MARASMO
O tédio te invade, poeta,
Nas cinzas do teu cigarro.
Teus vagos olhos de esteta
Veem a tristeza concreta
Nas flores murchas d'um jarro...
Escreves senão ao escarro
D'uma plateia seleta
Que anseia, desinquieta,
Tanto o novo que o bizarro
A suas vidas sem meta.
Não lamentes as ingratas,
Que tão volúveis te afagam.
Tampouco o afã de magnatas
Que em meio a vãs serenatas
D'aguardente s'embriagam...
Tuas pegadas se apagam
Entre pessoas cordatas,
Que a bazofiar bravatas
Tonteiam e após t'esmagam
Como fazem às baratas!...
As angústias que partilhas
Lhes entretêm os serões...
Tuas grandes maravilhas
Se apequenam nas cartilhas
Dos que não têm opiniões.
Obscurecem-te os clarões
Entre intrigas peralvilhas
A buscar senão senões
D'estas rudes redondilhas.
Corre os olhos pelas linhas
E apura o teu versejar!...
Faz d'estas horas sozinhas
Mais estrofes comezinhas
Para alheios embalar...
Traz um imenso luar
Para as novas carochinhas
Que bem ou mal adivinhas
Onde as rimas dão lugar
A novidades mesquinhas...
Porque se indústria a cultura;
As letras, outro mercado.
Nega essa tua loucura
A quem decerto assegura
D'ela fazer um legado...
Pois, nem certo nem errado,
'Inda vives à procura
Do que sublime figura:
tanto marasmo extremado
Faça-se Literatura!
Betim - 14 10 2019
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