CAIXA DE FÓSFOROS
Às vezes, escrever poesia é tentar manter acesso um fósforo
na escuridão.
Betim - 27 10 2025
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
CAIXA DE FÓSFOROS
Às vezes, escrever poesia é tentar manter acesso um fósforo
na escuridão.
Betim - 27 10 2025
ILETRADO
Minha pouca leitura e entendimento
Têm feito de mim um poeta menor.
Ignoro se o que escrevo tem valor,
Deixando-me levar pelo momento.
Não cuido se coerente o pensamento
Ou mesmo se a meus versos dou sabor.
Se haveis prazer ao lê-los, meu leitor,
É antes vosso belo e bom intento.
Não sou de disputar co’os mais doutos,
Sim de me isolar em valhacoutos,
Como quem foge aos erros que engendrou.
Portanto, não me leais por cultura —
Vós que me conhecestes a escritura:
Têm as letras os males do que sou.
Sabará - 18 10 2025
IN THE PINES
Se, n'uma manhã, por neblina espessa,
Me aparecesse o rosto iluminado
D'aquela que viveu em meu passado
E se foi para os longes, quase à pressa…
Ela — sem tronco ou membros, só cabeça —
A vagar no vazio ensimesmado
Para estar, mesmo ausente, do meu lado
E manter, em maldição, sua promessa:
Sob os pinheiros, onde nunca o sol
Aquece o vão sombrio da montanha
E a névoa estende nívea o seu lençol,
Ali, com obsessão, o olhar s'embranha
E se confessa culpa estremecida,
Uma outra vez, na lágrima incontida.
Moeda Velha - 04 10 2025
OROGRAFIAS AFECTIVAS
Aquelas três corcovas alinhadas,
A maneira de irmãos para uma foto,
Cerram a cordilheira no remoto
Sítio onde o Paraopeba abre moradas.
Seguindo, d’Oeste a Leste, amplas cumeadas
— D’onde rolara a moça em tempo ignoto…
Além, ao velho Curral, por fim anoto:
“Da metrópole mineira, altas miradas.”
Caminhos de minério, cavas, vidas…
As montanhas s'elevam enternecidas
De serem fundo ao nosso quotidiano.
Eu as saúdo aos brados, de regresso,
E à vastidão silente lhes confesso
Meus ais de caminhante suburbano.
Moeda Velha - 04 10 2025
MORTIFICADO
Há quem queira saber como me sinto,
Talvez para gozar de meus azares
E ver meu coração indo p’ros ares!
Ou mesmo minha mente em labirinto...
Eu tenho andado errático, não minto:
De partida p’ra todos os lugares.
Há só desilusão em meus olhares,
Embora alguns me tenham por distinto.
Não hei forças sequer para sorrir...
Por isto, franzo o cenho a discernir
Entre outra escuridão e um descaminho.
Sinto-me, pois, a arder em carne nua...
— Se a lua na sarjeta ainda é lua,
Em minhas mãos não sei se sangue ou vinho.
Belo Horizonte – 03 10 2025
A CONSELHO MEU
Conselho que te dou: Tem por mais certo
E sábio não querer quem não te quer!
Aquela que te vê como um qualquer
Nada terá senão o olhar deserto...
Procura o teu caminho, longe ou perto,
E encontra a solidão que te aprouver.
Errada te há-de ser toda a mulher,
Visto que o coração tens encoberto.
Dá tempo ao tempo. Não te desesperes.
Cuida apenas de ti e teus haveres,
Aceitando o Universo em movimento.
No mais, que seja bela a tua estrada!
Há mais paz n’uma longa caminhada
Do que nos amplos vãos do sentimento.
Belo Horizonte – 25 09 2025
DESAPEGO
Aquilo que foi meu não me possui;
Eu deixo para quem melhor servir.
Se não busco ao passado o meu porvir,
Tampouco resto à casa enquanto rui.
Eu não me sinto preso a quem já fui.
Mas, mesmo que difícil de admitir,
Percebo mais leveza em ir e vir
E o mundo é hoje o mestre que me instrui.
Levo comigo só o que consigo
Pois não pretendo lar o meu abrigo,
Visto que parto assim que amanhecer.
Pessoas? Resvalar de convivências...
Não acumulo mais que experiências
Certo de que não sou o que sei ter.
Bonfim - 07 09 2025
EM SÃ CONSCIÊNCIA
Àqueles que me têm por problemático
Ou mesmo de difícil convivência,
Pondero que atravesso esta existência
Imerso n’um silêncio sorumbático.
Embora quase sempre errado e errático,
Busquei senão dos mansos a inocência.
Tive, contudo, em paga da experiência
Antes incompreensão do que algo prático:
— "Celerado!" — jogaram-me na cara,
Enquanto m'exaltava face à ignara
E obscurantista visão de meus juízes.
Se se levantam contra mim, talvez
Haja alguma razão na insensatez
E a má-fé n'este chão deitou raízes...!
Betim - 06 10 2024
COISAS D'AMOR
Se eu escrevesse apenas sobre o amor,
Como tantos costumam escrever,
Mais gente a mim talvez quisesse ler
Sabendo-me alguém douto pela dor.
Alhures, o interesse é bem maior
Quando, escrito co'as cores do prazer,
O poema — ou o que melhor lhes parecer —
Traz aos outros um pouco de calor.
Eu, todavia, escrevo como vejo.
Se poetasse em função do meu desejo,
Tão-só repetiria obviedades.
Escrevo, muito embora desaponte
Àqueles que o amor têm por horizonte,
Imerso em ordinárias realidades.
Campos do Jordão - 02 09 2025
MISERERE
Sou, por mal dos pecados, um descrente;
Todo entregue a mais vã concupiscência.
Se de muito me acusa a consciência,
De muito mais me julgo impenitente.
Da vida após a morte, eu tão-somente
Tenho uma indiferente complacência.
Não sei se por preguiça ou incompetência
Não alcanço dos fiéis o olhar silente.
Deus não me deu a graça de ter fé…
Por isso, o meu caminho eu sigo a pé,
Não pelas asas de anjos ou demônios.
Eu deixo a metafísica aos que a veem
Em tudo o que acontece e, logo, creem
Em verdades demais para os neurônios.
Perdões - 27 08 2025
À DISTÂNCIA
Eu agradeço aos céus por este dia;
Por todos os que tive do teu lado
E pelos que terei... Mesmo fadado
A t'esperar na noite escura e fria.
Agora estou distante, todavia.
E, sobretudo hoje, parece errado.
Dou-me conta que os anos têm passado
Mais tristes sem a tua companhia.
Eu quando fui-me embora não temi.
Certo de que estaria junto a ti,
Pois sempre estás em quanto penso e faço.
Malgrado tanta dor, tem confiança.
Mesmo estando longe, em meu regaço,
Eu sinto o teu calor, minha criança...
Belo Horizonte – 02 06 2005
A PLENOS PULMÕES Puxava o ar co’a urgência de afogados, Como estivesse a vida por um fio, N’um respirar frenético e sombrio, Ainda d’olhos vãos e esbugalhados. Desabo sobre mim sem mais cuidados, Arfando pelo chão como um vadio. Talvez olhasse a morte em desafio, Reduzido a suspiros extenuados. Mas, além de tudo isto, o coração… Batendo acelerado em explosão, Quase que já me saindo pela boca. E esse sopro, momento após momento, Pareceu-me a própria alma em movimento, Quando o corpo a si mesmo se provoca. Betim - 24 08 2025
TRANSEUNTE
Eu, excessivamente enmimesmado,
Passo por homem sério a quem me vê.
Caminho a passos largos sem porquê,
Sempre a olhar para baixo ou para o lado.
Pareço ser ninguém. Um apagado,
De cuja discrição não se descrê.
Buscasse algum aplauso por mercê,
Alcançaria ao léu senão enfado…
Talvez inofensivo; talvez insosso,
Eu cuido de fazer tudo o que posso
Para apenas ser um conforme a lua.
“Em face do pior, tolera-se o ruim”
Penso de quem pensa isso de mim
E sigo o meu caminho pela rua.
Betim - 20 08 2025
VERANICO
É bonito de ver, pelas colinas,
Floridos os ipês e os mulungus
A colorir os campos contra a luz
Dourada nas errâncias matutinas.
Ainda o longo estio. Ainda as finas
Pátinas empoeiradas nos bambus…
Mas, súbito, a paisagem a olhos nus
Explode em amarelos e boninas!
Um sol que mal me aquece me acompanha
A jornada que avança na montanha,
Por sob um céu sem nuvens, azulzinho.
“As cores são tão vivas que felizes…”
Penso, maravilhado dos matizes,
Que me fazem parar pelo caminho.
Florestal - 16 08 2025
ARS EROTICA
Uns só gostam de ver; outros, de ler…
Se o desejo s’espraia em fantasia,
Toda a nudez, mais dia menos dia,
Nos leva à ânsia de estar para não ser.
Ultraidealista, a arte do prazer
Explicita sem dramas a utopia,
Em forma e conteúdo — Quem diria?...—
Para enfim, sem limites, s’exercer.
Que imaginação tão insensata,
Essa que nos expressa o encontro humano
Mediado por telas ou palavras…!...
Mas tal incongruência nos retrata:
Todo entregue ao interesse mais mundano,
Vê quase à flor da pele as suas lavras.
Betim - 14 08 2025
DEVOLUTAS
As terras do sertão são de ninguém.
Devolvidas a quem jamais foi dono,
S’estendem sem cultivo; no abandono,
À espera d’um progresso que não vem.
Povoadas pelos sós que nada têm,
D’ali, tanto o patrão quanto o colono
Partiram com as bênçãos do patrono,
Cuja capela a ruir mal se sustém.
As penhas espalhadas no planalto
Parecem reluzir pela amplidão
O sol que nos fustiga a solidão.
Ainda assim, eu vou sem sobressalto
A um deserto de gentes parecido:
Sem porteiras nem cercas; desmedido.
Sobrália - 15 06 2025
SARDÔNICO
Sorriu como sorri um assassino
Em face da mulher desfalecida.
Dir-se-ia a lhe roubar a própria vida,
Tendo por entre as mãos o seu destino.
Logo ela o olhou surpresa, em desatino,
Como lhe adivinhasse a mal contida
Estupidez da mente envilecida,
De vão e malicioso libertino.
Fugiu de seu olhar a mascarar-se
E ocultar-lhe a maldade no disfarce
De bom moço que usara até ali.
Ela, porém, afasta-se com medo,
Após ter descoberto seu segredo,
Enquanto ele sorria para si.
Betim - 07 08 2025
O CLASSICÔMANO
Um aficionado sem limites.
Apraz-lhe distâncias maratônicas,
Ascensões altimétricas agônicas
Ou explodir seu peito a dinamites…
Faz voltas a despeito de convites,
Ao reviver figuras hegemônicas
E transmitir às mídias electrônicas
De grandes canibais os apetites.
Quer, mais do que admirar, reconhecer
Àqueles cuja glória soube ver
Pelas competições mais afamadas.
Certo que o suor e as lágrimas irmanam
Os que ares remotíssimos profanam,
Em meio às altitudes neblinadas.
Belo Horizonte - 24 07 2025
AMESQUINHADO
Tinha já tão pequeno o coração,
Que não podia sentir senão aos poucos.
Depois de ver mais sábios os mais loucos,
Parece indiferente à escuridão.
Dos grandes sentimentos, a ilusão
Clamara às multidões a brados roucos.
Hoje, com olhos vis e ouvidos moucos,
Isola-se na própria percepção.
Guarda vaga memória de quem fora
Ou do que defendera vida afora,
Antes de se perder na realidade.
Pois, se o amor que era pouco se acabou,
De si para consigo, o que restou
É qualquer coisa em vão como a saudade.
Betim - 02 08 2025
PANEGÍRICO
Nos códices, seu nome venerando
Luza como se em ouro fosse escrito.
Elevem-se-lhe glórias ao infinito,
Por séculos e séculos clamando…
À luz de seu lavor, de quando em quando,
Lhe recordamos o ímpeto irrestrito.
Louvai-o, do sensível ao erudito,
Vós que tendes das letras o amor brando!
Um sol a alvorecer pela manhã,
Assim seja a grandeza de sua obra,
Cujo óbolo de encanto se nos cobra.
E se acaso questionarem tanto afã:
— “Porquê de tal memória assim dileta?” —
Dizei: — “Mas, por suposto, foi poeta!”
Betim - 30 07 2025
CASUAL
Diz-se de sexo ou roupa; algo fortuito.
Como deixasse ao acaso a decisão
Ou reagisse conforme a ocasião,
Em face do prazer; por pouco ou muito.
Desfaz do que cogita todo o intuito
E abre-se às razões do coração.
Até que, atravessando a escuridão,
Depare com o encanto mais gratuito.
Veste-se para logo se despir
Com a urgência de amar e de existir
Que afinal lhe reafirma estarmos vivos.
Por isso, assim que a encontro pela rua,
Com uns trajes casuais, a vejo nua,
Em meio a pensamentos intrusivos.
Betim - 24 07 2025
HABITE-SE
Um terreno, uma casa de morada,
Um quintal, um pomar, um galinheiro…
Em sítio suburbano, o costumeiro
Abrigo sob à sebe avarandada.
A vida que passou cerca da estrada
Mais os reveses pagos a dinheiro.
Da ampla propriedade ao jasmineiro,
O seu olhar face à última alvorada.
Certifiquem do estado que s’encontra
Agora a habitação sem habitantes,
Sem saber se será como era d’antes.
Tendo que o erário não esteja contra,
Após vidas aos trancos e barrancos,
Só bens documentados para bancos.
Betim - 23 07 2025
FORO ÍNTIMO
Percebo-me incapaz de me julgar,
Tal o conluio havido em mim comigo.
Talvez eu seja o meu próprio inimigo,
Quer para defender; quer acusar.
Arbitro impunemente o meu penar
E após me nego a mim não sem castigo.
Em autotestemunho, eu me persigo
Sem recurso senão tergiversar.
Onde o contraditório da existência
Inquire dos desvãos da consciência
Outra devassa vã e inconclusiva,
Eu vivo sem saber se bem ou mal,
Em quietismo extremo e radical,
Tanta interioridade reflexiva…
Betim - 23 07 2025
TU A TU
Contigo aprendi todas as mentiras,
Que enamorados contam para si.
De tanto te buscar, eu me perdi
No labirinto ao qual me conduziras.
Não cuido se me acusas ou deliras,
Deixando algo de mim aqui e ali...
Nem calo o que pensei quando te vi:
"Amar não vale o drama ou suas iras!"
Vivemos tudo o que há para viver
E fomos quanto nós pudemos ser
Um para o outro apesar de ti; de mim...
De qualquer modo, a vida continua.
Se a tristeza por vezes se insinua,
É que sempre aprendemos mais no fim.
Betim - 20 07 2025
O SEXTILIONÉSIMO Estimaram, às portas do Milênio, Que nós fôssemos mais de seis bilhões, Vendo ao mundo as finais transformações, Tal-qual profetizou o povo essênio. Tantos, que há-de faltar-nos oxigênio Ao longo dos mais tórridos verões… Por bem monetizar devastações Uns homens de poder e de grão gênio! Apocalipse à vista, um nascituro Há-de testemunhar-nos a aflição, Enquanto a profecia se completa. De facto, eis que este chega sem futuro... Só mais um a viver em negação, Diante do esgotamento do Planeta. Belo Horizonte - 20 02 2002
ERRÔNEO
Não escrevo senão do que não sei,
Em meio a pensamentos imperfeitos.
Confuso, eu exaltei os meus defeitos
E todos os alertas desdenhei.
Dos néscios mais vadios eu fui rei,
Com fumaças de ideal e vãos preceitos.
Filósofo do nada, quis afeitos
Aqueles cujo mal não enxerguei.
Duvide do que afirmo quem me lê!
Saiba não estar diante d'um notável,
Se tais versos ao acaso por fim vê.
Por linhas tortas, quis a vida mais bonita.
É, senão impossível, improvável.
Haver verdade em mim ou minha escrita…
Betim - 15 07 2025
LÁPIDE
Nascer, morrer… As datas e os locais.
N’isso resumem toda uma existência!
O resto se deduz com complacência
Face às obscuridades dos anais…
Passado certo tempo, nada mais
Nos faz pensar do ser senão a ausência.
Ressalte-se da rocha a resistência
Em preservar-lhe os dados essenciais.
Descansa em paz aquele que lutou
Ou simplesmente aqui testemunhou
Outro breve intervalo em meio à História.
Reste-nos tão-somente que viveu
E o havido em sua vida se perdeu
Com exceção d’esta última memória.
Contagem - 07 07 2000
DÈJÁ VU
Hoje admito que estou muito cansado
E que ando mais sozinho do que devo.
Imerso em tantos eus, quase longevo,
Pareço um caramujo ensimesmado.
Não que ainda me sinta amargurado,
Somente ao que desejo não me atrevo:
Mais nada experiencio de relevo,
Sem antes presumir tê-lo sonhado.
Aguardo o trem chegar à plataforma.
Deveras, a exceção tornou-se a norma,
Ao estranhar-me de novo de partida.
As sensações… As sombras… A tristeza!
Em face do já visto, com certeza,
Eu sigo andando em círculos na vida.
Belo Horizonte - 20 10 2002
INTROSPECTO
Olhando para dentro, ora me vejo
Perplexo com quem sou e tenho sido.
Vivo às margens de mim; perto d'Olvido,
Nos vãos da solidão e do desejo.
Eu tanto m'enganei que tenho pejo
De a ilusões ter um dia dado ouvido…
Tudo hoje me parece sem sentido,
A ponto d'eu descrer de quanto almejo:
Desejar é perder-se no outro. Assim,
Procuro m’encontrar dentro de mim,
Ao invés de me buscar novos tiranos.
Para além de qualquer satisfação,
Romper de vez os elos da prisão
Que me roubou de mim por tantos anos.
Belo Horizonte- 20 05 2002
OSTRACISMO
Hoje em dia, eu converso com ausentes
E componho uns silêncios reflexivos.
Tenho andado entre vivos e não vivos,
Como se um purgatório de descrentes.
Eu cumpro a minha pena sem correntes,
Embora saiba ter os pés captivos
Por perscrutar dos meus os seus motivos
Co’a culpa que se impõem os inocentes.
D’olhos no que passou, eu passo os dias
Às voltas co'as lembranças mais baldias
Em minha irrelevância indiferente.
E, de tudo que amei distanciado,
Percebo ter eu mesmo me tornado
Senão um estranho entre estranha gente.
Congonhas - 30 06 2025
PAMPULHA
Ócio criativo: Fotos de postal
E água de coco com pastel de feira.
No mais, contemplação e brincadeira;
E o entardecer nas águas no final.
A turistar n’algum nobre quintal
Ou a revisitar pálios sem bandeira,
Flano pela avenida sempre à beira,
Que lhe contorna o plano magistral.
É bom estar aqui só por estar
E rever tudo o que há para se olhar,
N’um encontro de velhos conhecidos:
Meus olhos e a paisagem, tão-somente.
O sol raia nas águas seu poente,
Feliz de meus sorrisos desmedidos.
Belo Horizonte - 26 06 2025
SECO E FRIO
O beijo ficou seco; os lábios, frios.
Talvez eu já não veja ou seja visto...
Mesmo ainda te amando, ora desisto
Farto de teus humanos desvarios.
Talvez sorrisses sóis; chorasses rios.
E eu, tão equivocado de tudo isto,
Já não mais te quisesse ser benquisto,
Entregue ao desatino dos baldios.
O beijo ficou frio; os lábios, secos.
Pelo vazio em mim escuto os ecos...
Não há porque não ser o mesmo em ti.
P'ra todos os efeitos, assim seja:
Olhando para mim talvez te veja
E estejas tu tão só quanto eu aqui.
Betim - 08 03 2019
COLIBRIS
Soubesse parar no ar; soubesse olhar
E ver quanto m’escapa ao entendimento.
Retirar do momento o movimento
E reter-te à retina até te amar.
Talvez no coração fosse guardar
Senão o pensamento, o sentimento
Ou obter da sensação contentamento,
A tempo d'uma flor desabrochar.
Tal como os colibris pelo jardim,
Não te ofertar senão delicadeza,
Às voltas com efêmero festim.
E, também como eles, ter certeza
Da doçura do beijo em teu carmim:
Nutrir-me tão-somente de beleza.
Betim - 20 06 2025
ONDE HOUVER CAMINHOS
Eu andarei… Ainda que por rumo.
Prescinde de razões ou companhia
A vontade de ser em travessia
Para além dos lugares que costumo.
Sim. Onde houver caminhos; onde o fumo
S'eleva na distante serrania…
E o encanto vai ao encontro da poesia
Para além das palavras que perfumo.
Perscruto a solidão das madrugadas
A ver n'estas paragens neblinadas
Ainda a fantasia e a maravilha.
Porque sinto que, estando em movimento,
Até o ar que respiro contra o vento
Conquisto sob um sol que imenso brilha.
Sabará - 20 06 2025
DEUS "VULT"
Aos que creem, o querer de Deus – eu penso –
Devera revelar-se em realidade.
Pois tudo o que acontece, na verdade,
Lhe cumpriria o plano bom e imenso.
O mundo, todavia, por consenso,
É duro para toda a humanidade:
Guerra, miséria, fome, enfermidade…
Ainda que a louvar com ouro e incenso!
Aos que creem, o querer de Deus – eu acho –
Parece antes o d’eles do que o d’Ele,
Sempre com sangue alheio por debaixo…
E essa idealidade que os impele
A fazer o que Deus mesmo não fez
Dirão Sua vontade… Uma outra vez.
Belo Horizonte - 26 05 2025
CASTELHANÍSSIMO
Decerto, há quem confie demasiado
E normalize estranhas actitudes.
Não vês, meu caro amigo, que te iludes?
Ou aceitaste ser tudo obra do Fado?...
Teu presente repete meu passado
– Da irreciprocidade às inquietudes!
Convém que à fantasia ora desnudes
Sob pena de avançares enganado.
O que senão a angústia te motiva
Ao contínuo engendrar de descaminhos?
Amor… Eis-te pelo abismo dos sozinhos!
Ao igual que eu, trazes tu a alma captiva.
Não vês, meu caro amigo? É inevitável
Perder-se entre o impossível e o improvável.
Betim - 15 05 2025
DEDO PODRE
Certa vez, em resposta a um comentário d’ela, escrevi: “Ela tem o dedo podre, o coração de pedra e o sexo seco.”
Foi a coisa mais dura que escrevi sobre alguém, em toda a minha vida.
Eu estava magoado após ela ter dito a quem quisesse ouvir que tinha o dedo podre para escolher homens. Eu não me fiz de desentendido. Incluí-me em sua afirmativa e lhe fiz essa descrição desfavorável, antes sentimental que anatômica -- Sim, o dedo podre, mas não só... Era como se concordasse, porém esclarecendo ser seu dedo podre quem estragava tudo o que tocava. Não eram os homens que passavam por sua vida inservíveis — ou podres, como ela os qualificou — mas sim ela que os deteriorava com sua incapacidade de ser recíproca. Forçoso esclarecer que dar para receber nunca lhe foi primordial em relações amorosas, ao menos a meu ver.
De qualquer modo, a violência de meu juízo a seu respeito me chocou. Era despeito, obviamente. Enquanto lhe orbitei a existência, eu tolerara suas maneiras com a esperança de lhe inspirar afeição. Todavia, passados anos n’esse jogo insidioso de apostar cada vez mais alto apenas para confirmar que a sorte jamais me sorriria, eu me vi perdido em ressentimentos e ciúmes. Dei para falar muito mal do amor, sentimento que supunha sagrado, para, após, destilar todo esse fel que me subia à boca diante do fracasso de nossa vida a dois.
Penso que descuidei de mim. Deixei a barba e o cabelo desleixados, bebendo excessivamente. Atravessei noites e noites em longas e solitárias caminhadas de canto a canto da cidade sem qualquer propósito senão investigar as obscuras motivações que nos lançaram um nos braços do outro. Aparentemente, recordando agora, era como cavasse um poço dentro de mim mesmo onde eu m’escondesse dos olhos de terceiros e seus julgamentos. Nada era conclusivo. Eu revirava hipóteses sem conseguir chegar a uma teoria que me servisse de verdade, precária e provisória que fosse, sobre o que havíamos vivido juntos.
Talvez ela tivesse, de facto, o dedo podre — o que fazia de mim não mais que uma decepção. Talvez ela tivesse me apodrecido — o que fazia d’ela não mais que uma egoísta. Não sei se o leitor, ou leitora, me acompanha o desatino, mas ambas proposições me parecem hoje injustas. Aceitá-las seria desgostar tanto d’ela quanto de mim, algo que, ao fim e ao cabo de tudo, nós não merecemos. Mas, e a podridão do dedo? Outra figura infeliz de linguagem comum aos desapaixonados. Servira tão-somente para expressar algo que também eu sentia àquela época: Azar no amor.
Fechadas as contas, ambos nos ofendemos. Dedo podre?... Coração de pedra?... Sexo seco?... Culpa-se quem não sente ou quem não faz sentir? Se o outro não atrai, afetiva ou sexualmente, tal insensibilidade é uma questão do casal, não de cada um por si. De minha parte, esse episódio resta como um momento de imaturidade emocional. Eu lamento ter escrito o que escrevi.
Betim - 21 05 2025
NÃO ME TOQUES
Vai-te e me deixas; volta aos teus cuidados.
Afasta-te de mim — tu que me amaste —
Fala que fui um vil e sou um traste;
Se vierem questionar, lembra passados…
Depois de tantos anos de desgaste,
Passe eu como errado entre os errados;
Outro a arfar sob os olhos elevados
D’estes cuja honra têm em altiva haste.
Não negues a tua íris furta-cores
Luzir sobre boníssimos amores,
Por um que se conhece e após s’esquece.
Deixa-me retornar à escuridão
— Tu que me foste amada — Na ilusão
De me lembrares só em tua prece.
Inhapim - 20 07 2011
INTERREGNO
D'agora até um ano esperarei
O necessário arder das emoções.
Decido não tomar mais decisões
Incerto do que sei ou que não sei.
Enquanto isso, farei do acaso lei.
Nada de procurar explicações…
Tampouco hei-de guardar as convenções,
Dando-lhes a atenção que nunca dei.
Pode ser que hoje eu vá passarinhar.
Pois, dono de meu tempo e meu lugar,
Não quero senão luzes em meus olhos.
O sol, o céu, a tarde, a solidude…
Espero que a beleza se desnude,
Mesmo que em meio a cinzas e restolhos.
Betim - 13 05 2025
LICEU
Palácio do saber, a minha escola
Fez de mim quem eu sou e quem não sou;
Quem, por artes e ofícios, m’ensinou
A poetar desde quando rapazola.
Esse mal de escrever ninguém curou.
Embora julguem algo meia-sola,
O exercício da pena não descola
D’este homem que a vida me tornou.
Faço, defronte ao prédio, reverência
Ao lembrar minha breve experiência
Pelos seus corredores juvenis.
Eu lhe deixo este poema como ex-voto,
Escrito à mão no avesso em minha foto,
De que ali, poeta e moço, fui feliz.
Belo Horizonte - 06 01 2000
O INAVIDO
Jamais! Nunca houve e, não, nunca foi visto.
Como pode ser contra a realidade
Tudo quanto da mente nos evade
Para além do saber d’aquilo ou d’isto?
Não importa se penso ou mesmo existo;
Se nem o Omnividente à claridade
Houve por bem mostrar, onde a verdade
Senão nos vãos dos sonhos eu conquisto?
A morte como modo necessário
De se dar à consciência o temerário
Conhecimento do que é e o que foi antes.
Findo o mistério; tudo revelado,
O mundo surgirá desencantado
Às íris dos meus olhos delirantes.
Betim - 20 10 2010
ESTRADAS BRANCAS
Clara noite de lua nos cristais
Do caminho espraiado pelo vale.
À trilha esbranquiçada, mal resvale
Cada passo deixado para trás.
Não cante a minha boca mais meus ais…
Em face da beleza, tudo cale!
Esta visão de sonho apenas fale,
Na fé que enluarado eu ande em paz.
Além, pelo horizonte, as amplas serras
Fazem maior a noite n’estas terras,
Já sem temer das penhas as carrancas.
Eu sigo sem saber aonde vou
Pelo encanto de ver que agora sou
Aquele que caminha estradas brancas.
Tabuleiro - 16 06 2024
INTERVALO
Entre o epílogo e o prólogo, atravesso
Todos os movimentos da consciência.
Viver é desmedida ambivalência
De ser quem se é e ainda o seu avesso.
Se tenho sido só desde o começo,
Não fiz senão do encontro uma excelência,
Apesar da mais notória incompetência
Em caminhar tropeço após tropeço.
Eu sigo a narrativa sem negar
Que as várias trajectórias e os olhares,
São só pelo prazer de m’expressar.
E, sábio que não sou, arrisco azares:
— “Importa antes o durante com seu drama,
Que dar moral à história que se trama”.
Betim - 07 05 2025
DOIS DE JANEIRO
Há um imenso vazio na manhã,
quando a mente não se alinha ao quotidiano.
Atravesso a rua, entro pela portaria, subo as escadas, sento em frente à tela…
Trabalho sem saber se será útil o que faço. Desconfio.
Pareço ser, mas não sou.
Celebrei as novidades da vida e a cabeça ainda
parece latejar de excessos. Desatino.
Saúdo a todos, pergunto pelos seus, mas
minha mente continua vendo nuvens
no alto de remotíssimas montanhas, eu não entendo.
O sonho atravessa a realidade.
Estou aqui, mas também lá, entendes?
Eu, tampouco.
Betim - 2025
O DESCASADO
Eu volto da cidade para casa
Sem saber, todavia, onde é meu lar.
Da janela do trem, a hora a passar
Arde céus nos meus olhos em brasa.
De novo sem destino e sem lugar,
Não ligo se o comboio mais se atrasa.
Apenas que a memória um tanto rasa
Me deixe inutilmente de lembrar.
Distrai este horizonte em movimento.
Tudo muda, momento após momento,
Até que nada seja mais como antes.
Percebo-me, afinal, um passageiro.
Na ilusão de ser só-mas-verdadeiro,
Como errados, erráticos e errantes…
Belo Horizonte - 11 12 2010
PARTILHA
Nós nem sequer fomos felizes,
Para sofrermos tanto assim.
Feridas viram cicatrizes…
Isto não é bom nem é ruim.
Todos se desgostam no fim
E andam pelo mundo sem raízes.
Para sofrermos tanto assim,
Nós nem sequer fomos felizes!
Todos lamentam seus deslizes,
Gastando em vão o seu latim
Entre advogados e juízes...
Para sofrermos tanto assim,
Nós nem sequer fomos felizes!
Betim - 20 04 2025
MUNDOS E FUNDOS
Disse ele que fazia e acontecia,
Mesmo que contra tudo e contra todos.
Homem de muitas falas de denodos,
Sem ter noção de si, aborrecia.
Muito maior do que era parecia,
Ou melhor, fez-nos crer com mil engodos.
Ser capaz de tirar ouro dos lodos,
Quando dos tolos mais s’enriquecia.
Pergunto-me, afinal, a quantas anda
Seu castelo de cartas admirável
Fundado só n’um nome indevassável.
Resultando em fortuna miseranda
De títulos mais podres que defuntos!
Disse ele que fazia… E fomos juntos…
Betim - 02 05 2025
ÀS GARGALHADAS
O riso da menina longe ecoa
Pelo imenso palácio da memória...
Mulher feita, sorri face à vitória
Da infância sobre o tempo e sua c'roa.
Ouve e se vê: Insólita pessoa!
— Uma vidinha nada meritória.
Contudo, ainda crê que sua história
Fará lembrar alguma coisa boa.
Aquela gargalhada sem vergonha,
Foi que fez a ela, mãe, se ver na filha
E entender da alegria a maravilha.
Talvez já não se veja tão tristonha
Tendo tanta alegria ora à retina.
Ouve e se vê: Ainda uma menina...
Betim - 22 08 2011
ALGAZARRA
A alegria ruidosa dos meninos
Martela em meus ouvidos embotados.
Às gargalhadas, vêm muito agitados
Cercar-me os solitários desatinos.
Correm os seus brinquedos vespertinos,
Soltando exclamações pelos gramados,
A ponto d’eu deixar quaisquer cuidados,
Em face do festim dos pequeninos.
Deixo as letras e os números do dia
E m’entrego à fruição da fantasia,
Que aquela meninada m’ensinava.
Por dentro, corro e grito brincadeiras
Quase a esquecer de vez minhas canseiras,
Certo de qu’eu também ameninava.
Betim - 16 10 2009
REFLEXOS
Veem d'onde se vem e aonde se vai.
De resto, sempre foi pelo poder
E à luz do que se deve ser ou ter:
Fidalguia do pai do pai do pai…
Indiferente já porque se trai,
A vidas em suspenso, diz: — ”A ver…”
A bem da sanidade, deve crer
Que ao fim no esquecimento tudo cai.
“Se quanto consegui não me define,
Tampouco o meu fracasso diz de mim.”
— Filosofa ao encarar-se na vitrine.
Veem o que querem ver ou algo assim,
Mas segue sem que a angústia desatine.
No mais, não lhe parece bom nem ruim.
Betim - 24 04 2025
PROSCRITO
Se não surpreende a fúria dos perversos,
Tampouco a ingratidão dos infelizes.
Reste, de tudo, apenas cicatrizes
E ecos a distanciar uns ais dispersos.
Cumpra-se: Fora o poeta mais seus versos!
Erva daninha arrancada co’as raízes,
Sirva de precedente a outros juízes,
Em paga de argumentos controversos…
Onde Judas perdeu as suas botas
Ou no fundo das mais profundas grotas,
Ei-lo lá, sorumbático e esquisito.
Em vão tentam dobrar o desvalido.
Ao fim, nem a distância nem o Olvido
Hão-de apagar o seu nome maldito.
Betim - 18 04 2025
SONOLÊNCIA
D’olhos pesados, mal distingo o dia
A alvorecer por frestas de persiana.
Vem claridade ardendo-me a pestana,
Sem que inteiro desperte, todavia.
Tateio até o banho, cuspo à pia
E vejo a água sumir na porcelana.
Enquanto a mente enfim se desengana,
De quanto o sonho nutre a fantasia.
N’uma semiconsciência bocejante,
Preparo o meu café com pão dormido,
Mas sigo contra as luzes, relutante.
Ainda assim, o sol que ora invalido
Há-de me acompanhar, instante a instante.
E eis-me em péssimo humor amanhecido…
Betim - 10 04 2025
INFECTOCONTAGIOSO
Não me toques; retorna aos teus cuidados.
Afasta-te de mim — tu que me amaste…
Fala que fui um vil e sou um traste;
Se vierem questionar, lembra passados…
Depois de tantos anos de desgaste,
Passe eu como errado entre os errados
Outro a viver senão de maus olhados
D’estes cuja honra têm em altiva haste.
Não negues a tua íris furta-cores
Luzir sobre boníssimos amores,
Por um que se conhece e após s’esquece.
Deixa-me retornar à escuridão
— Tu que me foste amada… Na ilusão
De me lembrares só em tua prece.
Inhapim - 20 07 2011
POR GENTILEZA
Aquela que me tem no pensamento
Me olha com olhos ternos amiúde,
Como se me sondasse a solitude
Em resposta um pudico atrevimento.
Eu lhe saúdo e guardo o seu assento,
Talvez a parecer-lhe menos rude.
Mas tal proximidade não a ilude,
Enquanto inacessível me apresento.
Ela olha e nada vê de meu desejo
Mesmo que se pergunte como a vejo
Em sua primavera encantadora.
E, a pretexto de vaga polidez,
Posso tê-la comigo uma outra vez,
Quase perto demais por mais uma hora.
Belo Horizonte - 20 11 2005
GRAFOMANIA
Por hábito ou distúrbio, tenho escrito
Essas frases que alguns chamam de versos.
Proponho pensamentos controversos,
Tentando fazer soar algo bonito…
Vez ou outra, eu especulo do infinito,
Enquanto crio em vão vãos universos.
Ou caio em mim no afã por ais dispersos,
Em face do que já desacredito.
Eu faço caber letras mal traçadas
Dentro de minhas horas perturbadas,
Ao preencher o vazio de existir.
Mas não cuido se agrado a quem me lê.
Apenas deixo ao vulgo sem porquê
Algo para pensar e até sorrir.
Belo Horizonte - 01 04 2025
DISRUPTO
Outra embira pocou. Na travessia…
Foi um-deus-nos-acuda estrada afora.
O tempo e o pensamento, ainda agora,
Não veem senão total desalegria.
Corta o fio da meada quem havia-
De perder o arrazoado, muito embora
O curso do discurso desde outrora
Em face da tropeira alegoria.
E não desconversaram: Rompimento.
O que entendera eu coisa de momento,
Se mostrou a cumeada da montanha.
Outra embira pocou. Na caminhada…
D’ali foram sozinhos pela estrada,
Cada qual com a própria história estranha.
Mateus Leme - 28 03 2025
BANANA-OURO S/A
Antes, compram a preço de banana;
Depois, vendem a preço d'ouro fino.
Verdadeira mentira, sô menino,
A ríspida arrogância d'um bacana.
De primeiro, faz crer que não s' engana;
No afinal, faz pensar que foi destino.
Mas, de vera, era tudo um desatino,
O perde-ganha vil de gente insana.
Esperanças à parte, s'especula...
Mas tanto faz a fome quanto a gula:
Uma hora todo mundo quer comer.
"Olha a banana!" - gritam no pregão
Verdade, sô menino, era ilusão:
Não há nada a ganhar, só a perder.
Betim - 20 03 2025
PEQUENEZAS
No poste um joão-de-barro que argamassa
As paredes da casa onde seu ninho
Faz cobrir, de pouquinho com pouquinho,
Até que a rude abóbada s’espaça.
Nas alturas, vivendo sem vizinho,
Vê o povo indo e vindo pela praça,
Enquanto atarefado a tarde passa
Com seu mínimo lar de passarinho.
Embora parecesse quase nada,
Já era alguma coisa aquilo tudo:
Acompanhei-lhe as obras da morada.
E quando dou por mim, o olhar desnudo
Não me contém a lágrima furtada
À ânsia d’um passarinho tão miúdo.
Betim - 24 03 2025
MONJOLO
Grão por grão no batido do pilão,
Enquanto a bica escorre calha afora.
Espigas esfarinham desde a aurora
Para o festim das aves do grotão.
As águas descem fartas no rincão
Sob um gentil dossel de passiflora.
Mas logo o olhar bucólico descora,
Seguindo o vai-e-vem do travessão.
Tanto o motoperpétuo movimento
Parece ensimesmar esse momento
Em névoas de voraz melancolia,
Que até sua beleza decadente,
Capaz de enternecer-me de repente,
Não é senão vontade de poesia.
Esmeraldas - 05 03 2025
DESEDUCAÇÃO
Chega uma hora que convém desaprender.
Esquecer regras, nomes, convenções…
Talvez até soltar uns palavrões
Ou, em muda solidão, me compreender.
Sem ter nada a ganhar nem a perder,
Procuro caminhar sem ilusões,
Certo de não fazer mais concessões
A quem só me provoca desprazer.
Não cuido do que obrigam os bons modos.
Ao inferno o mundo e seus pudores todos!
Sou um selvagem mal catequizado.
Mas declaro a quem possa interessar:
— “Melhor ser um simplório sem lugar
Que outro filho-da-mãe bem educado.”
Betim - 10 03 2025
DISTRAÇÕES
Monto um quebra-cabeça de zil peças,
Indiferente à imagem que se forma.
A vida sem sentido se conforma,
Desde que para o Eterno haja promessas.
Talvez a vanidade seja a norma
E me venha a calhar pôr em travessas
Paisagens e pessoas tais como essas,
Ainda que em exígua plataforma…
O interessante — dizem — é distrair-me;
Manter a mente sã e o intento firme,
Em face dos senões da meia idade..
De modo que, querendo ou não, eu vença
Novos jogos sem outra recompensa
Além de suportar a realidade.
Belo Horizonte - 06 03 2025
DOMINGUEIRAS No coreto da praça a banda toca Marchas dos carnavais de antigamente. Lampejos do passado no presente, Que à vida provinciana ora evoca. Algo d’aquele tempo traz em troca De saudades passando pela mente, Como andasse de costas para frente Até onde a memória nos coloca. Ingênuas alegrias, dias idos… As canções se confundem nos ouvidos, Enquanto sensações ou sentimentos. Olho e já não sei nem o que é que vejo: Lembranças entremeadas de desejo, Na tarde musical de meus momentos. Ouro Preto - 02 03 2025
LAMENTAÇÕES
Urjo co'o sem sentido dos acasos,
Indo aonde não sei nem saberei.
N’esse mundo de Deus; sem lei nem grei,
Só tive das pessoas seus descasos.
Poeta, trilhei abismos de parnasos
E nada senão luzes encontrei.
Assim durmo mendigo e acordo rei,
Iludido igual luar em poços rasos.
Talvez ao me construir torres de sonho
Arriscasse a má sorte e o olhar tristonho,
Aprumando pilar a incerto soclo.
Não duvido da queda ou do sinistro
Tantas as crises vãs que administro.
No fim, esta é a vida do caboclo…
Ouro Preto - 02 03 2025
CASARÃO
Junto do parapeito da janela,
Miro e remiro o largo citadino.
Há n’esse meu mirar algo menino,
Que mais dentro que fora se revela.
Miro e remiro a velha cidadela,
Enquanto ao parapeito escuto o sino.
Há n’esse meu mirar um desatino,
Cujo encanto profundo me desvela.
A lua sai detrás da serrania
E logo a rua toda parecia
Banhada em fantasia enevoada.
Há n’esse meu mirar um bom proveito:
Eu, da janela, junto ao parapeito,
Miro e remiro a noite enluarada.
Betim - 25 02 2025
LONJURAS
Eu, quando dou por mim, olho as montanhas.
Penso nas caminhadas por veredas,
Que me levem por mais paragens ledas
Ou conhecer além terras estranhas.
Tento entender as marchas e outras manhas
D'aqueles que superam sóis ou quedas,
Sempre com mais ardor do que moedas,
Diante de imensidões tais e tamanhas.
Eu sou eu mais minhas circunstâncias,
Mas hei-de conhecer pelas errâncias
Quem sou em desventuras e aventuras.
Ando para me ver onde antes vi
E estar no que disseram logo ali…
Eu, quando dou por mim, olho as lonjuras.
Betim - 16 02 2025
ÀS ORDENS
Estar disponível ao outro, submisso, é próprio do viver em sociedade, tendo outros ao lado e, sobretudo, acima.
Estar disponível a si mesmo, incondutado, é próprio do viver recluso, longe de tudo e de todos.
Oh Liberdade... Teu verdadeiro preço é a solidão!
Betim - 19 02 2025
DESREALIZAÇÃO
Olho em volta e nada é como seria
Ou como deveria… Não me sinto
Parte do que me cerca: Fogo extinto
Em terra calcinada e baldia.
Nada mais cá me serve de valia
E desconfio até do que desminto.
O mundo se tornou algo distinto
Por sob cinzas de vã melancolia.
Eu vejo o que foi feito ser desfeito…
Perco o preciso em face do perfeito
Com risco de não ter nada no fim.
Passo por lacunar ou intransigente,
Pois ando para trás para ir em frente,
Aceitando que tudo é mesmo assim.
Betim - 14 02 2025
LUNÁTICOS, INSANOS OU MELANCÓLICOS
Em meio a loucos, quem andará são?
Caminho pelo pátio do instituto
Sentindo-me vazio e diminuto
Face àquela angustiante solidão.
Não há agora guardas no portão,
Tampouco grades contra o dissoluto,
Apenas um silêncio resoluto
Atravessa a profunda escuridão:
Por corredores, salas e porões,
Quando na própria mente tais prisões
A segregar uns e outros dos demais.
Em meio a loucos, quem andará bem?
Pareço um mentecapto ora eu também,
Enmimesmado e longe dos normais.
Betim - 24 01 2025
BORBOLETAS AZUIS
Vêm do meio da mata nos saudar
Conforme avançávamos na trilha.
A um só tempo milagre e maravilha,
O azul de suas asas a voejar!
Como se cor que voa ou luz que brilha,
Era de imenso céu ou fundo mar.
Além, nós lhe seguimos o bailar
Onde a beleza em flores se partilha.
Admirados de vê-las e perdê-las,
Enquanto a travessia continua
Lembramos como azuis e como belas.
Ao chegar, caminhando pela rua,
Levaremos do azul das asas d'elas
Uma felicidade nua e crua.
Esmeraldas - 18 01 2025
PEDRA DE RAIO
Que estrela cai do céu e rasga o chão?
Uma pedra voadora; ou mais, cadente.
Surge no breu da noite de repente
E luz de canto a canto o seu clarão.
A rocha extraterrestre reluzente
N’um raio a s’espalhar na imensidão…
Foi quase apocalíptica visão,
Como se a própria morte simplesmente.
N’algum lugar alguém há-de encontrar
Qualquer bloco ou fragmento que restar
D’aquele instantâneo assustador.
Então nos lembraremos que o Universo
Ao seu modo aleatório e até disperso
Pode mandar-nos d’esta p’ra melhor.
Belo Horizonte - 20 05 2023
COMO NÃO?
Devo dizer que não. É necessário.
Mais do que isso, eu penso: Imperativo!
Às vezes, afirmar-se é negativo,
Mas responde ao loquaz autoritário.
Eu lhe nego e renego se redivivo
Um sentimento ruim de solitário.
No final, resta o pasmo involuntário
De quem recebe o não e seu motivo.
Ainda que não fosse um despropósito,
Não sou fardo a guardarem no depósito,
Mas, contra o feiticeiro, o seu feitiço!
Devo dizer que não. Sim, acontece.
Mas, compreendido ou não, cá me parece,
Como andasse em terreno movediço…
Betim - 26 12 2024
GOTA A GOTA
Tamborilava a chuva no telhado
Enquanto começava a clarear
Co'os olhos s’entreabrindo devagar,
Ressentidos do sono abandonado…
Era ainda um silêncio atravessado
Pelas gotas da calha a transbordar
Por sobre ideias fora de lugar
E todo aquele alvor de lado a lado.
Imerso n’uma espécie de entressono,
Seguia o batucar hipnotizante,
Livre de desencanto ou desengano
Fora não se sentir senão errante
Na semiconsciência do abandono,
Em quase tudo ao nada semelhante.
Betim - 12 12 2024