sexta-feira, 30 de junho de 2023

IDÍLICO

IDÍLICO


Como não amar essas tardes quietas,

Em que o sol se demora sobre os montes?...

Vou prolongando o olhar nos horizontes,

N’um divagar de ideias incompletas.


Solidária aos lamentos vãos dos poetas,

A brisa murmurante pelas fontes

Me faz sonhar de ninfas ais insontes

A zunir entre abelhas, borboletas…


Na quentura que o sol de inverno traz,

Tenho à Natura deuses encontrado,

Por bosques e riachos, serenado.


Arcádias alterosas… Minha paz…!

Regozijo-me só de andar ao léu,

E pastoreio as nuvens pelo céu.


Betim - 29 06 2023








quarta-feira, 28 de junho de 2023

CORDEL MONETÁRIO

CORDEL MONETÁRIO


Ouvidos de mercador

Escutam quando convém:

Fale o freguês com desdém 

Do produto ou seu valor

E o vendeiro, sonso ou pior,

Fingindo que nada escuta,

Força cara de paisagem…

Se pechincham por vantagem,

Ignore qualquer disputa

Quem vive de porcentagem!


Eis um homem muito humano…

Atento às necessidades 

— E sobretudo às vontades! —

Dos que buscam, salvo engano,

O interesse quotidiano.

Vem como quem não quer nada,

Sondar alheios desejos

Com regalos e gracejos

Enquanto varria a entrada

Ou esfregava os azulejos.


Pelo sim; pelo não, solta

Um sorriso obsequioso,

De que, gaiato, faz gozo

A quem lhe sorri de volta,

Mostrando-se curioso.

Logo um mundo de vantagens

Desfila diante dos olhos

Do incauto posto de antolhos

Qual cavalos de carruagens

Ao pastar entre restolhos.


Não perde por esperar…

Com verde colhe maduro

No sentimento inseguro,

Que faz o mundo girar

E viver só no futuro.

Mas, ironias à parte,

A oculta mão do mercado,

Desde o varejo ao atacado,

É quem reduz engenho e arte

Ao vil metal dourado!


Betim - 28 06 2023


domingo, 18 de junho de 2023

À LUZ DE LAMPARINA

À LUZ DE LAMPARINA


Luz, de fio a pavio, à escrivaninha,

Enquanto a pena corre no papel,

Aquela débil chama, cujo cordel

Queimando lentamente cada linha.


Na noite mais escura e mais sozinha,

Tinha a mente febril; peito em tropel…

Escreve — sem patrão e sem troféu —

Rimas tantas quantas lhe convinha.


Arde no seu olhar a mesma luz,

Que pela escuridão a mão conduz,

N’essa ânsia de traçar letra após letra.


De sorte que ilumina o mundo inteiro

Tal luminar à guisa de candeeiro,

Quando a escrita com arte mais penetra.


Betim - 18 06 2023


CÉU DE CHUMBO

CÉU DE CHUMBO


Tem dia que parece noite… Quando

O sol some por trás da tempestade!

Muda a face da terra a obscuridade 

D'um forro de nuvens avançando…


O vento, antes revolto e depois brando,

Uiva um lamento vão de insanidade 

A encher de desalento e soledade 

Os cafundós baldios por onde ando…


Quase a me desabar sobre a cabeça,

Rogo ao céu que deveras anoiteça

E tudo não passar d'uma hora incómoda.


Baldo é, pois, a plumbífera atmosfera

Ganha ares de tragédia e de quimera

À medida que cobre toda a abóboda...


Betim - 16 06 2023


sexta-feira, 16 de junho de 2023

TEMPESTADE

TEMPESTADE


Porque o vento veio antes da tormenta

Quando minha janela estava aberta...

A chuva tropical e a noite incerta

Caíram sobre aquela hora agourenta.


Lá fora, a ventania logo aumenta

E sua ultraviolência me desperta.

Assomo ao parapeito mais alerta

Ao que cada relâmpago acrescenta.


Às escuras, embora 'inda se veja,

Quando em quando, o contorno da cidade

Mais as serras por onde a luz evade.


E, enquanto venta, chove, e relampeja,

A noite passa alheia de que esteja

Assombrado de sua intensidade.


Betim - 17 01 2011


terça-feira, 13 de junho de 2023

A CARA A TAPA

A CARA A TAPA


Reconheço que tenho errado. Eu sei…

Culpando todo mundo quando nada

Que faço tem a ver com a jornada,

Que em quiméricos mapas me tracei.


Ande como um mendigo ou como um rei

A direcção que tomo é sempre a errada.

Descaminhos... Qualquer que seja a estrada

Passa longe demais do que sonhei!


Não mais que um vagabundo tenho sido,

Que alhures vaga mundo entristecido

Em vez de se buscar uma saída.


Porventura não tenho outro horizonte,

Senão o de seguir, monte após monte,

Esconjurado a errar por toda vida?!


Betim - 13 06 2023


terça-feira, 6 de junho de 2023

A TÍTULO DE POETA

A TÍTULO DE POETA


Isso que o poeta fala não s'escreve,

Senão em rimas duras de se ler…

Fala do que ninguém ousa dizer

E põe letras onde outro não se atreve.


Tendo a língua pesada e a pena leve,

Expressa o que melhor lhe parecer,

Depois chama de poema o que entender

Capaz de extravasar quanto conteve.


Isso que o poeta fala não se diz,

Senão no escuro e só para si mesmo,

Embora a parecer palavras a esmo…


A título de poeta, esse infeliz

Fale e escreva de tudo, sem porém,

Depois chame de poema o que convém!


Betim - 05 06 2023


domingo, 4 de junho de 2023

PASSAMENTO

PASSAMENTO 


Há vida após a morte de quem se ama?

No dia em que morreres, meu amor,

Só peço que me mate a imensa dor

De já não me aquecer a tua chama.


À vida, com efeito, resta o drama

De existir sem sentido e sem valor.

Quem fica, fica d'esta para pior!

Falta que de saudade o povo chama…

 

Mas se eu ao teu final sobreviver,

Venha-me logo a morte por não ver

Um mundo sem a luz de teu sorriso.


No amor, feliz de quem morre primeiro!

Quem fica, fica a errar sem paradeiro

Desertos sem inferno ou paraíso.


Belo Horizonte - 26 05 2023


ANIMÁLCULOS

ANIMÁLCULOS


A pequenez moral sequer carece

De pôr lentes de aumento p'ra ser vista.

Bastam olhos a ver como o egoísta

Com sua própria sombra se parece.


Entre vidas minúsculas, floresce

Essa maldade vã pela conquista,

Que s’exibe com ares de arrivista

Orgulhoso de quanto desconhece.


Só por meio de planos desonestos

Vai, sociopatamente, ser no mundo

Este germe em tragédias tão fecundo.


Pois, como animaizinhos inquietos

Pululam aos zilhões — não sem perigo,

Parasita ele quem lhes der abrigo. 


Betim - 04 06 2023