domingo, 15 de dezembro de 2019

NUS

NUS

Havíamos acabado de transar. Era a segunda vez que acontecia e eu estava encantado por ela. Jamais havia conhecido uma garota tão tranquila n'um relacionamento. Tudo era leve, mesmo que houvessem inúmeros dramas à espreita, afinal, tínhamos ambos vidas complicadas. Acho que dava certo porque a gente não se importava com nada. Ela parecia gostar da minha súbita atenção e não me desencorajava. Eu a cercava de convites e planos, mas não me aceitava o menor mimo que fosse, deixando claro sua liberdade e autossuficiência. Com ela, eu me sentia à vontade para comentar sobre qualquer coisa. Ao contrário das outras mulheres que passaram pela minha vida, eu não tinha o menor receio de ser sincero, ainda que dissesse algo escandaloso ou controverso. Muito inteligente, culta e interessante, era uma balzaquiana admirável, sempre me surpreendendo com sua capacidade de compreensão... Era a pessoa de mente mais aberta com quem já havia conversado.

Estávamos, portanto, nus em sua cama. Eu a estreitava em meus braços enquanto olhava para o teto de seu quarto completamente embevecido. Tinha sido bom, muito bom... Do nada, comecei a falar um d'aqueles assuntos que sempre acabavam mal, mas que com ela, excepcionalmente, fluíam bem:

-- "Sabe? Gosto tanto de sexo que mais de uma vez pensei em me tornar uma pessoa promíscua... " -- Antes que eu pudesse justificar aquela barbaridade intempestiva, ela me interrompeu: -- "Eu também!" -- e comentou de passagem sobre dois rapazes com que fizera sexo casual depois de ter se separado do pai de sua filha. Nada demais, aparentemente. Eu, que estava em crise no casamento e a vida toda bagunçada quando a conheci, resolvi lhe contar a experiência mais promíscua que já tivera:

-- "Foi, por incrível que pareça, n'uma cidadezinha de interior. Faz uns dois anos. Eu também estava separado então (para variar...) e havia viajado com minha mãe para a cidade onde minha avó morava. Eu não ia lá há anos e tudo me parecia muito monótono. Quando anoiteceu, achei um bar meio diferente no segundo andar d'um sobrado. Eu queria assistir o jogo do Galo e ali tinha uma TV boa. Pedi uma cerveja e fiquei assistindo jogo sozinho. De repente, chegou um grupo de moças e rapazes de vinte e poucos anos fazendo certa algazarra. Embora continuasse vidrado no jogo, percebi um rapaz passando várias vezes perto da minha mesa. Em dado momento, ele deu uma gargalhada e eu me virei para olhar: Tinha uma garota loura realmente muito bonita no grupo d'ele... Ela parecia ser ainda mais extravagante do que ele, rindo alto e falando bobagem. Deixei para lá, afinal, não conhecia ninguém n'aquela cidade. Chegou o intervalo do jogo e decidi ir ao banheiro. Enquanto lavava as mãos para sair, o rapaz mais a moça que havia visto antes entraram no banheiro e começaram a se beijar logo atrás de mim. Surpreso, dei uma risadinha e quando fiz menção de sair, os dois me cercaram e me beijaram... Do nada!..." -- Ao dizer isso, eu olhei para seu rosto ao meu lado na cama, mas ela não pareceu me julgar ou me repreender. Ao contrário, ela insistia: -- "Não para! A história está muito boa." -- Suspirei fundo e continuei:

-- "Eu jamais havia beijado um homem, mas a garota era realmente muito linda. Os dois ficaram me beijando e se beijando, enquanto me diziam para deixar rolar. A porta do banheiro se abriu (masculino, lembra?) e entrou a atendente do bar. Pronto, pensei, vai chamar a atenção da gente. Qual! Ela puxou a garota que estava com a gente e deu um beijo hollywoodiano n'ela! As duas se abraçaram forte e começaram a se sarrar ali mesmo. O rapaz que ficou comigo continuo me beijando (céus, como beijava bem!) e a pôr a mão no meu pênis. Eu tentei me desvincilhar e disse que não curtia rapazes, mas ele tirou o pênis d'ele para fora da calça e puxou o meu para masturbar os dois juntos, se tocando apertados pela mão d'ele. Aquilo era algo completamente desconhecido para mim. Subiu-me um ardor tão forte que eu não consegui me afastar. Comecei a beijar sua boca com vontade enquanto ele me fazia sentir o pênis d'ele. Olhava para o lado e as meninas já estavam seminuas, beijando os seios uma da outra. Pensei, vou ficar com esse rapaz para poder ficar com a garota, e desencanei. Ele, percebendo que eu estava entregue, me virou de costas para ele e começou a sacanear minha bunda por cima da calça. Eu arquei a coluna instintivamente e senti um tesão descontrolado. Que coisa maluca!... Eu jamais tinha sentido aquilo, mas a verdade é que eu queria mais. Ele começou a me zoar com um papo de passivo-activo e eu desconversei: Não iria dar para ele ou sair d'aquele bar para ficar com ele, um desconhecido, fora d'ali. Ele riu e pediu para eu chupar o pau d'ele. Explicou que não haveria penetração e eu podia relaxar. Olhei para as meninas e elas estavam se acabando em dedadas! A loura é linda, pensei: "Estou na fila!" Olhei para o rapaz e topei: O pênis d'ele era quase do mesmo tamanho que o meu. Ele abaixou as calças e eu passei a mão na sua bunda: Ele se depilava... Peguei seu pênis e comecei. Não tinha a menor ideia do que fazer, mas senti um tesão louco. Queria muito que ele gozasse, sei lá porquê." -- interrompi, envergonhado, pensando no que ela devia estar pensando de mim. Para minha surpresa, ela vem e comenta: -- "Uaau! Estás me saindo um rapaz bem safadinho... Dois homens juntos, humm! Que tesão! -- Parei e olhei bem para minha companheira: Estava vidrada na história. Apesar de termos gozado bastante, seus seios estavam intumescidos e suas bochechas afogueadas (ela é muito branquinha...) . Por outro lado, contar aquela história para outra pessoa me deixava muito aliviado. Eu precisava compartilhar aquilo com alguém que não discriminasse logo em seguida. Não, ela parece que gostava ainda mais de mim por estar lhe contando... Prossegui:

-- "As meninas pararam de se agarrar e ficaram me assistindo chupar o pau do amigo d'elas. Estavam muito excitadas, falando que a putaria tinha começado. Vieram para perto de mim e puseram os dedos melecados das suas vaginas na minha boca. Pegavam no pau do amigo d'elas e passavam os dedos pela minha cara, dizendo: --"Chupa, gostoso!" -- Eu me levantei e pus o pênis para fora da calça e pedi para o rapaz que estava comigo: -- "Agora é sua vez: Me chupa." -- Ele se agachou e começou a me chupar. As garotas vibravam, dizendo que eu e ele chupávamos um pau melhor do que elas... Zoaram bastante, mas nenhuma das duas ficava comigo. Cansei d'aquilo e percebi que havia caído n'uma armadilha: A tal loira bonita que tanto havia me atraído não ficava com rapazes!... Ao perceber que não iria rolar nada com elas, fiquei bastante puto. Elas saíram do banheiro masculino rindo enquanto o amigo d'elas me chupava. Tentado sair d'aquela situação sem ofender o rapaz. Puxei-o para perto de mim e continuei o beijando enquanto me recompunha. Já vestido, pedi para sairmos do banheiro para nos juntarmos aos outros da mesa. Ele concordou, mas saiu segurando a minha mão com se fôssemos namorados!... Já na mesa, eu puxo assunto com a loura e, embora o rapaz continuasse me cercando, eu comecei a dar mais atenção para ela do que para ele. A garota, aliás, me esnobava... Parecia ter me beijado apenas para eu ficar com seu amigo... Quanto ao rapaz, dizia que estava apaixonado por mim e que havia sido muito intenso o que rolou com a gente. Eu concordei, afinal, ficara realmente muito excitado. Eu e ele nos beijávamos junto dos outros da mesa enquanto a loura continuava ficando com a atendente do bar. Comecei a me sentir mal com aquilo e pedi licença para ir ao banheiro. Sem olhar para trás, fui embora do bar sem me despedir de ninguém.".

-- "Então você e o rapaz não se viram mais?" -- Ela perguntou -- "Nunca mais". -- respondi. Ele ainda me procurou contactar pelo ORKUT (sim, já faz tempo isso...), mas não respondi. Nunca mais fiquei com um rapaz. Não me sinto atraído por homens. Não tive vontade de procurá-lo ou de ficar com outro rapaz, mas tenho de admitir que aquela experiência mexeu comigo: Sinto um tesão enorme em ser penetrado." -- Ela riu e disse "Pois eu sempre quis comer um homem... Uhmm, sempre tive vontade trocar de lugar; saber como é... Vamos fazer?". -- Eu, tentado conter a emoção e o desejo, só consegui murmurar: -- "É o que mais quero...".

Ela se levantou e pegou uma caixa no armário. Pegou seu vibrador e colocou um preservativo n'ele. Pegou pomada; untou o vibrador e meu ânus. Começou a me penetrar forte, em estocadas. Imediatamente eu tive uma nova ereção, mesmo depois de ter feito amor com ela por horas... Ela parecia curtir muito fazer aquilo. Quanto a mim, era como se estivesse realizando um desejo inconfesso; um prazer proibido. Em minutos, sem que eu ou ela tocássemos em meu pênis, tive uma ejaculação forte. Foi um dos orgasmos mais fortes que já havia sentido. Quando consegui abrir os olhos e olhar para ela, lacrimejava de gratidão: -- "Obrigado. Espero que isso não mude nada entre nós...." -- Ela respondeu: -- "De jeito nenhum, ao contrário: Sinto-me mais próxima de ti por isso!" -- Ela se levantou e foi até o banheiro da suíte com o vibrador. Lá, ela jogou o preservativo fora e lavou tudo. Guardou a caixa e começou a se abrir:

-- "Tenho uma história um pouco parecida com essa que constaste, mas acabou pior, acho." -- Ela se sentou sobre a cama e, olhando bem em meus olhos, deu seguimento: -- "Meu casamento estava em crise fazia alguns anos e procurei conselhos com uma amiga para apimentar minha relação. Eu já não via desejo nos olhos do meu marido há tempos e eu, para ser honesta, tinha certa preguiça para começar uma transa: Era sempre a mesma coisa! Eu demorava a ficar com vontade enquanto ele parecia ter pressa... Ele gozava e eu ficava querendo mais. Uma falta de sincronismo frustrante! -- ela parou para me olhar e vendo que eu a acompanhava continuou:

-- "Com o tempo, evitava até ficar excitada para não ter de passar por aquilo. Comecei a desconfiar que ele estivesse se interessando por alguém... Entrei em pânico. Nunca gostei de comentar sobre minha vida com ninguém, mas não sabia mais o que fazer. Essa amiga havia passado por uma crise parecida no casamento d'ela e dizia sempre que conhecer os brinquedos do sex-shop havia salvo sua relação. Decidi que precisava entender aquilo melhor. Ela me convidou para irmos a uma loja e me ajudou a comprar produtos que ela já havia usado. Conversou muito comigo sobre como era importante se conhecer sexualmente; saber do que nos dá prazer para assim darmos prazer ao parceiro. A título de exercício, disse que eu precisava usar os brinquedos sexuais e me estimular assistindo filmes eróticos. Eu, que já não sabia mais o que fazer, resolvi experimentar os tais brinquedos. Foi uma reviravolta! Finalmente, sexo era uma parte boa da minha vida... Todos os dias eu tirava um tempo para o autoerotismo e era cada vez melhor. Passei a me interessar pelo assunto, ler textos de sexólogos e assistir muita pornografia. Eu adorava ter esse tempo para mim. Sempre fiz tudo para os outros, sim, para meus pais, meu marido e minha filha. Ao começar a me conhecer sexualmente, eu fazia algo apenas por mim e para mim. E era muito bom!"

Eu ainda estava meio atordoado por aquele orgasmo profundo (sequer toquei no meu pênis!), mas percebia n'aquela história a razão para ela ser tão tolerante comigo como mulher nenhuma fora antes. Ela entendia como ter prazer sem tabus era importante para termos equilíbrio psíquico, penso... Muito da negatividade e agressividade das pessoas pode ter origem n'essa imensa frustração que carregamos quando renunciamos ao que queremos. Ela era uma mulher admirável. Ela continuou sua narrativa:

-- "Por incrível que pareça, ao invés de buscar ter prazer com meu marido, aquela realidade íntima que eu vivia me deu força para aceitar o fim de meu casamento sem grandes dramas. Ao contrário, eu estava ansiosa para me divorciar e poder ficar com pessoas apenas por prazer. Com um esposo ou namorado a sexualidade sempre se desgastando até se tornar repetitivo e previsível. Não que transar com estranhos seja sempre formidável. Não é. Mas o facto de não nos preocuparmos com o que vão achar de nós é libertador."

N'esse momento uma nuvem de melancolia se abateu sobre meu olhar...Sim, ela dissera com todas as letras: Nós dois não tínhamos nenhum futuro juntos. Só era bom porque ia acabar logo, n'aquela mesma noite, provavelmente. Eu iria perder a mulher que melhor me compreendera e que me deu o que jamais tivera coragem de pedir a outra mulher. Era triste, mas fazia todo o sentido. Ela me olhou e percebeu meu abatimento. Não disse nada. Apagou o abajur e adormecemos.

Acordei em sua cama. Ela já havia preparado o café e me recebeu com seu sorriso mais bonito. Por alguma razão estranha, eu me sentia muito mal, como se estivesse com alguma virose forte. Despedimo-nos e, tal como eu previra, nunca mais nos vimos. Dias depois, conversando pelo telefone, ela disse que preferia terminar antes que começasse a gostar de mim. Ela sabia que voltaria para a mãe de meus filhos mais uma vez e a decepcionaria. Por mais que eu insistisse em lhe convencer do contrário, eu sabia que ela estava certa. Levou alguns meses, mas voltei para minha esposa.

Ainda hoje, passados muitos anos, eu acordo no meio da noite e lembro como foi pleno estar com uma mulher que sabia que iria me deixar. Talvez, apenas o que é finito no tempo e no espaço possa ser realmente extraordinário. Ela foi.

Betim - 14 12 2019

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