quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ESTRANHA ESCRITA

ESTRANHA ESCRITA


Verso após verso, a métrica perfeita

Dá às sílabas ritmo e por fim rima.

Cada frase com menos mais exprima,

Onde o sentido ao som melhor se ajeita.


Nos mínimos detalhes endireita

A forma e o conteúdo em obra-prima…

Seguidas revisões, de baixo a cima,

A compor com imagens a hora afeita:  


Assim como ao salão d’espelhos, logo

O lume ardente d'uma única vela

Faz brilhar mais de mil olhos de fogo!


Também pela poesia -- estranha escrita --

Um universo inteiro em si revela

Ao pretender-se íntima e infinita.


Betim - 30 12 2021


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

AMEBOIDE

AMEBOIDE


Lá de cima, a cidade até parece

Uma ameba em comum fagocitose

Que talvez, assexuada, de si goze,

Soltando-se amebinha enquanto cresce…


O verde sob o cinza reconhece

Ora Apocalipse; ora Apoteose,

O desmate a mostrar-se estranha pose

Na aerofotografia onde aparece.


Se trama de avenidas e travessas,

Da cidade um perímetro às avessas

Faz como a entamoeba ao abrir clarões.


Pois, espaços entre arquiteturas

Continua a avançar infraestruturas

Em expansão urbana por sertões!


Belo Horizonte - 21 12 2021

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A MEU RESPEITO

 A MEU RESPEITO


Tudo o que penso sobre mim

Tem a ver co’o que está no peito.

Respeito é bom e exijo sim

De quem deseja o direito.


Respeito é bom desde o conceito 

De que somos iguais no fim.

Tem a ver co’o que está no peito

Tudo o que penso sobre mim.


Respeito é bom e devo enfim

A quem seguir mesmo preceito,

Dando e recebendo outrossim.

Tem a ver co’o que está no peito 

Tudo o que penso sobre mim.


Belo Horizonte - 21 12 2021

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

À RÉCUA

À RÉCUA 


Quem não pede licença, sim desculpa,

E tende a agir conforme as circunstâncias,

Faz exigir por tantas inconstâncias,

Que à Justiça outra estátua vil s'esculpa!…


E o que premeditado se desculpa,

Somente é outra chance para errâncias

D'um homem bom imerso em más ânsias,

Até que admita a si a própria culpa.


D'este modo, o malfeito vale a pena,

Ao passo que a verdade se apequena

Por sob as vistas grossas d'Excelências…


Recua tão-somente em dar a volta

Para enquanto abre campo à rédea solta,

Cobrir-se d'ouro até as excrescências!


Belo Horizonte - 20 12 2021

AJARDINADO

AJARDINADO


Interessa-me ver o quanto chupa

De néctar um errante beija-flor;

Cuidar dos besourinhos ao redor

Ou surpreender a abelha sob a lupa.


Soubesse a borboleta desde a pupa

Vir a ser entre as flores outra flor,

Talvez se desejasse furta-cor,

Face à bela que a amar tão-só se ocupa.


A tarde caía lenta e sem cuidados,

Quando mil estorninhos apressados

Vieram burburinhar na laranjeiras…


Pois o sol, muito embora se ocultasse,

Anunciava que então eu desposasse

Àquela que enrubesce as cerejeiras…


Belo Horizonte - 20 12 2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

BISMILÉSIMO ANO

BISMILÉSIMO ANO


Se alguma utilidade os erros têm,

É a de relembrar-nos imperfeitos.

Há dois milênios sonha-se conceitos,

E más escolhas tidas para o bem….


Os profetas do fim (eles também…!)

Marcaram para o Christo novos feitos

E no bismilésimo ano, contrafeitos

Mantém todos olhando para o Além.


Mas, ainda que em vão, vão pela terra

Muitos homens obscuros nos desterros

Que armavam os mais crentes para a guerra.


Vêm na noite escura, andando aos berros:

-- "Quem, em nome de Deus, a História encerra?!"

Se alguma utilidade têm os erros…


Belo Horizonte - 19 09 1999

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O HOMÔNIMO

O HOMÔNIMO


Ele se chama tal como eu me chamo.

Não sei d'ele, tampouco ele de mim,

Mas lhe tenho empatia mesmo assim

Ao sabê-lo escritor qual me proclamo.


Se eu, tanto quanto ele, mais reclamo 

D'essa vida vivida para o fim,

Talvez que vindo ele d'onde eu vim

Pela árvore dos Cunhas âmbos ramo.


Ricardos, cá nós dois somos de pia

E nas letras buscamos a alegria

Que a nós nos tem negado o quotidiano.


Visto que o curso estranho d'estas vidas

Mal desviara um do outro nossas lidas,

Antes por maldição que por engano...


Betim - 15 12 2021

SE VIVO A MORRER D'AMORES

SE VIVO A MORRER D'AMORES 


SE VIVO A MORRER D'AMORES


Se vivo a morrer d'amores

É porque de vós, Senhora, 

Tal saudade me apavora...

Tanto que só tenho horrores,

Enquanto não nos vem a aurora...


Passa o dia sem demora

Após a noite sem pudores,

Lembrando nossos ardores

Face à solidão d'agora,

Fria sob os cobertores...


A morrer d'amores, flores

Vos traz aquele que chora

E ainda ao sereno implora

Ornar-vos com belas cores,

Enquanto não vem nossa hora.


Eu vivo a morrer, Senhora,

Sem vosso olhar; sem candores

A consolar minhas dores...

Se mais e mais s'enamora

Minh'alma em vossos fulgores!...


Igarapé - 11 12 2021

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

RESSAQUINHA

 RESSAQUINHA


Mal acordo tomando o meu café

N'um lagoinha que -- puts!-- servira pinga...

Vendo o povo que cedo s'endominga,

E vai à igreja em frente ao cabaré.


Co'a mente mareada vou na fé,

Depois d'outra noitada de rezinga.

Desafiador, o sol de mim se vinga,

Enquanto a cambalear fico de pé.


Então recordo a lua na sarjeta,

Que na noite anterior me vira poeta

E boêmio a seguir de bar em bar.


Rimas martelavam na cabeça,

Onde a manhã, espada, me atravessa,

Tirando as ideias todas do lugar.


Betim - 08 12 2021

domingo, 12 de dezembro de 2021

ONÍRICO

ONÍRICO (rondel)


Tanto melhor a realidade

Quando fora antes sonhada.

Tão mais bela do que a jornada

É a lembrança; é a saudade…


Toda realidade, em verdade,

É melhor quando imaginada.

Quando fora antes sonhada

Tanto melhor a realidade!


Quando se fizer realizada,

A imaginação que m’evade

Então há-de ser recordada!

Quando fora antes sonhada

Tanto melhor a realidade!


Belo Horizonte - 11 12 2021

sábado, 11 de dezembro de 2021

A PÃO E ÁGUA

A PÃO E ÁGUA


Tenho passado a pão e água os meus dias,

Desgostoso da vida e seus prazeres.

Pois cada gozo alterca com sofreres,

Em meio a mais tristezas que alegrias.


Entre azares se perdem fantasias

Tal como auroras entre os afazeres…

Tempo se desperdiça com haveres,

Enquanto um grande amor entre porfias.


Este estranho jejum a que me obrigo

É obra involuntária de mendigo

Que pouco ou nada tem de piedosa.


É dissabor total com o que vivo!

Se o tens por sacrifício sem motivo

É que me desconheces toda a prosa.


Betim - 07 11 2020

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

SUB-REPTÍCIAS

SUB-REPTÍCIAS


Não raro, sob palavras bem gentis

Se ocultam intenções quase rasteiras.

Mentiras se pretendem verdadeiras

Nas bocas dos mais vãos e dos mais vis…


Dar fé às tais lorotas do infeliz

Azeda até conversas costumeiras,

Que ele intenta passar por brincadeiras,

Aqui e ali jogando seus ardis.


Por debaixo dos pés dos rastejantes,

De certo há armadilhas ultrajantes,

Cujo laço retém sempre o mais crente.


Pois que, por expressões subliminares

A maldade se inculca nos azares

De quem, manipulado, era inocente.


Betim - 08 12 2021

domingo, 5 de dezembro de 2021

TANTO FEZ; TANTO FAZ

TANTO FEZ; TANTO FAZ


O que não importara no passado

Tampouco importa agora no presente.

O que fizeste (ou fazes) tão-somente

Permanece no amor que tens deixado.


Se não trazes co’o peito enamorado 

Teus carinhos e carícias, descontente,

Verás o peito amante de repente

Partir face a um amor desencontrado...


Andaste caminhando junto ao abismo 

Sem veres teu terrível egoísmo

Te guiando a passos largos para o nada.


Um dia, tu voltarás por onde foste

E o que terás a ti talvez desgoste

N'uma casa vazia e abandonada.


Betim - 04 01 2021