Contemplando os sinais circunvizinhos
Transbordo de impressões outro papel…
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
CORDEL DO ANDARILHO E SUA TRISTEZA
Andava légua e meia pela estrada
Quando fui encontrar minha tristeza.
Aproximando d’outra encruzilhada,
M’esperava, anciã, de vela acesa.
Sozinha, bem no meio do jornada,
M’envolveu n’um instante de clareza:
– “Por aqui seguirás para a distância,
Andando como sempre caminhaste.
Por ali, tornarás com a tua ânsia
De partir se ficares onde amaste
Se, amando, te ressente tanta errância
Que te inquieta onde quer que tu andaste.”
— “Mas, por quem sois, tristíssima senhora,
Deixai-me que caminhe o meu caminho!
Nem prazer nem dor mais me apavora,
Mais do que o ter-de ser sempre sozinho!
Permiti que ame minha amada agora
E depois partir livre passarinho…
A senhora tristeza, no entretanto,
Se calou encarando esse andarilho
Com um olhar profundo de acalanto
Como se, docemente, para um filho
Olhasse entre sorriso e quase pranto
Que s’embarga no olhar de maior brilho:
— “Andarilho que amaste uma mulher,
Recorda-te que andar é quem tu és!
Se deixas teu caminho a quem vier
Tu perderás o chão sob os teus pés…
Para não seres mais do que qualquer,
É querer a alegria que o revés.
“Se amaste as longitudes dos desertos
E as longas soledades silenciosas,
Admirado nas dores por expertos
Por fim te recolheste às venturosas
Que te leem os relatos descobertos
E te invejam a amada imersa em rosas!
Quedo absorto e admirado das palavras
Com que a tristeza a mim s’esclareceu.
Poesia, a mais incerta d’entre as lavras
Dê paga pelo verso que m’escreveu!
Diz a Tristeza: Tu, que n’alma escalavras,
Força ainda mais fundo teu cinzel!
Betim - 20 09 2022
SAUDADE ANDARILHA
Ter saudade é sentir falta
De quem não está ao lado
Ou do que tão-só sonhado…
É ver até que o olho salta
Na foto d’um rosto amado
De tão amiúde admirado…
É pensar — que ideia incauta! —
Sempre no amor distanciado
Enquanto se apressa o andado.
REFRÃO:
Ficando, é saudade da estrada.
Andando, é saudade da amada.
Ter saudade é soledade…
Buscar-se a si na estradeira:
Mundo velho sem porteira!
É, sozinho, ver verdade
Na carreira costumeira
De ir ladeira após ladeira
É sentir a extremidade
Desde a estada derradeira,
Se hoje suor, sonho e canseira.
REFRÃO:
Ficando, é saudade da estrada.
Andando, é saudade da amada.
Essa saudade andarilha
É nunca estar resolvido,
No ir ou ficar dividido.
É desejar maravilha
Em cada dia vivido:
Mais sábio pelo insabido!
É seguir a própria trilha
Até encontrar sentido
Que leve de volta ao havido…
REFRÃO:
Ficando, é saudade da estrada.
Andando, é saudade da amada.
Betim - 18 09 2022
ENSURDECEDOR
Uma bomba a faiscar fio a pavio,
Que logo engole tudo pela frente.
Vaza tímpanos... Zune tão-somente,
Como fosse um uníssono vazio.
Era zumbido zoando de assovio
E mais nada de vozes de mais gente.
Ao redor parecendo tudo ausente,
Enquanto cada mente em desvario.
Mas depois do estampido, um alvoroço
Onde braços e pernas agitadas
Em meio ao irreal silêncio das calçadas.
Quem mantiver cabeça no pescoço,
Tenha para si quanto o instante aterra:
Eis a música da arma; o som da guerra!
Betim - 16 09 202
ESTOICO
“Antes não ter que ter e após perder”
Diz a sabedoria dos vencidos!
Acumular é mal de tempos idos,
Que nada traz senão mais desprazer.
Na roda da fortuna, todo o poder
Gira ao redor de pares guarnecidos:
Somente vencem sempre os que, vendidos,
Fazem coro a quem mais lhes prometer.
Eu, de outro lado, já não faço conta
De quanto perco ou ganho n’essa vida:
Sigo mísero enquanto o sol desponta!
Certo apenas que alguém nos desvalida
E no fim todo mundo desaponta
Nos deixando uma dor imerecida.
Nova Lima - 07 09 2022
DE CU É ROLA
Tabuísmo extremista e universal,
‘Tá na boca do povo revoltado
Com as más intenções d’algum folgado,
Que quer levar vantagem no final.
Tipo vil, falastrão etcetera e tal…
Que adula sem fazer-se de rogado
Ou demonstrar o quanto é abusado,
De modo semelhante ao sexo anal.
Passa escorregadio pela lábia
E toma para si tais liberdades
Que engana gente tida por bem sábia.
Sem limites, se vale de inverdades
Para gozar de quem o leva a sério,
E no fim lhe reserva o vitupério…!
Nova Lima - 07 09 2022
DESAVERGONHADA
Tu, muito embora casta; embora pura,
Tens com tua beleza tal poder,
Que inflamas mesmo os santos de querer,
Enquanto rezas nua na clausura…
És demasiado carne e formosura
Para viveres só a esvanecer.
Não te faria Deus para o prazer
Apenas para arderes de loucura!
Sê desavergonhada pelo gozo,
Que de ti mesma obténs no prazeroso
Afã de te tocares com lascívia.
E não te negues mais, porque pecado
É deixares teu corpo abandonado;
Já sem sangue por sob a pele lívia.
Betim - 05 09 2022
AFRODISIA
A todo o tempo; a toda hora!
Sempre que te for possível
Eu estarei disponível…
Melhor? Só se for agora!
Hás-de ser-me inesquecível
Até nos chegar a aurora.
Já podes vir se quiseres;
Se puderes, se me amares…
Tanto quanto desejares:
D’entre todas as mulheres,
Eis-me toda a teus manjares!
Eis-me toda a teus prazeres!
Se te apraz minhas carícias,
Me apetece teus desejos.
Em meus braços benfazejos,
Sou um jardim de delícias
Onde repousas sem pejos
Ao bel-prazer das malícias.
Explorador pelas curvas
De minha alva geografia,
Vens para minha agonia.
Quando, insólito, te curvas
E no afã da fantasia.
Lágrimas às vistas turvas.
A teus dedos minha pele
Se arrepie, transtornada.
E por mais uma jornada,
Às fúrias de amor apele.
Tão de ti enamorada,
Tão-só o gozo me impele!
Betim - 05 09 2022
ORIUNDA
Não tanto os olhos, antes os olhares
Contam de sua história e sua origem.
Eram fundas miradas de vertigem,
Enviesadas a mim como a meus pares.
Contavam d’outras épocas, lugares
E mesmo dos costumes que ‘inda afligem
Mulheres que cobertas de fuligem
S’escondem atrás de homens e de altares.
Baixa a sua cabeça, todavia,
Quando sustento o olhar para encará-la
No afã de surpreender-lhe a fantasia.
Enigmaticamente, nada fala
E se retira certa de que, enfim,
Eu d’ela menos sei que ela de mim!
Betim - 05 09 2022
SOB ANONIMATO
Enquanto o divergir for perigoso,
Faz-se-me necessário já não ser;
Ou melhor, ser, mas sem aparecer,
Oculto n’um pseudônimo rançoso.
Fiel a meu espírito suspeitoso,
Escrevo-me impressões sobre o poder
Sem deixar quem eu sou transparecer,
À margem d’outro estado fascistoso!
Hoje, esse triste país em qu’eu habito
Queima poemas e poetas no Interdito,
Em meio a religiosos vendilhões…
Um campo de batalha em cada esquina,
Eis quanto a tirania determina
Àqueles que sustentam opiniões.
Betim - 02 09 2022