segunda-feira, 30 de novembro de 2020

M’BOICININGA

M’BOICININGA

Chocalha o rabo. Bote presumido
Co’a língua bifurcada para fora.
O homem enfeitiçado se apavora
E hesita face a face ao mais temido.

A vida inteira passa no intuído
Assalto que antevira n’aquel’hora
Em que o silvo atravessa trilha afora
Até que o tornozelo malferido.

A dor aguda logo paralisa
Mesmo porque o chocalho se lhe avisa
Que David outra vez venceu Golias…

De facto, se o gigante cai por terra
A serpente sinuosa a fugir erra
Pelo cerrado adentro tortas vias.

Betim — 29 11 2020

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA

Lume de quinta grandeza
Que anos-luz ilumina!
‘Té a Terra, em redondeza,
Pelos seus polos se inclina. 
 

   *    *    *

JURURU

JURURU

Tenho andado tão triste ultimamente
Como tivesse visto um anhangá…
Pouco ou nada valeu meu patuá:
Voltei das solidões bem diferente.

Vagas assombrações eu tenho em mente
Por sobre as realidades lá e cá.
Incerto o tempo todo de quanto há,
Espero pela morte tão-somente.

Confesso que me sinto tão sozinho
Que nem mesmo o cantar do passarinho
Consegue me trazer mais alegria.

Eu ando pelas matas noite e dia
E enfeitiçado sigo o meu caminho
Vivendo sem a tua companhia.

Betim — 30 11 2020

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA

Entra n’água e não se molha.
Vai no mundo e não se perde.
Voeja no vento qual folha
E cai na campina verde. 

   *    *   * 

domingo, 29 de novembro de 2020

QUADRAGÉSIMA

QUADRAGÉSIMA 

Anda meio aperreado 
Quem sai de afasto. Afinal, 
Insiste pelo rumo errado 
Para o bem para o mal. 

           *   *   * 

TRIGÉSIMA NONA

TRIGÉSIMA NONA 

Querendo-se espirituoso, 
Fala pelos cotovelos... 
Tem gosto bem duvidoso; 
De arrepiar os cabelos! 
 
           *   *   * 

TRIGÉSIMA OITAVA

TRIGÉSIMA OITAVA 

-- “Mas será o Benedito?” -- 
Pergunta a dona espantada. 
O moleque correndo aflito
Apenas diz: -- “Não fiz nada!” 
 
           *   *   * 

sábado, 28 de novembro de 2020

TRIGÉSIMA SÉTIMA

TRIGÉSIMA SÉTIMA

Pobrezinho, pobrezinho...
 
Foi o Romeu que morreu. 
Lá na curva do caminho. 
Mas antes ele do que eu! 
 

           *   *   * 

TRIGÉSIMA SEXTA

TRIGÉSIMA SEXTA

Passa o dia em nuvens brancas;
Nuvens brancas pelo céu...
Velho Chico das carrancas,
Não me deixes ir ao léu! 

  *   *   * 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

TRIGÉSIMA QUINTA

TRIGÉSIMA QUINTA 

Lá para os lados do poente 
Céus pesados e sombrios. 
Um dilúvio, de repente, 
Enchendo as ruas e os rios. 
 
           *   *   * 

TRIGÉSIMA QUARTA

TRIGÉSIMA QUARTA 

Enxurrada que carrega 
As terras do boqueirão 
Dia após dia se achega: 
Abismo e desolação! 
 
           *   *   * 

TRIGÉSIMA TERCEIRA

TRIGÉSIMA TERCEIRA

Sob sete palmos de terra 
Descansam justos e injustos, 
Nenhuma alma decerto erra 
Apenas para dar sustos! 
 
           *   *   * 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

TRIGÉSIMA SEGUNDA

TRIGÉSIMA SEGUNDA 

Relincha a égua na campina 
Das vertentes morro abaixo. 
Nem um palmo p'la neblina 
Vê o rapaz cabisbaixo.
 
           *   *   * 

TRIGÉSIMA PRIMEIRA  

 TRIGÉSIMA PRIMEIRA  

Nas horas mortas da noite 
-- Desoras de escuridão... -- 
Zurrava a mula no açoite: 
Histórias d'Assombração! 

   *   *   *

TRIGÉSIMA

TRIGÉSIMA 

Tendo a poesia por pena, 
Tem-se o poeta por culpado... 
O leitor na tarde amena 
Separa o certo do errado. 
 
           *   *   * 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

VIGÉSIMA NONA

VIGÉSIMA NONA 

Contra tudo e contra todos, 
Procuro uma rima plena. 
Escrevo de muitos modos 
Até que me valha a pena. 
 
           *   *   * 

VIGÉSIMA OITAVA

VIGÉSIMA OITAVA 

Acabo por desistir  
De esperar mais esperanças: 
Qualquer que seja o porvir, 
Sombrias minhas andanças... 
 
           *   *   * 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

VIGÉSIMA SÉTIMA

VIGÉSIMA SÉTIMA 

Não há no mundo quem veja 
A loucura do que diz... 
Porque precisa ou deseja, 
Todo mundo é infeliz. 

           *   *   * 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

VIGÉSIMA SEXTA

VIGÉSIMA SEXTA

Corre pela boca miúda
As safadezas da dona.
Gente que mal se desnuda
Vive a vigiar sua cona!...

    *    *    *

domingo, 22 de novembro de 2020

VIGÉSIMA QUINTA

VIGÉSIMA QUINTA

Angu a dar com o pau
Na boca de quem não come...
Fazia o bem sendo mau,
Um outro home lobo do home.


    *    *    *

VIGÉSIMA QUARTA

VIGÉSIMA QUARTA

Não confies na multidão
Que porfia em bajular.
Vivem dando ao falastrão
Corda para s'enforcar.


    *    *    *

VIGÉSIMA TERCEIRA

VIGÉSIMA TERCEIRA

Depois de muito atropelo,
Da bateia tive trégua:
Com ouro em pó pelo pelo,
Eu levei e lavei a égua!

    *    *    *

VIGÉSIMA SEGUNDA

VIGÉSIMA SEGUNDA

Ando pensando na vida,
Como soubesse vivê-la...
Frustrado já de saída,
Talvez me faltasse estrela.


    *    *    *

sábado, 21 de novembro de 2020

VIGÉSIMA PRIMEIRA

VIGÉSIMA PRIMEIRA

Quem só de passado vive
Dizem ser algum museu.
Não esqueci onde estive;
Esqueci quem m'esqueceu.

    *    *    *

VIGÉSIMA

VIGÉSIMA

Bem do século passado
Dizer se presta ou não presta...
Nem aquele que anda errado
Tem etiqueta na testa!

    *    *    *

DÉCIMA NONA

DÉCIMA NONA

-- "Meus filhos 'tão todos criados..."
Vive afinal como quis
Aquela cujos pecados
Guardou para ser feliz.

    *    *    *

DÉCIMA OITAVA

DÉCIMA OITAVA

Vão aos trancos e barrancos
A fazer horas mais ledas:
Intrépidos saltimbancos
Recolhem aos chapéus moedas.

    *    *    *

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

DÉCIMA SÉTIMA

DÉCIMA SÉTIMA

A verdade é que a mentira,
Mesmo quando bem contada,
Pela verdade suspira
Querendo ser revelada.

    *    *    *

DÉCIMA SEXTA

DÉCIMA SEXTA

Oficina do Demônio:
A mente vazia e errante
Tem um único neurônio
Onde o tédio é imperante...

    *    *    *

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

DÉCIMA QUINTA

DÉCIMA QUINTA

De costas, olhando o mar
Está a mulher que amei.
Quem brilha no seu olhar
Confesso que já não sei.

    *    *    *

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

QUATRIDÉCIMA

QUATRIDÉCIMA

Dia sim; dia não, vejo
Outra esperança perdida.
Pouco vale meu desejo
Nos desencontros da vida...

    *    *    *

TRIDÉCIMA

TRIDÉCIMA

Um galo na madrugada
Avisa vir vindo o dia.
Ninguém porém sabe a estrada
Por onde vem a alegria.

    *    *    *

terça-feira, 17 de novembro de 2020

DUODÉCIMA

DUODÉCIMA


Atravesso o rio a vau
Depois de atolar na vargem,
Fincando no fundo um pau
Até chegar na outra margem.

    *    *    *

UNDÉCIMA

UNDÉCIMA

D'aqui a pouco adormeço
Tamanho está meu cansaço.
Esqueço quanto conheço:
Modorro sob o mormaço...

    *    *    *

DÉCIMA

DÉCIMA

Quem maldades insinua
Atiça a ferida em brasa...
Dá-lhe que a porta da rua
É serventia da casa!


    *    *    *

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

NONA

NONA

Se mil mortes tem quem ama
Quantas vidas não teria?
Sem manter d'amor a chama
Resta-me a alma por fim fria...

    *    *    *

OITAVA

OITAVA

Esperando quem não vem
Fiz a vida mais comprida.
Quem me dera por meu bem
Esperar toda uma vida!

    *    *    *

domingo, 15 de novembro de 2020

SÉTIMA

SÉTIMA

Não há dia como a noute
Onde estrelas vêm e vão...
Eis: -- "Oh Universo, eu sou-te!"¹ --
Dentro do meu coração.

   *   *   *

¹PESSOA, Fernando. in III - A VOZ DE DEUS. «ALÉM-DEUS». Orpheu, nº 3. (Lisboa: 1916) (Preparação do texto, introdução e cronologia de Arnaldo Saraiva.) Lisboa: Ática, 1984.  - 37.
Poema nº 3 de Orpheu, que não chegou a ser publicado.

http://arquivopessoa.net/textos/589 . Acesso em 16/11/2020.

SEXTA

SEXTA

No açude de teus olhos,
Sou um salgueiro a chorar.
Mal reparas os desfolhos
D'outro outono a me chegar!...

    *    *    *

QUINTA

QUINTA

Há, do outro lado da vida,
A própria vida espelhada
N'uma imagem refletida
Do nada ao infinito nada.

    *    *    *

QUARTA

QUARTA

A vida -- dizem -- é dura
Apenas p'ra quem é mole.
Ao homem de triste figura
Já não há que lhe console.

    *    *    *

sábado, 14 de novembro de 2020

TERCEIRA

TERCEIRA

Em noite escura, má sorte,
Ouço o pio da coruja...
Sábio quem lembra da morte
Sem topar co'a dita cuja.

    *    *    *

SEGUNDA

SEGUNDA

A quem dorme em demasia,
Seus sonhos, vez em quando,
Lhe parecem que vivia
Enquanto estava sonhando.

    *    *    *

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

PRIMEIRA

PRIMEIRA

Mais do que pobre na chuva
Tenho de mim reclamado...
Já me serve feito luva
Carapuça de coitado!

     *    *    *

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

SUBÚRBIA

SUBÚRBIA

MOTE:
A folga de quem vive só no aperto
É tomar duas doses com o acerto.

GLOSA:
Os carros vêm e vão pela avenida
E o boteco recebe os operários.
As bebidas disputam seus salários
Enquanto as donas fazem a comida...
Eles querem a noite mais comprida
Em face do futuro agora incerto.
Fazem hora na volta da cidade
No gozo d'essa breve liberdade:
-- A folga de quem vive só no aperto
É tomar duas doses com o acerto.

Betim - 11 11 2020

DAS MANHÃS

DAS MANHÃS


1

Dias de alegria

e manhãs de fantasia --

sol de primavera.


2

No vale entre as serras,

um mar de névoas espalha

a clara alvorada.


3

Douradura efêmera

transluz o sol sobre o céu

enquanto madruga. 


4

Desde cedo o sol

acaricia-me a pele

com dedos ardentes.


5

A caminho do eito,

o gafanhoto s'espelha

no orvalho das folhas.


6

Vai amanhecendo.

O sol s'eleva nos morros

e surpreende o poeta.


Betim - 11 11 2020

NOVE DE NOVEMBRO

NOVE DE NOVEMBRO 

Quando minha morte se fizer necessária
para manter o Universo em movimento,
olharei pela última vez o céu
e darei testemunho de que vivi
a quem possa interessar.

Hoje, um dia tão bonito,
fiquei feliz por estar vivo ainda
e ter o sol em meu rosto.

Não. Não preciso de mais nada.
Basta-me esse calor 
e a serenidade de ver o tempo passar
sem qu'eu entenda por quê. 

Meus erros, eu os deixei sob as bananeiras
da ravina que fende o morro em dois.
Haverá sombra e humidade 
mesmo sob o sol a pino. Não temo
enterrar minha tristeza ali. 

Saio leve, morro abaixo
para a cidade que me ignora.

Algo bom, enfim.

Belo Horizonte - 2020

terça-feira, 10 de novembro de 2020

CAÍ NO POÇO...

CAÍ NO POÇO… (rondel)

Pudesse eu escolher, menina, 
Era tua a boca que beijo!
Ess’outra, d’olhos de rapina, 
Pouco sabe de meu desejo…

— “Teu bem é esse?” — Já não vejo
Porque me deixaras tal sina…
Era tua a boca que beijo,
Pudesse eu escolher, menina!

— “Teu bem é esse?” — Ela?! Imagina!
Ess’outra não é quem desejo;
Meu beijo a ela mal se destina.
Era tua a boca que beijo,
Pudesse eu escolher, menina…

Betim — 16 05 2016

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

COM SOFREGUIDÃO

COM SOFREGUIDÃO

Bebo como morresse já de sede
Os beijos que t'escorrem pela boca.
Enquanto tua língua me provoca,
Promessa de prazeres me concede.

Se, nas noites do Norte, n'uma rede 
Meu corpo no teu corpo se desloca,
Amo até entender minha mente oca:
Carícia que se quer e não se pede...

Tu, oásis no deserto atravessado,
Tens a minha sequidão dessedentado
Qual fonte generosa aos borbotões. 

Bebo como vivesse de teus beijos,
Todo entregue à avidez d'estes desejos
Teu corpo no meu corpo em sensações.

Belo Horizonte  - 03 11 2020

sábado, 7 de novembro de 2020

DOS FRUTOS

DOS FRUTOS


N'um cesto de mangas 

Amadurece o verão -- 

Cheiros de mormaço. 


Enchente das goiabas: 

Correndo na chuva grossa 

crianças e frutas. 


Por sobre o relvado

O gozo das horas doces --

Amores e amoras. 


Barracos no morro e 

bananeiras na ravina: 

Vista de favela. 


Jabuticabeiras 

carregadas de meninos -- 

Com caroço e tudo! 


Dentro da fruteira, 

laranjas, maçãs e pêssegos 

adoçando a visão. 


Betim - 02 a 05 11 2020 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

DAS NUVENS

DAS NUVENS


1

A chuva avançando 

Ao chamado das cigarras --

Céu de arrumação.


2

Topo neblinado,

o Itacolomi s’esconde...

Invernou nas serras!


3

Pesadas qual chumbo,

nuvens baixas sobre o mar

são oceanos no céu.


4

Na glória dos céus,

o sol vaza pelas nuvens:

Eis o olho de Deus!...


5

Coroada de nimbos

reina a lua sobre a vila --

Nocturno enluarado.


6

Ao prumo do sol,

céu azul com nuvens brancas

espalha o verão.


Betim - 02 a 05 12 2020

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

IN DUBIO PRO VICTIMA

IN DUBIO PRO VICTIMA (artigo de opinião)

Enquanto escrevo o país arde contra a absolvição d'um homem acusado de estupro. Por falta de provas que corroborassem a acusação da possível vítima, o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, decidiu que não houve crime. Relação sexual, todavia, houve. A dificuldade em se provar o consentimento ou não da mulher gerou, segundo o que foi reportado na decisão, a dúvida razoável que livrou o réu. Canalizando a revolta dos vencidos na demanda judicial, o veículo de imprensa The Intercept Brasil divulgou as cenas chocantes do interrogatório a que a acusadora fora submetida pelo advogado de defesa do réu e a conclusão -- desnorteante, mas plausível diante das imagens -- de que vencera n'esse julgamento a tese d'um estupro culposo. 

Não é incomum a imprensa lançar mão de expressões exageradas ou mesmo sensacionalistas com o objetivo de atrair a atenção da opinião pública. Na verdade, a ideia de estabelecer paralelo entre o homicídio culposo (aquele no qual o homicida não teve provada a intencionalidade da morte de outrem, embora sua responsabilidade sim) e uma modalidade de estupro na qual a consensualidade do parceiro no ato sexual possa ser ignorada é algo inusitado... O estupro culposo, alinhavado com a ideia de merecimento do ocorrido pela vítima em função de sua roupa, reputação e mesmo das circunstâncias, permitiu ao acusado André de Camargo Aranha sair pela porta da frente do Fórum ao passo que sua acusadora, a jovem Mariana Ferrer, fosse desqualificada como alpinista social basicamente por ser pobre e bonita. A culpa, entenderam o juiz e o promotor, foi do Universo... Ou melhor, da vítima que interpretou uma relação sexual não consentida (ela estaria embriagada ou narcotizada) como estupro. 

Aliás, por via de regra em caso de estupro, a culpa é sempre da vítima até que se prove o contrário. Isso não é bom. Não é bom para nós enquanto sociedade onde, estatisticamente, acontece um estupro a cada oito minutos, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2020. Mais do que decidir se houve justiça ou não no caso de Mariana Ferrer, a preocupação do Judiciário brasileiro deveria ser, também, civilizatória. Isto é, há estupros demais no Brasil e uma das razões são as próprias peculiaridades do crime: Na falta de provas e testemunhos contundentes, restam apenas os depoimentos de acusado e acusador. É a palavra de um contra a do outro, de modo que sempre haverá dúvidas sobre a verdade dos factos. E, como sabemos, in dubio pro reu... O Judiciário, há séculos, prefere se omitir a errar. O que pode até ser razoável na maioria das vezes se tornou uma licença para estuprar impunemente, haja vista sempre haver dúvida razoável n'um crime que se pode se confundir com intimidade. Com efeito, o que diferencia o estupro do acto sexual comum é a compreensão que os envolvidos têm do que aconteceu. Isso, por si só, deveria fazer o Judiciário mudar o modo como aprecia esse tipo de acusação e, sobretudo, como decide sobre a culpa.

É interessante que a sociedade mude quando identifique situações que promovem a criminalidade e a desigualdade. Supor dúvida razoável em casos de estupro tem, historicamente, beneficiado estupradores e silenciado vítimas. Não há solução à vista com tal sistema. Em casos de acusação de estupro, o ônus da prova deveria ser do acusado, jamais da acusação que, em tese, é vítima de um crime gravíssimo. Em termos civilizatórios, ao menos, teríamos pessoas mais preocupadas em ter o consentimento dos parceiros do que interpretando sinais de consentimento. Urge àqueles que se pretendem bem intencionados aprenderem a respeitar a vulnerabilidade de quem está diante de si, seja pela juventude; seja pela condição física ou mental. Na dúvida, sejamos pela (possível) vítima.

Betim - 04 11 2020