quinta-feira, 31 de março de 2022

UMAS POUCAS COISAS

UMAS POUCAS COISAS


Não preciso de nada, senão tudo

Que tu — e apenas tu! — possas me dar.

Careço de que venhas te aninhar

Junto ao meu peito tépido e desnudo.


Ali, maravilhado e ainda mudo,

Sei que vou teus cabelos ondular

Até que incerto da hora ou do lugar

Consiga te tocar sob o veludo.


Necessito de ti -- e de mais nada —

Ou melhor, de admirar tua mirada

Onde esmeraldas lúcidas; brilhantes…


Tamanha a precisão de te querer,

Que me faz sonhar sem adormecer

Com teus olhos nos meus enfim amantes!


Betim - 30 03 2022

sexta-feira, 25 de março de 2022

AFTER-THOUGHT

AFTER-THOUGHT


Pensei melhor e já não são tão ternos

Os versos que encontrei na escrivaninha.

Tinham mais pretensão do que convinha

A um coração d’amores sós e eternos.


Tudo escrito à tinta em tais cadernos

Qu’eu, sob poeira de décadas, mantinha,

Haja vista imatura a pena minha 

Em face dos platônicos modernos.


Talvez não diferisse os nãos dos sins,

Ou mesmo versos bons de versos ruins

N’aquelas tentativas de poesia…!


Mas apesar da escrita rebuscada,

Não lhes refuto a hora enamorada.

Em minha reflexão, mesmo tardia.


Betim - 24 03 2022


domingo, 20 de março de 2022

VERSOS MENORES

VERSOS MENORES


Eis aqui manuscritos, obra completa,

Os versos que te fiz quando mais moço.

E - embora o estilo duro; o traço grosso… - 

Contando de minh'alma estranha e inquieta:


Antes d'eu ser-te amante (ou mesmo poeta),

Fora quem t'escrevera um livro insosso, 

Enquanto o coração em alvoroço

'Inda versava errado a hora correta.


Tímido, eu te amei desde que te vi,

Mas tão inabilmente t'escrevi,

Que só foste entender anos mais tarde…!


E então, não te importando pormenores,

Soubeste me ler tais versos menores,

Para eu n'eles te amar sem mais alarde.


Betim - 19 03 2022

sexta-feira, 18 de março de 2022

O QUE NÃO TE MATA

O QUE NÃO TE MATA


Mas, de facto, o que mais nos fortalece

É o que, ao nos tentar destruir, fracassa.

Qual quanto mais afunda; mais abraça

Um afogado a prancha em que padece.


Depois de tanta luta; tanta prece,

Quem passa o infortúnio da desgraça,

Desdenha de armadilha ou de trapaça

Que se lhe possam pôr p'ra que tropece.


Apesar de tudo, houve um outro dia!

E mais outro e mais outro e mais e mais:

Há-que s'endurecer! Sem ais e tais...


E a vida continua, sem utopia…

Funda a ferida, sim, mas não de morte:

Se não te mata mais te faz mais forte.


Betim - 05 01 2021


terça-feira, 15 de março de 2022

INESCRUPULOSO

INESCRUPULOSO 


MOTE:

Quem não só filho da puta,

Sim o dono do puteiro!


GLOSA:

Passa por homem de bem

Com boas roupas e lábias.

A rondar as menos sábias

D’entre as moças sem vintém

Com promessas das Arábias!

Ou oculta em mel a cicuta

De dar amor por dinheiro…

Lobo em pele de cordeiro,

Quem não só filho da puta,

Sim o dono do puteiro!


Betim - 14 03 2024


segunda-feira, 7 de março de 2022

CONTRATEMPO

CONTRATEMPO


Meu relógio parou.


E embora o tempo passe a seguir

Outro ritmo que eu desconheça,

Não entra na minha cabeça,

Porque tenha-de com a hora ir

[se…


Meu relógio parou.


Se o relógio só faz medir,

Seu tempo já não me interessa

Não entra na minha cabeça,

Porque não o possa impedir,

[se…


Meu relógio parou.


Se a hora não para para ouvir,

O silêncio na noite espessa

Não entra na minha cabeça,

Porque tenha já de partir,

[se…


Meu relógio parou.


Como o tempo me ousa pedir

Perfeição amiga da pressa?!

Não entra na minha cabeça,

Porque chego até a sorrir,

[se…


Meu relógio parou.


Sei que a hora haverá de insistir

Até que esse mundo me esqueça!

Não entra na minha cabeça

Porque cheguei a existir,

[se…


Meu relógio parou.


Belo Horizonte - 24 02 1994