domingo, 25 de fevereiro de 2018

POLIAMOR

POLIAMOR

-- "Tu podes me xingar, se isto te conforta.
Disse-lhe sem tirar os olhos d'ele --
-- "Vá! Eu não entendo isto que te impele..." --
Respondeu-me parado já na porta.

-- "O que quero é querer! Já não importa
Se cu, boceta ou pinto (o que se revele!);
Se índio, branco ou retinto... À flor da pele!...
Só não serei feliz depois de morta!"

-- "Não sabes me causar senão assombros..." --
E ficou ali olhando os olhos meus
Com aquela frase à guisa já de adeus.

-- "Meu corpo, minhas regras." -- e dei de ombros.
-- "Teu amor, tuas negras..." -- e explodiu:
-- "Poliamor é a puta que o pariu!"

Belo Horizonte - 20 02 2018

sábado, 24 de fevereiro de 2018

ACONTECIMENTOS

ACONTECIMENTOS

Em face das recentes desventuras,
Que tenho atravessado em meu caminho,
Parece-me que nunca me avizinho
Senão de noites mais e mais escuras.

Resta-me além de tolas conjecturas,
De todas as verdades, a do vinho.
Na multidão percebo-me sozinho,
Ouvindo-os me espalhar as imposturas...

As coisas que me têm acontecido
Deram o que pensar e o que falar
A algum juízo alheio irrefletido.

Mas fica ainda a dúvida pelo ar,
Se a vida, para além de todo o olvido,
Não mais que um permanente mal-estar.

Betim - 10 02 2018

AMARO AMOR

AMARO AMOR

Amaro é o amor quando mais carece:
Exige tudo e não dá quase nada.
Amar como uma entrega apaixonada
Resulta no que a mim ninguém merece.

Amaro sim, de sorte que padece
Mil mortes quem d'amor faz a jornada.
E até seus frutos pegos pela estrada
Lhe deixam um gosto acre que entontece.

Veneno um tanto quanto entorpecente,
O amaro amor que têm aqueles lábios
Que sorvi tanto em dias menos sábios!...

Morro como vivi: Inconsequente
E pródigo a gastar quanto me é caro
Por outra dose d'esse amor amaro...

Belo Horizonte - 10 02 2018

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O PIROMANÍACO

O PIROMANÍACO

Eu, que aos vinte me fiz um incendiário,
Aos quarenta pretendo-me bombeiro...
Quer pseudo-radical; quer embusteiro
O facto é que já fora um temerário.

Louco, salvo evidências em contrário,
Hoje em dia me têm por muito ordeiro
E dos grandes um grande companheiro,
Mesmo não sendo nada extraordinário.

Deliro co'a cidade ardendo em chamas,
Mas depois, entre alarmas e proclamas,
Exorto o povo a vir em meu socorro.

Da esquerda para o centro se transita
Sob pena de tornar-me um parasita,
De agravos em juízo 'inda recorro.

Betim - 08 02 2018

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

EU E TU

EU E TU

Até onde eu consigo me lembrar,
Aquele foi um dia ensolarado...
Talvez tenha sido eu; talvez o Fado
Ou apenas te calhou de m'encontrar.

E tu, sem qualquer pressa de chegar,
Nem vias quanto havias caminhado.
De mãos dadas, paramos lado a lado
E soubemos um ao outro desvendar:

Eu não te disse muito. Tu tampouco.
Mas o mundo parece menos louco
Quando contemplado desde o abismo.

Já de noite, depois de tais assuntos,
Eu e tu d'ali saímos nós dois juntos
A andar de cataclismo em cataclismo.

Betim - 06 02 2018

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

ARIDEZ

ARIDEZ

Como ouvisse trovão e não visse raio,
No claro céu dos longes dos sertões.
Assim também os secos corações
Qual chão esturricado ao sol de maio...

Incoerências à parte, de soslaio,
Surpreendo redemunhos d'emoções
Varrendo as desoladas amplidões,
Onde antes todo o campo verde gaio.

Brilhante, o contraforte do penedo
Reluz igual matéria incandescente
Àquela claridade onipresente.

De facto um novo sol cada rochedo,
Espelhando-se a pino no meio-dia
Por sobre terra tórrida e vazia.

Mantena -  30 05 2017

domingo, 4 de fevereiro de 2018

EVASÃO

EVASÃO

Qualquer lugar que não esse onde vivo!
Qualquer tempo que não o meu presente!...
A vida em devaneios por simplesmente
Não lhe saber sentido nem motivo.

Em utopia estar contemplativo!
Em fantasia ser quem tenho em mente!...
Imaginar o mundo tão-somente
Ao invés de o descrever tão objetivo.

Algures bem melhor do que eu aqui;
Antanho bem melhor do que eu agora:
Distinto é quanto sou do que senti...

Seja eu meio acolá ou meio outrora,
Flanando enmimesmado em vão por aí,
Diverso ao que hei vivido vida afora.

Betim - 04 02 2018

sábado, 3 de fevereiro de 2018

NU FRONTAL

NU FRONTAL

Exposta na parede (um calendário!),
Outra nudez perfeita e exuberante...
De facto, nada mais interessante,
Que ver o que s'esconde de ordinário...

Não tinha ela vergonha, ao contrário,
Antes buscava o meu olhar errante
E de quem mais ficasse ali bem diante,
Entretido entre o real e o imaginário.

Janela de adentrar na fantasia,
Aquela costumaz fotografia,
Que se via em qualquer suja oficina.

Era expressão de pura liberdade
Ao fazer da mulher sensulidade
N'uma sexualidade masculina.

Betim - 03 02 2018