PRIMEIRA
Mais do que pobre na chuva
Tenho de mim reclamado...
Já me serve feito luva
Carapuça de coitado!
* * *
SEGUNDA
A quem dorme em demasia,
Seus sonhos, vez em quando,
Lhe parecem que vivia
Enquanto estava sonhando.
* * *
TERCEIRA
Em noite escura, má sorte,
Ouço o pio da coruja...
Sábio quem lembra da morte
Sem topar co'a dita cuja.
* * *
QUARTA
A vida -- dizem -- é dura
Apenas p'ra quem é mole.
Ao homem de triste figura
Já não há que lhe console.
* * *
QUINTA
Há, do outro lado da vida,
A própria vida espelhada
N'uma imagem refletida
Do nada ao infinito nada.
* * *
SEXTA
No açude de teus olhos,
Sou um salgueiro a chorar.
Mal reparas os desfolhos
D'outro outono a me chegar!...
* * *
SÉTIMA
Não há dia como a noute
Onde estrelas vêm e vão...
Eis: --"Oh Universo, eu sou-te!"¹ --
Dentro do meu coração.
* * *
OITAVA
Esperando quem não vem
Fiz a vida mais comprida.
Quem me dera por meu bem
Esperar toda uma vida!
* * *
NONA
Se mil mortes tem quem ama
Quantas vidas não teria?
Sem manter d'amor a chama
Resta-me a alma por fim fria...
* * *
DÉCIMA
Quem maldades insinua
Atiça a ferida em brasa...
Dá-lhe que a porta da rua
É serventia da casa!
* * *
UNDÉCIMA
D'aqui a pouco adormeço
Tamanho está meu cansaço.
Esqueço quanto conheço:
Modorro sob o mormaço...
* * *
DUODÉCIMA
Atravesso o rio a vau
Depois de atolar na vargem,
Fincando no fundo um pau
Até chegar n'outra margem.
* * *
TREDÉCIMA
Um galo na madrugada
Avisa vir vindo o dia.
Ninguém, porém, sabe a estrada
Por onde vem a alegria.
* * *
QUATRIDÉCIMA
Dia sim; dia não, vejo
Outra esperança perdida.
Pouco vale meu desejo
Nos desencontros da vida...
* * *
DÉCIMA QUINTA
De costas, olhando o mar
Está a mulher que amei.
Quem brilha no seu olhar
Confesso que já não sei.
* * *
DÉCIMA SEXTA
Oficina do Demônio:
A mente vazia e errante
Tem um único neurônio
Onde o tédio é imperante...
* * *
DÉCIMA SÉTIMA
A verdade é que a mentira,
Mesmo quando bem contada,
Pela verdade suspira
Querendo ser revelada.
* * *
DÉCIMA OITAVA
Vão aos trancos e barrancos
A fazer horas mais ledas:
Intrépidos saltimbancos
Recolhem aos chapéus moedas.
* * *
DÉCIMA NONA
-- "Meus filhos 'tão todos criados..."
Vive afinal como quis
Aquela cujos pecados
Guardou para ser feliz.
* * *
VIGÉSIMA
Bem do século passado
Dizer se presta ou não presta...
Nem aquele que anda errado
Tem etiqueta na testa!
* * *
VIGÉSIMA PRIMEIRA
Quem só de passado vive
Dizem ser algum museu.
Não esqueci onde estive;
Esqueci quem m'esqueceu.
* * *
VIGÉSIMA SEGUNDA
Ando pensando na vida,
Como soubesse vivê-la...
Frustrado já de saída,
Talvez me faltasse estrela.
* * *
VIGÉSIMA TERCEIRA
Depois de muito atropelo,
Da bateia tive trégua:
Com ouro em pó pelo pelo,
Eu levei e lavei a égua!
* * *
VIGÉSIMA QUARTA
Não confies na multidão
Que porfia em bajular.
Vivem dando ao falastrão
Corda para s'enforcar.
* * *
VIGÉSIMA QUINTA
Angu a dar com o pau
Na boca do que não come.
Fazia o bem sendo mau...
Negreiro: O home lobo do home.
* * *
VIGÉSIMA SEXTA
Corre pela boca miúda
As safadezas da dona.
Gente que mal se desnuda
Vive a vigiar sua cona!...
* * *
VIGÉSIMA SÉTIMA
Não há no mundo quem veja
A loucura do que diz...
Porque precisa ou deseja,
Todo mundo é infeliz.
* * *
VIGÉSIMA OITAVA
Acabo por desistir
De esperar mais esperanças:
Qualquer que seja o porvir,
Sombrias minhas andanças...
* * *
VIGÉSIMA NONA
Contra tudo e contra todos,
Procuro uma rima plena.
Escrevo de muitos modos
Até que me valha a pena.
* * *
TRIGÉSIMA
Tendo a poesia por pena,
Tem-se o poeta por culpado...
O leitor na tarde amena
Separa o certo do errado.
* * *
TRIGÉSIMA PRIMEIRA
Nas horas mortas da noite
-- Desoras de escuridão... --
Zurrava a mula no açoite:
Histórias d'Assombração!
* * *
TRIGÉSIMA SEGUNDA
Relincha a égua na campina
Das vertentes morro abaixo.
Nem um palmo p'la neblina
Vê o rapaz cabisbaixo
* * *
TRIGÉSIMA TERCEIRA
Sob sete palmos de terra
Descansam justos e injustos,
Nenhuma ama decerto erra
Apenas para dar sustos!
* * *
TRIGÉSIMA QUARTA
Enxurrada que carrega
As terras do boqueirão
Dia após dia se achega:
Abismo e desolação!
* * *
TRIGÉSIMA QUINTA
Lá para os lados do poente
Céus pesados e sombrios.
Um dilúvio, de repente,
Enchendo as ruas e os rios.
* * *
TRIGÉSIMA SEXTA
Passa o dia em nuvens brancas;
Nuvens brancas pelo céu...
Velho Chico das carrancas,
Não me deixes ir ao léu!
* * *
TRIGÉSIMA SÉTIMA
Pobrezinho, pobrezinho...
Foi o Romeu que morreu.
Lá na curva do caminho.
Mas antes ele do que eu!
* * *
TRIGÉSIMA OITAVA
-- "Mas será o Benedito?" --
Pergunta a dona espantada.
O moleque correndo aflito
Apenas diz: -- "Não fiz nada!"
* * *
TRIGÉSIMA NONA
Querendo-se espirituoso,
Fala pelos cotovelos...
Tem gosto bem duvidoso;
De arrepiar os cabelos!
* * *
QUADRAGÉSIMA
Anda meio aperreado
Quem sai de afasto. Afinal,
Insiste pelo rumo errado
Para o bem para o mal.
* * *
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA
Entra n'água e não se molha.
Vai no mundo e não se perde.
Voeja no vento qual folha
E cai na campina verde.
* * *
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA
Lume de quinta grandeza
Que anos-luz ilumina!
'Té a Terra, em redondeza,
Pelos seus polos se inclina.
* * *
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA
Muito antes d'haver estradas,
Atalhava eu pelo mato.
Sendeiro nas madrugadas:
Vereda a dar no regato.
* * *
QUADRAGÉSIMA QUARTA
Para os lados do sertão,
Onde tudo é mais distante,
Comtempla-se a imensidão.
Chamar os passos do errante.
* * *
QUADRAGÉSIMA QUINTA
Trocando pernas caminho
Alta noite pela rua.
Se tenho de andar sozinho,
Ao menos por sob a lua!
* * *
QUADRAGÉSIMA SEXTA
As mulheres e seus amores
São curvas de se perder...
Se d'elas desejo ardores
Mil mortes sei eu morrer.
* * *
QUADRAGÉSIMA SÉTIMA
Através da noite escura,
Rodei uma légua e meia.
Não valeu minha procura
Seguir quanto o peito anseia.
* * *
QUADRAGÉSIMA OITAVA
O silêncio de teus lábios
Diz mais que muitas conversas.
Só entendem os mais sábios
Ausências tão controversas.
* * *
QUADRAGÉSIMA NONA
Comprando gato por lebre,
Natural que alguém reclame
Assim que o encanto se quebre:
-- "Quem não a conhece que a ame!"
* * *
QUINQUAGÉSIMA
O nobre acto de pensar
Engrandece o de escrever.
O poeta encontre o lugar
Onde as letras deem prazer.
* * *
QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA
Muita gente que se indaga
Sobre amar e ser amado.
Se amor com amor se paga,
Faz anos eu sou roubado...
* * *
QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA
Tantas vezes já partido,
Um coração em pedaços
Fica aos poucos parecido
Com um rosto sem os traços.
* * *
QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA
Pensando bem, todo o mal
Tem a ver com ignorâncias.
Somente um cara-de-pau
'Inda evoca as circunstâncias...
* * *
QUINQUAGÉSIMA QUARTA
Por sobre a lápide jaz
Um cupido em solidão
Marmóreo, repousa em paz
Meu flechado coração.
* * *
QUINQUAGÉSIMA QUINTA
Antes de mais nada, tudo
Que existe de bom na vida,
Perpassa o corpo desnudo;
Atravessa a alma despida.
* * *
QUINQUAGÉSIMA SEXTA
Nem mesmo o mais instruído
Há-de saber dos amores:
Não fazem qualquer sentido,
E deixam apenas dores.
* * *
QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA
A pólvora no rastilho
À espera apenas da faísca...
Fatal do fósforo o brilho
Diante d'aquele que o risca.
* * *
QUINQUAGÉSIMA OITAVA
Diz que tem o dedo podre
Mais o coração de pedra...
Um vinagre azedo no odre
Ou erva daninha que medra.
* * *
QUINQUAGÉSIMA NONA
Ando ao largo de tristezas,
Procurando maravilhas.
Embriagado de belezas,
Estradão: Milhas e milhas.
* * *
SEXAGÉSIMA
O fabulista pretende
Uma verdade inventada
Em lugar do que s'entende
Por verdadeira jornada.
* * *
SEXAGÉSIMA PRIMEIRA
Mas, olhar para o passado
E jamais ver a verdade,
É querer, sem certo ou errado,
Distorcer a realidade.
* * *
SEXAGÉSIMA SEGUNDA
Ocorre que a Terra roda,
Indiferente de crenças,
Uma órbita elíptica toda
Em realidades imensas.
* * *
SEXAGÉSIMA TERCEIRA
Não vou enumerar factos
Ou argumentar quanto fiz.
Leva teus sonhos intactos...
E sê apenas feliz!
* * *
SEXAGÉSIMA QUARTA
Trocando os pés pelas mãos,
Magoou em vez de agradar.
Na companhia dos vãos
Prefere, por fim, estar.
* * *
SEXAGÉSIMA QUINTA
Não mereces ser amado
Se amas para ter amor.
Amor de graça é bem dado,
Nunca por prêmio ou favor.
* * *
SEXAGÉSIMA SEXTA
O que chafurda no esgoto
Vê no outro o próprio pecado...
Assim como faz o roto
Ao falar do esfarrapado.
* * *
SEXAGÉSIMA SÉTIMA
Anjos cantando na igreja
Têm um silêncio de pedra
Nas alturas -- "Olhe-veja!" --
Auréolas cobertas d'hedra...
* * *
SEXAGÉSIMA OITAVA
Verdes anos já passados
Entre amores e esperanças,
Agora os vejo embaçados
Pelas lentes das lembranças...
* * *
SEXAGÉSIMA NONA
Antes tarde do que nunca,
Co'as mandonices deu cabo:
Fosse varão ou varunca,
Manda hoje tomar no rabo.
* * *
SEPTUAGÉSIMA
Pouco se dá a quem vê
Que o rei está mesmo nu.
Desdenham-no, até porque
O apressado come cru...
* * *
SEPTUAGÉSIMA PRIMEIRA
Bem revoltado, sabia
Que não era brincadeira:
-- "Com mil demônios, enfia
O dedo no cu e cheira!"
* * *
SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA
Canta a lira tabuísmos,
De gente bem desbocada.
Andando à beira de abismos
O poeta faz sua estrada.
* * *
SEPTUAGÉSIMA TERCEIRA
Cora o rosto a rapariga
Pelas rimas fesceninas.
Mas não cora qu'eu bendiga
Suas curvas femininas.
* * *
SEPTUAGÉSIMA QUARTA
Passou Natal não beijei;
Passou Ano Bom também.
Eu o ano inteiro passei
Sem achar quem me quer bem.
* * *
SEPTUAGÉSIMA QUINTA
Cagando e andando igual vaca
No pasto verde sem mais,
Está quem vai de ressaca
Ou já bêbado demais.
* * *
SEPTUAGÉSIMA SEXTA
Há tipos que só de longe
A gente pode aturar.
Se o hábito não faz o monge,
Faz a amizade o lugar.
* * *
SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA
Sete vidas tem o gato;
Doze meses tem um ano.
Nada, porém, tem o ingrato
Que não seja dor e engano.
* * *
SEPTUAGÉSIMA OITAVA
Ai de quem confia no homem
E n'ele espera algum bem!
Suas esperanças somem,
Quando o outro nada sustém.
* * *
SEPTUAGÉSIMA NONA
Toc, toc, toc... Batem à porta.
Nem carece ver quem é.
O chegado pouco importa:
Ofereça-se café.
* * *
OCTAGÉSIMA
Tem gente que fala muito,
Mas tem feito muito pouco.
Criticam sem mais intuito
Do que deixar o outro louco.
* * *
OCTAGÉSIMA PRIMEIRA
Menor do que de facto é,
Aquele que se sabota...
Se de joelhos, não de pé,
Está no chão e nem nota.
* * *
OCTAGÉSIMA SEGUNDA
Deve estar co'a macaca hoje,
Tanto que fala e reclama.
Todo mundo em volta foge
E a danada em vão nos chama...
* * *
OCTAGÉSIMA TERCEIRA
Dizem que a última que morre
É a esperança do fiel.
Feliz de quem Deus socorre
E tarda em tê-lo no céu!
* * *
OCTAGÉSIMA QUARTA
Sabe Deus que tenho andado
Buscando um lugar ao sol.
Nas estradas do passado
Não reluz novo arrebol.
* * *
OCTAGÉSIMA QUINTA
Mentira tem perna curta...
Não vai longe o mentiroso...
Quem à verdade se furta
Não tem sossego nem gozo.
* * *
OCTAGÉSIMA SEXTA
Todos os gatos são pardos
Na noite escura que passa.
Todos os homens são tardos
No dia d'uma desgraça.
* * *
OCTAGÉSIMA SÉTIMA
Se a ocasião faz o ladrão,
-- Por demasiado humano ... --
Era todo cidadão
Sem carácter, salvo engano.
* * *
OCTAGÉSIMA OITAVA
Não era oito nem oitenta,
Sim outro triste pós-coito...
Um que jamais se contenta
Não será nem se oitenta e oito!
* * *
OCTAGÉSIMA NONA
Aparências enganosas
Iludem desiludidos.
Nas veredas amorosas
Permaneciam perdidos.
* * *
NONAGÉSIMA
Atravesso a noite imensa
A caminho da saudade.
O que se sente ou se pensa?
Lembranças da mocidade...
* * *
NONAGÉSIMA PRIMEIRA
Serás feliz. Tu terás
Novos amigos e amores:
Deixa os velhos para trás
E goza dias melhores...!
* * *
NONAGÉSIMA SEGUNDA
Aquele que foi amado
Jamais será um amigo.
Antes ser tão-só lembrado
Do que d'olhares mendigo.
* * *
NONAGÉSIMA TERCEIRA
Aproveita o dia de hoje.
Não contes co'o que virá.
O tempo célere foge
Para a noite onde nada há.
* * *
NONAGÉSIMA QUARTA
Isto é saber dos antigos
Pelos novos conservado.
A vida tem muitos perigos
A quem o tem desdenhado.
* * *
NONAGÉSIMA QUNTA
Se falam de boca cheia
De sua própria ignorância,
Lhes tenho vergonha alheia...
D'estes eu quero distância!
* * *
NONAGÉSIMA SEXTA
Valha-me Deus de querer-te!
Oxalá esteja eu só!
Eu vivo alerta e solerte
De quem não me tem nem dó.
* * *
NONAGÉSIMA SÉTIMA
Toma para ti teus sonhos
E deixa os meus para mim.
Olhos, os tenho tristonhos
A olhar para o nosso fim.
* * *
NONAGÉSIMA OITAVA
Quem muito quer nada tem;
Quem muito tem pouco faz.
Com pouco faz muito bem
O que vive bem e em paz.
* * *
NONAGÉSIMA NONA
Noventa e nove escrevi.
Há quem escreva bem mais
O que escrevi, conheci.
O resto são prantos e ais!
Betim – 30 11 2020
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