segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA

ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA


Certas palavras não podem ser ditas 

Sem que a verdade d’elas forte irrompa. 

Prescindem de ouropéis; de toda pompa, 

Quando um maior sentido as faz escritas. 


E aquele que ousar ver suas desditas 

Anunciadas ao vulgo por tal trompa,

Antes que cada verso outrem corrompa, 

Há-que se vazar cego as próprias vistas!... 


Assim, essa palavra impronunciável,

Sob pena de evocar imensa dor

Ou mesmo uma tristeza interminável,


Dê sentido ao sentimento de torpor,

Conhecido entre o estúpido e o inefável

Da mente abandonada ao próprio horror.


               *              *              *

 II 


Hei sido reticente quanto a mim, 

Mas ao puxar angústia, átrio do nada,

Minh’alma revelou-se desolada,

Por labirintos vãos do início ao fim... 


Encadeei palavras, mas, enfim,

Aonde vão se não chegam a nada?  

Após tudo, findei minha jornada 

Enclausurado à torre de marfim…


Por desvãos da memória a pena escreve 

Indiferente à lúcida derrota

E às remotas ruínas onde esteve.


No entanto, seja sim digno de nota:

Todo aquele que a versos vãos se atreve

Vagueie inopinado em terra ignota!


               *              *              *

III


Algo tem-de acabar com essa dor…

A angústia inenarrável do momento,

Que queda sobre mim sem mais intento

Com a fúria d’um anjo executor. 

 

E embora reste ver o sol se pôr

Imerso n’um total abatimento,

Ainda hei-de cantar de novo ao vento 

Um desencanto a mais de sonhador. 


Sonhos, deixo-os perdidos meus ideais.

E as luzes vão partindo com o sol

Em meio a pensamentos vãos demais. 

 

Pouco difere a aurora do arrebol...

Tudo não passa d’uma angústia a mais

Do peixe que suplica pelo anzol.


Belo Horizonte - 12 12 1998


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