quinta-feira, 28 de agosto de 2025

MISERERE

MISERERE


Sou, por mal dos pecados, um descrente;

Todo entregue a mais vã concupiscência.

Se de muito me acusa a consciência,

De muito mais me julgo impenitente.


Da vida após a morte, eu tão-somente

Tenho uma indiferente complacência.

Não sei se por preguiça ou incompetência

Não alcanço dos fiéis o olhar silente.


Deus não me deu a graça de ter fé…

Por isso, o meu caminho eu sigo a pé,

Não pelas asas de anjos ou demônios.


Eu deixo a metafísica aos que a veem

Em tudo o que acontece e, logo, creem

Em verdades demais para os neurônios. 


Perdões - 27 08 2025


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

À DISTÂNCIA

À DISTÂNCIA


Eu agradeço aos céus por este dia;

Por todos os que tive do teu lado

E pelos que terei... Mesmo fadado

A t'esperar na noite escura e fria.


Agora estou distante, todavia.

E, sobretudo hoje, parece errado.

Dou-me conta que os anos têm passado

Mais tristes sem a tua companhia.


Eu quando fui-me embora não temi.

Certo de que estaria junto a ti,

Pois sempre estás em quanto penso e faço.


Malgrado tanta dor, tem confiança.

Mesmo estando longe, em meu regaço,

Eu sinto o teu calor, minha criança...


Belo Horizonte – 02 06 2005

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A PLENOS PULMÕES

A PLENOS PULMÕES Puxava o ar co’a urgência de afogados, Como estivesse a vida por um fio, N’um respirar frenético e sombrio, Ainda d’olhos vãos e esbugalhados. Desabo sobre mim sem mais cuidados, Arfando pelo chão como um vadio. Talvez olhasse a morte em desafio, Reduzido a suspiros extenuados. Mas, além de tudo isto, o coração… Batendo acelerado em explosão, Quase que já me saindo pela boca. E esse sopro, momento após momento, Pareceu-me a própria alma em movimento, Quando o corpo a si mesmo se provoca. Betim - 24 08 2025


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

TRANSEUNTE

TRANSEUNTE


Eu, excessivamente enmimesmado,

Passo por homem sério a quem me vê.

Caminho a passos largos sem porquê,

Sempre a olhar para baixo ou para o lado.


Pareço ser ninguém. Um apagado,

De cuja discrição não se descrê.

Buscasse algum aplauso por mercê,

Alcançaria ao léu senão enfado…


Talvez inofensivo; talvez insosso,

Eu cuido de fazer tudo o que posso

Para apenas ser um conforme a lua.


“Em face do pior, tolera-se o ruim”

Penso de quem pensa isso de mim

E sigo o meu caminho pela rua.


Betim - 20 08 2025





quarta-feira, 20 de agosto de 2025

VERANICO

VERANICO


É bonito de ver, pelas colinas,

Floridos os ipês e os mulungus

A colorir os campos contra a luz

Dourada nas errâncias matutinas.


Ainda o longo estio. Ainda as finas

Pátinas empoeiradas nos bambus…

Mas, súbito, a paisagem a olhos nus

Explode em amarelos e boninas!


Um sol que mal me aquece me acompanha

A jornada que avança na montanha,

Por sob um céu sem nuvens, azulzinho.


“As cores são tão vivas que felizes…”

Penso, maravilhado dos matizes,

Que me fazem parar pelo caminho.


Florestal - 16 08 2025

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ARS EROTICA

ARS EROTICA


Uns só gostam de ver; outros, de ler…

Se o desejo s’espraia em fantasia,

Toda a nudez, mais dia menos dia,

Nos leva à ânsia de estar para não ser.


Ultraidealista, a arte do prazer

Explicita sem dramas a utopia,

Em forma e conteúdo — Quem diria?...—

Para enfim, sem limites, s’exercer.


Que imaginação tão insensata,

Essa que nos expressa o encontro humano

Mediado por telas ou palavras…!...


Mas tal incongruência nos retrata:

Todo entregue ao interesse mais mundano,

Vê quase à flor da pele as suas lavras.


Betim - 14 08 2025






sexta-feira, 8 de agosto de 2025

DEVOLUTAS

 DEVOLUTAS


As terras do sertão são de ninguém.

Devolvidas a quem jamais foi dono,

S’estendem sem cultivo; no abandono,

À espera d’um progresso que não vem.


Povoadas pelos sós que nada têm,

D’ali, tanto o patrão quanto o colono

Partiram com as bênçãos do patrono,

Cuja capela a ruir mal se sustém.


As penhas espalhadas no planalto

Parecem reluzir pela amplidão

O sol que nos fustiga a solidão.


Ainda assim, eu vou sem sobressalto

A um deserto de gentes parecido:

Sem porteiras nem cercas; desmedido.


Sobrália - 15 06 2025


quinta-feira, 7 de agosto de 2025

SARDÔNICO

SARDÔNICO


Sorriu como sorri um assassino 

Em face da mulher desfalecida.

Dir-se-ia a lhe roubar a própria vida,

Tendo por entre as mãos o seu destino.


Logo ela o olhou surpresa, em desatino,

Como lhe adivinhasse a mal contida

Estupidez da mente envilecida,

De vão e malicioso libertino.


Fugiu de seu olhar a mascarar-se

E ocultar-lhe a maldade no disfarce

De bom moço que usara até ali.


Ela, porém, afasta-se com medo,

Após ter descoberto seu segredo,

Enquanto ele sorria para si.


 Betim - 07 08 2025


terça-feira, 5 de agosto de 2025

O CLASSICÔMANO

O CLASSICÔMANO


Um aficionado sem limites.

Apraz-lhe distâncias maratônicas,

Ascensões altimétricas agônicas

Ou explodir seu peito a dinamites…


Faz voltas a despeito de convites,

Ao reviver figuras hegemônicas

E transmitir às mídias electrônicas

De grandes canibais os apetites.


Quer, mais do que admirar, reconhecer

Àqueles cuja glória soube ver

Pelas competições mais afamadas.


Certo que o suor e as lágrimas irmanam

Os que ares remotíssimos profanam,

Em meio às altitudes neblinadas.


Belo Horizonte - 24 07 2025


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

AMESQUINHADO

AMESQUINHADO


Tinha já tão pequeno o coração,

Que não podia sentir senão aos poucos.

Depois de ver mais sábios os mais loucos,

Parece indiferente à escuridão.


Dos grandes sentimentos, a ilusão 

Clamara às multidões a brados roucos.

Hoje, com olhos vis e ouvidos moucos,

Isola-se na própria percepção.


Guarda vaga memória de quem fora

Ou do que defendera vida afora,

Antes de se perder na realidade.


Pois, se o amor que era pouco se acabou, 

De si para consigo, o que restou

É qualquer coisa em vão como a saudade.


Betim - 02 08 2025