terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

CONTRAFORTES

CONTRAFORTES

Um ipê ou qualquer coisa que o valha
Reluzia amarelo em meio à mata,
Que p'la serra, de verde escuro e prata,
Estende seu dossel galha por galha.

Tão suave brisa às folhas vãs farfalha
Que em lento movimento se retrata...
E um céu de nuvens plúbeas arremata
Os altos contrafortes da muralha.

Do topo até o vale se despenha
Sem que a imaginação já se contenha
E descortine a linha d'horizonte.

Perca-se o meu olhar na imensidão
À luz que vai de encontro ao paredão
Tão-logo pelo céu o sol desponte.

Antônio Dias - 23 02 1998

CONTRAFORTES

CONTRAFORTES

Um ipê ou qualquer coisa que o valha
Reluzia amarelo em meio à mata,
Que p'la serra, de verde escuro e prata,
Estende seu dossel galha por galha.

Tão suave brisa às folhas vãs farfalha
Que em lento movimento se retrata...
E um céu de nuvens plúbeas arremata
Os altos contrafortes da muralha.

Do topo até o vale se despenha
Sem que a imaginação já se contenha
E descortine a linha d'horizonte.

Perca-se o meu olhar na imensidão
À luz que vai de encontro ao paredão
Tão-logo pelo céu o sol desponte.

Antônio Dias - 23 02 1998

domingo, 26 de fevereiro de 2017

NA ORELHA DO LIVRO

NA ORELHA DO LIVRO

Vejo-me n'essa imagem refletida,
Que ora meus olhos olham através...
Encaro, ora de frente; ora de viés,
A mesma face ao tapa oferecida.

Olho em meus olhos algo envelhecida
A antiga luz revés após revés.
E já não me lastimo d'isso, ao invés,
Enxergo no reflexo a própria vida.

Não me aborrece ver como sou visto,
Apenas me percebo mais do que isto,
Porque quem sou não cabe no meu rosto.

Mas na fotografia eu me transporto
Àquele que serei depois de morto:
O retrato d'alguém n'um livro posto...

Betim - 24 02 2017

PEDRA DE TROPEÇO

PEDRA DE TROPEÇO

Porque foste a que pela caminhada
Havia-de levar-me enfim à queda...
Foste, ao me atravessar a só vereda,
A súbita e fatídica parada.

E desde então seguir minha jornada
Seria uma aventura pouco leda,
Cujo curso de vez se desenreda
N'aquela pedra solta em meio à estrada.

Cair d'amores por quem apenas se ama
Parece repetir um velho drama
Que todos já conhecem o final.

Mas trago meu semblante sempre calmo
E trilho esse caminho palmo a palmo
A ver amor e pedra tal-e-qual.

Betim - 25 02 2017

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

OBRIGADO EU!

OBRIGADO EU!

Sempre com gentilezas e cuidados,
Busca-se aquela ideal civilidade
Com que d'outros s'esconde, na verdade,
Desejos e interesses bem guardados.

A mim porém, por mal dos meus pecados,
Calhou-me ser confuso n'essa idade,
Que todos com total tranquilidade
Lidam com bens e males segredados...

Em dar-e-receber há tanto esmero,
Que mais nobreza obriga quando quero
Partilhar d'estes versos por aqui.

Eu -- depois que quis tanto e tanto fiz --
Agradeço por um pouco mais feliz
Àquele que me lê o que escrevi.

Betim - 24 02 2017

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O NOSTÁLGICO

O NOSTÁLGICO

São sempre as mesmas sombras deletérias
Que vêm pairar por sobre a sua fronte!...
Os homens se reduzem no horizonte
A míseros brigando por misérias.

Desgraças digeridas com pilhérias
Têm por lugar-comum incerta fonte.
Depois, alguém anônimo lhe conte
Tal-qual fazem pessoas não tão sérias.

Não que ainda lhe sirva de consolo,
Mas pensa ser um pouco menos tolo
Revisitar recordos desde o Olvido.

Tudo de todo modo fica triste...
E, no fim, já nem sabe porque insiste
Em viver essa vida sem sentido.

Betim - 23 02 2017

AOS MONTES

AOS MONTES

Quando os titãs andavam pela terras,
Jogando uns sobre os outros grandes montes,
Souberam-lhes fixar as suas frontes
Em Minas e seu amplo mar de serras.

Com efeito, registram essas guerras
Os perfis que se vê nos horizontes.
Por isso cumes, vales, penhas, fontes;
De longe são caraças, salvaterras...

Planalto de colinas e montanhas,
Seu ouro permanece nas entranhas
Das furnas mais escuras e mal-sãs.

Dos altos, todavia, se percebe
Quão colossal contrasta sobre a plebe
Essa gigantesca obra de titãs.

Betim - 23 02 2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A GOSTO

A GOSTO

Se dá sabor à vida, por que não?
Talvez um pouco mais, um pouco menos...
Dosar a conta-gotas gostos plenos
Para melhor os ter à boca ou à mão.

É de comer co'os olhos; com paixão...
Beber de rubros lábios os venenos,
Como o licor em cálices  pequenos
Sabe me entorpecer o coração...

Pitadas de pimenta e especiarias
Deixando suculentas... Mais macias...
As carnes em que cravo fundo os dentes!

Se dá água na boca, por que negas?
Sinto que te desejo assim que chegas
E te devoro as curvas indecentes!...

Betim - 22 02 2017

DO POEMA PERDIDO

DO POEMA  PERDIDO  

Retoma a folha em branco; o teu  sentido,
E  escreve... Torna  àquele instante  que herda
Das palavras e ideias a mesma  perda;
Rebusca a dor  do poema após  perdido.

Tu te lembras?!  Embora a mente lerda,
Segue os sinais por onde havias ido
Em meio às armadilhas vãs  d‘Olvido.
Sem ignorar,  porém, o abismo à esquerda...

Voa, poeta, mais  alto que o condor:
Parábolas, hipérboles, elipses...
Descritas voltas por esferas tríplices

Do ser a superar-se outro ao compor.
É  imperativo: 'Inda que alterado,
Debruça-te sobre ti,  reencontrado.

Belo  Horizonte - 05 02 1999

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

POR VIA DAS DÚVIDAS

POR VIA DAS DÚVIDAS

-- “Duvida!... Sim, duvida da verdade!
Da mais elementar que há na Natura
À especulação mais simples e pura
D'entre todo o saber da Humanidade.”

“Mais: Duvida de ti; da tua idade!
Contrasta co’a luz clara a sombra escura;
Nega até o Criador sendo criatura
Ou considera irreal a realidade.”

“Só não duvides tu do sentimento...
Não percas nunca a fé, mesmo que sós
Nos encontremos nós n'este momento.”

“Sim, duvida de tudo, certo ou não...
Que, por via das dúvidas, após,
Verás sempre mais sábio o coração.”

Belo Horizonte - 12 10 2001

O DIA DE HOJE

O DIA DE HOJE

Hoje aconteceu d'eu me levantar
Antes mesmo do sol e tudo mais.
Lá fora, em entretons quase surreais
A antemanhã ao céu vinha clarear.

E agora a solidão me dá lugar
À grande gratidão de meus iguais
Por tantas alegrias, entre as quais,
Essa vida vivida 'inda a buscar.

O dia que começa é o presente;
É tudo isso que tenho à minha frente
E me acompanha ao longo do meu dia.

Porque, como um milagre quotidiano,
O dia de hoje então é soberano
Acima de qualquer sabedoria.

Betim - 09 07 1997

XEQUE-MATE

XEQUE-MATE

Dama branca captura o peão do rei
E lhe encara a coroa frente a frente.
Aquele se retira prontamente,
Ocupando outra casa em sua grei.

Do jogo a regra igual da guerra a lei
Faz com que se lhe poupe tão-somente
A vida ante o desastre ora iminente
Em qu'eu adversamente lhe deixei...

O tabuleiro, campo de batalha
No qual vão medir forças as realezas,
Sem que a púrpura sirva de mortalha.

De facto, entre mesuras e vilezas
Da coroa o vencido rei se valha
A quem desbaratar suas defesas.

Belo Horizonte - 06 06 1997

sábado, 18 de fevereiro de 2017

CASAS DE PAPEL: DOMUS SCRIPTA

CASAS DE PAPEL: DOMUS SCRIPTA

forma

A semiesfera em domo se poliedra.
Treliçado cristal em luz feérica
Em contraste co’a névoa periférica,
Como se abstrato armado, etérea pedra...

Alto, por sobre o muro a alamanda medra
Uma verde e amarela Lusamérica,
Que, modismos à parte, faz quimérica
A luz que em edifício ali se empedra.

Pan-óptica atalaia às elevadas
Contemplações de máximas verdades
Por ecos do vestíbulo celebradas.

Honesta comunhão de soledades,
Parede vazada: Almas devassadas...
Perspectivas pontífugas de idades

*  *  *
conteúdo

Ao redor do escritório-biblioteca
Habito e existo agora em meu ofício,
Que é também a função d'esse edifício
Onde o mais erudito encontra o jeca.

Ali, de facto, a fonte nunca seca
Porque, quer por virtude; quer por vício,
As letras não se furtam ao artifício
Ou modismo em que a fala s'emboneca...

A folha em branco aceita qualquer mundo,
Porém, mundos do mundo o meu olhar
Tem na imaginação por mais fecundo.

Como uma casa o texto estruturar
De abstractos e concretos de que abundo...
Tudo que, em meio aos livros, tem lugar.

Belo Horizonte - 01 05 1999

DE LAPINHA A TABULEIRO

DE LAPINHA A TABULEIRO

Mais dia, menos dia, a gente entende
De ir contar as estrelas pelas serras
Para trilhar contigo aquelas terras
Onde o olhar à beleza enfim se rende.

Lá, a vida mais viva se pretende,
Distante já do mundo e suas guerras.
Tu d'aqui o quanto antes te desterras
Se dos altos a vista além se estende.

E então, por fundos vales e cachoeiras
Descer riachos de pedras corredeiras
Até topar co'as casas d'um arraial.

Eu agradeço apenas por ter vindo
Até porque o bonito se faz  lindo
Se sei beijar-te a boca no final.

Betim - 16 02 2017

PONTE DE MARÍLIA

PONTE DE MARÍLIA

— “Mas olha! É minha vida indo ligeira
Refletida nas águas d’esse riacho...”
Sobre a ponte eu me vejo logo abaixo,
Como se trêmulo à água corredeira.

Frias, as águas levam-me à fronteira
E vão... Indiferentes já do que acho.
Eu fico junto às margens, cabisbaixo,
Buscando alguma imagem derradeira.

Segue-me a vida por águas d’Olvido.
Ao quê, nem cá nem lá mais me destina
Ou no meio me abandona apercebido...

Ultimaria assim meu desenredo,
Não visse agora à beira uma menina
A ver botões de rosa em seu segredo.

Ouro Preto – 01 05 1999

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

BELAS LETRAS

BELAS LETRAS

Com que artes as palavras são escritas?
Haja beleza em forma e conteúdo!
Capaz de dizer mesmo estando mudo
Ou ainda de calar em meio às gritas...

Poeto efemeridades infinitas,
Que me expressem um pouco d'isso tudo
Que com olhos atentos eu desnudo
E após descrevo em frases esquisitas...

Não porque faça alguma diferença
Ou que busque qualquer glória pretensa
Entre essas que distinguem os mortais.

Não, não... Escrevo apenas por mais belas
Saber as letras quando se quer tê-las
Em poesia a dizer sempre algo mais.

Betim - 15 02 2017

CASA DE REPASTO

CASA DE REPASTO

-- "Dai-me, se vos apraz, da miscelânea
Enquanto o caldeirão ferve culturas!
Temperai com exóticas misturas
E a língua vos degusta a coletânea."

"Chamada geração não-espontânea,
Àcida faz-se face às amarguras,
Cuja safra de poemas e imposturas
Já me embriaga de luz contemporânea."

"Um caldo restaurante, por favor!
Um cálice de vinho ou de licor!
Servi-me, eu vos peço, sem demora..."

"Quem dá sabor à língua senão poetas?
Dizei de vossas obras incompletas
Quão intensas as letras são agora!"

Betim - 15 01 1999

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

PANOS DE VIDRO

PANOS DE VIDRO

O ouro do sol s'espelha nas vidraças
D'alguns arranha-céus onde a cidade
S'eleva ao pé da serra e a alma me evade
A tempo d'eu lhe cair em suas graças.

O olhar distingue ruas, largos, praças...
Belo horizonte! Sã idealidade,
Onde verticalidade e realidade:
Sábio jogo de luzes sobre as massas...

Aço e vidro de torres reluzindo
N'aqueles rubros céus de acaba-mundo,
Tendo um curral de serras cá por fundo.

Em alturas assim, o dia findo
Me faz de arquiteturas impressões
À luz d'extremas sós revelações.

Belo Horizonte - 09 12 1999

À MERCÊ DO TEMPO

À MERCÊ DO TEMPO

Hoje, que chove forte e venta frio,
Percebo o quanto sou eu suscetível
Às mudanças do tempo, ao mesmo nível
Dos que fixam na lua o olhar sombrio.

Abandono-me à espera d'outro estio.
No entanto, cada vez mais irascível,
Não raro me estremeço de sensível,
Gelando a espinha súbito arrepio.

No céu, nuvens pesadas bem escuras,
Deixam-me o peito opresso e amargurado
Sem eu saber sequer por quê cuidado.

Segue o tempo a variar temperaturas
Junto com meu já não tão bom humor
Enquanto nega o sol o seu calor.

Betim - 14 02 2017

VADE MECUM

VADE MECUM

Todo o saber que tenho vai comigo
Para as terras do fim, remotas ilhas...
Mesmo em meio a perigos e armadilhas,
Que debalde me tem feito o inimigo.

Com Deus por testemunha, além persigo
Um mundo novo por milhas e milhas.
Já não desejo outras maravilhas,
Que andar de sol a sol e algum abrigo.

Porque esse meu vital conhecimento
É o que me permite atravessar
A vida sem qualquer padecimento.

Tudo é sempre igual; só diverso o olhar
Com que posso me ver n'esse momento
Do que dentro de mim sei encontrar.

Betim - 15 02 2017

domingo, 12 de fevereiro de 2017

ALÉM DO ARCO-ÍRIS

ALÉM DO ARCO-ÍRIS

Porque a felicidade vez em quando
Parece estar tão perto, logo à frente...
E um belo dia chega de repente
Exacto aquilo que ando procurando.

Eu, aliás, continuo ainda andando
Atrás d'aquela estrada transparente
Que, diante dos meus olhos, simplesmente
Sumia em meio ao bosque venerando.

Então, sem qualquer duende ou pote d'ouro,
Percebo não haver outro tesouro
Senão a imensidão d'aquele instante.

Mas me senti feliz por ter andado
Por toda a minha vida, certo ou errado,
Em busca da beleza mais errante.

Betim - 12 02 2017

UM HOMEM DE FAMÍLIA

UM HOMEM DE FAMÍLIA

Tipo de hábitos bem morigerados,
Era um exemplo de homem de família!
D’aqueles que atravessam em vigília
Noites e noites entre sós cuidados.

Sistemático, tinha os seus guardados
À mão em nobiliárquica mobília,
Mas contorcia a face de quizília,
Enquanto não os visse organizados.

Por isso, quer minúcia; quer mania,
Ali ninguém jamais o interrompia,
Às voltas co’o trabalho vespertino.

Aparentando sempre sério e mudo,
Se mantinha o semblante carrancudo
Imerso n’um livreto fescenino...

Betim - 10 02 2017

sábado, 11 de fevereiro de 2017

PANO DE FUNDO

PANO DE FUNDO

A ilusão de pôr dentro d'este estúdio
Qualquer lugar do mundo n'uma foto
Faz com que -do mais perto ao mais remoto-
Reinvente-me em memórias de interlúdio.

Quer seja em louvor; quer seja em repúdio,
Já poso para a câmera e nem noto
Que finjo com olhar sério e devoto
Como se ouvisse longe algum prelúdio.

Foto a foto uma volta ao mundo,
Tendo-se apenas por pano de fundo
As mais belas paisagens do planeta.

E esse álbum estranhíssimo que fiz
Passava a falsa ideia de que feliz
Fora tendo os lugares como meta.

Betim - 11 02 2017

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

NÓS, OS POETAS

NÓS, OS POETAS

E, sim, o que somos, somos.
Nós fazemos o que podemos!
Assim, como poetas que  fomos,
Morreremos como vivemos...

Por mim, o que temos, temos.
Se perdemos ou se dispomos,
Nós fazemos o que podemos
E, sim, o que somos, somos.

Por fim, a verdade onde pomos?
Tanto escrevemos quanto lemos,
Ordenando livros em tomos...
Nós fazemos o que podemos
E, sim, o que somos, somos.

Betim - 09 02 2017

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O MILÊNIO

O MILÊNIO

É sabido de Deus e todo mundo,
Que o fim que se aproxima a cada dia
É o mesmo da antiga profecia,
Que mil anos d'um dia faz fecundo.

Pois, se tudo de Deus nos é oriundo,
Alguma hora para Ele voltaria
Cada criatura em cuja travessia
Procura conhecer-se mais a fundo.

Isto porque ao final de qualquer era
O bem e o mal se alternam na quimera
De compreender-se o Fado à luz d'estrelas.

Deveras bem difícil de entender
O mistério de Deus em cada ser,
Que faz todas as coisas tão  mais belas.

Betim - 07 12 2000

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

ATEMPORAL

ATEMPORAL

A memória do amor que permanece
A despeito do bem e mal vividos
Guarda-nos todo o ardor dos tempos idos,
Mesmo quando tudo o mais se esquece.

A vida passa sem que o encanto cesse,
Porque menos ou mais arrependidos
Vivemos sob o império dos sentidos
Entre o que se deseja e se conhece.

De grandes esperanças os amores
Têm ao longo dos anos nos levado
Às mesmas fantasias do passado.

Pois tanto as alegrias quanto as dores
Nos cabem na aventura desmedida
Que bem sabe por vezes ser a vida.

Belo Horizonte - 02 04 2000

sábado, 4 de fevereiro de 2017

ANTEDILUVIANO

ANTEDILUVIANO

Os monstros que andavam pela Terra
Pouco antes do Dilúvio -- como o creem --
Jazem em vão, ainda que lhe deem
A luz que essa extinção súbita encerra.

Mas outro imenso fóssil nos aterra
Onde clara evidência tantos leem
Páginas dos milênios, que anteveem
Do homem a morte, a peste, a fome e a guerra...

São camadas por sobre aquela ossada,
De cuja estranha forma antepassada
Mostra algo até então desconhecido.

Era um fim colectivo, inexorável...
Que mesmo esse gigante incomparável
Fora por puro acaso enfim vencido.

Belo Horizonte - 19 09 1999

O CÍNICO

O CÍNICO

Pela felicidade não se regre
Aquele que d'amor soube o desgosto.
Depois, em bons momentos recomposto,
No instante d'um prazer talvez se alegre.

Se não era feliz, estava alegre:
Tinha agora um sorriso no seu rosto
Mesmo tendo receios, beija com gosto,
A medo que a ilusão se desintegre.

Porque, entre estar alegre e ser feliz,
Ostenta um tipo sério, quase triste,
E ri a gargalhar de quanto existe.

Percebe que sorrir pouco condiz
Com alegria e até felicidade
Quando o amor é um sonho, não verdade.

Belo Horizonte - 05 05 2000

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O DESCASADO

O DESCASADO

Um mais um menos um é igual a um,
Na conta de quem ama e após desama!
Sozinhos, o valete mais a dama
Se perdem sem remorso quase algum.

Deixam tudo o que tinham em comum...
Quem já compartilhou a vida e a cama
Vai enfim iniciar um outro drama
Onde é, sem ser de mais ninguém, nenhum...

Curiosa a condição do ser humano:
Nascer, crescer, ter filhos e morrer...
E então ir ter com Deus ou, salvo engano,

Apenas e por fim deixar de ser!
E, embora se questione de tal plano,
Ter isso é bem melhor que nada ter.

Betim - 01 12 2001

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

PENA FIEL

PENA FIEL

Aqui onde me lês alguns dizeres
Escritos com ligeiro desalinho,
A pena já traçara o seu caminho
Na linha fina e audaz dos caracteres.

Se a letra longilínea bem me leres
Saberás qu'eu de mim mais me avizinho
Quando no breu da noite ando sozinho
Às voltas com amores e prazeres.

E escrevo. Não por ver em mim verdade
Ou me arvorar alguma irrealidade...
A pena, fiel a mim, o impõe e move.

Seja poesia, ainda que plebeia,
Deitando fora a máscara à plateia
N'uma escrita que sempre se renove

Sabará -  02 11 1999

EM DEMASIA

EM DEMASIA

Pior do que recordar esse tempo ido
É ainda revivê-lo em fantasia;
Ficar pensando, sempre e em demasia,
Em tudo o que podia ou não ter sido...

O dia às vezes fica tão comprido
Qu'eu nem cuidava já do que fazia...
Se o hoje, mero amanhã de ontem, se adia,
Vivendo assim como eu tenho vivido.

Vejo tudo passar em minha mente
N'um mundo paralelo, diferente,
Todo alheio às presentes realidades.

Ao invés de viver, vivo pensando
A ponto de não ver mais onde ou quando
Existo em minhas vagas inverdades.

Belo Horizonte - 01 04 2000

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

EFEMÉRIDE

EFEMÉRIDE

Segundo alguns astrônomos do fim,
A outrora grande estrela de Belém
Nos reaparecerá, logo e também,
Vinda d'algum galáctico confim.

Previsto está seu curso, certo assim,
Em tábuas antiquíssimas do Além
De cuja profecia soube alguém,
Revelando-nos algo sempre ruim.

-- "Surgirá uma grande luz no céu..."
E o fim estará próximo de novo
Pelos números postos n'um papel!

Uma nova estelar agora trovo
Que com hora marcada e brilho fiel
Será sinal de Deus a todo o povo.

Betim - 12 12 2000