OUTRAS NOVENTA E NOVE TROVAS
1.
Mais quadras segundo a norma,
Ainda que embalde as trove.
Mas isso, de qualquer forma,
São outras noventa e nove…
* * *
2.
Fui de tudo quanto é nome
Menos de santo chamado.
Poeta com cara de fome,
Trovo sem ser convidado.
* * *
3.
Árduo tem sido o caminho
Do que poeta aos quatro ventos
Termina ansioso e sozinho,
Às voltas com sentimentos.
* * *
4.
Mais rápido do que a luz.
Mais vívido do que o amor.
É teu olhar que conduz
Meus passos aonde eu for.
* * *
5.
Chifre em testa de cavalo…
Pelo em ovo de galinha…
Desconfie d’um regalo
Quem tem vida como a minha.
* * *
6.
Na estrada para a verdade,
Há quem ande e desanime.
Passa muita adversidade,
Mas o final é sublime.
* * *
7.
Conhecida a decepção,
Que esperar das pessoas?
O que escuta o coração
Há-de ouvir poucas e boas…
* * *
8.
Não tenho medo do escuro.
Não vivo na fantasia.
Triste é ver um inseguro
Sondar su’alma sombria.
* * *
9.
Correm os cães em matilha
‘Trás de carroça na rua.
Ao estúpido maravilha
Qualquer esperança crua.
* * *
10.
Falar dos outros é falho;
Calar de tudo também.
Criticar é mau trabalho,
Mas muitas vezes convém.
* * *
11.
Olho nos olhos da bela
E já me vejo encantado.
Tanta luz nos olhos d’ela
E eis o mundo iluminado!
* * *
12.
Doze horas bateu o sino
Na noite imensa e sombria.
Solitário desatino
Rondar cidade vazia.
* * *
13.
Apesar de tudo, eu hoje
Estive comigo mesmo
Triste d’aquele que foge
De si a palestrar a esmo.
* * *
14.
Tem resposta para tudo
Aquele que nada sabe.
Vazio, nunca está mudo:
Quanto mais falta, mais cabe!
* * *
15.
Atrás da serra, a cidade
É paisagem pressentida.
Longe é também a verdade
Mais sonhada que sabida.
* * *
16.
No arroio frio do monte,
A cerração m’esmorece.
Ainda que o sol desponte,
O dia mal aparece…
* * *
17.
Se quem ama se lamenta,
Que dirá quem nunca amou?…
Só se prova na tormenta
A barca que navegou.
* * *
18.
Doce todo o esquecimento
Que nos livra do passado.
Esquecer é livramento
Aos infortúnios do Fado.
* * *
19.
O tempo, que tudo cura,
Seca a chaga em cicatriz.
Na pele, porém, figura
Como lembrança infeliz.
* * *
20.
A barca dos insensatos,
A navegar à deriva…
Ora balaio de gatos;
Ora memória emotiva.
* * *
21.
Minha vida continua
Com quem na vida é vivida
Quem comigo se situa
Continua em minha vida.
* * *
22.
Deixo p’ra lá quem se foi.
Deixo p’ra cá quem se vai.
Não lhe peço nem um oi.
Não lhe devo nem um ai.
* * *
23.
Tanto as noites quanto os dias
A todos têm ilusões.
Desencontram-se em porfias
Solitários corações.
* * *
24.
Sem saber aonde vão…
Sem saber d’onde vêm…
Assim as pessoas são
Para o mal e para o bem.
* * *
25.
Coisas vi maravilhosas,
Que ‘inda custo a acreditar.
Ora versos; ora prosas,
Deixei-vos para contar.
* * *
26.
Trovadores são poetas
Que o povo nas ruas estima!
Têm suas obras completas
Da vida matéria-prima.
* * *
27.
Candeeiro que me alumia
Da noite a escuridão
Só tu sabes a agonia
Que trago no coração.
* * *
28.
Querer parecer feliz
Apesar d’um mau momento?
É como pôr sóis de giz
A brilhar sobre o cimento…
* * *
29.
— “Só tenho olhos para ti!” —
Diz o que fala d’amor…
Se mente até para si,
Porta da rua é favor.
* * *
30.
Falam d’amor sem amar
Aqueles vivem sorrindo.
Falam assim por falar:
É ora lindo; ora findo…
* * *
31.
Cogito: — ”Das duas, uma:
Ou amas tua própria história;
Ou não amarás nenhuma…”
— Celebra cada vitória!
* * *
32.
O roto do esfarrapado
Fala sem nem se dar conta
De si tão mal-ajambrado,
Quando a outrem o dedo aponta.
* * *
33.
Olhei nos olhos da fera
E me vi em grande aperto.
Quando a raiva é quem impera,
Dizem que o errado está certo.
* * *
34.
Nas horas de Deus, amém…
Nas horas de dor, adeus…
Quem fica, que fique bem
E quem vai, que vá com Deus!
* * *
35.
Eu estou bem, obrigado.
E bem hajas tu também.
O tempo passa apressado
Quando estamos todos bem.
* * *
36.
Um sonho tornado real
Ou somente não sonhar?
Fiz minha escolha, afinal,
Era pegar ou largar!
* * *
37.
Muitos que vieram aqui
Não viram nada demais.
Já eu, se conto o que vi,
Não são lugares iguais.
* * *
38.
Amor tão grande que mata
D’esses, não quero saber.
Amor que apenas maltrata
Não vale a pena viver.
* * *
39.
É o mundo muito grande;
É a vida muito curta.
Quem anda o olhar expande.
Quem para a si mesmo furta.
* * *
40.
Para além do que se vê,
Está quanto se deseja.
Espera aquele que crê
Que sua esperança seja.
* * *
41.
Não cuido da vida alheia.
Não falo do que não sei.
Maldar o outro é coisa feia
Tanto ao plebeu quanto ao rei.
* * *
42.
Pequeno é meu coração.
Confusa é minha cabeça.
Se sinto, não tem perdão.
Se penso, peço que esqueça.
* * *
43.
Mais dia, menos dia, eu
Encontro quanto desejo!
Quem de si já se perdeu
Vai de bocejo em bocejo…
* * *
44.
Quer sucesso; quer fracasso,
Só alcança o que se arrisca.
Sem dar o primeiro passo
Não há estrada nem risca.
* * *
45.
Amor não é escolhido.
Carinho não é comprado.
Seja dado e recebido
Ou senão será passado.
* * *
46.
Eu quis uma companhia.
Ela quis um companheiro…
Não houve mais alegria
Depois do adeus derradeiro!
* * *
47.
Escolhesse eu não amara
Aquela que tanto amei.
Amar é coisa tão rara,
Que nunca mais encontrei.
* * *
48.
Um dia após outro dia…
Assim eu tenho vivido.
Só lamento a fantasia,
E todo o tempo perdido.
* * *
49.
A bem da verdade, a vida
É feita de desenganos.
Muita esperança é perdida,
Ao longo de poucos anos..
* * *
50.
Jovem demais p’ra morrer
Ou velho demais p’ra amar?
Na meia-idade, viver
É sempre desencontrar.
* * *
51.
De boa vontade, o inferno
Parece, de facto, cheio:
Sempre mais um desgoverno
Com aflições de permeio.
* * *
52.
Não há dia em que não lamente
A falta que ela me faz.
Espero que estando ausente
Ela enfim esteja em paz.
* * *
53.
É levar gato por lebre
Um amar sem ser amado.
Cai, delirante de febre,
Tendo sempre o sonho errado.
* * *
54.
Há quem pague para ver
E perde por apostar.
A vida é quem vai saber
Da fortuna o seu lugar.
* * *
55.
Partem para novos sonhos
Aqueles que vão embora.
Deixam uns olhos tristonhos,
Lembrando coisas d’outrora..
* * *
56.
Saudades tem quem fica.
Saudades tem quem vai.
Na distância se fabrica
O verso que d’alma sai…
* * *
57.
— “Andarilho solitário,
Por que segues pela estrada?”.
— “Sigo sem itinerário,
Só por gosto da jornada!”.
* * *
58.
Não costumo tecer loas
Mesmo quando têm lugar.
Penso que evito as pessoas
Para as não decepcionar.
* * *
59.
Nem ao sábio a sab’doria.
Nem ao forte a fortaleza
No final, bem mais valia
Do cínico a natureza.
* * *
60.
Tanto o fogo morro acima
Quanto a água morro abaixo
Não seguram quem se anima
Nem o rastro por debaixo.
* * *
61.
Não acreditam em Deus,
Sim na vida após a morte…
Vivem como fariseus,
Mas sob a lei do mais forte.
* * *
62.
Ricos são donos do tudo;
Pobres são donos de nada.
Ninguém é feliz, contudo,
Insone na madrugada.
* * *
63.
Os que sonham fazem bem,
Mas os que dormem, melhor.
Em vigília se mantém
Quem espera pelo pior.
* * *
64.
Tenho passado amiúde
Na última casa da rua.
Quem mais d’amores se ilude
Caminha por sob a lua.
* * *
65.
Passa por um malfeitor
Ao dar amor sem amar.
Não há pecado maior
Que o coração s’enganar.
* * *
66.
Na dúvida, disse não,
A quem dissera antes sim.
Parece ter sido em vão
Quando tudo chega ao fim.
* * *
67.
Confundo alhos e bugalhos
Na ânsia de muito escutar.
Os pensamentos são falhos
Quando se apressa em amar.
* * *
68.
Tem olhos mas não se vê.
Tem orelhas mas não se ouve.
O conhecer-se é mercê
Que a muito poucos aprouve.
* * *
69.
Parecia estar errado
Ao fazer a coisa certa.
Pondo a vaidade de lado,
Restou a ferida aberta.
* * *
70.
Faz sem nem saber fazer
Que quer que seja de bom.
A habilidade em perder
É quem dá a misérias o dom…
* * *
71.
A sem-vergonhice extrema
É ver um bem sendo um mal:
Fazer da desgraça um lema
E ter razão no final …
* * *
72.
Do mundo sei muito pouco;
Das pessoas, ‘inda menos.
Sabido, passo por louco:
O menor entre os pequenos.
* * *
73.
Sábio o que os males espanta
Com canções de bem-querer:
D’amor alheio s’encanta
Sem dissabores sofrer!
* * *
74.
Amadores sem amor
Têm-se amantes sem amar.
Pois dos males, o maior,
É a si mesmo enganar.
* * *
75.
Fiz minhas as tuas horas
Ao viver a tua vida.
E tu mesmo assim ignoras
Tanta entrega desmedida.
* * *
76.
Não nasci ontem, deveras.
Nem nasceste tu também.
Vou contar-te as primaveras,
Pois tão-só te quero bem.
* * *
77.
Faz de conta que é amor
Esta chama em teu olhar.
E se outro brilho isso for,
Pois seja! Vem a calhar…
* * *
78.
Semanas viraram meses
E os meses viraram anos…
O tempo a passar às vezes
Traz apenas desenganos.
* * *
79.
Um perdão que nunca vem
Deixa a vida em solidão.
Triste quem espera alguém
Ter de novo coração.
* * *
80.
Nas linhas tortas de Deus,
Todos leem o seu Fado.
Após, s’esquecem dos seus,
Sem futuro nem passado.
* * *
81.
Que nem água morro abaixo;
Que nem fogo morro acima,
Ninguém segura… Sai debaixo,
Quando um amor se aproxima!
* * *
82.
Diz-que quem bate esquece
Mas o outro que apanha, não.
Ressente a dor que padece
Em mágoas seu coração.
* * *
83.
Para todos os efeitos,
Não adianta s’enganar:
Se cada um tem seus defeitos,
Quem és tu para julgar?
* * *
84.
Ando tão longe de ti,
Enmimesmado a cismar,
Que hoje nem vi que te vi,
Quando me viste passar.
* * *
85.
Entre dois, um se contenta,
Enquanto o outro ama demais…
Se o que ama pouco, lamenta;
Que dirá quem ama mais?
* * *
86.
À sombra das laranjeiras,
Bem-te-vis fazem a festa…
As memórias derradeiras
Sejam tão boas como esta.
* * *
87.
Se antes do sol, madrugando,
Começas tua jornada,
A alegria, vez em quando,
Contigo fará morada.
* * *
88.
É mais belo o amanhecer
Lá nas serras neblinadas.
É sempre bom surpreender
O sol em nuvens raiadas.
* * *
89.
Se buscas viver em paz.
Põe teus olhos no presente.
Triste é olhar para trás
P’ra não olhar para frente.
* * *
90.
Era uma vez uma casa
Nos longes d’aquela serra.
Lá mesmo o tempo se atrasa
E a tristeza se desterra.
* * *
91.
— ”Onde moras, alegria,
Senão em velhas lembranças?”
— “Onde vives, fantasia,
Senão em vãs esperanças?”
* * *
92.
O silêncio faz poetas
Os que se veem maiorais.
Pobres mentes inquietas…
Se falam, falam demais!
* * *
93.
Mesmo que te sintas só
E entristecido p’los cantos,
Arranca à garganta o nó…
Vai buscar novos encantos.
* * *
94.
Tantos amam o sucesso,
Tantos buscam a riqueza,
E ser feliz é o avesso
De tão mundana certeza.
* * *
95.
Aquele que ama, decerto
Amará do outro a alegria
Tanto longe quanto perto:
Sem a sua companhia.
* * *
96.
Quando a vida se partilha
Tudo o que alegra o outro é bom.
Melhor é o olho que brilha;
Melhor é do riso o som,
* * *
97.
Não fosse errar tão humano,
De facto, ninguém errava.
No fim não há maior dano
Que de gente certa e brava.
* * *
98.
A solidão é um fardo
Para o dono da verdade:
Pensando-se felizardo,
Vive sempre na saudade.
* * *
99.
Escrevo trovas de novo
Sem ver se lidas ou não.
Embora ao gosto do povo,
Ao fim, dirão em vão?
Betim — 15 08 2024
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