sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A VIRGEM E O EUNUCO

A VIRGEM E O EUNUCO "e ele suspira, assim como suspira o eunuco ao abraçar uma virgem."  Eclesiástico 30.21 Foi quando sobre o campo damasceno Reinaram os selêucidas da Grécia, Que do magno Alexandre o mando pleno Herdaram após longa peripécia. Expandindo pela Ásia o mundo heleno, Fosse de forma sábia ou mesmo néscia: -- "Aos povos antiquíssimos d'Oriente Um novo império grego se sustente!" Temeroso de novas guerras, houve Um povo que firmando juramento Ao grande imperador por bem aprouve Seu rei dar sua filha em casamento. A fim-de que melhor e mais se louve Sua fidelidade em detrimento Dos costumes e leis que partilhavam, Enquanto mais aos gregos se inclinavam. Quanto à filha do rei, viveu reclusa. De infante prometida ao grão senhor, Quando as regras lhe chegam, por confusa, Ignora ela que fosse ardor e amor… Já moça, todavia, como se usa, É posta a cultivar o seu pudor N'alguma escura alcova sem janelas, Na qual os ricos guardam suas belas. Parecia em desleixos s'entregar A uma existência estúpida de inválida Por tola-mas-donzel subir no altar. Preocupado com sua forma esquálida, O rei, seu pai, ordena lhe chamar. E duro lhe questiona em sua doença, A ver n'essa tristeza antes ofensa: -- "Filha minha, o que vós me quereis mais? Se vos dei por consorte um soberano, Por que tão alto ecoam vossos ais? Resguardei-vos d'olhar mal e mundano, Mas vós, dia após dia, definhais Em morrer empenhada, salvo engano. Dizei-me, ó principesca, que quereis A vô-lo conceder com mãos de reis." -- "Senhor meu pai, sozinha apenas vivo Qual canário cantando na gaiola: Grades, embora d'ouro, o têm captivo E, tolo, s'equilibra pela argola… Só peço um preceptor que, compassivo, Possa fazer-me as vezes d'uma escola E ensine o que se sabe ou se acredita Até qu'eu me perceba uma erudita". -- "Minha princesa, muito me pedis, Pois prometi guardar-vos dos olhares Àquele que vos tem olhos gentis. Eu, contudo, por todos os lugares Mandarei vos buscar, como se diz, Um castrado que sirva por bons lares. Algum d'estes, discreto e de valor, Há-de se nos servir de preceptor". De facto, era costume muito antigo, Que houvesse um servidor emasculado N'aquelas casas reais por sob abrigo. Porquanto confiável, pois, castrado Tinham por secretário e mesmo amigo Quem fora desde a infância preparado. Aquele, todavia, também douto A aplacar da princesa o tom revolto. Mas os melhores vinham do Alto Nilo. Jovens núbios e etíopes que, escravos, 'Inda impúberes passam por aquilo… Sob pretexto d'havê-los menos bravos, Junto a sábios obtêm por fim asilo, Vivendo sem grilhões duros e ignavos. E aprendem tudo quanto a se saber Para fâmulos leais virem a ser. Co'os homens do deserto se aprendia As ciências de ecônomos mordomos. E, além das muitas línguas, geometria, Cultivos de verduras, ervas, pomos… Alguns tinham noções de astronomia Outros, pelas estantes guardam tomos, Escriturando para seus senhores Contratos, enfiteuses e penhores. Mas não raro os eunucos eram vistos A guardar bens muito mais preciosos. Vindo ter onde folgam os benquistos: Os herdeiros e herdeiras desejosos! Onde a salvo de tantos imprevistos Os senhores proíbem, bons esposos, O convívio de estranhos com os seus Restritos aos umbrais dos gineceus. O rei, muito zeloso, à filha diz Irem buscar no Egipto o preceptor Que lh'ensinasse tudo quanto quis. E ela, muito admirada em seu favor, Não escondia o quanto era feliz Em ver muito maior o seu valor. Contente, beija ao pai as suas mãos E torna, alegremente, a seus desvãos. Chega o eunuco, um tipo afeminado; Melhor, emasculado… Era um mancebo Em modos e trejeitos refinado. Tão belo quanto Apolo ou quanto Febo… Lá dos confins do Sud fora levado, Ainda bem pequeno; ainda efebo, Onde o Nilo em montanhas escondia A fonte em que extenso principia. No Egipto ele valeu seu peso em ouro! Visto falante em grego o carinegro -- Por distinto do núbio e até do mouro A pele n'um retinto tom de negro -- Na Síria revelou-se um grão tesouro O eunuco àquela virgem d'olhar egro, Porquanto lh'ensinasse em seu poder Da grande Alexandria o grão saber. Breves anos os dois a compartilhar Dos papiros o gosto e mesmo o gozo, Lograram, sempre juntos, encontrar As verdades d'um século sinuoso Fosse na Septuaginta as contemplar Ou mais do Estagirita consciencioso. E, observando os mistérios pitagóricos, Confrontam hedonistas e alegóricos. Todavia, onde Amor quer habitar Pouco podem os planos das Nações… Tardando o imperador em desposar A princesa de grandes opiniões, Vê ela em seu eunuco a quem amar A despeito de suas limitações… Desvairada, ela ordena que a possua Deitando em sua alcova toda nua. Iniciado aos mistérios de Priapo Onde em prazer anal se consumava, O eunuco se despindo cada trapo À virgem penetrou ardendo em lava Co'o deus em suas mãos erecto e guapo! Em facto, à bunda d'ela castigava Enquanto o frágil hímen preservado Ao futuro marido era guardado. Ele -- por quase macho ou quase fêmea -- Soube amá-la apesar de tudo e todos. Pelas sombras d'alcova, su'alma gêmea… Como homem ou mulher, de muitos modos, A sós vinha chamá-la de Epistêmea! A ocultar com enganos como engodos A verdade das tardes solitárias Mais a abraçando pelas horas várias… E enfim, o imperador ao desposá-la Rompendo-lhe seu hímen intocado, Mais ignora que, enquanto ela se cala, Pensa apenas em ter com seu amado: Depois do soberano deflorá-la, Goza com seu eunuco afeminado! E o sangue no lençol, nódoa tão vã, De todos sele a paz pela manhã… Betim - 23 01 2019

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