terça-feira, 25 de maio de 2021

AMIGOS DAS LETRAS

 AMIGOS DAS LETRAS


Livro em punho, reúnem-se na praça

Para o Encontro Marcado desde a aurora…

Em meio ao burburinho, quem lá passa

Mal percebe a conversa vida afora,

Que o bronze, patinado, lhes embaça,

Enquanto a eternidade se demora.

Vates, deram à pena qualidades

Que envolvem suas almas de saudades.


E a cidade que viu seus nobres passos

Agora os rememora ternamente

Em cena que alheava dos cansaços 

Pessoas que os indagam, frente a frente:

Imaginam nos livros os espaços

Onde a hora d’elas próprias se apresente…!

Ávidas de encontrar nas narrativas

Uma vaga certeza que estão vivas.


Belo Horizonte - 05 05 2021


sexta-feira, 21 de maio de 2021

O CASO DO VESTIDO - Carlos Drummond de Andrade : Impressões sobre o poema e o poeta.

O CASO DO VESTIDO - Carlos Drummond de Andrade : Impressões sobre o poema e o poeta. 

por Ricardo Cunha.

Reunindo poemas produzidos entre 1943 e 1945, Drummond publicou o livro A Rosa do Povo, d’onde veio a lume esse poema narrativo de 75 dísticos em redondilha maior: O CASO DO VESTIDO.  N’essa época, o colapso dos países centrais capitalistas e comunistas em meio a um conflito mundial de destruição sem precedentes pôs em crise as esperanças da modernidade alicerçadas no desenvolvimento econômico e no progresso científico. Se o grande desafio dos poetas de então era o de não sucumbir ao pessimismo dos factos, tampouco lhes interessava o refúgio n’um lirismo intimista mas desconectado d'aquele tempo. Afinal, sobre o que escrever quando os temas poéticos por excelência, como os sentimentos e as sensações, parecem despropositados em face da Grande Guerra? Nosso poeta escolheu contar, talvez até para denunciar o Patriarcalismo, o caso d’um triângulo amoroso ocorrido n’uma família provinciana e religiosa, isto é, uma família mineira do início do século vinte não muito diferente d'aquela em que cresceu.

O poema, n’uma primeira leitura, chama a atenção pela história em si, na qual amor e relacionamento são marcados pela dor e pela inconstância. Contada em forma de diálogo entre uma Mãe e suas Filhas, o tal caso familiar explica a guarda d’um vestido de renda cheio de transparências sensuais que as filhas admiram enquanto a Mãe lhes repele, primeiro a cobiça e, após, a curiosidade. Por fim, sem ter como fugir à realidade exótica d’aquele vestido impudico em casa tão respeitável, a Mãe narra, em linguagem levemente arcaica, uma história que é, no fim das contas, a história decisiva d’aquela família, a saber, o enamoro do Patriarca por uma mulher descomprometida, jovem e sedutora que apareceu na cidadezinha, e que culminou com o abandono da família pelo Pai. 

Há, todavia, um elemento na narrativa que se repete três vezes e lhe dá um sabor realmente único. Chamei-os, na falta de nome melhor, de polissíndetos da desgraça... São trechos em que cada um dos vértices d’esse triângulo amoroso sofre uma sequência tão desastrosa quanto dolorosa de situações humilhantes basicamente por amarem em demasia o outro que ama um outro ou ninguém: Primeiro, o Pai passa o diabo desdenhado pela Dona de Longe, em cujo vestido do título ela se exibe poderosa e terrível. Humilhada, a Mãe narra a seguir sua descida ao inferno da rejeição com a perda de seu marido e de sua condição social: Carrega sozinha a criação das filhas n’um ambiente hostil a mulheres separadas. Todavia, ao fim ao cabo, eis a redenção da Mãe com a volta arrependida da Dona de Longe, com o famigerado vestido nas mãos, para contar sua desventura de amar quem deixou de lhe amar, abandonando-a também. A redenção se completa em seguida com a volta do Pai, ainda que este venha sem remorso aparente e indiferente às consequências das escolhas que fez. Como um Patriarca típico, volta para casa como se nada tivesse acontecido. Aliás, também a Mãe, sublimada com a reviravolta inesperada, tenta se convencer de que não houve, no final das contas, fora apenas um acidente de percurso, como se sua felicidade dependesse d’uma farta dose de autoengano... Não obstante, o vestido continua pendurado no prego da porta para provar que aquele caso, com a tempestade de sentimentos que causou, aconteceu. 

A meu ver, deve se considerar essa história antes um triângulo amoroso do que uma mera infidelidade, tendo em vista a estranha relação que se cria entre as duas mulheres. Há uma espécie de empatia às avessas: A Dona de Longe apenas ficou com o Pai “a pedido” da Dona Casada, gozando de seu poder de devoradora de homens e destruidora de lares depois de talvez ter sido, ela mesma, julgada pela sociedade conservadora da época. Por meio da Mãe humilhada e do Pai rastejante, a bela em seu vestido rendado se vinga de todos aqueles que sempre lhe censuraram a vida livre e alternativa. Ela decidiu ficar com um homem pelo qual não se sentia atraída, também, para denunciar a hipocrisia dos moralistas: Sim, desejo sexual lhe é uma coisa muito importante para ser sublimada por trás de bons costumes e satisfazê-lo seria a única coisa honesta a se fazer. Contudo, o sofrimento da Mãe fora intenso e real, ainda que seu amor não fosse romântico -- quer de perdição; quer de salvação -- e muito menos sensual. Amava, assexuada, como mulher de família diante d’um homem egoísta que tem suas necessidades. Mesmo vivendo n’uma época que preconiza a busca da felicidade e a satisfação da sexualidade como a nossa, é difícil não condenar o Pai por buscar uma vida diferente… Algum tempo depois, a Dona de Longe volta humilhada, como se vítima d’um carma. Encontra, porém, apenas silêncio após narrar um sofrimento amoroso semelhante àquele vivido pela própria Dona Casada. O que fica é apenas um vestido de renda que já não veste mais ninguém. Ressignificando-se, o vestido permanece para a Mãe como despojo d’uma guerra íntima, mas também como relíquia d’um perdão impossível.

Drummond revisita o tema do amor como desencontro humano em vários de seus poemas. O amor lhe é um mistério insondável, absolutamente caprichoso e inconstante: A amante de ontem é a companheira de hoje e a abandonada de amanhã… Amor sempre se transforma em dor, é uma questão de tempo. Embora a Mãe do caso sugira ter sido vencedora em sua persistência, tal vitória é uma vitória de Pirro, pois, perde quase tudo para ganhar muito pouco. Ele voltou, é verdade, mas não voltou por amor, sim porque precisava voltar a um lugar onde ainda fosse alguém considerado. Tampouco a Mãe o recebe de volta por amor, mas antes por costume e condição social para voltar a ser Dona Casada com a presença do marido em sua casa. Afinal, o que há ainda para amar n’aquele homem depois de toda a falta de amor que ele demonstrou pela esposa? Ela, no entanto, ainda o ama, talvez muito mais do que antes. Ela quer manter tudo como está e reza, todos os dias, para que a mulher que levou seu homem, não volte nunca mais. O amor, ao menos n’esta fase já madura do poeta, se apresenta antes como um desastre do que como um embevecimento. 

Triste de quem ama! Há-que estar sempre de sobreaviso... -- parece se impor como moral da história o último verso. 

Betim - 21 05 2021


domingo, 9 de maio de 2021

MARIAMA

MARIAMA 

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

Mariama
Maria ama...
Seu povo chama
Para louvar Nossa Senhora. 

Mariama,
Maria ama...
Avó mucama.
Hoje dança quilombola.

Seu canto é um brado livre;
Sua fé,
libertação.
Respira em tudo que vive;
Ressoa por cada irmão!

Na praça onde se convive,
Seu nome é
celebração.
Por céus em que nunca estive,
Convida-me à
comunhão.

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

Aparecida do Norte - 15 07 2017

segunda-feira, 3 de maio de 2021

BENTINHO E CAPITU

BENTINHO E CAPITU


Dizem que o coração d'outros é terra

Ignota e longe aonde ninguém vai.

Quanto n'estas paragens sobressai

É um segredo só que tudo encerra.


Mas quem tenta sondar a verdade erra,

— Vaga pelo deserto… Incerto cai! —

Pensa, tonto, que a sua mente o trai:

Tesouros, sonhos?… Junto ao nada enterra!


Contudo, o engano n'ele já não cabe…

Pode a boca calar-se — o corpo fala!…

Ou cada olho fechar-se — a alma sabe!…


Não. Nem o seu sorriso — brilho à opala —

Tampouco a sua lábia — em lábios frios —

Haverão-de ocultar seus desvarios.


Sobrália - 15 03 2014