sábado, 30 de janeiro de 2021

AUTOCOMPAIXÃO

AUTOCOMPAIXÃO

Olha para quem és com tais franquezas, 
Que nem teu maior crítico faria.
Repara onde a tristeza; onde a alegria,
E encontra em teu amor veras riquezas

Deixa de ter nos gestos asperezas
E estende o teu olhar com empatia.
Duvida de qualquer sabedoria
Pautada tão somente por certezas.

Entende que as misérias d'essa vida
São um saco inútil que levamos
A ser deixado logo na saída. 

E tem só os que amas por teus amos.
Faz-se ao caminho ao olhar desde a partida 
Enquanto de mãos dadas caminhamos.

Betim - 30 01 2021

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

ÁBACO

ÁBACO

Em dezenas, centenas e milhares...
Separa-se unidades por linhas,
Nas quais fazia o cômputo das vinhas
Ou terras, ouro e escravos dos lugares.

As riquezas do rei e seus azares
Somados-subtraídos por mãos minhas,
De escriba das regiões circunvizinhas
No censo dos palácios e dos lares.

Nas contas coloridas dos valores
Computei do Magnânimo os favores
E o luxo contumaz de toda a corte.

Agora, vejo a rapina dos seus bens
Co'os mesmos que lhes davam "parabéns!"
Celebrando por fim a sua morte.

Betim - 27 01 2021






segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O ENFEZADO

O ENFEZADO

Uma prisão de ventre formidável
Depois de muitas noites mal dormidas
Fê-lo ora irritadiço; sem guaridas
Que tem o ser humano sociável.

Capaz de responder o intolerável,
Primava em ter palavras indevidas
Que afastavam pessoas conhecidas
Pois seu comportamento detestável.

A barriga lhe doendo empazinada
Deixava a sua mente atormentada
E ainda sem nenhuma tolerância.

Às voltas com o ventre sempre cheio,
Parecia não ter pudor do alheio
Com fezes promovendo-lhe tal ânsia.

Betim - 25 01 2021

domingo, 24 de janeiro de 2021

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS (tercetos)

Sentado no mais alto parapeito,
Suspiro ante meu último momento,
Olhando para baixo contrafeito.

Subi ao derradeiro pavimento,
Que do alto do edifício sobreavança
Lavado pela chuva e pelo vento.

Cá m'entrego à total desesperança,
Enquanto o corpo todo em calafrios
Se agita co'o que trago na lembrança.

Às voltas com extremos desvarios,
Oscilo como um junco na lagoa
Durante a tempestade aos ventos frios...

Lamento apenas ser essa pessoa
Que o Universo esmagou indiferente
E cujo uivo, por fim, o abismo ecoa.

Sim, é o fim que tenho à minha frente.
Ou melhor, o jogar-me sobre o nada
E assim sumir do mundo de repente.

Minh'alma de si mesma abandonada
Clama pelo vazio das alturas
D'onde eu surpreendia a madrugada.

Angustiado após tantas desventuras,
Vim a estas desoladas soledades
Debulhar meu rosário de amarguras:

Em meio a desacertos e inverdades,
Vivi buscando paz a mim e aos meus,
Encontrando somente insanidades...

Quantas vezes roguei aos pés de Deus?! 
Quantas vezes pedi por lenitivo?!
Sozinho, para os astros digo adeus...

Em face já da morte, ainda vivo,
Contemplo-me avançando para o abismo
Do afã de me matar enfim cativo.

Deveras, deixo todo humano egoísmo 
No pátio cimentado do edifício
Contra o qual lavo em sangue insão batismo.

Relembro desde o fim o meu início 
A ver, uma a uma, minhas vãs misérias
Marcadas pela dor e pelo vício.

E o amor que se perdeu... Pelas artérias
Pulsa m'envenenando o coração...!
Um corpo dado a vermes e bactérias.

Olhando para baixo, um sim ou um não.
Imaginava a queda em minha mente
E minh'alma deixando o corpo ao chão...!

Um impulso mais forte para frente
E todo o sofrimento se acabava,
Fazendo parecer um acidente. 

Pois diante do vazio eu m'encontrava...
Certo de atravessá-lo n'um segundo,
Enquanto a minha mente errante errava.

Considerei a dor de todo mundo
Em face do que foi e o que será
Depois de me jogar no vão profundo.

Apenas quem na noite escura está
Entende esta infinito desespero
Que me persegue aonde quer que eu vá.

A presença dos outros mal tolero
De modo que m'encontro em soledade.
Igual um zero à esquerda d'outro zero.

Pensei na solidão ter liberdade,
Mas liberdade burra a solidão
Àquele que ao vazio a mente evade.

Pois ouvi as razões do coração,
E n'elas me perdi enamorado,
Tendo, por fim, tão-só desilusão.

Olho à frente, mas vejo só passado,
Revendo, obstinado, meus amores
De quem a vida tem me separado. 

Rememorei também tantos horrores
Dos dias mais estranhos d'esta vida
Nos quais eu conheci extremas dores.

Como antevi minh'alma adormecida
Dissociada do ser atormentado
Que do alto parapeito s'encomprida

Depois eu vi meu corpo espatifado,
Como um cristal partido em mil pedaços
No piso por si mesmo abandonado.

E vi aqueles meus últimos passos
Que tendo a este vazio me trazido
Projeta-me, afinal, aos vãos espaços. 

Senti até o espasmo destemido
De encontrar com a morte lá embaixo 
Como se pelo fim me decidido.

Mas saí do parapeito cabisbaixo 
E desfiz os meus passos para o nada
Descendo por escadas prédio abaixo.

Cheguei ao pilotis no fim da escada
Onde antevi meu corpo desabado,
E minh'alma de mim já desligada.

Olhei o parapeito abandonado
E me vi a mim mesmo entristecido
Como se ainda n'ele eu assentado.

Vi o quanto eu estava 'inda perdido
Às voltas co'os fantasmas que desvi
Que tenho a vida toda convivido.

Porém, não me matei e nem morri
Passei somente a noite mais escura
D'entre todas as noites que vivi.

Betim - 24 12 2020

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

AMOR E DOR: ARDOR

AMOR E DOR: ARDOR (fado)

Chama-me de amor...
Para ti, este é meu nome.
Sara a minha dor;
Este mal que me consome!
Para mim, ardor:
De ti tenho sede e fome.

Chama-me "meu bem"
Como eu fosse só bondade
E de mim também
Logo tivesses saudade.
Sou tão-só alguém
Que te ama de verdade.

Ama-me, carinho,
Ternamente, eternamente...
Por onde caminho
Ao teu lado eu sigo em frente
Sem ti, eu sozinho
Fico a tudo indiferente.

Chama-me de amor...
Para ti, este é meu nome.
Sara a minha dor;
Este mal que me consome!
Para mim, ardor:
De ti tenho sede e fome.

Betim - 21 01 2021

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

COM CARINHO

COM CARINHO

Há-que falar d'amor se for de ti.
Senão, melhor calar, nada dizer:
Há quem fale d'amor sem conhecer;
Sem entender sequer se chora ou ri.

Que sei d'amor contigo eu aprendi
E nada que vivi fez t'esquecer.
Possa tu ao meu lado ainda ter
Tudo que ao te tocar em mim senti.

Adoço a minha língua se te falo,
Assim como me amarga se me calo
E deixo de dizer o quanto te amo.

Mas de nada me vale ter carinho
Se tenho de guardá-lo aqui sozinho
Pela noite vazia em que te chamo.

Betim - 18 01 2021

PESSOA PÚBLICA

PESSOA PÚBLICA

Aquele que aparento aos outros não
É quem de facto sou quando me sinto.
Entre ser e parecer muito lhes minto
Nos muitos que me sei em solidão.

Passando pela rua, uma ilusão
Projeto pretendendo ser distinto.
Se pensam bem de mim, eu não desminto.
Sem d'eles ter sequer uma opinião!

Caminho ao largo, não através de...
Uma voz em minh'alma grita: -- "Sê!"
E sigo eu existindo n'esse mundo.

Aquele que aparento aos outros traz
A firme convicção de ser em paz,
Olhando para dentro o mais profundo.

Betim - 17 01 2021

sábado, 16 de janeiro de 2021

NEG(ÓCIO)

NEG(ÓCIO)

Se quando não se está fazendo nada
Ainda há algo humano sendo feito,
Ao poeta se lhe apraz certo conceito
Onde a pessoa a si mesmo se agrada.

Mesmo em sombra e água fresca trabalhada
Vem a escrita explicitar o contrafeito
Estado de espírito do sujeito,
Que se nega o descanso da jornada.

Deveras, sua mente tão febril
Soubera dizer não ao mercantil
Escambo entre prazer e obrigação.

De sorte que nas nuvens da poesia
Encontra um não-lugar; uma utopia
Onde reina absoluto o coração.

Betim - 16 01 2021

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

TEU

TEU

Eu, que nunca fui nada senão teu,
Sem ter o teu amor nem sei quem sou.
Por Fado ou por paixão, ainda estou
Perdidamente entregue, encanto meu!

Maldigo o tempo vão que se perdeu
Longe do que o carinho nos sonhou.
Eu pertencer-te é tudo que restou
Desde que teu olhar cruzou o meu.

Procurei na distância algum caminho
Depois que me perdi assim sozinho
E triste sem a tua companhia...

Pois mesmo na mais funda escuridão
Não deixas de tocar meu coração
Certa de que eu tão-só te pertencia.

Betim - 14 01 2021

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

SEJA LUZ

SEJA LUZ

O que quer que sejas;
Onde quer que estejas;
Tanto quanto vejas...

Seja luz!...

N'esta ou n'outra vida;
N'uma hora perdida;
Tendo ou não saída,

Seja luz!...

Sim, seja luz, ilumine
A vida dos que têm te amado!
Amor é quem está do teu lado.

Sim, seja luz, fascine
Olhos que brilham pelos teus
E têm na tua luz a luz de Deus

Seja luz!...

Seja luz!...

Betim - 12 01 2021

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

NONAGÉSIMA

NONAGÉSIMA 

Atravesso a noite imensa 
A caminho da saudade.
O que se sente ou se pensa?
Lembranças da mocidade...

       *   *   * 

domingo, 10 de janeiro de 2021

RESTAURO

RESTAURO

Aquilo que já foi bonito um dia
Possa brilhar de novo igual mil sóis!
Possa florir nos campos girassóis
N'um mar de primavera e de poesia.

Saiba curar no peito essa agonia
De meu olhar perdido em arrebóis...
Qual sobre a fosca pátina, aerossóis
Renovando co'as cores da alegria.

Que o velho seja enfim novo de novo
E nos traga a esperança d'um renovo,
Anunciando as ramas da florada.

E que ainda haja amor nos corações
Capaz de iluminar escuridões,
Saudando as brumas níveas d'alvorada.

Betim - 10 01 2021


sábado, 9 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA NONA

OCTAGÉSIMA NONA 

Aparências enganosas 
Iludem desiludidos. 
Nas veredas amorosas 
Permaneciam perdidos. 
 
       *   *   * 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA OITAVA

OCTAGÉSIMA OITAVA 

Não era oito nem oitenta, 
Sim outro triste pós-coito... 
Um que jamais se contenta 
Nem se tiver oitenta e oito! 
 
       *   *   * 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA SÉTIMA 

OCTAGÉSIMA SÉTIMA 

Se a ocasião faz o ladrão, 
-- Por demasiado humano ... -- 
Era todo cidadão 
Sem carácter, salvo engano. 
   
       *   *   * 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA SEXTA

OCTAGÉSIMA SEXTA 

Todos os gatos são pardos 
Na noite escura que passa. 
Todos os homens são tardos 
No dia d'uma desgraça. 
 
       *   *   * 

SETENTA VEZES SETE VEZES

SETENTA VEZES SETE VEZES

Quantas vezes perdoei quem me feriu?
Tantas quantas houvesse a lhe perdoar...
Aquele que não erra não ouse amar
Nem sinta muito quem nada sentiu.

Peço desculpas pelo que se viu
Em nossas vidas sem comum lugar. 
Hoje, distante, sei até faltar 
Espelho que me mostre menos vil.

Perdi meu grande amor. Eu perdi tudo...
Eu, de tão agoniado,  calo mudo 
Tristezas que m'ecoam nas entranhas. 

Deus queira ao perdoar ser perdoado
Para eu poder amar quem tenho amado 
E deixar essas noites sós e estranhas.

Sobrália - 30 12 2020

domingo, 3 de janeiro de 2021

DECÊNCIA

DECÊNCIA (aforisma)

Ser decente: Encontrar uma pessoa e não deixá-la pior do que quando a encontrou.

Betim — 03 01 2021

OCTAGÉSIMA QUINTA

OCTAGÉSIMA QUINTA 

Mentira tem perna curta... 
Não vai longe o mentiroso... 
Quem à verdade se furta 
Não tem sossego nem gozo. 
 
       *   *   * 

OCTAGÉSIMA QUARTA

OCTAGÉSIMA QUARTA 

Sabe Deus que tenho andado 
Buscando um lugar ao sol. 
Nas estradas do passado 
Não reluz novo arrebol. 
 
       *   *   * 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA TERCEIRA

OCTAGÉSIMA TERCEIRA 

Dizem que a última que morre 
É a esperança do fiel. 
Feliz de quem Deus socorre 
E tarda em tê-lo no céu! 
 
       *   *   *