CORDEL DO ANDARILHO E SUA TRISTEZA
Andava légua e meia pela estrada
Quando fui encontrar minha tristeza.
Aproximando d’outra encruzilhada,
M’esperava, anciã, de vela acesa.
Sozinha, bem no meio do jornada,
M’envolveu n’um instante de clareza:
– “Por aqui seguirás para a distância,
Andando como sempre caminhaste.
Por ali, tornarás com a tua ânsia
De partir se ficares onde amaste
Se, amando, te ressente tanta errância
Que te inquieta onde quer que tu andaste.”
— “Mas, por quem sois, tristíssima senhora,
Deixai-me que caminhe o meu caminho!
Nem prazer nem dor mais me apavora,
Mais do que o ter-de ser sempre sozinho!
Permiti que ame minha amada agora
E depois partir livre passarinho…
A senhora tristeza, no entretanto,
Se calou encarando esse andarilho
Com um olhar profundo de acalanto
Como se, docemente, para um filho
Olhasse entre sorriso e quase pranto
Que s’embarga no olhar de maior brilho:
— “Andarilho que amaste uma mulher,
Recorda-te que andar é quem tu és!
Se deixas teu caminho a quem vier
Tu perderás o chão sob os teus pés…
Para não seres mais do que qualquer,
É querer a alegria que o revés.
“Se amaste as longitudes dos desertos
E as longas soledades silenciosas,
Admirado nas dores por expertos
Por fim te recolheste às venturosas
Que te leem os relatos descobertos
E te invejam a amada imersa em rosas!
Quedo absorto e admirado das palavras
Com que a tristeza a mim s’esclareceu.
Poesia, a mais incerta d’entre as lavras
Dê paga pelo verso que m’escreveu!
Diz a Tristeza: Tu, que n’alma escalavras,
Força ainda mais fundo teu cinzel!
Betim - 20 09 2022
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