *

VIGÉSIMA QUINTA

Tudo é confuso -- não nego --
Quem tenho sido eu não sei,
Se rei em terra de cego       
Ou cego em terra sem rei.

            *   *   *

VIGÉSIMA SEXTA

Cheio de boas intenções
Faz-se da vida um inferno...
O que são desilusões 
Quando o suplício é eterno?

            *   *   *

VIGÉSIMA SÉTIMA

Vive com medo de aranhas
Quem d'elas teme o veneno.
Eu a conversas estranhas
Evito desde pequeno.

            *   *   *

VIGÉSIMA OITAVA

Dizem que em noite de lua
Aparece assombração.
Mulher de branco na rua
Já me dá palpitação.

            *   *   *

VIGÉSIMA NONA

Devagar se vai ao longe
E com Deus no coração.
Se o hábito não faz o monge,
Tampouco a cruz o cristão.

            *   *   *

TRIGÉSIMA

-- "Ó menina dos meus olhos!
Ó menina d'olhos meus!
Por que prendes a ferrolhos
Este amor que te deu Deus?"

            *   *   *

TRIGÉSIMA PRIMEIRA 

Se Deus fez o mundo todo
Em sete dias precisos,
Espalhou homens a rodo,
Mas lhes negou paraísos.

            *   *   *

TRIGÉSIMA SEGUNDA

Nunca dou ponto sem nó
Em catiras com vizinho:
Levo tombo uma vez só;
Na segunda, vou sozinho.

            *   *   *

TRIGÉSIMA TERCEIRA

Escorre à ponta dos cílios
Lágrimas desde o infinito...
Amor de mãe pelos filhos
É o maior e o mais bonito.

            *   *   *

TRIGÉSIMA QUARTA

Um pai zela de dez filhos,
Mas dez não zelam d'um pai...
Feito trem fora dos trilhos,
Ninguém sabe aonde vai.

            *   *   *

TRIGÉSIMA QUINTA

De dois dedos de prosa
A garrafas de poesia!...
A conversa é mais gostosa
Quando a cachaça a inicia.

            *   *   *

TRIGÉSIMA SEXTA

Atrás da porta outro escuta
O segredo que se esconde...
Quando envolve uma disputa,
Punhal vem sem saber d'onde. 

            *   *   *

TRIGÉSIMA SÉTIMA

Cai a máscara do falso;
Embarga a voz do falaz.
A verdade é cadafalso
Do ardiloso contumaz.

            *   *   *

TRIGÉSIMA OITAVA

Não sei se me calo ou falo,
Mas quem só serve, servo é...
Enquanto existir cavalo
São Jorge não anda a pé!

            *   *   *

TRIGÉSIMA NONA

Quem tem dois pássaros voando,
Mas nenhum na sua mão,
Sonha ter de quando em quando
Posse da própria ilusão.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA

Não há erro mais humano,
Que fazer a coisa certa.
Se é no mundo tudo engano,
Dá-se mal quem o conserta.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA

No sertão da minha terra,
Passa boi, passa boiada...
O olhar nos longes da serra;
Além da curva da estrada.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA

O ninho do joão-de-barro
No alto do jacarandá.
Parece um tanto bizarro
Quando morador não há.

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA TERCEIRA

Pega o boi com chifre e tudo
Quem cuida da própria vida.
Demanda trabalho e estudo
O fazê-la bem vivida!...

            *   *   *

QUADRAGÉSIMA QUARTA

Conta o milagre do santo,
Mas não conta o milagreiro.
Gratidão não chega a tanto
Quando a graça é mais dinheiro...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA QUINTA

-- “Aqui, um conto de réis!
Ali, um milhar de reais!
Se se vão dedos e anéis
Nem já os reis são reais...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA SEXTA

A ocasião faz o ladrão;
A aventura faz o herói...
É, n'uma história, o vilão
O que nunca se condói.

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA SÉTIMA

Juventina tem cem anos;
Dona Mocinha, noventa...
Quem faz alegres seus planos 
É mais jovem que aparenta.

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA OITAVA    

Se é trovador quem faz trovas
Penso eu ser um, afinal.
Tu que lês ora o comprovas
Para o bem ou para o mal...

           *   *   *

QUADRAGÉSIMA NONA

Venda "secos e molhados"
Com cadeiras na calçada...
Onde chegamos cansados
A cerveja é mais gelada.

           *   *   *

QUINQUAGÉSIMA 

Fico até mais crente ao vê-la
Vir em roupas de ver Deus,
Quando reza na capela
Para si e para os seus.

           *   *   *

QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA 

Se muito grande é o mundo,
Ainda maior o Universo...
O olhar mais largo e profundo
Cabe todo n'um só verso.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA

Bem diziam os antigos:
-- "Tudo o que viste, Deus viu!
Ele quem com mil perigos
Distingue o bravo do vil."

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA

Vire e mexe um vem e diz
Para tudo ter respostas.
Triste quem quer ser feliz,
Com receitas, não apostas...

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA QUARTA

Um pé de laranja lima
Carregado de florzinhas,
Eu olho de baixo a cima
À procura de joaninhas.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA QUINTA

Andorinha faz verão,
Quando em bando, não sozinha!
Uma só é solidão; 
Uma é só andorinha.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  SEXTA

Quem pode ter qualquer um
Não raro não quer ninguém.
Antes quer, sem pejo algum,
Todo mundo em vez d'alguém.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  SÉTIMA

Trago um arranjo de flores
Para roubar-te um sorriso.
Se em teus olhos vejo amores,
Tenho tudo qu'eu preciso!

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  OITAVA

Papo de cerca-lourenço...
Conversa p'ra boi dormir...
Quando o discurso é extenso
Se concorda sem ouvir.

            *   *   *

QUINQUAGÉSIMA  NONA

Se alguém anda tão-somente
Sem dar conta do que faz,
Dá um passo para frente
E dois passos para trás.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA

O fogo que em vão atiço
Saltou longe do braseiro...
É assim quando o feitiço
Vira contra o feiticeiro!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA PRIMEIRA

Dias há em qu'eu me sinto
De costas p'ra própria vida.
Tudo parece indistinto,
Já frustrado de saída...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SEGUNDA

Nas voltas que dá o rio;
Nas voltas que o rio dá:
Canoa em remanso frio
É toda a beleza que há!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA TERCEIRA

Põem a verdade de lado
Quando razão querem ter!
Jamais será encontrado
O que já não se quer ver...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA QUARTA

Corria à boca miúda
A última d’algum incauto:
Quem nunca a ninguém ajuda
Cai no chão olhando pr’o alto!

            *   *   *

SEXAGÉSIMA QUINTA

À meia noite era meia lua 
Brilhando sobre a cidade.
Andarilhos pela rua,
Corações pela metade.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SEXTA

Mas quem me ilumina o rosto
E parte o seu pão comigo,
A este acompanho com gosto;
A este que chamo de amigo.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA SÉTIMA

As paredes têm ouvidos;
As janelas, muitos olhos.
A portas fechadas, ruídos
Escapam pelos ferrolhos...

            *   *   *

SEXAGÉSIMA OITAVA

O coração é tambor
Que bate desatinado...
Mil vezes morre d'amor
O que vive enamorado.

            *   *   *

SEXAGÉSIMA NONA

Têm tido mais alegrias
Os últimos que os primeiros;
Aqueles têm fantasias;
Estes, apenas dinheiros...

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA

Ter erudição a uns soa
Como coisa rara e nobre,
Mas a maus olhos destoa,
Qual seda vestindo pobre.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA PRIMEIRA

Conto quarenta anos feitos:
Já vi e vivi um tanto.
Passos tortos fiz direitos...
Sou bento mas não sou santo!

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA

Vou para a festa correndo;
Volto para casa andando...
Vejo o dia amanhecendo
Em folias vez em quando.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA TERCEIRA

Tem dia que não é dia:
Não houve aqui vencedor...
Ninguém é na hora tardia 
Nem caça nem caçador.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA QUARTA

Depois de posto em garrafa
E de cruzar todo o oceano,
Um vinho me afogue a estafa
E alumbre o meu desengano!

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA QUINTA

Antes cedo do que tarde...
Antes tarde do que nunca!
Embora às vezes se atarde,
O amor de flores se junca.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SEXTA

Não me engano nem me iludo
Em descrer dos olhos meus:
O crédulo crê em tudo;
O crente só crê em Deus.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA

Um que nem bem vai embora
E já fala em vir de volta...
Triste de quem sem demora
Anda com a língua solta.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA OITAVA

Isso d'escrever poesia
Para uns é café pequeno.
Esses não têm alegria
Nem o semblante sereno.

            *   *   *

SEPTUAGÉSIMA NONA

Sem-vergonha aqui é mato:
Dá em tudo que é lugar!
O que de manhã eu cato,
À tarde torna a brotar...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA

Salamaleques à parte,
O respeito e a cortesia,
Antes são refinada arte
Que custosa fantasia..

            *   *   *


OCTOGÉSIMA PRIMEIRA 

Quem dá o que não possui
Perde até o que não tem.
Não se sabe mas se intui
O lugar que lhe convém.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SEGUNDA 

O amor é pássaro arisco,
Que se afasta quando acuado.
Sabe em cada olhar um risco
E em cada sorriso um fado.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA TERCEIRA 

Fidalgo de meia pataca!
Puto sem eira nem beira!!
Falando igual maritaca
Um caminhão de besteira...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA QUARTA

Se segunda à sexta eu busco,
Sábado e domingo eu acho:
Nas sombras d'um lusco-fusco,
Do arrebol o último facho.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA QUINTA

Vez em quando vou à forra
Contra as mazelas da vida:
Ainda que viva ou morra,
Antes tê-la bem vivida!

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SEXTA

Eu -- mais dia, menos dia --
Parto d'esta p'ra melhor...
Mas fiz tudo o que podia
Com fé, esperança e amor.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA SÉTIMA 

Perdem as folhas o viço
Quando vem no outono o frio.
Antes fosse apenas isso,
Mas junto com ele o estio...

            *   *   *

OCTOGÉSIMA OITAVA 

Amanheço na esperança
E anoiteço em desespero...
Minh'alma jamais descansa,
Querendo tudo que quero.

            *   *   *

OCTOGÉSIMA NONA

Molha tolos fina chuva,
Que nos pega de surpresa:
Cai como à mão uma luva,
Tua orvalhada beleza.

            *   *   *

NONAGÉSIMA

Ignora a dor d'este mundo
Quem vive só de aparências.
Qualquer olhar mais profundo
Evitam as vãs consciências.

            *   *   *

NONAGÉSIMA PRIMEIRA

À custa d'algum versinho,
Perdia a hora vez em quando...
A manhã em que escrevinho,
Cheira a café fumegando.

            *   *   *

NONAGÉSIMA SEGUNDA

Em teus olhos vejo estrelas;
Em teu sorriso, promessas...
Mas me negas conhecê-las
N'esse silêncio que expressas.

            *   *   *

NONAGÉSIMA TERCEIRA

Além do bem e do mal,
As razões do coração
Pesam mais do que, em geral,
Qualquer razoável razão.

            *   *   *

NONAGÉSIMA QUARTA

Nada como um outro dia
Para se entender o havido.
Quem ontem riu d'alegria,
Hoje está entristecido...

            *   *   *

NONAGÉSIMA QUINTA

Temo que a estrada da vida
Após muito caminhar
Dê n'um beco sem saída
Ou mesmo em nenhum lugar...

            *   *   *

NONAGÉSIMA SEXTA

Ser feliz -- quer sim; quer não --
É mais empenho que sorte:
Uns buscam ser na ilusão;
Outros, só depois da morte.

            *   *   *

NONAGÉSIMA SÉTIMA

Busca alegria absoluta,
Mas Liberdade primeiro!
Melhor um dia de luta
Do que mil de cativeiro...

            *   *   *

NONAGÉSIMA OITAVA

Às letras eu me dedico
Por mais e melhor saber.
Não que me façam mais rico,
Sim me ensinem a viver.

            *   *   *

NONAGÉSIMA NONA

-- "A quantas andam as trovas
Com que costumas poetar?"
-- "São noventa e nove novas
N'esse livro de folhear."

Betim - 12 05 2017

terça-feira, 11 de abril de 2017

AMONTILADO

AMONTILADO

O sol se põe na taça de xerez
Por respiro do espírito cativo:
D'um lado agradecia d'estar vivo;
D'outro, se aborrecesse ali talvez...

O olhar a se perder por sua vez
Tem a ver com andar tão emotivo,
A ponto de chorando sem motivo,
Culpar, por suscetível, a embriaguez...

Ao ocaso lhe revele sua verdade
Adormecida há décadas na adega,
Para o gozo d'alguma mocidade.

Mas tenha sempre d'ele uma fé cega,
Visto do amontilado a qualidade
É dar exacto quanto a vida nega.

Betim – 10 04 2017

PASSARINHA

PASSARINHA

Aves voam;
Tu, caminhas...

Vão em bando,
Não sozinhas.

Sem saber
A que vinhas,

Mais esticas
As perninhas

A correr
Nas graminhas.

Tu, porém,
És das minhas:

Se não passas,
Passarinhas!

Betim - 05 04 2017

sábado, 8 de abril de 2017

POÉTICO

POÉTICO

Entre ser e parecer ser,
Vivo escrevendo meus dias.
As linhas que ouso escrever
Muitos chamam de poesias,
Mas poucos gostam de ler.

Eu, por outro lado, vejo
A vida por linhas tortas
Quando tonto de desejo
Passeio pelas horas mortas
À luz d'um luar benfazejo.

Talvez encontre a verdade
Apenas buscando o belo,
Ou tenha a insanidade
De ser feliz sem sabê-lo
Andando pela cidade.

Talvez ideias em excesso,
Imagens em profusão...
Esse mal de que padeço
Me faz viver de ilusão
As horas em que anoiteço.

Talvez... E eu fico a poetar,
Ainda que um tanto hermético:
A este benfazejo luar
Muitos chamam de poético,
Mas poucos sabem gostar.

Betim - 08 04 2017

quarta-feira, 5 de abril de 2017

ANTI-HORÁRIO

ANTI-HORÁRIO

Em vão giro os ponteiros ao contrário
Como se assim pudesse voltar tudo...
O mundo continua aqui, contudo,
Agora é menos belo e extraordinário.

Folheio sem interesse o calendário,
Visto que nem dos dias já me iludo:
Sigo entrando calado e saindo mudo
N'esse afã de fazer tudo no horário.

Contra o relógio se anda pela vida
Apesar de saber-se de saída
Que o tempo sempre vence no final.

De facto, aproximando a hora da morte
Pela noite o tic-tac ecoa forte
Enquanto a vida passa quase irreal.

Betim - 05 04 2017

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O VISIONÁRIO

O VISIONÁRIO

De ver o que há-de vir eu já nem vejo
O que diante dos meus olhos está.
Dividido entre o que há e o que haverá,
Construo pontes feitas de desejo.

Ideando de lampejo em lampejo
Um mundo todo novo que virá.
Eu visiono o futuro desde já
Nas linhas das alturas que planejo.

De viver quem vou ser eu já nem vivo
O que diante de mim deveras é
Como se sempre absorto sem motivo.

Atravesso a cidade (a vida até!...)
Andando sem ver, introspectivo,
Quase sem chão debaixo do meu pé.

Betim - 03 04 2017

SEPULCRAL

SEPULCRAL

O nome mais as datas no granito
Ao resumir aos olhos cada vida,
Parecem afirmar que após vivida
Pouco se deixa além do ali escrito.

Com efeito, o silêncio era infinito
Por todo o campo santo até a ermida,
D'onde uns anjos de pedra dão guarida
A estes tristes jazigos que visito.

As ervas se alastrando sub-reptícias
Mais as folhas caducas pelo outono
Reforçavam-me o aspecto de abandono.

Nada lembrava o mundo e suas delícias
O sítio em que repousam para a Glória
Aqueles que hoje estão só na memória...

Betim - 03 04 2017

domingo, 2 de abril de 2017

ALUCINÓGENO

ALUCINÓGENO

Olhos veem o que a mente não alcança.
Portas da percepção... Janelas d'alma!
Uma réstia de luz pura me acalma
Quando de fina poeira mostra a dança.

D'essa luz outra luz por dentro avança
Até me incandescer em cheio a palma.
Mas fere o alvo papel sanguíneo trauma
Co'a pena já aguda feito lança.

Assim, iluminado, permaneço
A ver e a escrever tudo o que estou vendo
N'um manuscrito vão mas estupendo.

No mais, viajando em mim eu me conheço,
Pois, a mente aloucada onde ora estou
Que torna interessante ser quem sou.

Betim - 02 04 2017

EMOCIONAL

EMOCIONAL

Cogito, logo, sinto. Logo, invento...
Isto que conhecemos por consciência
E temos como sede da sapiência
É tanto pensamento e sentimento.

A memória d'algum vago momento,
A história individual d'uma existência
E aquilo de que temos mais querência
Formam o emocional conhecimento.

Por isso se consegue imaginar
Todas as coisas fora do lugar
E d'aí fazê-las novas novamente.

Sem emoções, talvez nem mais humanos
Sejamos se incapazes já de enganos,
Reduzindo à razão a voz da mente.

Betim - 02 04 2017

sábado, 1 de abril de 2017

FABULISTA

FABULISTA

Se toda mentira tem
Algum fundo de verdade
A fantasia também
Muitas vezes me convém
No lugar da realidade.

Qual! Mentirinha de nada...
Poética, todavia,
É uma história inventada
Que se muito bem contada
Por verdade passaria.

O poeta é um fabulista
Que faz mais belo o que sonha.
Não importa o quanto dista
O facto que acaso exista
Das fábulas que proponha.

Não importa nem se errado
Argumente no vazio.
Se s'eleva contra o Fado,
Revisitando o passado
Face um futuro sombrio.

Importa inventar-se lendas
E n'elas acreditar:
Como quem por velhas sendas,
Louco, imagina contendas
Apenas para admirar.

Betim - 01 04 2017

FALÁCIAS

FALÁCIAS

Não me toques, não me sintas!
Puseste tudo a perder...
Não me fales, não me mintas!
Dizer palavras distintas
Não mudam o que se quer.

Tua mão está tão fria,
Que me tem estremecido...
Tua fala é tão vazia,
Que mesmo a tua alegria
Só me deixa entristecido.

Quando me tocas eu sinto
Que já não me amas nem queres.
Quando me falas desminto
Falácias que por instinto
Sabem dizer as mulheres.

Quando te toco, porém,
É como tocasse em gelo...
Quando te falo também
É como falasse a alguém
Que me quer o amor sem tê-lo.

Porque ao toque já se sente
Qual emoção a alma traz.
Ou porque à fala que mente
Vãs palavras simplesmente,
Não mudam o que se faz.

Betim - 01 04 2017