terça-feira, 30 de dezembro de 2014

POMPA E CIRCUNSTÂNCIA

POMPA E CIRCUNSTÂNCIA
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POMPA E CIRCUNSTÂNCIA

N'esta terra de vales tão profundos,
Onde reluzem penhas de basalto, 
Há paredões e abismos de cume alto --
Porque fronteira extrema de dois mundos. 

Transito sobre saibros infecundos, 

Cuja poeira levanto só e incauto. 
Mas surpreendo o rio com seu salto, 
Em plena pedra negra e seus rotundos. 

É uma imensidão que me apequena 

E me faz ter consciência de quem sou, 
A um só tempo tão forte e tão serena. 

Se contra o céu eleva-se da terra 

Ou se lhe aponta o sonho que deixou,
Só sabe Deus que luz a rocha encerra...  

Antônio Dias - 29 12 2014

sábado, 27 de dezembro de 2014

SINO DE VENTO


SINO DE VENTO

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SINO DE VENTO


Deve ser uma aragem fresca, branda;
A que me acaricia a testa e a mente,
Mas solta notas vãs, indiferente,
Ao atravessar à noite uma varanda. 
     
E sonho Passárgada; e passo Samarcanda...
N’uma viagem sonora tão-somente
Por dentro da memória semovente,
Que sobre areias ainda quentes anda. 

Era música tão minimalista
A ressoar no sino que o vento toca
À maneira de quase ausente artista. 

Porém, ainda assim ela provoca,
Senão contemplação para ter em vista,
O puro acaso que ao silêncio choca.

Betim - 14 12 2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

ALTOS DA SERRA

ALTOS DA SERRA
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ALTOS DA SERRA

Ir aonde o horizonte seja belo!
Minas e catedrais disputam morros,
Enquanto casas urgem mais socorros
Já quase a deslizar em pesadelo.

Estende-se aos vários o meu apelo,
Semelhante -- uns dirão -- a bons esporros.
Como os que dão a gatos e cachorros,
Senão por um parâmetro, por zelo.

De prédios e ruas, enxurradas
Vêm lavando-e-levando nossos passos
Até desanuviar céus e espaços.

Vejo. E quanto vejo é belo. É horizonte...
Cada olhar, um mirante; a andar, estradas
De cujos arredores tenho à fronte.

Contagem - 22 12 2014

domingo, 21 de dezembro de 2014

PRECIOSIDADES

               PRECIOSIDADES
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PRECIOSIDADES

Amanhecem ao sol gotas d’orvalho 
Rebrilhando nas taiobas bem por sobre, 
Onde a água -- quase sólida! -- algo nobre 
Vem acrescentar a folha e galho. 
  
Fôssemos definir esse trabalho, 
N’ele não menos que Arte se descobre 
Para rivalizar com ouro e cobre, 
Tal brilho quando todo afã é falho. 
  
Pois obra  do acaso, da Natura; 
Não por mãossim pelo olhar criada 
Ao vislumbrar que o belo ali figura: 
  
Gema no verde escuro aprisionada, 
Fez-se forma translúcidatão pura 
Que qual cristal reluz para e por nada. 
  

                   Betim – 20 12 2014

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CREPUSCULAR

                       CREPUSCULAR
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CREPUSCULAR

Porque foste a promessa d'um amor
Que jamais se cumpriu, embora os anos
Multiplicassem nossos vãos enganos
E, enfim, nos dividissem sem calor.
Ora me sinto incapaz de contrapor
Qualquer velho argumento a novos planos;
Lido apenas com mais perdas e danos
Enquanto testemunho o sol se pôr.
Inumeráveis vezes eu tentei;
E inumeráveis vezes eu falhei
Como fosse fadado ao só fracasso. 
 
E deixo... A caminhar de mãos vazias
Para saudar as noites sós e frias
Que doravante acolhem meu cansaço.
              Betim - 18 12 2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

TRAGICOMÉDIA

TRAGICOMÉDIA
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TRAGICOMÉDIA

A gente até ri, mas é muito triste... 
É como ir cutucando a cicatriz  
Por ter que, latejante, ela condiz 
Co'a estranha dor que n'alma persiste. 

Se riem de gargalhar de quanto existe, 
É fé que apenas o outro é infeliz. 
E aplaudirão de pé se as obras vis 
Lhe forem justiçadas n'algum chiste. 

Ser feliz talvez não seja uma opção; 
Tampouco esse alternar sorte e revés 
P'las probabilidades da emoção. 

É mais como iludir-se só, ao invés 
D'explodir contra um fado imerecido. 
A gente até ri, mas de constrangido...  
                         

                   Betim – 16 12 2014 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

ROMPANTE

ROMPANTE 
 
Não me disse palavra. Apenas foi... 
Deixou atrás de si – agora penso –  
Esse silêncio abrupto quase infenso, 
De vê-la partir sem sequer um oi. 
 
Antes, urrou que nem bumba-meu-boi 
A saltitar no chão, perdido o senso! 
Depois, ensimesmou-se n’um pretenso
Fastio de quem muito se condói…
 
A despeito de tudo, não lamento 
Sua partida em meio ao desalento 
De mais uma conversa amargurada. 

Lamentaria, sim, toda uma vida, 
Às voltas com franqueza desmedida:
Dizer a coisa certa na hora errada…
 
Betim – 10 12 2014 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

DESNUDADA

DESNUDADA
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DESNUDADA

Mas como pude ser tão infeliz?!
Quando se ama e não diz! E quando não...
Enfim, nada: olhos, boca ou coração
Neguei de mim àquele que me quis.

E foi por medo d’eu não ser feliz
Que, só e infelizmente, à escuridão
Confesso, precavida, essa paixão
Culpar-me justo pelo que não fiz.

O beijo ficou preso à boca muda.
E o olhar, dissimulado sob a lua,
Apago a me impedir de que me iluda.

E ele se vai sozinho pela rua... 
Sem saber que em meu quarto só, desnuda,
Eu me entrego sonhando que sou sua.

                            Betim - 19 11 2014




CROQUIS

CROQUIS
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CROQUIS

Foi lapisar uns traços do que ideava
Para algum edifício imaginário.
Mas o papel, infiel depositário,
Sobretudo impossíveis lhe aceitava.

Dadas as circunstâncias, o que criava,
Era exercício-vão-embora-vário
De quem almeja o só extraordinário
Mesmo sendo rabiscos em que errava.

Edificou com linhas não tão tortas
Presumidas ideias que, natimortas,
Passaram, entretanto, ao arquitetado.

E fez-se prédio à luz do que há entorno
Até que todo o mínimo contorno
Expressasse-lhe a vida no habitado.

Betim - 03 12 2014

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

EM LIMAS

EM LIMAS
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EM LIMAS

Mil macaúvas sobre o pasto verde
Pelas suaves colinas espalhadas.
Envergando, taboas nas baixadas
Se agitam vãs ao vento que se perde.

Um justo lavra e, embora a terra herde,
São solidão e luz suas jornadas...
Pelas ravinas, matas tão fechadas
Aqui e ali riscadas de valverde.

Nuvens brancas passeando qual rebanho
Tendo um céu azulíssimo por fundo
E o zênite do sol quarando o mundo.

Foi uma hora feliz; um dia ganho.
Tive a alegria de ir aonde, bela,
A vida passa em paz pela janela.

Betim - 02 12 2014

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

AUGÚRIOS

AUGÚRIOS
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AUGÚRIOS

Seja eu muito feliz, embora tudo
Conduza tão-somente ao mesmo nada.
Não me lamente mais da caminhada,
Tampouco dos sinais com que me iludo.

Muitos vão observar os céus, contudo:
-- Alto veem o voo d'ave sobre a estrada... --
E me dizem saber quão abreviada
Será toda fortuna que 'inda escudo.

Com eles aprendi quanto o aleatório
Rege o curso das coisas sem, de facto,
Ocasionar-me a queda ou ter-me intacto.

-- "Haja" -- face a qualquer intento inglório
E a buscar-me a esperança já perdida --
"Vida que valha a pena ser vivida!"

Betim - 01 12 2014

sábado, 29 de novembro de 2014

INSIGNIFICÂNCIA


INSIGNIFICÂNCIA
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INSIGNIFICÂNCIA

Em que pese às pessoas, tudo muda...
Ao longo d'esses anos que vivi,
Quanto de desengano e dor sofri
Fizeram-me a verdade mais aguda.

Desde a mais expansiva à mais sisuda,
Toda sorte de gente conheci.
E eis a máscara de quem agora-aqui
Em torno d'uns quereres se desnuda:

É sem significado se a importância
Que me dão as pessoas em olhares --
Um brilho que se perde perdida a ânsia.

Desta feita concluo, sorumbático,
Que até mesmo o discurso mais enfático
Queda apagado diante dos vulgares.

Betim - 28 11 2014

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

MINERAÇÕES

MINERAÇÕES
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MINERAÇÕES

Tudo depende só do veio que escavo:
Olho a cor e a dureza em cada rocha, 
Onde à marreta, ponteiro e brocha
Busco extrair da pedra seu pó flavo.

Assim as palavras com que me agravo:
Jazem na escuridão até que a tocha
As faz brilhar na cava que se arrocha
Como ao duro labor do Rei-escravo.

Após vem a lavagem no garimpo,
Cujo paciente afã, um ouro limpo
Pesa, por fim, no prato da balança.

Seja, pois, o verso tão rútilo quanto!
E haja na sua glória todo o encanto
Da verdade e beleza que se alcança.

Betim - 24 11 2014