domingo, 24 de janeiro de 2021

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS (tercetos)

Sentado no mais alto parapeito,
Suspiro ante meu último momento,
Olhando para baixo contrafeito.

Subi ao derradeiro pavimento,
Que do alto do edifício sobreavança
Lavado pela chuva e pelo vento.

Cá m'entrego à total desesperança,
Enquanto o corpo todo em calafrios
Se agita co'o que trago na lembrança.

Às voltas com extremos desvarios,
Oscilo como um junco na lagoa
Durante a tempestade aos ventos frios...

Lamento apenas ser essa pessoa
Que o Universo esmagou indiferente
E cujo uivo, por fim, o abismo ecoa.

Sim, é o fim que tenho à minha frente.
Ou melhor, o jogar-me sobre o nada
E assim sumir do mundo de repente.

Minh'alma de si mesma abandonada
Clama pelo vazio das alturas
D'onde eu surpreendia a madrugada.

Angustiado após tantas desventuras,
Vim a estas desoladas soledades
Debulhar meu rosário de amarguras:

Em meio a desacertos e inverdades,
Vivi buscando paz a mim e aos meus,
Encontrando somente insanidades...

Quantas vezes roguei aos pés de Deus?! 
Quantas vezes pedi por lenitivo?!
Sozinho, para os astros digo adeus...

Em face já da morte, ainda vivo,
Contemplo-me avançando para o abismo
Do afã de me matar enfim cativo.

Deveras, deixo todo humano egoísmo 
No pátio cimentado do edifício
Contra o qual lavo em sangue insão batismo.

Relembro desde o fim o meu início 
A ver, uma a uma, minhas vãs misérias
Marcadas pela dor e pelo vício.

E o amor que se perdeu... Pelas artérias
Pulsa m'envenenando o coração...!
Um corpo dado a vermes e bactérias.

Olhando para baixo, um sim ou um não.
Imaginava a queda em minha mente
E minh'alma deixando o corpo ao chão...!

Um impulso mais forte para frente
E todo o sofrimento se acabava,
Fazendo parecer um acidente. 

Pois diante do vazio eu m'encontrava...
Certo de atravessá-lo n'um segundo,
Enquanto a minha mente errante errava.

Considerei a dor de todo mundo
Em face do que foi e o que será
Depois de me jogar no vão profundo.

Apenas quem na noite escura está
Entende esta infinito desespero
Que me persegue aonde quer que eu vá.

A presença dos outros mal tolero
De modo que m'encontro em soledade.
Igual um zero à esquerda d'outro zero.

Pensei na solidão ter liberdade,
Mas liberdade burra a solidão
Àquele que ao vazio a mente evade.

Pois ouvi as razões do coração,
E n'elas me perdi enamorado,
Tendo, por fim, tão-só desilusão.

Olho à frente, mas vejo só passado,
Revendo, obstinado, meus amores
De quem a vida tem me separado. 

Rememorei também tantos horrores
Dos dias mais estranhos d'esta vida
Nos quais eu conheci extremas dores.

Como antevi minh'alma adormecida
Dissociada do ser atormentado
Que do alto parapeito s'encomprida

Depois eu vi meu corpo espatifado,
Como um cristal partido em mil pedaços
No piso por si mesmo abandonado.

E vi aqueles meus últimos passos
Que tendo a este vazio me trazido
Projeta-me, afinal, aos vãos espaços. 

Senti até o espasmo destemido
De encontrar com a morte lá embaixo 
Como se pelo fim me decidido.

Mas saí do parapeito cabisbaixo 
E desfiz os meus passos para o nada
Descendo por escadas prédio abaixo.

Cheguei ao pilotis no fim da escada
Onde antevi meu corpo desabado,
E minh'alma de mim já desligada.

Olhei o parapeito abandonado
E me vi a mim mesmo entristecido
Como se ainda n'ele eu assentado.

Vi o quanto eu estava 'inda perdido
Às voltas co'os fantasmas que desvi
Que tenho a vida toda convivido.

Porém, não me matei e nem morri
Passei somente a noite mais escura
D'entre todas as noites que vivi.

Betim - 24 12 2020

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