domingo, 31 de dezembro de 2017

N'OUTRAS PALAVRAS

N'OUTRAS PALAVRAS

Tem gente que se faz ora de mouca
Certa que uma palavra mais aflita
Não cale ao peito a dor, tão-só a grita,
Seja a sua desdita muita ou pouca.

Contudo, mesmo quando dita louca,
Soa à poesia ainda não escrita...
Pode variar de errática à infinita
Até deixar-me a fala quase rouca.

Tem gente que se faz ora de surda,
Pois crê toda a poesia ser absurda,
Ficando o dito por não dito ou mudo...

N'outras palavras, poeto do que quero
Se, e somente se, quanto for sincero
Emergir do inconsciente mais agudo!

Gov. Valadares - 04 04 1995

ENTANTO

ENTANTO

Pretendo todo o tempo andar atento,
Mas quanto mais eu tento mais me atenta:
A distância à lembrança só aumenta,
Conquanto nada esteja ora a contento.

Entanto, mesmo sem qualquer intento 
Sempre e sempre o passado se apresenta...
E com ele quanto ele representa
De novo em pensamento e sentimento..

Assim, para esquecer um grande amor,
Que se faz presente por saudade e dor
É preciso fingir que não me importe.

Amar, quer no passado ou no presente
Seja algo em todo caso diferente,
Não minha costumaz falta de sorte...

Belo Horizonte - 03 05 1993

sábado, 30 de dezembro de 2017

D'ORAVANTE

D'ORAVANTE

Não mais ser um refém de meus problemas!
Mas, no que depender de mim ou não,
Poete eu a minha humana condição 
E não outra engrenagem nos sistemas...

Para valer a pena escrever poemas
Carece mais ter dúvidas à mão,
Que sempre para tudo solução 
Na vida e seus inúmeros dilemas.

D'oravante serei calmo, não frio
Ciente de que a verdade, na verdade
Se revela n'algum canto sombrio.

E ainda que não seja novidade,
-- Ao contrário, p'ra mim até tardio --
Saiba eu ver tudo com serenidade.

Betim - 30 12 2017

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

SILOGISMO

SILOGISMO


Outra vez, terminou sem começar.

O amor primeiro tem como premissa 

Ser um archote cujo ardor se atiça 

Apenas para após ver se apagar. 


Vencendo a nulidade ao não amar, 

Por premissa segunda ou por preguiça, 

Sentimento que em vão se desperdiça 

É tesouro no fundo de ébrio mar... 


Se se arde por tão-só volver ao escuro 

E se não traz senão insanidade, 

Logo, não há no amor qualquer futuro. 

  

Mas, face a esta silógica verdade, 

Aonde levarás, desejo obscuro? 

A outro lugar-comum: Felicidade. 


Betim - 05 05 1996 

GARAPA

GARAPA

Passa a cana na moenda, colhe o caldo
E espreme dois limões mais o bagaço.
Tem-de fazer do jeito como eu faço
Senão arrisca ao fim ser tudo baldo.

Nas contas lá do céu tem de ter saldo
P'ra Deus abençoar nosso cansaço.
Bebendo, estalo os beiços: -- "Geladaço!..."
E eu um copo após outro já m'esbaldo.

Fazendo assim-assado há-de dar certo.
Qualquer outro refresco nem de perto
Me mata a fome e a sede n'um só gole.

Fica a palavra dada e o arranjo feito:
Garapa preparada d'este jeito
Deixa o sujeito até de miolo mole...

Belo Horizonte - 29 11 2017

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

ELA E ELE - amor em três actos

ELA E ELE – amor em três actos 

PROÊMIO  

Diante de nossos olhos acontece 
Alguma história assim todos os dias: 
Ela e Ele compartilham-se alegrias 
À medida que um ao outro mais conhece.    

Esta história com muitas se parece... 
Tanto, que não importam as etnias, 
Pátrias, lugares, épocas, poesias  
Ou nem sequer o deus de cada prece. 

Tampouco hão-de importar que nomes tomem... 
Seja Ela só mulher; e Ele, só homem. 
Vós-outros os chamais como quiserdes! 

Resta, contudo, a vós eu advertir 
Que os três actos d'amor logo a seguir 
Sempre os repetireis sem o souberdes.

* * * 

ACTO PRIMEIRO – O enamoro

PRAZER EM CONHECER 

Ele vem sem saber para que vem... 
Anda tão distraído que por nada 
Espera que lhe exista alguma estrada 
Para se seguir junto com alguém.    

Ela chega sem qu'Ele olhe. Porém,  
Quando a vê a percebe inalterada... 
Ao certo pensa ainda uma hora errada 
Para o querer consigo Ela também.  

Ele conversa mesmo sendo em vão 
Manter-se longe o olhar do coração, 
Deixando de qualquer outra esperança. 

Ela, por mais sensata, se protege
Por entender que a estrela que lhe rege  
Não brilha tanto quanto na lembrança. 

* * *

ATÉ BREVE

Caminhos que se cruzam e após vão
Aonde for possível e além ir...
Ele não foi sequer se despedir
Quando Ela partiu com seu coração.

Ela o levou consigo, embora em vão.
Por temer consequências no porvir,
Afastou-se a melhor se descobrir,
Sem saber d’Ele e sua escuridão.

Ele espera; Ela, não. Ou melhor, vê
Cada extremo senão, cada porquê,
Em face já de sua ampla insistência.

Ele, por distraído ou tolo, fala
Ao passo que, atenciosa, Ela se cala
Sem saber que esperar da experiência.

* * *

POR OBSÉQUIO

Ele se derrama em mimos e atenções;
E Ela, entre lisonjeada e reticente,
Confrontando o homem ora à sua frente,
Contesta uma a uma suas ilusões.

Ele responde já não ter opções:
Precisa conhecê-la tão somente.
E se algo acontecer qual tem em mente
Não sofrem eles maiores decepções.

Curiosa, Ela já quer saber seu plano
Apenas a mostrar com quanto engano
Pretendia Ele entrar em sua vida. 

Ele se reconhece enamorado
D’Ela e, deverasmente, culpa o fado
Querer quem quase a si desconhecida.

* * *

ACTO SEGUNDO – os amantes

ANTEGOZO

Ela já se deleita em tê-lo ao lado
E sente falta d’Ele quando ausenta.
Ele, sempre que pode, se apresenta
À sua porta com ledo cuidado.

Lá chegando, se sente transportado
Ao aconchego que alegre experimenta.
Horas gozosas... Quando Ela o contenta
E às quais Ele, aliás, se fez rogado...

Ele lhe beija as mãos com tal ternura
Qu’Ela enfim se abandona à calentura
De o ter tão docemente junto d’Ela. 

Mas sem um mais nem quê, logo Ela chora...
Vendo-a emotiva, tímido, Ele cora
E beija o rosto tépido à donzela.

* * *

TONS SOBRE TONS 

Ela chora. Dois olhos d'água ao rosto. 
Ele lhe bebe as lágrimas... E sorri!... 
Beija-a violentamente aqui e ali 
Até da própria dor Ela ter gosto. 

Ele toma do cinto ao largo posto 
E ata seus pulsos bem junto de si. 
Cheira-lhe o pescoço, a colibri... 
Após, rasga o vestido descomposto. 

Suga faminto, pálidos, seus seios... 
Mais torturando-a até sentir anseios: 
Faz com que implore ser toda desnuda.   

Ele a olha... Ela é mais bela que a beleza!  
Vê em seus olhos sós a chama acesa 
E afinal a possui, confusa e muda. 

* * *

ÊXTASE

Amaram-se em silêncio, sem ousar
Que palavras quebrassem esse encanto.
Ela se arqueia e freme... Cai a um canto
E o abraça forte sem nada falar.

Ele logo a aninha ávido a secar
Aquela última lágrima em seu pranto.
Quando beija seus olhos ao acalanto
De carícia impossível de findar.

Ela reluz igual gema brilhante
Ao palor que Ele exsuda n'esse instante
E molha os lençóis sob o casal.

Ela sorri. Alumbra-se seu rosto.
Ele registra o quadro ali composto
E adormece em seus braços afinal. 

* * *

ACTO TERCEIRO – o desenlace

DEPOIS DO AMOR

Acorda co'o barulho do retrete
E levanta, automático, para ir.
Espera que Ela saia para partir,
Despedindo-se pouco antes das sete.

E, na saída, a cena se repete:
Mais beijos estalados a se ouvir!
Ela o abraça, querendo lhe impedir.
Ele a beija, deixando-a no tapete...

No caminho, remorsos e segredos
O acompanham até os arvoredos
Onde tenta ocultar todo pecado.

Sob as sombras, mil vezes se maldiz...
Infeliz por ter sido tão feliz,
Ainda que em lugar ou dia errado!

* * *

ANTES DA DOR

Ela está tão contente! Mal sabe Ela...
Pensa qu'Ele saiu para o trabalho.
Mas volta n'um horário incerto e falho
Enquanto Ela observava da janela.

Passou as horas lívida e singela,
À espera d'um patético espantalho,
Que volta com cara de paspalho
E ainda atucanado para vê-la.

Abre a porta sorrindo e o faz entrar.
Ela procura em vão lhe animar,
A Ele que vai partir seu coração. 

Quando sua mudez enfim se impôs,
Percebe o seu silêncio ser o algoz,
Que traz a Ela de volta a escuridão. 

* * * 

ENTREOLHOS

Ela olha para Ele: Estava arredio. 
A conversa sem fio e sem lugar. 
Ela o acarinha; Ele a repele ao tocar:
Enquanto o arde d'amor, gela-a de frio.

Perdido o olhar, Ele a olha vazio. 
Em si vagou e só foi se encontrar:
O coração, medroso para amar; 
O corpo, seco por saciado o cio. 

Ela o olha, mas Ele não está ali!
Agora chora quem último ri
E os olhos nos seus olhos não são seus... 

Espelham-se sem ver quem bem à frente...
Se impossível dizer que têm em mente
Só o silêncio entreolhos diz -- ”Adeus...“ 

* * *

EPÍLOGO

Como vos adverti, conto comum
Esse que a vós narrei de amor e dor.
Ide de volta ao lar com mais ardor
Reviver tudo com alguém ou algum.

Se o gozo d'essa vida for nenhum,
Ao menos a lembrança tem valor
D'aqueles que se amaram sem supor,
Que repetissem um lugar-comum.

Assim também amais e sois amados,
Mas vós -- por bem ou mal enamorados
Ou que buscais no amor algum conforto. --

Ouvi, portanto, a luz da narrativa:
-- "Antes morrer d'amor enquanto viva,
Que inútil o avivar quando está morto."

Galileia - 04 01 1994

ASSENTAMENTO

ASSENTAMENTO

Era roça, mas tinha ardor de luta.
Não era terra herdada, era conquista.
Pois não fora comprada a prazo ou a vista,
Ao que a sua valia era absoluta.

Por nada nem ninguém se lhe permuta
Esta terra a seus olhos tão bem-quista.
Que, tomada d'algum monopolista,
Porquanto improdutiva e devoluta...

Cabanas e roçados dão a posse
Aos homens e mulheres assentados
N'um chão regado à lágrima agridoce.

Mas sonhos pelos campos veem semeados.
E, prontos a enfrentar quem quer que fosse,
Verdejam os terrenos ocupados.

Pará de Minas - 26 12 2017

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

À NOITE

À NOITE

Escureceu e apenas vagalumes
Luzindo aqui e ali pelo caminho...
Nos longes, relampeava bem clarinho
Instantâneos de serras e seus cumes.

Em concerto ritmado nos friúmes
Acordes que nas sombras adivinho:
Dois sapos coachando e um passarinho
Responde assoberbado de ciúmes...

Nem lua nem estrelas vêm brilhar
Tão carregado o céu de nuvens grossas
Pouco antes d'um dilúvio desabar.

Libélulas chapinham pelas poças
E as corujas azulam do lugar
Co'a chuva que abençoa nossas roças.

Pará de Minas - 26 12 2017

sábado, 23 de dezembro de 2017

SOLFEJOS

SOLFEJOS

Estes sons sem qualquer significado
Além do serem sons e soarem bem,
Têm me invadido o quarto e a alma também
Vindos d'alguém algures acordado.

A melodia qu'eu tenho escutado
Não chegava a ser música, porém,
Repetia-se como mais convém
A quem do canto faz aprendizado:

-- "Dó, ré, dó, dó, ré, mi. Mi, ré, dó...
Seguia a solfejar na noite só.
E, a batucar co'os dedos, eu ouvindo.

A voz atravessava a escuridão
E acalentava em plena solidão...
Me vi quase chorando de tão lindo!

Betim - 23 12 2017

ESPÓLIO LITERÁRIO

ESPÓLIO LITERÁRIO

Deixo para depois da minha morte
A ilusão de influenciar quem quer que seja.
Resulte n'algum bem tanta peleja,
Onde o desesperado se conforte.

Afinal hão-de seguir-me o esconso norte,
Certos de que a verdade ali esteja.
E, embora eu não mereça tal inveja,
Muitos se alegrarão de tão má sorte!

Meus males serão bens de qualidade
Àqueles que buscarem, por absortos,
Aspectos de qualquer dourada idade.

Sem ter-de endireitar caminhos tortos,
Outro exemplo da estranha realidade
Da poesia viver de poetas mortos.

Betim - 22 12 2017

GENUÍNO

GENUÍNO

A par de dramaturgos e ensaístas,
Tenho procurado ouvir-me a própria voz.
E não os emular em versos sós
No afã de figurar por fúteis listas.

Não me vejo ranqueado entre os artistas
Que de antigas escritas sopram pós:
Reescrevem a fazer pouco de nós,
Furtando d'outros bem diante das vistas.

É como se escrever só fosse certo
Após subir nos ombros d'um experto
E, lá do alto, admirar nossas vidinhas.

Não importa se sou ou não de interesse;
O que escrevo, correto me parece.
Pobres as rimas? São ao menos minhas!

Betim - 23 12 2017

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

UM DESALMADO

UM DESALMADO

A vida é movimento continuado
Do ser entre se almar e desalmar.
Por pena ou humanidade, há-que encontrar
Algum discernimento mais confiado.

O mundo fez de mim um desalmado
No dia em que cessei de me importar
E a esperança deixou de ter lugar
Dentro do coração amargurado.

Com efeito, parece que minh'alma
Perdera-se-me e bem com ela a calma
Que tinha no semblante quando moço.

E o pouco ou quase nada que hoje sinto
Só lembra do que tanto me ressinto,
E tem me feito mais e mais insosso...

Betim - 19 12 2017

ESPÓLIO LITERÁRIO

ESPÓLIO LITERÁRIO

Deixo para depois da minha morte
A ilusão de influenciar quem quer que seja.
Resulte n'algum bem tanta peleja,
Onde o desesperado se conforte.

Afinal hão-de seguir-me o esconso norte,
Certos de que a verdade ali esteja.
E, embora eu não mereça tal inveja,
Muitos se alegrarão de tão má sorte!

Meus males serão bens de qualidade
Àqueles que buscarem, por absortos,
Aspectos de qualquer dourada idade.

Sem ter-de endireitar caminhos tortos,
Outro exemplo da estranha realidade
Da poesia viver de poetas mortos.

Betim - 22 12 2017

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

FIGURA DE PROA

FIGURA DE PROA

Irrompe contra as ondas o veleiro
Co'os três mastros vergados pelo vento.
Na proa, uma sereia face ao tormento,
Cantando para mar e marinheiro.

Em belíssima mulher, esse madeiro
Fora esculpido apenas com o intento
De afastar-lhes o espírito agourento,
Que aos homens rouba o sopro derradeiro.

Estes que pelo mar foram espalhando
Sua visão de mundo e sua língua,
Certos que toda luz aos poucos míngua...

Mas 'inda a ouvem cantar de vez em quando
Os versos d'uma gente navegante,
Que foi ao fim do mundo e mais avante.

Betim - 20 12 2017

CONHECENÇA

CONHECENÇA

Mas como é bom rever a ponta aguda
Depois de navegar por mar aberto!...
Saber-me do canal de novo perto,
Onde aos olhos cada angra se desnuda.

Pelos costões de pedra ir sem ajuda
Até topar co'o cabo indescoberto.
E em todo o litoral quase deserto,
Reconhecer mesmo a ilha mais miúda.

Dos rasos de arrecifes e de abrolhos
Passei ao largo pondo longos olhos
Para avistar enfim a extensa costa.

Agora é só fundear a embarcação
No estuário d'água doce d'um rincão
Onde coisa nenhuma me desgosta.

Ubatuba - 16 07 2017

sábado, 16 de dezembro de 2017

EM GRUPO

EM GRUPO

Ser mais um entre muitos ou não ser?
Eu, para bem ou mal, me tornei nós...
Mas, mesmo que tão juntos, somos sós
Às voltas com joguinhos de poder...

Em grupo, viver é sobreviver.
Como se da manada andando após
Um guepardo sempre à espreita que, veloz,
Fosse a qualquer instante surpreender.

O medo nos motiva a ir em frente
E nos reúne em torno do presente
Tal-qual peças vãs n'um tabuleiro.

Nós: Eu sou eu perdido em meio a eus!
Para fazer sentido isso, só Deus...
Ou senão outra parte sem inteiro.

Betim - 16 12 2017

ALJÔFAR

ALJÔFAR

Cintila sobre a face embevecida
Essa lágrima só de maravilha.
Assim uma mamãe e sua filha
Sorrindo d'emoção quase incontida...

Certas que assim será por toda a vida,
Pois, quanto maior o amor, mais se partilha...
E mesmo após a morte ainda brilha
Sua estrela no céu engrandecida!

Essa lágrima vale mais do que o ouro,
Visto tamanho amor o maior tesouro
Que deixam como herança para os seus.

Mas fique tal imagem registrada
Como memória sempre a ser lembrada
D'um amor semelhante ao amor de Deus.

Betim - 16 12 2017

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ARCO-ÍRIS

ARCO-ÍRIS

Após a chuva em sol se interromper,
As nuvens, feito aguadas de cobalto,
Fazem rajar o azul por todo o alto
E o arco de sete cores aparecer.

No estio vêm alegres de se ver
Quando até mesmo o sol de luz é falto
E seus raios refratados dão um salto
Para em meus olhos virem se perder.

Cores dentro da luz, revelação
Da íntima natureza da energia
Vista como frequência e oscilação.

Por símbolo da mais pura alegria,
-- Seja d'Aliança; seja à humana união --
S'eterne, embora efêmero, em poesia.

Betim - 12 12 2017

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

LIBELO

LIBELO

Mui respeitosamente, eu vos escrevo
No sentido de ouvirdes meu clamor.
Àquele que ora acuso, em desfavor
De mim bem se fez rico e longevo.

Se enumerar seus crimes não me atrevo
É antes por repulsa que pudor.
Tal homem me causara tanto horror
A ponto d'eu pagar o que não devo.

Escrava, não esposa, tenho sido...
Em seus lábios o amor fora a mentira
Com que m'enternecera o tolo ouvido.

Ponde termo à união que ninguém vira
Em justiça acolhendo o meu pedido:
-- "Seja nulo o que em Deus não existira!"

Betim - 12 12 2017

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

MEIAS-IRMÃS

MEIAS-IRMÃS
Elas eram ainda bem pequenas;
As duas filhas d'uma só mulher.
Uma negra, mais linda que qualquer;
A outra, bela de faces bem morenas.
E embora diferenças assim plenas
Não se afastam nenhuma hora sequer:
Ambas sempre a sorrir, haja o que houver,
De sorte que tranquilas e serenas.
Filhas da Tolerância, têm dois pais:
O Respeito e o Direito. Além do mais,
Ao vê-las toda a gente já se alegra.
Precisas conhecê-las, se te apraz:
Àquela que é morena chamam Paz
Enquanto a Liberdade, sim, é negra.
Betim - 11 12 2017

domingo, 10 de dezembro de 2017

EM DUAS RODAS

EM DUAS RODAS

Sair em busca d'horizonte
A além das serras de Minas
E irromper pelas neblinas
Só tendo a distância à fronte:
Panoramas nas retinas.

À terra do fogo e do frio
Seguir ao sol; ao céu azul
Do sul d'América do Sul!
E, passando mar e rio,
Avistar o extremo paul.

Rodar e rodar e rodar
Dias, noites, desertos, rotas...
Topar paragens ignotas
Perto de nenhum lugar
Onde Judas já sem botas!

Meio-irmão de soledades,
Outro lobo pela estepe
A uivar, todo serelepe,
Ao luar das imensidades
Sem abrigo nem estepe...

Pois após cada confim,
No mirante, de atalaia,
Ir ter co'a gélida praia
Que banha a terra do fim,
E gritar enfim: -- "Ushuaia!..."

Betim - 10 12 2017

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

PLANETÁRIO

PLANETÁRIO

Visto de cima lembra um caracol
Esse grão de Universo onde a gente actua:
Cada planeta em círculos flutua
A cirandar em roda cá do sol.

Ou com cacos d'espelho e algum farol
Estrela a estrela qual no céu pontua
Para, de longe, a Terra mais a lua
Ante à matéria escura d'um lençol.

Mais além, Marte, Júpiter, Saturno...
Onde um olhar incrédulo e soturno.
Negou-se a ver qual vira Galileu.

Outro orbe colorido ao imaginário
E logo monto todo o planetário,
Mostrando a todo mundo o mundo seu.

Betim - 07 12 2017

AUTOELOGIO

AUTOELOGIO

Tenho sido o melhor que posso ser
E, embora não pareça bastante, eu
Vejo não ser sequer mérito meu
O bem ou mal do qu'eu ouso escrever.

Mas se escrevinho, por assim dizer,
É por me suceder qual sucedeu:
Nem um declínio nem um apogeu...
Tudo está sempre por acontecer.

N'um futuro que nunca vem, vivi
A escrever do que sinto ou que senti
Mesmo alheio a certames e troféus.

Porque foi com extrema liberdade
Que por sujeito à minha humanidade
Em versos me elevei até os céus!...

Betim - 07 12 2017

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

ESPLÊNDIDO

ESPLÊNDIDO

Foi pouco antes de cair um aguaceiro...
A chuva vinha escura e, de repente,
O céu se abriu p'ros lados lá do poente
E luziu por um instante passageiro.

Quem andava comigo viu primeiro
E apontou admirada para frente:
Nuvens douradas por um sol ausente
Cobrindo majestosas todo o outeiro!

-- "Esplêndido" -- disse ela assim do nada,
Ainda que apressados pela estrada
Buscássemos das águas ter guarida.

Olhei e vi aquilo boquiaberto
Como súbito houvesse descoberto
A luz de Deus nas nuvens escondida.

Betim - 04 12 2017

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

JEITOSA

JEITOSA

Seu jeito mexia co'a gente:
Acanho de moça donzela...
Sempre tão doce e envolvente,
Que linda menina aquela!...

Muito jeitosa de corpo ela...
Sempre tão graciosa e atraente...
Acanho de moça donzela,
Seu jeito mexia co'a gente.

Meio ousada; meio inocente,
Muito jeitosa de alma a bela...
Sempre tão alegre e ridente.
Acanho de moça donzela,
Seu jeito mexia co'a gente.

Betim - 20 11 2017

EM RÉPLICA

EM RÉPLICA

Não que negue a importância dos conceitos,
Ou que me cegue a factos tão adversos...
Concedo que ilumine dons dispersos
E a contragosto admita meus malfeitos.

Penso ser, para todos os efeitos,
Apenas um que tem escrito versos
E se arrisca em assuntos controversos,
Soltando pensamentos imperfeitos.

Mas não pretendo ser dos outros juiz
Nem ensinar ninguém a ser feliz
Com frases positivas ou algo assim.

Quero antes me buscar sempre mais fundo,
Não belezas que agradem todo mundo,
Sim dúvidas que mais falem a mim.

Betim - 03 12 2017

PARALAXE

PARALAXE

A depender do seu ponto de vista;
Seja mais à direita ou mais à esquerda,
O indivíduo vê mais ou menos perda
Dentro da ordem social capitalista.

Entretanto, à medida que ele insista
Em superar os velhos padrões que herda
Ver-se-á como um estúpido de merda,
Que da verdade ainda muito dista.

Tem-se diante dos olhos realidades
A mudar em função das perspectivas
A despeito de vãs perplexidades.

Há-que se fazer leituras pensativas,
Sob pena de só ver pelas metades
Um mundo dividido em cores vivas.

Betim - 04 12 2017

sábado, 2 de dezembro de 2017

DE RESTO

DE RESTO

Não guardarei amor tão-só,
Nem por saudade; nem por dó
Dos dias que vivi contigo.
Deixo-nos nomes sob abrigo
D'esse rebuscado rondó.

Resta a mim voltar a ser só;
Desfazer na garganta o nó,
Quando teu nome desdigo.

Lembrar-te como um sonho antigo
E olhar p'ra frente sob perigo
De repetir o havido só!...
Se apenas pó de volta ao pó
As flores secas no jazigo...

Betim - 02 12 2017

E VICE-VERSA

E VICE-VERSA - rondó

Vastos sentimentos assim
Como os que há entre ti e mim
Conflitantes são tal maneira
Que me trazes gelo e fogueira
N'estes teus lábios de carmim.

Dor e prazer; tédio ou festim
De tudo o que sentes, enfim,
A recíproca é verdadeira.

À flor da pele... Ao cabo e ao fim!
-- E eu a gastar o meu latim! --
És inimiga e companheira...
Senão a única, a derradeira
A quem eu sempre digo sim.

Betim - 30 11 2017