quarta-feira, 31 de outubro de 2018

MAIÚSCULO

MAIÚSCULO

Seja por excelência ou displicência,
O facto é que ser grande nas grandezas
E imenso em toda sorte de miudezas
Faz o Humano maior do que a existência.

A sua força é antes a consciência
De si em suas próprias profundezas.
Pois traz consigo tantas naturezas
Quantas lhe soube dar a providência.

Humano, acima de homem e mulher,
Escrevo se melhor isto aprouver
A mim no que m'entendo e me conheço.

Que grafando em maiúscula essa letra,
Seu sentido maior em mim penetra
Ao me dizer quem sou desde o começo.

Betim - 31 10 2018

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

PRIMEIRO DE ABRIL

PRIMEIRO DE ABRIL

Hoje é primeiro de abril.

Primeiro de abril de mil novecentos e sessenta e quatro.

Não, não te enganes!
Os calendários, tal como os relógios, são uma convenção social e, a partir de hoje, os ponteiros voltam para trás.

Há quem sinta saudade e, nostálgico, prefira algum lugar do passado ao presente. Mas esse alguém, d'essa vez, foi o povo brasileiro ao eleger um ex-militar cercado de militares.

Eu me lembro do que eles fizeram em mil novecentos e sessenta e quatro, doze anos antes d'eu nascer! Sim, eu li como interromperam a ordem institucional em nome do combate à corrupção e do medo d'um levante comunista.

Eu tento entender, juro, eu tento entender. Havia outras opções. Havia outros caminhos. Por que buscar o "novo" no passado? E, sobretudo, n'um passado tão feio?

Ditadura, tortura, censura, amargura e desventura.

Há o medo do bandidismo. Há o desejo de ordem e progresso. Há a necessidade de punir os políticos tradicionais. Há a vontade de tentar algo diferente. Medo, desejo, necessidade, vontade... Outros nomes para manipulação coletiva!

Sim, hoje é primeiro de abril, dia da mentira! O povo passa o dia a trolar uns aos outros. Uns soltam fogos e buzinam. Outros, invadem avenidas e satanizam quem pensa diferente; quem é diferente...
A grande mentira de hoje, porém, é o homem que elegeram acreditando em mentiras enviadas para celulares!

Olho e vejo que nos tornamos piores do que éramos. Sim, a Pátria da democracia multiétnica! A terra do homem cordial! Mitos que se dissolvem diante da realidade d'um povo que se curva diante d'um "mito".

Mas, o que é esse mito?

É um homem que entrou nos noticiários ainda na juventude explodindo bombas;
Um parlamentar famoso pela incoerência de defender o fechamento do Congresso e de fazer o elogio da Ditadura Militar;
Um estranho que preferiu atacar os outros a explicar como fará para desenvolver o país.


Sim, o povo brasileiro assinou um cheque em branco e deu a um lunático. Não sabemos quase nada sobre como pretende governar. Eu, pessoalmente, tenho a impressão de que ele, por suas declarações bombásticas frequentes, passará a maior parte do tempo contemporizando os absurdos que fala enquanto as reformas trabalhista, previdenciária e tributária reforçam privilégios (dos militares, aliás), sobrecarregando ainda mais o trabalhador e o empresariado.

Quando a lua de mel com o povo que o elegeu acabar, ele vai pôr a culpa no Congresso, e fechá-lo!

Quando seus apoiadores encrencados com o Judiciário e o Ministério Público o pressionarem, engavetará!

Quando a Comunidade Internacional questionar seu radicalismo contra os Direitos Humanos (que não, não são invenção da esquerda...) ele isolará o país.

Hoje, meus amigos e meus inimigos, é primeiro de abril de mil novecentos e sessenta e quatro.
Pensem o que pensarem, para mim, demos um grande passo para trás em nome d'uma religiosidade e conservadorismo caducos:

Deus acima de tudo? O Brasil acima de todos?
Democracia, para quê? Estado Laico, para quê?
Aclamemos um rei cristão sem linhagem! Um presidente fardado!

Esperemos que ele mate os trinta mil que vê como mortes necessárias para intimidar os oponentes, sejam narcotraficantes ou não. Já temos matado mesmo, todos os dias. A diferença é que agora alguém lucra com isso.

Sem embargo, não se esqueçam de mil novecentos e sessenta e quatro.
Foram vinte anos para acabar com aquela aventura militar! Quantos anos serão necessários para acabar com esta?

Duvido que apenas quatro.

Betim - 2018

domingo, 28 de outubro de 2018

O SUBVERSIVO

O SUBVERSIVO

Apenas escrevia ele seus versos
E se dizia um livre pensador.
Talvez também sonhasse algo melhor
Em utopias d'outros Universos.

Poucos liam os textos por dispersos
E menos se lhe ouviam o alto ardor.
Ainda assim passou por corruptor
Dos jovens com escritos controversos...

A Ordem clamada pela autoridade
Acusou do mais vão charlatanismo
Àquele que buscava só verdade.

Restou a ele escolher diante do abismo
Sua morte que sua liberdade
Pelas mãos dos chacais do imbecilismo.

Betim - 28 10 2018

sábado, 27 de outubro de 2018

AMENIDADES

AMENIDADES

Sim, falemos do tempo, da cidade;
Evitemos falar de tudo o mais...
Passemos por dois superficiais
Incapazes de ver qualquer verdade.

Tratemo-nos com grande liberdade,
Fingindo-nos ao máximo normais.
E a sorrir -- nem de menos nem demais --
Como se verdadeira ora a amizade.

Sem passado, presente e nem futuro
Busquemos pelo assunto mais seguro
N'uma hora de forçada convivência.

E depois, no momento de ir embora
Ao nos acompanharmos para fora
Esqueçamos-nos já por conveniência.

Betim - 27 10 2018

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

POUCAS E BOAS #PoesiaSim

POUCAS E BOAS

Se eu disser umas verdades
Talvez m'escutem ou não.
Quem pediu minha opinião?
Como ter tais liberdades
Em tempos de incompreensão?

Posso estar errado em tudo,
Mesmo assim ouso falar
A quem não quer escutar.
Mais errado é ficar mudo
Ou fingindo concordar:

-- "Distinguir entre nós e eles
Prejulgando bons ou maus
-- Ou pior -- pondo em degraus:
P'ra lobos por sob as peles
Justiçar-nos com calhaus!"

"Qual o lado dos sem lado?
Dos que, como eu, não s'entendem
Juízes do que não compreendem?
Enquanto, sem certo ou errado,
Muitos aos grandes se vendem..."

"Qual a razão do Irrazoável
Que desconhece o respeito?
Que bate no próprio peito
E jacta-se respeitável,
Mas dispara preconceito!..."

"Qual o sentido d'esse ódio
Contra quem lhe é diferente?
Não parece um presidente...
Parece querer o pódio
De opressor de sua gente:"

"Começa, a sua limpeza,
Em matar "uns trinta mil"...
Assim, obtuso e febril,
Pondo as cartas sobre a mesa,
Se assenhora do Brasil!

"Sim, por Ordem e Progresso,
Declarar já terroristas
Militantes e activistas...
Por fim, fechar o Congresso
E torturar esquerdistas."

"Vistas grossas aos perigos
De se opor grei contra grei...
Eis na República um rei:
Se tudo para os amigos,
Aos inimigos, a lei!"

"Assim descamba a violência
Nos quatro cantos do país.
Os pobres, feitos servis,
Dobrados sem resistência
Pela estultícia dos vis."

"Os artistas, perseguidos;
Os intelectuais, vigiados;
Os jornais, intimidados;
Todos já embrutecidos,
Divididos em dois lados..."

"D'um lado os homens de bem,
D'outro, os outros (nós?) do mal...
Desde quando ser normal
Ter medo -- e raiva também! --
D'um governo federal?..."

Eu -- que em lados jamais creio --
Dou a estes versos um fim
Que falem melhor de mim...
Escolho o lado do meio:
Ele não... Poesia sim!

Betim - 26 10 2018

CIRCUNSTANCIAL

CIRCUNSTANCIAL

Eu -- no lugar errado e na hora errada --
Tenho de facto andado vida inteira.
Sequer podia ser d'outra maneira
Àquele que viu torta a sua estrada...

Dos viventes, a sorte está lançada
Qual galgos a correr outra carreira!
Já do bem e o mal passo a fronteira
E ao risco de viver fiz-me em jornada.

Não cuido se culposa ou se dolosa
A morte que me mata a cada dia,
E a vida que escrevi em verso e prosa.

Apenas não me culpo d'alegria
Como se crime ou coisa vergonhosa,
Errando, aqui e agora, em demasia.

Betim - 25 10 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

ELE NÃO #PoesiaSim

ELE NÃO #PoesiaSim

Só para lembrar:

Eu não mereço ser estuprado
Tu não mereces ser estuprada 
Ela não merece ser estuprada 
Nós não merecemos ser estuprados
Vós não mereceis ser estuprados
Elas não merecem ser estupradas 

Ninguém merece ser estuprado

Ele não merece ser estuprado
Ele não merece
Ele não. 

Belo Horizonte - 23 10 2018

VOZERIO

VOZERIO

No bulício das praças comerciais
Com autos e pedestres a ir e vir,
Meu povo mal consegue distinguir
Sua voz das buzinas e sinais:

Na fé que tendo menos pode mais,
Proclama no passado o seu porvir...
Mas os que falam, falam sem medir,
Nem pouco nem bonito, sim demais.

Uns saúdam o novo; outros, o velho...
Como se qualquer mal já conhecido
Preferível a um bem desconhecido.

Ensurdecido o povo, de vermelho
Borrem com sangue o piso dos porões
N'um silêncio ululante às multidões!

Betim - 24 10 2018





segunda-feira, 22 de outubro de 2018

DILACERADO

DILACERADO

Hoje, o meu coração está ferido
Como se cortes fundos pelos pulsos
Perdessem-me os sentidos já convulsos
Face à completa falta de sentido.

Torturadores, ou algo parecido,
Declaram, desde já, presos ou expulsos
Oponentes, descrentes e uns avulsos
Que marginalizados tenham sido:

-- "Não lutem mais por terra e moradia,
Tampouco liberdade d'expressão,
Visto que terrorismos hoje em dia!"...

A ordem é o progresso da ilusão
Que busca corromper a fantasia
De justiça social e comunhão.

Betim - 22 10 2018

domingo, 21 de outubro de 2018

SERRA DO CURRAL

SERRA DO CURRAL

Faz algum tempo, o poeta itabirano
Propôs escrever TRISTE em vez de BELO...
Acerca d'Horizonte logo ao vê-lo
Ameaçado n'outro ávido plano.

De facto iam ferir com grande dano
A serra que à cidade têm por elo!
Duros, os versos brotam do desvelo
Por revoltado contra aquele engano.

Por montes que emolduram edifícios
E encurralam o povo nas colinas
Carlos clama aos mirantes-precipícios!

Antes vociferasse uns impropérios
Contra estes que nos levam toda Minas:
-- "Que mais VALE, mineiros ou minérios?"...

Belo Horizonte - 20 10 2018

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

MORTUÁRIO

MORTUÁRIO

Baixa à cova profunda sob a campa
Aquele que da morte fez-se ofício.
Ninguém lhe veio carpir! Nenhum indício
De qu'ele fora amado um rosto estampa!

Seu nome e suas datas sobre a tampa
Contam de sua vida o fim e o início,
Esta, não fora longa nem difícil:
Finou-se igual apaga-se uma lampa...

Deixou de ser ainda de tardinha
E após fora velado na capela
N'um caixão qualquer pois nada tinha.

Dia seguinte, o sol por fim revela
Uma mulher ao seu lado, sozinha:
Toda de luto, a própria Morte era ela!

Betim-  19 10 2018

EGOS INFLADOS - #PoesiaSim

EGOS INFLADOS

O celular nas mãos parece espelho
Onde a gente se mira e se remira...
Nas redes, nós que somos o pescado!
Deixando a solidão do amplo oceano,
Vagamos por aquários tão povoados

Que custa distinguir desconhecidos
Já de amigos, parentes ou colegas...
Tantos com liberdade presumida
Nos cercam de armadilhas ardilosas
No afã de desnudar-nos para o público.

Pura intimidação na intimidade:
Aqui e ali pululam falsos rostos
Com mentiras em série fabricadas.
Prontos para destruir reputações,
Apontam-nos o dedo, acusadores,

Céleres em mostrar nossas misérias.
Tenho visto que tais telas azuis
Mais servem ao monólogo distante
Em pilhas de argumentos descabidos
Que à honesta busca por debatedores...

Que dizer do Pinóquio que, raivoso,
Deslumbrado em ter voz só faz mentir!
Ou então d'aquela falsa desinibida
Que seduz para expor-nos à galhofa
Enquanto grava incautos em vexame?

Que esperar d'estes homens e mulheres?
Egos inflados de ávidas curtidas,
Preferindo posar de articulados
Não se furtam a andar como ignorantes
Enquanto fazem vir o infocalipse!

Betim - 19 10 2018

A TODO TRANSE

A TODO TRANSE

Somente o que nos move nos transforma,
-- P'ra melhor ou p'ra pior -- porém reporte
A palavra em verdades ter suporte:
Ser sincero é na escrita a grande norma.

Poetas, nenhum aplauso nos conforma,
Sendo escrever questão de vida ou morte...
A mim, se não me mata faz mais forte
E em demolir começa-se a reforma!...

A todo transe vamos n'essa lida
D'escrever para todos e ninguém,
Tendo por paga uma alma consumida.

No mais, qual andarilho, me convém
Ir, na terra arrasada d'esta vida,
Poetando d'olhos fitos para além.

Betim - 19 10 2018

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

MAGNO - O livro de Alexandre

MAGNO - O livro de Alexandre

CANTO PRIMEIRO

Canto, ó musa, dos grandes o maior!
Aquele cujos feitos nunca mais
Haverão pelos tempos de igualar.
Canto o senhor dos helenos e dos persas,
E explorador das Arábias e das Índias!

D'entre todos os homens em seu Fado,
Eu canto quem de Vênus tão dilecto
Quanto de Marte mais favorecido,
Como se não de reis, mas sim de deuses
O houvessem concebido para a glória!

Mas não, musa, não cabe ao menor poeta
Cantar, por fim, dos grandes a grandeza...
Tampouco lhe compete se arvorar
Um cronista de cortes tão distantes
No espaço e tempo às suas tortas letras!

Oh sim, como ousa o obscuro lançar luzes
Sobre este cujo nome imenso brilha?
Como, musa, algum poeta 'inda pretenda
D'outro século os transes da Fortuna
Que marcaram os dias de Alexandre?

Ou mesmo, como da Hélade traduzir
N'um tardio e vulgar falar latino
Que por terras austrais americanas
Calhou de florescer exuberante?
E como -- para além das conjecturas --

Ter versos onde o velho se renove
A iluminar as mentes d'este tempo
Que pouco ou nada escutam d'outras eras?
Mas haverá ainda d'entre nós
Quem aprecie d'épicos o engenho?

Deveras... Não sabendo responder
Tu silencias, musa, qual dissesses
Dever também o poeta se calar...
Afinal, que aproveita o homem em ter
Vencido todo o mundo se se perde?

Que poderá o poeta contra o Fado
Enquanto o próprio herói, em sua história,
Sem conhecer derrota é esquecido?
Talvez não reste um canto a se cantar
Tampouco história alguma a ser contada...

Se canto, ó musa, é antes teimosia
Que talento ou verdade iluminados.
Eu canto porque os homens e mulheres
Coetâneos de Alexandre n'ele vivem!
Eu canto porque os deuses o escolheram

Para levar o saber do Estagirita
Às três partes do mundo conhecido:
Por África, Ásia e Europa, desde Pela,
Avançou até ser tido por Magno
Mesmo onde seu domínio não chegou.

Mas canto, sobretudo, porque falham
Todos os que o tentaram superar...
Mesmo quem o epiteto após houvera:
Pompeu, Gregório, Leão, Carlos, Alberto...
Antes foram desejos d'outras glórias

Do que lumes capazes de ofuscá-lo!
À semelhança de astros que pelo Orbe,
Transitando em concerto gravemente,
Luzem sem contrastar co'a luz mais alta
Vista no céu nocturno entre as estrelas.

Alexandre, após guerras e poderes,
A sua história aos códices da História
Tivera assim, por mérito, elevada.
Deve o poeta, contudo, não o douto
Cantar o homem a além de suas obras.

Certo de que, ao exaltar sua existência,
Celebre antes vivências que conquistas
E entenda, humanamente, o que é ter
Grandeza quando o mundo mais parece
Carecer simplesmente de limites.

Betim - 18 10 2018

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

OECIHEN

OECIHEN

Constelações poéticas!

Plêiades, ursas, cruzeiros…

O que é Oecihen senão um Universo
para o brilho da escrita reluzir ao infinito?

 *    *    *    *    *    *    *    *    *    *

terça-feira, 16 de outubro de 2018

DESAVERGONHADOS

DESAVERGONHADOS

Se entre quatro paredes, nós dois nus
Surpreendermos insones a manhã...
Eu te olho espreguiçando no divã
Reclinada de costas contra a luz.

Tanto teu peito arfante me seduz
Que nem cuido se já perco a hora vã
Em admirar-te a pele mais louçã
Onde os seios a meus beijos fazem jus.

Quando pleno teu corpo se oferece,
Logo a Beleza em ti se reconhece
Como se Vênus vendo-se no espelho.

Tu me encaras, por fim, em desafio.
E eu me entrego a adorar-te horas a fio,
Pois diante d'uma deusa me ajoelho.

Betim - 16 10 2018



À MANEIRA POÉTICA #PoesiaSim

À MANEIRA POÉTICA

Não. Nada nunca é errado em poesia...
Rimar ou não não garante o poético, ou melhor,
nada garante.

Quando o poeta rima
é porque exige dos sons das palavras a magia.

Quando ritma, é que ordena
as tônicas segundo a respiração.

Quando metrifica apenas
põe limite à frase para não que não seja
nem curta nem longa demais.

Quando não rima, ritma e metrifica,
ele deixa as frases buscarem sua própria música.

D'um modo ou de outro,
corre o risco de não fazer mais
que preencher folhas em branco...

O poeta não escreve como escrevem;
não fala como falam, nem poderia!

Se o que ele busca é o extraordinário,
exigindo das palavras mais que comunicação.

Se isso o faz maldito, que seja:
Sim, mil vezes maldito por exigir a leitura atenta!
Dez mil vezes por não facilitar a compreensão.

Maldito! Maldito seja!
Por escrever sem patrão o que lhe vem à cabeça
ou que lhe angustia o peito...

Por que exigir do poeta a bênção luminosa da superfície
se ele desce às profundezas de si mesmo?

Betim - 15 10 2018

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

ÀS ARMAS - #PoesiaSim

ÀS ARMAS

Quando escrevo, nem pena nem espada:
Ponho o cano apontado para mim,
Esperando o estampido pôr um fim
À história que deixei inacabada…

Minha vida talvez não valha nada
E os poemas nem um tiro de festim,
Entretanto, à poesia dou meu sim,
Enquanto a minha voz não for calada.

Chamem os bois por seu devido nome,
Mas não se negue a ardor que os consome
No eufemismo de não falar a sério.

Assumam na violência d'esses meios,
Haverem como fins de seus anseios,
Às armas, uma paz de cemitério…

Ibiá - 14 10 2018

A campanha #PoesiaSim é uma iniciativa de combate ao fascismo em ascensão na sociedade brasileira. Tendo em vista todas as manifestações ao redor do país, nós como artistas, não podemos nos calar diante da barbárie que assombra a nação. Seremos resistência.

domingo, 14 de outubro de 2018

MALDITOS! N°2

MALDITOS! N°2

Facto: Malditos porque mal falados.
Porque muito mal lidos; mal descritos...
Os bons? Somente os mortos! No passado.

Tantos a maldizer-nos os escritos:
-- "Antiquados!! Herméticos!! Absurdos!!!"
 Ou sem nem ler (assim assim): --" Bonitos...."

Se declamamos, fingem estar surdos;
Se publicamos, fingem que são cegos;
Um povo sem país igual os curdos:

Poetas,,,  Filhos de sós desassossegos
Sempre a vagar sem pátria e sem dinheiro,
Indo sobreviver de subempregos;

Ou distante vagando, aventureiro,
Que por entre as palavras em vão erra
Sem nunca encontrar-se paradeiro.

Hoje, até Ahasverus possui terra!
No mesmo confim onde Israel governa
E o ismaelita de novo se desterra...

Não os malditos... D'esses é eterna
A caminhada errante vida afora
Atravessando as noites na taverna.

Ali, já sem saber se ri ou chora,
Senta-se e escreve em plena solidão,
Alheio mesmo da hora de ir embora.

Eis dos poetas a glória e a maldição:
Por fim, indiferentes se são lidos,
S'entregarem à própria escuridão.

Pará de Minas - 14 10 2018

MOÇAMBIQUES

MOÇAMBIQUES

A guarda se perfila p'ro folguedo
E a santa do Rosário os abençoa.
O encontro faz maior cada pessoa
Aquando do entrevero audaz e ledo.

Há gerações repetem esse enredo
Onde homens-instrumentos d'hora boa:
Em caixas, guizos, sinos mais ressoa
A música dançada desde cedo.

Ao bater uns contra outros os seus paus
Aqui vêm s'enfrentar, nem bons nem maus,
Os guerreiros com fitas mais espetos.

As lanças s'entrechocam tão ritmadas
Que a gente a batucar pelas calçadas
S'exalta face à Virgem Mãe dos Pretos!

Contagem - 14 10 1993

sábado, 13 de outubro de 2018

CÓCEGAS

CÓCEGAS

Se teus dedos afundam nos meus seios
E depois escorregam p'ras costelas,
Eu pulo, surpreendida, feito aquelas
Marionetes por vãos dedos alheios...

Histérica, eu me ponho a rir sem freios.
Logo moças assomam às janelas
Até eu me contorcer diante d'elas
E rolando fugir de teus anseios.

Esse toque especial que descobriste
Como se em pontos fracos me aniquila
A ponto d'esquecer de quanto existe.

Mas ora envergonhada; ora intranquila,
Levanto-me e te acuso dedo em riste,
Depois choro de rir por toda a vila!...

Ibiá - 13 10 2018

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

CÓLICAS

CÓLICAS

No hotel d'uma cidade bem distante
Eu tento parir pedras e opiniões...
Em vão rolo de dor sobre os colchões,
Enquanto a noite cai extenuante.

Eu saio pelas ruas claudicante,
Buscando analgesias pr'os culhões!
Ainda que tomado de tensões
Nas rugas que carrego no semblante:

A cada rosto estranho que me estranha
Percebo minha angústia ser tamanha,
Que sequer dignidade tenho mais.

Na farmácia, opioides pela veia
Me dobram com seu canto de sereia
Certo de que a paz vem tarde demais.

Ibiá - 12 10 2018

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

MALDITOS! N°1

MALDITOS! N°1

Quem são estes cuja luz fora apagada
E, insones, têm nas noites seu refúgio,
Atravessando em vão a madrugada?

Só querem ao poetar vago transfúgio
Da vida d'esperanças comezinhas,
Bem como contra o tédio subterfúgio?

Estes -- que vêm deixar nas entrelinhas
Toda sorte de angústias autorais --
O que buscam por horas tão sozinhas?

Por que se fazem poetas? Por que mais
Buscam tirar das letras o sublime,
Senão por se sentirem sós demais?

Que furtaram aos deuses? Qual o crime
Cometido na aurora dos milênios,
Cuja pena a escrever nunca os redime?

Sem diferir se néscios ou se gênios,
D'onde foi que obtiveram tal saber
Que os obriga a versar entre proscênios?

Como estes que escrevem ousam ler
Nas linhas d'horizonte um sol errático
Por entre arranha-céus ao amanhecer?

Como alguém -- entre excêntrico e lunático --
Gastando a vida inteira com escritos
Despidos de qualquer sentido prático?

Malditos! Sete mil vezes malditos!
Estes que têm os versos por oráculo
Havendo além dos céus mais infinitos...

Malditos os que têm pelo vernáculo
Um carinho de artista incompreendido
Que se imola no altar do tabernáculo!...

Dom às avessas!... Bênção ao inavido!...
À margem das promessas e das glórias,
Poetar é desdenhar o conhecido...

É saber inventadas as memórias 
E de belas mentiras a verdade
Pretendida em suas vãs histórias.

Desastrólogos do alto, são os poetas
Malditos pelos séculos dos séculos,
No augúrio de catástrofes completas!...

Belo Horizonte - 11 10 2018

LINHAS-DURAS

LINHAS-DURAS

Como n'uma escalada rumo ao abismo,
A violência endurece os corações.
Encerrado o diálogo, opiniões
Somente as que reforcem o egoísmo.

O mais é explodir em paroxismo
Toda vez que, entre mocinhos e vilões,
Persistindo em trocar acusações
Se demonstrem um do outro o fanatismo...

A certeza de que o outro está errado
Faz com que só percebam do seu lado
A razão das ideias a par dos factos.

Todavia, a despeito de vitória
Hão-de ser uns e outros pela História
Julgados, como sempre, por seus actos.

Betim - 11 10 2018



quarta-feira, 10 de outubro de 2018

HOMENS DE COR

HOMENS DE COR

Preto, branco, amarelo, pardo, mel...
Diversos mas iguais por sob a pele.
Inteira a humanidade se revele
No seu existir entre a terra e o céu!

A História há-de correr com seu tropel,
Arrastando as paixões aonde impele.
O indivíduo, contudo, se rebele
Em face dos tiranos quando réu.

Os homens são os mesmos, lá e aqui.
Sua grandeza está no que constroem,
E não nas amarguras que os corroem.

Libertos da opressão, mais lhes sorri
A verdade através dos tempos idos
Que a glória relativa dos temidos.

Betim - 10 10 2018

terça-feira, 9 de outubro de 2018

O LIVRO DE JÓ

O LIVRO DE JÓ

Quando senti as dores dos meus rins,
Eu me lembrei de Jó e seus amigos.
Deveras, o que é o homem nos perigos
Em seu tergiversar por nãos e sins?

Os meios não justificam mais os fins,
Nem viver qual viviam os antigos...
E de reis, parecemos mais mendigos
Em sobressalto quando dos clarins:

Javé e Satanás fazem apostas,
Ao provar em desgraças e sem dó
O jugo que mantêm em nossas costas.

Ao fim, farto de dias como Jó,
Talvez ouça de Deus vagas respostas,
Sabendo eu já ser pó de volta ao pó.

Betim - 09 10 2018

N'UMA NOITE D'ESSAS

N'UMA NOITE D'ESSAS

Entre doses de vodca e solidão,
O poeta olha a puta o provocando
Até se perguntar, de quando em quando,
Se estava lá por tédio ou por tesão.

A puta está ali por profissão
E lhe vem, rebolativa, ao seu comando.
Sorri e bebe o qu'ele está tomando
Sabendo causar tórrida impressão.

Ela derrete o gelo nos seus lábios
E, com voz maliciosa, então lhe diz
Fazer o poeta um pouco mais feliz.

Mas ele, mesmo d'olhos menos sábios,
Declina de usufruir d'essa beleza,
Temendo ter a dar tão-só tristeza...

Belo Horizonte - 08 10 2018

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

ÍNTIMO TARDIO

ÍNTIMO TARDIO

Tenho estado acordado à noite toda
N'outra vigília em meio aos pernilongos,
A contar em sinalefas os ditongos
E ainda dispor hiatos à áurea moda.

A despeito de quanto me incomoda
Na insônia me buscar dias mais longos,
Adivinho no escuro camundongos,
Que sobre o forro vão e vêm em roda...

No silêncio onde habita mil ruídos,
Recordo de meus versos esquecidos
Enquanto o vento me uiva um assobio.

E, entendendo que contam minha vida,
Eu atravesso a noite mal dormida
Na escuta atenta do íntimo tardio.

Betim - 08 10 2018

domingo, 7 de outubro de 2018

FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

Sim, às vezes é preciso dizer o óbvio. É preciso escrever com todas as letras: FASCISTA. Digam o que disserem, não somos obrigados a deixar que o ódio puro e simples nos governe, embora entenda que muitos estejam dispostos a abrir mão de suas liberdades ou fazer vista grossa para o ataque a minorias. Também entendo que alguns considerem esse extremismo que tantos elegem seja um mal necessário para que tenhamos uma ordem social que permita às pessoas trabalhar em paz. Ainda assim, é preciso reconhecer que a justiça exercida com as próprias mãos não é justiça, sim vingança. Por mais decepcionante que a Polícia e o Judiciário possam parecer, agir sem mandado do povo, ou seja, regulado por regras e processos, é o primeiro passo para a generalização da violência e da barbárie.

No final das contas, o desejo de justiça tão louvável das pessoas será usado como opressão contra elas mesmas.

Estes que pretendem nos governar alçados ao poder por uma maioria revoltada mas superficial, não terão limites mesmo quando os factos, a verdade e o bom senso os desmentirem. Reescrevam os livros de História e queimem os de Filosofia! -- exortam eles -- reduzam os códigos Civil e Penal ao obscurantismo biblista!... -- e, sobretudo -- a arma nas mãos de homens de bem a julgar o certo e o errado e, afinal, decidir a vida e a morte...

Focinho de porco não é tomada. Não, fascistas não são melhores que os narcotraficantes que dizem pretender exterminar. O que fascistas de facto costumam exterminar são as vozes que lhes contestam e ainda as minorias pacíficas e incompreendidas -- como eram os judeus na Alemanha de Hitler -- como o hoje candidato majoritário à presidência de nossa República promete fazer com a militância LGBT. Ex-militar não é herói. Polícia que atira para matar, também não. Leis que oprimem minorias são imorais e, civilmente, precisam ser desobedecidas. O país que eu quero, por mais piegas que isso seja, é um país guiado pela tolerância, não pelo ódio.

Agora, de consciência limpa, eu vou votar.

AMAR

AMAR

Não te amo por me amares ou quereres,
Mas sim porque te amando me conheço.
Amar foi me saber desde o começo
Aprendiz nos mistérios dos prazeres...

Desde então, entre todas as mulheres,
Eu quis o teu olhar a qualquer preço,
Mas tive muito mais do que mereço
Após me submeter aos teus poderes:

Amar? Não, eu não te amo. Eu te idolatro!
Deusa em meu templo; diva do meu teatro,
Deste-me a conhecer teu esplendor.

Não sei se aqui é inferno ou paraíso,
Apenas sei, divina, é qu'eu preciso
D'aquela em cujos olhos vi amor.

Belo Horizonte - 06 10 2018

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

HOMENS DE BEM

HOMENS DE BEM

Aqueles que se arvoram justiceiros
Pretendem ter as leis a seu favor.
Onde cada um juiz e executor,
Impondo veredictos a terceiros.

Têm-se em conta de grandes brasileiros,
Porém confundem ordem com vigor,
Quando em favelas tocam o terror
Como lá fossem todos desordeiros...

O autointitulado homem de bem,
No afã de justiçar co'as próprias mãos,
Atira sem saber ao certo em quem.

Até porque, se uns bons por entre os vãos
Forem vistos caídos lá também,
Vão contá-los ladrões, não cidadãos...

Betim - 05 10 2018

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

POR VIA DE REGRA, para Marielle Franco

POR VIA DE REGRA, para Marielle Franco

Com efeito, era negra e era mulher.
Estatisticamente, o seu lugar
Não era este que soube ela ocupar,
Incomodando os donos do poder.

Dignou-se pela coragem e o saber
E quantos a ela vieram destratar
Antes tinham em mente lhe calar,
Que verdadeiramente algo a dizer...

Aquela linda e sábia mulher negra
Fora a exceção que só confirma a regra
De ser o mundo para alguns somente.

Inobstante, nem mesmo a sua morte
Há-de calar-lhe a voz sempre mais forte:
Marielle, mulher eleita — "Presente!".

Belo Horizonte - 04 10 2018 

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

SAIDEIRA

SAIDEIRA

Dia de feira, não de féria,
Amanhã, afinal, é quarta!
Tiro a barriga da miséria,
Se a terça além de gorda é farta.

É carnaval! Nem qu'eu infarta
Com tanta pinga pela artéria!
Amanhã, afinal, é quarta:
Dia de feira, não de féria...

É carnaval! Nem por pilhéria...
Vão dizer que morri por carta
Ou que peguei uma bactéria!
Amanhã, afinal, é quarta:
Dia de feira, não de féria...

Betim - 02 10 2018

terça-feira, 2 de outubro de 2018

TRÍBADES

TRÍBADES 
(sextina: belas, nuas, seios, dedos, lábios, sexos)

Quando em Lesbos se tocam duas belas,
A luz s'espalha sobre as costas nuas
Até lhes surpreender os alvos seios.
Sentindo o percorrer de suaves dedos,
Elas se amam entretidas com os lábios
A explorar a humidade de seus sexos.

Abandonam a atroz guerra dos sexos
E quanto lhes impõem por serem belas
Os homens que perfídias têm nos lábios:
No afã de lhes cobrir as faces nuas
Co'os véus dos himeneus por sujos dedos,
Proíbem-lhes o gozo dos  seus seios!…

Mas não! Têm-se uma n'outra as mãos nos seios
E ardem entumescidas por seus sexos,
Onde se lhes percorrem mútuos dedos.
Ao trocar entre si palavras belas
Elas, enternecidas, se olham nuas
Enquanto os ais de Vênus têm nos lábios.

Descendo por seus púbis ambos lábios,
Gozam-se, ora co'as mãos fortes os seios;
Ora co'as bocas pelas costas nuas…
Avidamente vêm juntar-se os sexos.
Ao que, n'um alongar de curvas belas,
Uma e outra se possuem com seus dedos

Molham em cada lábio os próprios dedos,
Tendo n'um beijo gozo pelos lábios.
Entregam-se ao prazer 'inda mais belas
E em cavalgada veem arfar os seios
Durante o friccionar mútuo dos sexos
Co'o néctar a escorrer nas coxas nuas…

Descansem suas belas formas nuas,
Enquanto pelos seios correm dedos
A ressentir nos lábios os seus sexos.

Nova Lima - 02 10 2018

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

UTOPIA-DISTOPIA

UTOPIA-DISTOPIA

Às vezes a utopia d'alguns poucos
Torna-se a distopia d'outros tantos:
Entre desilusões e desencantos,
Todos vêm se atacando feito loucos.

Há os que de gritar ficaram roucos
(Os mesmos que fingiam-se de santos...).
Aflitos d'espalhar aos quatro cantos
Verdades de ignorar a ouvidos moucos...

Àqueles que perderem reste o medo,
De que seus semelhantes, tarde ou cedo,
Venham a persegui-los.e matá-los.

Contudo, aos que ficarem do bom lado,
Andem junto aos senhores com cuidado,
Que sem querer não pisem em seus calos.

Betim - 01 10 2018

VERSILIBRISMO

VERSILIBRISMO

Que meus versos não sirvam a ninguém,
E que mais nunca os prendam a cadenas!
Sem carecer senhores nem mecenas,
Ou mesmo esperar d’outrem qualquer bem.

São lumes que não sabem a que vêm
Estes versos que escrevo a duras penas.
Se de mim para mim servem apenas,
Serão de quem quiser lê-los também.

Passado o cativeiro, porém, ando
Serras e terras vãs atravessando
Tão-só pela alegria de escrever.

Alheio aos privilégios dos perversos,
Estejam por direito estes meus versos
Livres para que todos possam ler.

Betim – 17 09 2007

ALFORRIA

ALFORRIA

Pois, se a liberdade é uma conquista,
De facto não se nasce livre, torna-se;
A face d'um sorriso aberto adorna-se
Com aquilo que os olhos têm em vista.

Ninguém nos dá ardor com que resista.
Ao que o espírito, aqui e ali, amorna-se.
Mas mesmo a escuridão d'estrelas orna-se
E as quedas não demovem o optimista.

Porque tal carta não me fora herdada,
Tampouco por senhores concedida,
Antes com sangue e lágrimas comprada.

E àqueles que hão-de vir, dou por sabida
N'uma alforria a ser reconquistada
Viver todos os dias d'essa vida.

Betim - 01 10 2018