quarta-feira, 29 de junho de 2022

A B C DOS SERTÕES

 A B C DOS SERTÕES


Água, porque sem água nada presta.

Não tem lavoura; não tem criação,

Em meio às carestias do sertão

Se o sol, dia após dia, mais molesta.


Bacurau, porque a noite é longa e só

Onde o rancho retirado se ilumina.

Um chamego, a carícia feminina…

Cachaça, bate-coxa mais xodó.


Cirandas, onde a tarde cai corada.

A alegria vencendo a nostalgia 

Faz a gente encontrar a fantasia

Nos pés descalços d'uma meninada.


Dias, enquanto o sol traz os trabalhos

E a tarefa é entregue concluída.

Vencer cada dia é vencer a vida

Apesar da obra muita e os homens, falhos.


Estradas, visto o mundo sem porteira

E as terras só amamos quando as vemos.

Ir em frente, mesmo que deixemos

Quando muito pegadas na poeira…


Fortes, porque chamados já de cabras

Por percorrermos, brutos, a caatinga.

Podem vir, que tem água na moringa

E pólvora na audácia das palavras.


Grilos, porque atravessa a noite imensa

Sua música esdrúxula e ritmada

Que preenche de beleza o escuro nada

E sempre em solidão quem ouve pensa.


Histórias, repetidas desde o Graal

Ou a que por Carlomagno principia.

Todo um mundo d'Europa, França e Bahia

Em roda da fogueira do quintal.


Incelenças, onde a vida é sentinela 

D'alma a ser convencida  ao passamento.

Mas todo de esperança e sentimento

O povo a encomendar junto à janela.


Jandaias, onde avoem mais laranjas

E verdes entre rinhas animadas.

Alegrem as caatingas admiradas

Ao largo de currais, roças e granjas.


Labaredas, ardendo os canaviais

Dos massapês em roda d'um engenho.

Línguas de fogo vivo onde o ferrenho

Labutar pelas noites infernais.


Merendas, para bem ver as folias

Dos fogos e fogueiras de São João.

E o povo que se ajunta no grotão

Celebra menos graças que alegrias.


Nonadas, que se vive com tão pouco

Que nem carece ter senão mais fé.

A vida é uma estrada andada a pé

Em que vou meio sábio ou meio louco.


Oxente! Porque só de espanto a espanto

A conversa se estica em longo fio.

Versejador ritmado em desafio,

Eu, no meio do povo, incerto canto…


Pirangueiros, uns tantos vão por aí

A desdenhar, quer viola; quer repente.

Mas na praça a minha arte a toda gente

Terão-de tolerar-me o caxixi!


Quintais, onde brincava de cangaço

De alpercatas, alforje mais chapéu.

Ou vaquejar as reses em tropel,

Co'o açoite lambendo no espinhaço.


Revência, verdejando no roçado

As lavouras no meio da estiagem.

Explodindo de ramas a paisagem

Em contraste ao sertão já ressecado.


Sarapatel, a mor-de mais festança

Para o povo folgar no seu gostoso.

Um capado servido saboroso

De se comer fazendo só lambança.


Trancelins, para a moça mais bonita

Lá da roça vir dama cá na rua

E ficar serenada sob a lua.

Junto d'este que poeta se acredita.


Urupema, de letras, não de grãos

O ofício de em cordéis se versejar:

Pôr cada palavra em seu lugar

Ao aplauso ou arrepio dos cidadãos.


Valentias, que a heróis estes sertões 

Cantam os sertanejos romanceiros.

Lembrados por famosos violeiros 

No afã de se falar aos corações.


Xique-xiques, que a seca dá ao ganho

Dos homens e dos bichos da caatinga 

Pouco vale ao caboclo a sua rezinga

Tampouco ao carcará o seu gadanho.


Zabumba, caixa, triângulo e sanfona

Se acheguem a encerrar esse abecê

Mais um forrobodó aqui se vê

Ao povo mais feliz de toda a zona.


Betim - 28 06 2022

sábado, 25 de junho de 2022

DOS PÉS À CABEÇA

DOS PÉS À CABEÇA


Olhou-me como se eu fosse um enigma

E fosse imperativo decifrar-me.

Em face de meus versos, soou-lhe o alarme:

– “Outro que de ilusões carrega o estigma!”.


A partir d’aí, tomou por paradigma

Algum maldito para comparar-me,

Opondo a mim esdrúxulo desarme,

Mediante a exposição de seu querigma…


Silenciou-me, talvez intimidado

Co’a luz de minha exótica figura,

Que à sua aura cristã tem desnudado.


Eclipsa-se afinal em sombra escura

Quem, d’olhos invejosos ao invejado,

N’um julgamento à beira da loucura.


Betim - 24 06 2022


PR’UM DIA DE SOL

PR’UM DIA DE SOL


Guardo para um dia soalheiro

Este chapéu de palha; esta alegria.

Hoje, com ares grises de invernia,

A cidade coberta em nevoeiro.


Muito embora seja algo corriqueiro,

Eu atravesso em só melancolia

As ruas na esperança d’outro dia

No qual eu carecesse de sombreiro…


Estranho nunca dar-se por contente

Um espírito humano que, em verdade,

Busca-se subterfúgio à realidade.


Como em eterna fuga do presente,

D’um hoje cinzento outra vez evade

Para quando der sol -- e tão-somente.


Betim - 24 06 2022


A HUMANIDADE QUE DEIXO NAS COISAS

A HUMANIDADE QUE DEIXO NAS COISAS


Eu, homem de muitas leituras, tenho amiúde me enganado. Não fui cuidadoso como meus pares, todo entregue ao afã de tirar da folha em branco edifícios de sonhos e casas impossíveis. Sou hoje um arquiteto tão maduro que quase podre, focado no espaço habitado, não em seu desenho. Como quem desdenhando a correção da linguagem, focasse nas ideias puras e nas decisões que estas motivam, não na ortografia corrente das palavras. Não que desconhecesse as regras da linguagem ou os padrões de entendimento, mas antes  cansado do blá-blá-blá retórico dos vazios, eu me considerasse apto a resolver todos os problemas que aparecessem tão logo aparecessem, tal a confiança que guardava nos princípio em face dos meios. Foi assim que perdi meu emprego execrado pela equipe de projetistas da qual fazia parte... 


Tentei sair o mais discretamente possível, haja vista a infelicidade comum e o sentimento de fracasso pessoal, mas não foi possível. Afinal, a caminhada da vergonha é inevitável enquanto se enche a caixa com pertences pessoais rumo à escuridão. Os que ficam, n'um misto de comiseração e alívio, aguardam ansiosos a nossa partida para elencar detalhadamente as faltas e misérias que levaram àquele fim. Em instantes, o lugar que me cabia está livre para o próximo e não haverá qualquer vestígio de mim após o pano de chão embebido em saneante para o turno de trabalho seguinte. Há qualquer coisa de aniquiladora em situações assim e, se me permitis o aparte de vosso tempo com as presentes linhas, descrevê-lo trouxe par mim a verdade de que permanecer nas coisas que utilizamos ou possuímos é uma ilusão que ouso compartilhar com vós-outros para lançar luz ao que, facto, somos.


Entre ser e ter, prefiro viver. Sem embrago, sou arquiteto e tenho coisas, como explicitei no drama comezinho acima. O que vivo espalho em letras com pretensões literárias desde a mocidade sem desejar, sinceramente, nada. Escrevo sobre minha vida e vivo para escrevê-la como poderia viver em busca de amores, sexo, troféus, marcas, posses ou, no fim das contas, reconhecimento de que fui um homem entre os homens. Peço-vos desculpa se vos entedio com esta filosofia de fracassado relativista, mas é o que me resta em face dos últimos acontecimentos. Talvez não valha a pena seguir com a leitura...


Escrevo. Sim, projeto para ganhar a vida, mas escrevo. Um dia não me pagarão mais por meus desenhos, mas continuarei escrevendo. Talvez seja antes escritor que arquiteto, embora não venda livros ou viva de meus escritos. Contudo, escrever me define pelo modo como lido com tudo que vivencio, isto é, escrevendo a respeito. Se tenho alguma riqueza a apresentar no cômputo final de meus dias é a de ser aquele que lidou com sua humanidade escrevendo. Não cuido se o fiz com talento ou com pretensão, apenas o fiz, ou melhor, o tenho feito. Guardo em meus alfarrábios a memória de amanheceres esplêndidos como de noites insones... Independente de público, mostro-me humano e falho no afã de acrescentar aos relatos de meu tempo também as minhas impressões. Expressar do que penso, sinto ou imagino ainda que não me tenham perguntado ou que faça diferença na vida de terceiros sequer como entretenimento.  Páginas e páginas para a apreciação d'um leitor futuro que, via de regra, sou apenas eu mesmo. Forçoso é contar, todavia, o imenso prazer que me dá ler quanto escrevo. Chamem de narcisismo ou de autocomplacência,  esse prazer que me animou literário até aqui é, em si, a humanidade que deixo nas coisas.


Entretanto, havia planejado escrever sobre outra coisa, não esse patético relato de minha demissão. O que pretendia contar, ao fim e ao cabo, era sobre o casaco que visto todos os dias para trabalhar (vede como tergiverso ao redor de meus argumentos...) e estava usando n'aquele momento difícil para mim. Trata-se de um casaco escuro de couro que me cobre dos ombros à cintura. Embora eu ande de moto, não é um típico blusão de motoqueiro, haja vista ter fecho de botões, não de zíper. É um casaco que lembra um terno mal cortado, d'aqueles de botões altos, mas em couro escuro. Não deve ter me custado barato quando o comprei, visto que não sou rico e qualquer coisa fora do ordinário me pesa muito nas contas do mês corrente. Devo, inclusive, ter fechado no vermelho quando o comprei, mas o facto é que o comprei há tantos anos que seu uso diário deve tê-lo feito se pagar incontáveis vezes. Sim, eu o visto todos os dias faz anos e somente hoje, em face do meu estado reflexivo, eu me dei conta d'isso. Se o fiz foi por puro acaso: sentado com o dito cujo em meu colo, eu me vi olhando para suas dobras e esticões. Sim, era meu corpo que o havia moldado e, sim, aquela era a única peça de meu vestuário que eu possuía há mais de dez anos.  Ele, mesmo fora de mim, mantinha a minha forma e lembrava a minha presença. Como um isótopo radiativo ao longo de décadas, ele irradiaria a minha humanidade a quem o tivesse visto comigo, tal a minha quotidiana insistência em vesti-lo sobre tudo o que vestisse. A esconder a minha miséria, como brincam os franceses, ou a revelar a minha esquisitice, o casaco escuro era uma coisa na qual eu deixava a minha humanidade e, a partir d'esse momento inusitado.


Levanto-me para seguir para a rua. Ponho meu casaco que tornarei a pôr amanhã para ir ao meu novo trabalho e depois de amanhã e depois.


Betim - 06 05 2021  

quarta-feira, 22 de junho de 2022

DEVANEIOS

DEVANEIOS


Saberia dizer em que pensava?

Longe, talvez, de todo entendimento,

Vagueio sem qualquer contentamento 

Como se sob efeito d’erva brava.


Cheguei a m’esquecer d’onde eu estava

Imerso em sensações por um momento,

No inconsciente a buscar conhecimento,

D’olho pelo ferrolho d’uma aldrava…


Percebo-me memórias de desejos

E ocupado em me dar satisfação

No fruir de sentimentos benfazejos.


Embora, olhando adentro o coração,

Encontre-me entre dúvidas e pejos

E condenado à própria solidão.


Betim - 22 06 2022

MESTRIA

MESTRIA (aforisma)

Sabedoria não é ter boas respostas para tudo, 
mas antes responder com humanidade 
àquele que pergunta.

Betim — 16 06 2022

sábado, 18 de junho de 2022

GERAIS - A bandeira das minas

GERAIS - A bandeira das minas

                                   introito

I

Fiz das tripas coração

E, do coração, El-Rey.

Esmeraldas lhe busquei 

Nos vazios do sertão

Sem temer quanto não sei.


II

Contudo nada encontrei 

Além de montanhas d’ouro…

Mais toda sorte de agouro

Com gentes sem grei nem lei

Para o meu próprio desdouro.


III

Ao fim, o oculto tesouro

N’aquelas verdes serras

Caiba por mortes e guerras,

Face ao juízo vindouro,

A franças ou inglaterras…


IV 

Alterosas, essas terras

Por trás de brancas neblinas.

Veem o caminho das minas

Onde vacas e bezerras

Velam almas peregrinas.


V

Mar de morros e colinas

A espalhar-se do mirante,

Estende-se face ao errante,

Enquanto entoam matinas

As jandaias do levante.


VI

Com efeito, bandeirante,

Pus em marcha uma gente,

Antes brava que valente,

Buscando ao Fado inconstante

Sua fortuna esplendente.


VII

Fui, muito embora doente,

Encanecido e curvado

Atalhar mato cerrado;

Garimpar rio corrente;

Subir e descer brumado...


                                   governador das esmeraldas 

VIII

Um cristal esverdeado

Encima a Coroa Real.

Novo rei sem cabedal

Pelos mais é aclamado:

— “Por El-Rey de Portugal!”


IX

Um poder só é real

Se muda a face do mundo.

Um grão somente é fecundo

Se faz florir um quintal.

Nem ninguém, nem todo mundo:


X

Um império moribundo

Em seu antigo regime

De escravidão e de crime

Busca expandir-se rotundo

Quando conquista e reprime.


XI 

Mas o bem que lhe redime

É a infinda miscelânea

Da brisa mediterrânea 

Com a aurora do sublime

D’América litorânea:


XII

Em geração espontânea,

Filhas e filhos mestiços

Elevaram, insubmissos,

Sua riqueza cutânea

Acima de olhos castiços.


XIII

Por artes ou por feitiços

A encantar a Humanidade,

Seja a tropical verdade

Exaltada em seus serviços 

Por Paz e por Igualdade.


XIV

Haja mais brasilidade

N’esse mundo de contrastes!

Seja a bandeira nas hastes

O estandarte da saudade,

Não a mortalha de trastes!


XV

Em trilha, siga os desbastes

Quem passa por onde passo.

Ande com desembaraço

As estradas sem arrastes

Que abri com o próprio passo.


XVI

Porque a riqueza do escasso

É fazer mesmo sem meios.

E quando d’El Rey os anseios

Executei com meu braço

Foi por saber já sem freios


XVII

O coração sob os seios 

D’essa Pátria brasileira!

Quando a afamada bandeira,

Por esforços e vagueios,

Transpôs a alta Mantiqueira,


XVIII

Nascia a terra mineira

No reino dos cataguazes

E dos mapuxos audazes,

Por trilhas de chão e poeira

Após marchas contumazes.


XIX

Então, nos sertões vorazes

E seus poentes vermelhos

Os anos a andar parelhos

Envelheceram rapazes

Tal como enterraram velhos.


XX

Talvez se levando espelhos

Sequer de si em seus rostos

Veriam caindo indispostos 

Onde a cruz dos Evangelhos

Marcou seus finados postos.


XXI

Mil fadigas e desgostos,

O governo das procuras

Pelas gemas verdes puras

Entre os erráticos gostos

De sertanistas figuras…


XXII

Pelas noites mais escuras

Em meio a febres palustres

Tive em delírios ilustres

A  antevisão das farturas

Das esmeraldas lacustres!


XXIII

Da murada de balaústres

Do palácio dos confins

Admirava entre festins

Mil aves hábeis e industres

A se aninhar nos jardins.


XXIV

Ali não há homens ruins

Tampouco males ou mortes.

Há só destinos, não cortes:

Começos, meios e fins,

Seguindo imutáveis nortes.


XXV

Iguais, os fracos e os fortes

Cultivando um solo grácil

Que faz brotar ao tufácio

Dos mais ousados as sortes

Em lavras de lucro fácil.


XXVI

Governador sem palácio,

Senhor de abismos e faldas,

Percorre paragens baldas

Em busca d’outro falácio:

A lagoa das esmeraldas…


                                   no passa-quatro

XXVII

Nos altos, d’alvas grinaldas

S’estende a neblina aos serros.

Só pelo Embaú, nos desterros

Se lhe achegava às espaldas

Sem mais desvios nem erros.


XXVIII

Alimária posta a ferros,

Vanguardas de sertanistas

Plantando roças em vistas

Da tropa levada aos berros

Pelo avanço dos paulistas:


XXIX

Mandiocais de conquistas

Onde pousavam sem cura…

Clareiras na mata escura

Entre si decerto distas

Por longa caminhadura.


XXX

A trilha em serras figura

As voltas d’uma serpente:

Quatro vezes indo em frente

Se passa um rio à procura

De pousada tão somente…


XXXI

—“Lugar deserto de gente,

Abra o sertão do Gerais

Ao caminho dos demais!

E de roça em roça aumente

A esperança dos cristais.”


                                         no sabarabuçu

XXXII

Ao longe ecoam os ais

Das velhas de beira-rio…

Em face do serro frio,

Foram deixadas p’ra trás 

À mercê do tempo impio.


XXXIII

A este páramo sombrio

Chegou a tropa comprida.

Pela notícia sabida

Que em meio ao sertão vazio

Rochas brilhavam com vida!


XXXIV

D’esmeraldas a jazida

Por antigos descoberta,

Permanece ainda incerta,

Em terra desconhecida

Pelas brumas encoberta.


XXXV

N’aquela extensão deserta,

Indícios d’um ouro escuro

Reluz em cascalho duro

Face à visão mais alerta

Do garimpeiro seguro.


XXXVI

Aqui e ali faz monturo

Cada grupo prospector

Em grupiaras de valor

Deixando para o futuro

Sinais a um povoador.


XXXVII

Sem senhorio ou senhor,

Terras e suas riquezas 

Têm antes dor que certezas

Àquele que, possuidor,

Se cerque de tais belezas.


XXXVIII

D’entre as nobres naturezas

Dos metais e gemas ternas

Têm-nas o serem eternas 

E darem amplas grandezas

Mesmo nas fundas cavernas.


IXL

Pois monarquias modernas 

E burguesias bancárias

Pelas questões monetárias 

Financiam as badernas

De colônias arbitrárias.


XL

Companhias usurárias

A demandar mais minérios

Fazem de reinos impérios 

Por estas estradas várias

A findar nos cemitérios.


XLI

E foi por tais desidérios

Que, enfim, Sabarabuçu

Sem existir a olho nu

Criou-se em meio a mistérios

A encher d’El Rey o baú…


XLII

À sombra do embiruçu

Eis um século d’ouro!

Recém achado o tesouro

D’um mundéu o murundu

À beira do vertedouro.


XLIII

Assim o povo vindouro

Reencontrará essa lavra,

Fiando na velha palavra,

Da história de Sumidouro

Que fundo n’alma escalavra.


                                   no sumidouro

XLIV

Perto d’onde hoje se lavra

O calcário dos cimentos

(após mil padecimentos…)

O bandeirante apalavra

Em cartas seus movimentos.


XLV

À esposa, mais provimentos 

Aguarda e forma fazenda.

Lá teve início a contenda

De cujos enforcamentos

Tão pouco ou nada s’entenda.


XLVI

Conta-se — verdade ou lenda —

Que fora seu próprio filho

Quem se arvorara caudilho

N'essa remota vivenda

Sem o esmeraldino brilho.


XLVII

Reunira de afogadilho

Um bando de descontentes

E lhes armou, entrementes

Buscassem tomar o trilho

De retorno a suas gentes.


XLVIII

Entretanto, imprevidentes,

Foram todos surpreendidos.

Logo após os desvalidos

Morrem na forca pendentes

E no opróbrio conhecidos...


XLIX

Até hoje são ouvidos

Os gritos dos enforcados

Nos silvos amargurados

Dos ventos compadecidos

Uivando sobre os sobrados.


                                   no vapubaçu

L

Tantos anos já passados

E nada de verdes gemas

A encimar novos diademas…!

Tantos já desanimados

A ponderar seus dilemas…!


LI

Tantas vontades supremas

A medir forças em vão

Pelo poder d’este chão…!

Além das serras extremas

S’encontram na escuridão,


LII

Na imensidão do sertão,

Maior o homem quando grande

O seu legado ele expande

Acima da compreensão

Ou por mais longe que se ande.


LIII

Bem obedeça a quem mande

Quando em seu nome governe.

A sorte lançada alterne

Diante da espada que brande

Contra a ilusão que discerne.


LIV

Quantas palavras externe

Pouco dirão, em verdade,

Da imensa tenacidade

Para se chegar ao cerne

Onde a nacionalidade.


LV

Mas a lagoa e a novidade

Das serras resplandecentes

Como esperados presentes

Chegam à velha cidade

Em pedrinhas reluzentes.


LVI

Em São Paulo, seus ausentes

São afinal celebrados.

Para o Reino despachados

Tão verdes que transparentes

Os cristais lá encontrados.


LVII

Mas, apesar dos achados

Pela afamada bandeira,

Na jornada derradeira

Cai sem devidos cuidados

De febre e de tremedeira.


LVIII

Sem embargo, brasileira

Essa terra se agiganta.

A cada sol que levanta

Outra esperança mineira

Em verdes pedras encanta.


LIX

Não esmeraldas decanta,

Sim esguias turmalinas…

Ignoram das gemas finas

A natureza mais santa

Do brilho em suas retinas.


LX

Porém já defunto em Minas

O velho Governador…

Morre sem saber valor

Menor das cristalinas

Pedras em seu desfavor.


LXI

Não obstante, o explorador 

D’estas terras alterosas

Ascende com poderosas

Luzes sobre o altar maior

Pelas façanhas famosas.


LXII

Já não restem duvidosas

Para o Panteão Brasileiro

As conquistas do primeiro,

Cantado em versos e prosas,

Senhor d’esse chão mineiro!


                                         nas minas gerais

LXIII

Hoje caminha sendeiro

Logo ao raiar madrugadas 

Por sobre as suas pegadas

Os pés d’esse povo inteiro

Havendo em seu trilho estradas.


LXIV

Hoje trafegam pesadas

Dos mais valiosos minérios 

Mesmo em climas deletérios 

As tropas motorizadas

Onde antes apenas mistérios.


LXV

Seguem os seus desidérios

‘Inda a cortar os Gerais

As estradas principais 

Seguindo os mesmos critérios:

Serras e vales iguais.


LXVI

Sobre os sertões naturais 

Prosperam suas cidades

Ciosas das liberdades

Conquistadas de fatais 

Tiranos sem qualidades.


LXVII

Mas mais justas sociedades

Cresçam com o seu legado.

Tenham do heroico passado

Luz às novas realidades

Que o povo tem enfrentado.


LXVIII

E seja sempre lembrado

Seu nome de fundador

Diante do imenso valor

De seu sacrifício honrado

E sonhos de vencedor.


                                               epílogo

LXIX

O grande governador,

Celebrado em sua glória,

Pelas páginas da História

Ensine em nosso favor

A verdadeira vitória.


LXX

Visto tão mais meritória 

Enquanto com persistência

Superar toda a indolência.

Deixar, de feliz memória,

O valor da experiência.


LXXI

Ter força e também paciência 

Para, sem mais privilégio, 

Servir ao pedido régio

De pôr sua competência 

Em favor d’um bem egrégio.


LXXII

Cantem em maior florilégio 

Esses versos afinal

O seu feito sem igual

Pelo pátio do Colégio

Da paulista capital.


LXXIII

Então do achamento real

Venham de novo lembrar-se

Como afirmara ao final:

—“É coisa que em Portugal

Com certeza há-de estimar-se...”! *


Betim - 17 06 2022


Fernão Dias, em carta datada de 27 de março de 1681:  "Deixo abertas cavas de esmeraldas no mesmo morro donde as levou Marcos de Azeredo, já defunto, coisa que há de estimar-se em Portugal."

quarta-feira, 8 de junho de 2022

REINVENTADA

REINVENTADA


Ela foi para nunca mais voltar,

Deixando não mais que almas desvairadas…

À procura de novas madrugadas,

Tinha agora um brilho ávido no olhar.


Eu às vezes me ponho em seu lugar

E até contemporizo suas jornadas

No exercício de andar novas estradas

Sem ter nenhum destino onde chegar.


Ela é a nova autora d’ela mesma,

Devaneando outros versos n’outra resma

Em tudo diferente da anterior.


Leio sem entender, linha por linha,

A poesia que agora lh’entretinha



Belo Horizonte - 04 06 2022

FRACASSADO

FRACASSADO


Assim, depois que a vida deu errado,

— Ali pelos quarenta e poucos anos... —

Parei de me iludir ou fazer planos,

Visto tão-só sinistros por legado!


A medo de buscar novos enganos

Deixei as esperanças vãs de lado…

Eu, entre mil fracassos, fracassado

Agora a chafurdar solos mundanos:


No chão, enquanto a face toca a terra,

Perdi tanto a batalha quanto a guerra

N’aquela fé cegada de quem sonha.


Resta escutar os hurras dos alaridos,

Que os vencedores têm para os vencidos

Ao passo que caminham na vergonha…!


Betim - 26 12 2020