quarta-feira, 30 de julho de 2025

PANEGÍRICO

PANEGÍRICO


Nos códices, seu nome venerando

Luza como se em ouro fosse escrito.

Elevem-se-lhe glórias ao infinito,

Por séculos e séculos clamando…


À luz de seu lavor, de quando em quando,

Lhe recordamos o ímpeto irrestrito. 

Louvai-o, do sensível ao erudito,

Vós que tendes das letras o amor brando!


Um sol a alvorecer pela manhã,

Assim seja a grandeza de sua obra,

Cujo óbolo de encanto se nos cobra. 


E se acaso questionarem tanto afã: 

— “Porquê de tal memória assim dileta?” —

Dizei: — “Mas, por suposto, foi poeta!”


Betim - 30 07 2025


quinta-feira, 24 de julho de 2025

CASUAL

CASUAL


Diz-se de sexo ou roupa; algo fortuito.

Como deixasse ao acaso a decisão

Ou reagisse conforme a ocasião,

Em face do prazer; por pouco ou muito.


Desfaz do que cogita todo o intuito

E abre-se às razões do coração.

Até que, atravessando a escuridão,

Depare com o encanto mais gratuito.


Veste-se para logo se despir

Com a urgência de amar e de existir

Que afinal lhe reafirma estarmos vivos.


Por isso, assim que a encontro pela rua,

Com uns trajes casuais, a vejo nua,

Em meio a pensamentos intrusivos.


Betim - 24 07 2025


quarta-feira, 23 de julho de 2025

HABITE-SE

HABITE-SE


Um terreno, uma casa de morada,

Um quintal, um pomar, um galinheiro…

Em sítio suburbano, o costumeiro

Abrigo sob à sebe avarandada.


A vida que passou cerca da estrada

Mais os reveses pagos a dinheiro.

Da ampla propriedade ao jasmineiro,

O seu olhar face à última alvorada. 


Certifiquem do estado que s’encontra

Agora a habitação sem habitantes,

Sem saber se será como era d’antes.


Tendo que o erário não esteja contra,

Após vidas aos trancos e barrancos,

Só bens documentados para bancos.


Betim - 23 07 2025


FORO ÍNTIMO

FORO ÍNTIMO


Percebo-me incapaz de me julgar,

Tal o conluio havido em mim comigo.

Talvez eu seja o meu próprio inimigo,

Quer para defender; quer acusar.


Arbitro impunemente o meu penar

E após me nego a mim não sem castigo.

Em autotestemunho, eu me persigo

Sem recurso senão tergiversar.


Onde o contraditório da existência

Inquire dos desvãos da consciência

Outra devassa vã e inconclusiva,


Eu vivo sem saber se bem ou mal,

Em quietismo extremo e radical,

Tanta interioridade reflexiva…


Betim - 23 07 2025

segunda-feira, 21 de julho de 2025

TU A TU

TU A TU

Contigo aprendi todas as mentiras,
Que enamorados contam para si.
De tanto te buscar, eu me perdi
No labirinto ao qual me conduziras.

Não cuido se me acusas ou deliras,
Deixando algo de mim aqui e ali...
Nem calo o que pensei quando te vi:
"Amar não vale o drama ou suas iras!"

Vivemos tudo o que há para viver
E fomos quanto nós pudemos ser
Um para o outro apesar de ti; de mim...

De qualquer modo, a vida continua.
Se a tristeza por vezes se insinua,
É que sempre aprendemos mais no fim.

Betim - 20 07 2025




sexta-feira, 18 de julho de 2025

O SEXTILIONÉSIMO

O SEXTILIONÉSIMO Estimaram, às portas do Milênio, Que nós fôssemos mais de seis bilhões, Vendo ao mundo as finais transformações, Tal-qual profetizou o povo essênio. Tantos, que há-de faltar-nos oxigênio Ao longo dos mais tórridos verões… Por bem monetizar devastações Uns homens de poder e de grão gênio! Apocalipse à vista, um nascituro Há-de testemunhar-nos a aflição, Enquanto a profecia se completa. De facto, eis que este chega sem futuro... Só mais um a viver em negação, Diante do esgotamento do Planeta. Belo Horizonte - 20 02 2002


quinta-feira, 17 de julho de 2025

ERRÔNEO

ERRÔNEO 


Não escrevo senão do que não sei,

Em meio a pensamentos imperfeitos.

Confuso, eu exaltei os meus defeitos

E todos os alertas desdenhei.


Dos néscios mais vadios eu fui rei,

Com fumaças de ideal e vãos preceitos.

Filósofo do nada, quis afeitos

Aqueles cujo mal não enxerguei.


Duvide do que afirmo quem me lê!

Saiba não estar diante d'um notável,

Se tais versos ao acaso por fim vê.


Por linhas tortas, quis a vida mais bonita.

É, senão impossível, improvável.

Haver verdade em mim ou minha escrita…


Betim - 15 07 2025


LÁPIDE

 LÁPIDE


Nascer, morrer… As datas e os locais.

N’isso resumem toda uma existência!

O resto se deduz com complacência

Face às obscuridades dos anais…


Passado certo tempo, nada mais

Nos faz pensar do ser senão a ausência.

Ressalte-se da rocha a resistência

Em preservar-lhe os dados essenciais.


Descansa em paz aquele que lutou

Ou simplesmente aqui testemunhou

Outro breve intervalo em meio à História.


Reste-nos tão-somente que viveu

E o havido em sua vida se perdeu

Com exceção d’esta última memória.


Contagem - 07 07 2000


sábado, 12 de julho de 2025

DÈJÁ VU

DÈJÁ VU


Hoje admito que estou muito cansado

E que ando mais sozinho do que devo.

Imerso em tantos eus, quase longevo,

Pareço um caramujo ensimesmado.


Não que ainda me sinta amargurado,

Somente ao que desejo não me atrevo:

Mais nada experiencio de relevo,

Sem antes presumir tê-lo sonhado.


Aguardo o trem chegar à plataforma.

Deveras, a exceção tornou-se a norma,

Ao estranhar-me de novo de partida.


As sensações… As sombras… A tristeza!

Em face do já visto, com certeza,

Eu sigo andando em círculos na vida.


Belo Horizonte - 20 10 2002


quarta-feira, 9 de julho de 2025

INTROSPECTO

INTROSPECTO


Olhando para dentro, ora me vejo

Perplexo com quem sou e tenho sido.

Vivo às margens de mim; perto d'Olvido,

Nos vãos da solidão e do desejo.


Eu tanto m'enganei que tenho pejo

De a ilusões ter um dia dado ouvido…

Tudo hoje me parece sem sentido,

A ponto d'eu descrer de quanto almejo:


Desejar é perder-se no outro. Assim,

Procuro m’encontrar dentro de mim,

Ao invés de me buscar novos tiranos.


Para além de qualquer satisfação,

Romper de vez os elos da prisão

Que me roubou de mim por tantos anos.


Belo Horizonte- 20 05 2002




sexta-feira, 4 de julho de 2025

OSTRACISMO

OSTRACISMO 


Hoje em dia, eu converso com ausentes

E componho uns silêncios reflexivos.

Tenho andado entre vivos e não vivos,

Como se um purgatório de descrentes.


Eu cumpro a minha pena sem correntes,

Embora saiba ter os pés captivos

Por perscrutar dos meus os seus motivos

Co’a culpa que se impõem os inocentes.


D’olhos no que passou, eu passo os dias

Às voltas co'as lembranças mais baldias

Em minha irrelevância indiferente.


E, de tudo que amei distanciado,

Percebo ter eu mesmo me tornado

Senão um estranho entre estranha gente.


Congonhas - 30 06 2025


quinta-feira, 3 de julho de 2025

PAMPULHA

PAMPULHA

Ócio criativo: Fotos de postal

E água de coco com pastel de feira.

No mais, contemplação e brincadeira;

E o entardecer nas águas no final.

A turistar n’algum nobre quintal

Ou a revisitar pálios sem bandeira,

Flano pela avenida sempre à beira,

Que lhe contorna o plano magistral.

É bom estar aqui só por estar

E rever tudo o que há para se olhar,

N’um encontro de velhos conhecidos:

Meus olhos e a paisagem, tão-somente.

O sol raia nas águas seu poente,

Feliz de meus sorrisos desmedidos.

Belo Horizonte - 26 06 2025











SECO E FRIO

SECO E FRIO


O beijo ficou seco; os lábios, frios.

Talvez eu já não veja ou seja visto...

Mesmo ainda te amando, ora desisto

Farto de teus humanos desvarios.


Talvez sorrisses sóis; chorasses rios.

E eu, tão equivocado de tudo isto,

Já não mais te quisesse ser benquisto,

Entregue ao desatino dos baldios.


O beijo ficou frio; os lábios, secos.

Pelo vazio em mim escuto os ecos...

Não há porque não ser o mesmo em ti.


P'ra todos os efeitos, assim seja:

Olhando para mim talvez te veja

E estejas tu tão só quanto eu aqui.


Betim - 08 03 2019

COLIBRIS

 COLIBRIS


Soubesse parar no ar; soubesse olhar

E ver quanto m’escapa ao entendimento.

Retirar do momento o movimento

E reter-te à retina até te amar.


Talvez no coração fosse guardar

Senão o pensamento, o sentimento

Ou obter da sensação contentamento,

A tempo d'uma flor desabrochar.


Tal como os colibris pelo jardim,

Não te ofertar senão delicadeza,

Às voltas com efêmero festim.


E, também como eles, ter certeza

Da doçura do beijo em teu carmim:

Nutrir-me tão-somente de beleza.


Betim - 20 06 2025