GERAIS - A bandeira das minas
introito
I
Fiz das tripas coração
E, do coração, El-Rey.
Esmeraldas lhe busquei
Nos vazios do sertão
Sem temer quanto não sei.
II
Contudo nada encontrei
Além de montanhas d’ouro…
Mais toda sorte de agouro
Com gentes sem grei nem lei
Para o meu próprio desdouro.
III
Ao fim, o oculto tesouro
N’aquelas verdes serras
Caiba por mortes e guerras,
Face ao juízo vindouro,
A franças ou inglaterras…
IV
Alterosas, essas terras
Por trás de brancas neblinas.
Veem o caminho das minas
Onde vacas e bezerras
Velam almas peregrinas.
V
Mar de morros e colinas
A espalhar-se do mirante,
Estende-se face ao errante,
Enquanto entoam matinas
As jandaias do levante.
VI
Com efeito, bandeirante,
Pus em marcha uma gente,
Antes brava que valente,
Buscando ao Fado inconstante
Sua fortuna esplendente.
VII
Fui, muito embora doente,
Encanecido e curvado
Atalhar mato cerrado;
Garimpar rio corrente;
Subir e descer brumado...
governador das esmeraldas
VIII
Um cristal esverdeado
Encima a Coroa Real.
Novo rei sem cabedal
Pelos mais é aclamado:
— “Por El-Rey de Portugal!”
IX
Um poder só é real
Se muda a face do mundo.
Um grão somente é fecundo
Se faz florir um quintal.
Nem ninguém, nem todo mundo:
X
Um império moribundo
Em seu antigo regime
De escravidão e de crime
Busca expandir-se rotundo
Quando conquista e reprime.
XI
Mas o bem que lhe redime
É a infinda miscelânea
Da brisa mediterrânea
Com a aurora do sublime
D’América litorânea:
XII
Em geração espontânea,
Filhas e filhos mestiços
Elevaram, insubmissos,
Sua riqueza cutânea
Acima de olhos castiços.
XIII
Por artes ou por feitiços
A encantar a Humanidade,
Seja a tropical verdade
Exaltada em seus serviços
Por Paz e por Igualdade.
XIV
Haja mais brasilidade
N’esse mundo de contrastes!
Seja a bandeira nas hastes
O estandarte da saudade,
Não a mortalha de trastes!
XV
Em trilha, siga os desbastes
Quem passa por onde passo.
Ande com desembaraço
As estradas sem arrastes
Que abri com o próprio passo.
XVI
Porque a riqueza do escasso
É fazer mesmo sem meios.
E quando d’El Rey os anseios
Executei com meu braço
Foi por saber já sem freios
XVII
O coração sob os seios
D’essa Pátria brasileira!
Quando a afamada bandeira,
Por esforços e vagueios,
Transpôs a alta Mantiqueira,
XVIII
Nascia a terra mineira
No reino dos cataguazes
E dos mapuxos audazes,
Por trilhas de chão e poeira
Após marchas contumazes.
XIX
Então, nos sertões vorazes
E seus poentes vermelhos
Os anos a andar parelhos
Envelheceram rapazes
Tal como enterraram velhos.
XX
Talvez se levando espelhos
Sequer de si em seus rostos
Veriam caindo indispostos
Onde a cruz dos Evangelhos
Marcou seus finados postos.
XXI
Mil fadigas e desgostos,
O governo das procuras
Pelas gemas verdes puras
Entre os erráticos gostos
De sertanistas figuras…
XXII
Pelas noites mais escuras
Em meio a febres palustres
Tive em delírios ilustres
A antevisão das farturas
Das esmeraldas lacustres!
XXIII
Da murada de balaústres
Do palácio dos confins
Admirava entre festins
Mil aves hábeis e industres
A se aninhar nos jardins.
XXIV
Ali não há homens ruins
Tampouco males ou mortes.
Há só destinos, não cortes:
Começos, meios e fins,
Seguindo imutáveis nortes.
XXV
Iguais, os fracos e os fortes
Cultivando um solo grácil
Que faz brotar ao tufácio
Dos mais ousados as sortes
Em lavras de lucro fácil.
XXVI
Governador sem palácio,
Senhor de abismos e faldas,
Percorre paragens baldas
Em busca d’outro falácio:
A lagoa das esmeraldas…
no passa-quatro
XXVII
Nos altos, d’alvas grinaldas
S’estende a neblina aos serros.
Só pelo Embaú, nos desterros
Se lhe achegava às espaldas
Sem mais desvios nem erros.
XXVIII
Alimária posta a ferros,
Vanguardas de sertanistas
Plantando roças em vistas
Da tropa levada aos berros
Pelo avanço dos paulistas:
XXIX
Mandiocais de conquistas
Onde pousavam sem cura…
Clareiras na mata escura
Entre si decerto distas
Por longa caminhadura.
XXX
A trilha em serras figura
As voltas d’uma serpente:
Quatro vezes indo em frente
Se passa um rio à procura
De pousada tão somente…
XXXI
—“Lugar deserto de gente,
Abra o sertão do Gerais
Ao caminho dos demais!
E de roça em roça aumente
A esperança dos cristais.”
no sabarabuçu
XXXII
Ao longe ecoam os ais
Das velhas de beira-rio…
Em face do serro frio,
Foram deixadas p’ra trás
À mercê do tempo impio.
XXXIII
A este páramo sombrio
Chegou a tropa comprida.
Pela notícia sabida
Que em meio ao sertão vazio
Rochas brilhavam com vida!
XXXIV
D’esmeraldas a jazida
Por antigos descoberta,
Permanece ainda incerta,
Em terra desconhecida
Pelas brumas encoberta.
XXXV
N’aquela extensão deserta,
Indícios d’um ouro escuro
Reluz em cascalho duro
Face à visão mais alerta
Do garimpeiro seguro.
XXXVI
Aqui e ali faz monturo
Cada grupo prospector
Em grupiaras de valor
Deixando para o futuro
Sinais a um povoador.
XXXVII
Sem senhorio ou senhor,
Terras e suas riquezas
Têm antes dor que certezas
Àquele que, possuidor,
Se cerque de tais belezas.
XXXVIII
D’entre as nobres naturezas
Dos metais e gemas ternas
Têm-nas o serem eternas
E darem amplas grandezas
Mesmo nas fundas cavernas.
IXL
Pois monarquias modernas
E burguesias bancárias
Pelas questões monetárias
Financiam as badernas
De colônias arbitrárias.
XL
Companhias usurárias
A demandar mais minérios
Fazem de reinos impérios
Por estas estradas várias
A findar nos cemitérios.
XLI
E foi por tais desidérios
Que, enfim, Sabarabuçu
Sem existir a olho nu
Criou-se em meio a mistérios
A encher d’El Rey o baú…
XLII
À sombra do embiruçu
Eis um século d’ouro!
Recém achado o tesouro
D’um mundéu o murundu
À beira do vertedouro.
XLIII
Assim o povo vindouro
Reencontrará essa lavra,
Fiando na velha palavra,
Da história de Sumidouro
Que fundo n’alma escalavra.
no sumidouro
XLIV
Perto d’onde hoje se lavra
O calcário dos cimentos
(após mil padecimentos…)
O bandeirante apalavra
Em cartas seus movimentos.
XLV
À esposa, mais provimentos
Aguarda e forma fazenda.
Lá teve início a contenda
De cujos enforcamentos
Tão pouco ou nada s’entenda.
XLVI
Conta-se — verdade ou lenda —
Que fora seu próprio filho
Quem se arvorara caudilho
N'essa remota vivenda
Sem o esmeraldino brilho.
XLVII
Reunira de afogadilho
Um bando de descontentes
E lhes armou, entrementes
Buscassem tomar o trilho
De retorno a suas gentes.
XLVIII
Entretanto, imprevidentes,
Foram todos surpreendidos.
Logo após os desvalidos
Morrem na forca pendentes
E no opróbrio conhecidos...
XLIX
Até hoje são ouvidos
Os gritos dos enforcados
Nos silvos amargurados
Dos ventos compadecidos
Uivando sobre os sobrados.
no vapubaçu
L
Tantos anos já passados
E nada de verdes gemas
A encimar novos diademas…!
Tantos já desanimados
A ponderar seus dilemas…!
LI
Tantas vontades supremas
A medir forças em vão
Pelo poder d’este chão…!
Além das serras extremas
S’encontram na escuridão,
LII
Na imensidão do sertão,
Maior o homem quando grande
O seu legado ele expande
Acima da compreensão
Ou por mais longe que se ande.
LIII
Bem obedeça a quem mande
Quando em seu nome governe.
A sorte lançada alterne
Diante da espada que brande
Contra a ilusão que discerne.
LIV
Quantas palavras externe
Pouco dirão, em verdade,
Da imensa tenacidade
Para se chegar ao cerne
Onde a nacionalidade.
LV
Mas a lagoa e a novidade
Das serras resplandecentes
Como esperados presentes
Chegam à velha cidade
Em pedrinhas reluzentes.
LVI
Em São Paulo, seus ausentes
São afinal celebrados.
Para o Reino despachados
Tão verdes que transparentes
Os cristais lá encontrados.
LVII
Mas, apesar dos achados
Pela afamada bandeira,
Na jornada derradeira
Cai sem devidos cuidados
De febre e de tremedeira.
LVIII
Sem embargo, brasileira
Essa terra se agiganta.
A cada sol que levanta
Outra esperança mineira
Em verdes pedras encanta.
LIX
Não esmeraldas decanta,
Sim esguias turmalinas…
Ignoram das gemas finas
A natureza mais santa
Do brilho em suas retinas.
LX
Porém já defunto em Minas
O velho Governador…
Morre sem saber valor
Menor das cristalinas
Pedras em seu desfavor.
LXI
Não obstante, o explorador
D’estas terras alterosas
Ascende com poderosas
Luzes sobre o altar maior
Pelas façanhas famosas.
LXII
Já não restem duvidosas
Para o Panteão Brasileiro
As conquistas do primeiro,
Cantado em versos e prosas,
Senhor d’esse chão mineiro!
nas minas gerais
LXIII
Hoje caminha sendeiro
Logo ao raiar madrugadas
Por sobre as suas pegadas
Os pés d’esse povo inteiro
Havendo em seu trilho estradas.
LXIV
Hoje trafegam pesadas
Dos mais valiosos minérios
Mesmo em climas deletérios
As tropas motorizadas
Onde antes apenas mistérios.
LXV
Seguem os seus desidérios
‘Inda a cortar os Gerais
As estradas principais
Seguindo os mesmos critérios:
Serras e vales iguais.
LXVI
Sobre os sertões naturais
Prosperam suas cidades
Ciosas das liberdades
Conquistadas de fatais
Tiranos sem qualidades.
LXVII
Mas mais justas sociedades
Cresçam com o seu legado.
Tenham do heroico passado
Luz às novas realidades
Que o povo tem enfrentado.
LXVIII
E seja sempre lembrado
Seu nome de fundador
Diante do imenso valor
De seu sacrifício honrado
E sonhos de vencedor.
epílogo
LXIX
O grande governador,
Celebrado em sua glória,
Pelas páginas da História
Ensine em nosso favor
A verdadeira vitória.
LXX
Visto tão mais meritória
Enquanto com persistência
Superar toda a indolência.
Deixar, de feliz memória,
O valor da experiência.
LXXI
Ter força e também paciência
Para, sem mais privilégio,
Servir ao pedido régio
De pôr sua competência
Em favor d’um bem egrégio.
LXXII
Cantem em maior florilégio
Esses versos afinal
O seu feito sem igual
Pelo pátio do Colégio
Da paulista capital.
LXXIII
Então do achamento real
Venham de novo lembrar-se
Como afirmara ao final:
—“É coisa que em Portugal
Com certeza há-de estimar-se...”! *
Betim - 17 06 2022
Fernão Dias, em carta datada de 27 de março de 1681: "Deixo abertas cavas de esmeraldas no mesmo morro donde as levou Marcos de Azeredo, já defunto, coisa que há de estimar-se em Portugal."