segunda-feira, 31 de outubro de 2016

VICE-VERSA

VICE-VERSA

Este muito diverso ser humano,
Andando tão disperso pelo mundo,
Já aceita o Universo moribundo,
Sem ser sequer um terço de seu plano...

Vê o bem converso em desengano
Torná-lo seu reverso n’um segundo.
Oculta em prosa e verso o mais profundo,
Como se desde o berço assim mundano.

No momento adverso, ele se altera
E feito outro (um perverso!) mais se admira
Do modo controverso que o fizera.

Mas já de todo imerso ao que conspira,
É da medalha o anverso o que se vira:
Ser o inverso do inverso do que era.

Belo Horizonte – 29 09 2009

domingo, 30 de outubro de 2016

O GRANDE INQUISIDOR

O GRANDE INQUISIDOR

exórdio 

N'um acesso de cólera, há quem fique 
Bem diante da verdade, sem saída.
Qual quisesse apagar a nossa vida 
Do Livro dos Eleitos ou onde a indique. 

Não admira se acaso pontifique: 
-- "Sois a pior coisa já acontecida!" -- 
Ele tão-só computa em sua lida 
A gota d'água p'ra romper o dique... 

Após prisão estúpida e arbitrária,
Logo ele nos acusa, por má sina,
Nos máximos rigores da Doutrina. 

Por fim, nos silencia a mente vária, 
Negando-nos o humano patrimônio 
Como fôssemos piores que o demônio. 

*        *        *

invectiva

-- “Ai de vós! Credes em códigos de classe
E vos permitis do ódio instrumento.
Juiz obtuso, dais ao erro provimento,
Qual claro dia em trevas se tornasse.”

“Talvez não verdes danos n’este impasse,
Ou, obscuramente, n’ele haveis alento.
A inépcia ocultais com descaramento,
Malgrado o próprio mal se horrorizasse."

“Por quem sois! Deitai fora tais tiranos
Que constrangem a agir com vilania
E ora vos detêm, cúmplice de enganos.”

“Sei que nos odeiam por nossa ousadia.
Mas vós, que haveis com eles, que planos?
Que abuso à vossa cátedra impedia!?”

*        *        *

falácias

-- “Oras, oras... Vós-outros bem sabeis
A gravidade toda d’estes factos.
Não obstante, pensais que ainda intactos
Vossos direitos face a nossas leis?”

“Rebeldes à autoridade, conviveis
Entre conspirações, tramas e pactos.
Fugis às consequências dos maus actos,
Inimigos dos reinos e dos reis!
 
“Lesais a coisa pública, entretanto,
Ao combater os próceres do Estado
Assim como o Direito sacrossanto.”

“Crime de Lesa-Pátria... Um atentado
Autofágico e infame a ser punido
Co’o máximo rigor reconhecido.

*        *        *

réplica e tréplica

— “Dai-me algo por provar vossa inocência!   
Falai-me ao menos!”— Diz o Inquisidor.   
"Eu estou desolado" — acho...  — "Ou melhor,   
Lamento, mas não falo à esta audiência".   

"Malgrado não me acuse ora a consciência,   
Nada tenho a dizer em meu favor”.    
Ele diz: — “Mas que pena! Tanto pior!   
Se vos resta implorar tão-só clemência”...   

“Eu só penso que vós não haveis dito 
O que dizeis, não fosse indefensável   
A verdade d’um homem já proscrito”. 

— “Eu sei. Deveras, tudo isso admirável!   
A minha vã verdade eu acredito   
Ser-vos não falsa, sim insuportável”.  

*        *        *

ex-cathedra

— “No ano da graça de Nosso Senhor,
Compareceram diante d’esta Sede
Senhores cuja morte se nos pede
O venerável Grande Inquisidor.

Ouvida cada parte em seu favor,
Julgamos que o recurso que concede
A suspensão da pena não procede,
Devendo os réus cumprirem o mal maior.

O fogo purifique vossas almas
E em meio às labaredas subam calmas,
Qual bode que expiatório com óleo  unta-se.

Este é o parecer; é meu juízo:
Purificai-vos para o paraíso!
Publique-se, registre-se e (enfim...) cumpra-se.

Betim - 20 11 2004

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

FLUORESCÊNCIAS

FLUORESCÊNCIAS

P'ra todos os efeitos, nossos dias
São feitos de confusas descobertas.
Escrever torto por linhas incertas
Tem sido uma infindável alegria.

Juntar os meus versos em poesia,
Mantendo o coração e a mente alertas,
Eleva aos deuses ávidas ofertas
Incensadas de plena fantasia.

Brilhar no escuro é para muito poucos...
Mas sorrir na tristeza é para os loucos
Que como eu atravessam madrugadas.

Sejam as nossas rimas florescências
Onde a mínima luz faz de existências
Aventuras insãs do nada ao nada.

Betim - 28 10 2016

ALEGRO

ALEGRO

Amanhece e já canta o passarinho
A sua melodia docemente.
Paro para ouvi-lo, displicente,
Enquanto repetia o meu caminho.

Música ou não, aquele barulhinho
Era algo assim tão terno e tão dolente
Que soía fazer cócegas na mente
Tal a alegria em seu trinar sozinho.

Dou-me conta ao escutá-lo que feliz
É quem percebe a música de tudo,
Entendendo o que cada coisa diz.

Pouco importa se a ouvir aves me iludo,
Todo imerso d'encantos infantis,
Eu atravesso a rua e a vida mudo...

Betim - 28 10 2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

ROLA-MOÇA

ROLA-MOÇA

panorama

Mas de que maravilha estão falando?
Não por acaso nunca vimos ter
Com verdades passadas, a saber:
A questão já nem mais é quanto, é quando!

Pássaros que revoam longe em bando,
Enquanto olhos insistem só em ver...
Qual claridade buscas conhecer
Na névoa muito além se dissipando?

Pensa n’isso como se um desabafo
Ainda que tardio, qual tatuado
Em poesia que à flor da pele grafo.

É bem verdade que essa vista acalma.
Mesmo porque os abismos têm ecoado
A história antepassando por minh’alma.

* * *

toponímia

Os prosaicos versos andradinos
D’aquela afamada vinda a Minas
Passam ora por minhas retinas
À luz de nossos tão tristes destinos.

Com efeito, tal-qual dois peregrinos
Subimos e descemos as colinas
Até que em meio às névoas matutinas
Nos surpreendera o sol nos picos finos.

A moça a rolar pela pirambeira
E o noivo que a seguiu na galopeira
Somos nós dois agora-aqui sozinhos.

Na fé de que também um grande amor
De vida, morte, encanto, sonho e dor
Encontra-e-desencontra-nos caminhos...

Brumadinho – 06 02 2006

CHEGAR O AMOR

CHEGAR O AMOR

A ti, possa chegar o amor o quanto antes.
Que chegue cedo -- antes cedo do que tarde! --
Não permitas que d’ele eu me acovarde
E que tudo não dure mais que instantes.

Quando chegar o amor, já sendo amantes
Saibamos reavivar a chama que arde
E reconsiderar sem muito alarde
Aquilo que nos tem posto distantes.

Cedo ou tarde, chega à hora que bem quer...
Quer sim; quer não, o amor é um mistério:
Tudo e todos submete ao seu império!

Sejamos, pois, só homem e mulher
N’esse encontro humano ora tão lindo.
E o amor, quando chegar, será bem-vindo.

Belo Horizonte - 15 09 1994

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O PECADOR

O PECADOR

Têm meus olhos a exacta e vã medida
Da extensão da maldade que há no mundo.
Executei-e-sofri o mal, fecundo
Foi seu lavrar por toda a minha vida

Anos de mocidade à inadvertida
Experimentação do que é imundo!
Busquei sempre prazer, poço sem fundo,
Atrás d'uma beleza corrompida...

A esconder-me do bem, relativizo.
Até que se me impôs, sem prévio aviso,
A minha volta triste e maltrapilho.

Mas espero, por fim, não por meu mérito,
Sim pelo amor d'Aquele cujo inquérito,
Far-me-á, embora pródigo, seu filho.

Betim - 02 11 2008

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

AGRADOS

AGRADOS

Deixa-me te agradar; te agradecer.
Apenas um carinho, um mimo, um verso...
Ir me aventurar por teu universo
Sem levar uma bússola sequer...

Cada recanto teu vou conhecer
Por recolher teu mel longe disperso
E quando eu estiver em ti imerso
Eu sinta tua essência me envolver.

Deixa-me te fazer só um agrado;
Eu te dar um pouquinho do que sou
E sentir teu calor cá do meu lado.

O melhor do que tenho é que te dou:
Amor que só existe p'ra ser dado!
Amor que só tem quem já muito amou!

Betim - 24 10 2016

NOVEMBRADAS

NOVEMBRADAS

Não sei se alguém está contando os dias,
Só sei que mês que vem fará um ano...
O tempo passa sempre soberano
E indistinto a tristezas ou alegrias.

Dez anos se passaram nas sombrias
Horas em que nós -- não sem perda e dano --
Vivemos plenos esse encontro humano
Que uns chamam amor; outros, agonias...

Novembros têm sido aqueles meses
Nos quais por repetidas-mas-vãs vezes
Acontecem chegadas e partidas.

Hoje, a questão sequer é ser feliz,
Sim ir aonde aponta ora o nariz:
Tão-somente seguirmos nossas vidas.

Betim - 02 10 2016

domingo, 23 de outubro de 2016

EXISTÊNCIA

EXISTÊNCIA

N'uma vida de mais erros que acertos
Atravessei os anos do Milênio.
Contudo, sucumbi ao meu mau gênio
Em face da clareza dos expertos.

Tão-só mantive os olhos bem  abertos
Para o drama encenado no proscênio.
Mais carente d'amor que de oxigênio,
Só encontrei espíritos desertos...

Assim cheguei ao ponto de duvidar
Que me houvesse de facto algum lugar
Onde eu possa levar em paz a vida.

Drama ou não, continua um teatro o mundo.
Existindo, eu tento, erro e me confundo,
Mas atraso um pouco a hora da partida...

Betim - 08 08 2008

O ELEGANTE

O ELEGANTE

Se nem um sobretudo já me esconde
A miséria que trago desde o início
Minha pobreza é tal que cheira a vício
O mesmo que perfila o servo e o conde.

Meus dinheiros em zeros se arredonde
Enquanto busco ao lixo o desperdício.
Se folgam, miro os fogos de artifício
E ando sem saber nem quando nem onde.

Cato as latas que deixam nas sarjetas,
Embora escreva versos como os poetas
À espera já da próxima bebida.

Assim é que suporto esses meus dias
Feitos só de misérias e alegrias
N'uma decadência bem vestida.

Belo Horizonte - 26 06 2010

sábado, 22 de outubro de 2016

BAMBUZAL

BAMBUZAL

Bailado de taquaras envergando
Enquanto cai a chuva tropical.
Uma cortina verde, o bambuzal
Parece mil veleiros sem comando!...

O aguaceiro emborrasca quando em quando...
Uivando desvairado o vendaval,
Os bambus têm ressoado tal-e-qual
Um grande concerto onde oboés tocando.

N'aquele inusitado movimento
Se põem, agitadas pelo vento,
Sincronismo de música mais dança.

E por público d'esta maravilha,
Nos alegramos, eu e minha filha,
Diante d'um bambuzal na vizinhança.

Betim - 22 10 2016

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

ITAPARICA

ITAPARICA

Gaivotas salpicando o azul profundo
De branco, aqui e ali, ao céu e ao mar...
Eis natureza-viva! Rebrilhar
Em belos panoramas d'este mundo.

Um barco a vela surge inda oriundo
Mais de mim que do afã de se pescar.
Vai multicolorindo esse lugar
Onde meu querer faz-se tão fecundo.

Bom ser aqui-agora para ver
O que as traves em meus olhos vedavam
Enquanto os anos por mim passavam.

Pois mesmo após fracassos conhecer,
Percebo que jamais um fracassado
Serei enquanto eu for na vida amado.

Vila Velha - 03 07 2011 

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

ASSUNTANDO

ASSUNTANDO

Para ficar junto há-que ter assunto.
Ser agradável; ser agradecido...
São duas faces d'um agrado havido:
Duas emoções n'uma só ajunto.

É por isso que insistente eu te assunto...
Busco para as palavras um sentido,
Que faça eu te falar perto do ouvido,
Dando um jeito de a gente estar mais junto.

Não é nada demais; é só um papo...
Jogar conversa fora e, quando em quando,
Olhos nos olhos ir bebericando.

Então -- nem mais princesa e nem mais sapo --
Sabendo ser a vida tão fugaz,
Nós possamos trocar ideias em paz.

Betim - 19 10 2016

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

XONGAS

XONGAS

Quando alguém se crê muito necessário,
Faz tudo para não faltar mais nada...
A renovação do ânimo é sagrada,
Senão cada jornada é um calvário.

O problema é servir o salafrário
Que, com uma visão equivocada,
Entende quem o serve como escada:
Toma a sua esperança e o seu salário.

Malgrado me explorassem à exaustão,
Eu não sabia xongas d’estes ardis
Como um misto de astúcia e enrolação.

Se ignorante em maldades eu me quis,
Exacto por seguir uma ilusão
Me enganaram bem diante do nariz...

Betim – 04 09 2012

terça-feira, 18 de outubro de 2016

PROFESSORAL

PROFESSORAL

D'aquela mulher tenho ouvido cousas 
Que não se diz nem sob tortura ou fome...
Falo d'uma instrução que me consome
E nunca antes eu vi escrita em lousas:
 
-- "Se entrar em meus domínios ainda ousas
No afã de definir-me com um nome,
Tu quem sabes...  A tua luz eu tome,
Enquanto os olhos sobre mim repousas!"

"Aprendendo a lição d'estes amores,
Conhecerás do corpo os prazeres
Co'os quais alegrarás tantas mulheres."

"Lembra de mim aonde quer que fores..." --
Conclui ela, alheia já de tudo e todos,
Certa que amor se ensina d'outros modos...

Betim - 14 12 2010

sábado, 15 de outubro de 2016

AÉREO

AÉREO

As nuvens a ocultar o sol lá fora
Alertam de que tudo é fugidio...
Tarde de céu de chumbo e vento frio,
Que me fez recordar outras d’outrora.

E o tempo vai passando sem demora
No vento a me zunir seu assovio.
Já me sentia há tanto tão vazio,
Como se eu com o vento fosse embora.

Eu, de ponta-cabeça sob o céu,
Me imaginava a andar nas nuvens densas
Enquanto rascunhava algum papel.

E ainda que me julguem bem pretensas
As evasões de quem vivesse ao léu,
Me aceito catador de ideias suspensas.

Betim - 21 05 2012

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

NEÓFITOS

NEÓFITOS  

Há bem pouco iniciados nos mistérios
De Vênus e de Baco, seus prazeres
Nós temos desfrutado como seres
Que encontram nas folias refrigérios.

O dia-a-dia vivemos muito sérios
Às voltas com maçantes afazeres.
Lá p’las tantas, porém, belas mulheres
Nos fazem bem folgar feito gaudérios.

Apreciamos as danças e a nudez
Para extrair-nos a máscula e alva seiva
Na pele que ditosa se lhes eiva.

E, por fim, as deixamos sem talvez.
A serviço dos deuses, quando em quando,
Mais jornadas d’amor lhes celebrando!

Belo Horizonte – 26 06 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ALFORRIA

ALFORRIA

Que meus versos não sirvam a ninguém,
E que mais nunca os prendam a cadenas!
Não careço de senhores nem mecenas,
Tampouco espero d’outros qualquer bem.

São lumes que não sabem a que vêm
Estes versos que escrevo a duras penas.
Se de mim para mim servem apenas,
Serão de quem quiser lê-los também.

Passado o cativeiro, porém, ando
Serras e terras vãs atravessando
Tão-só pela alegria de escrever.

Alheio aos privilégios dos perversos,
Estejam por direito os meus versos
Livres para que todos possam ler.

Betim – 17 09 2007

DIR-TE-IA

DIR-TE-IA

Tendo tanto a dizer, eu nada falo
Só te olho sem saber o que fazer...
E, quando balbucio um som qualquer,
Sem que me faça ouvir, eu já me calo.

Às vezes, parecia que d’estalo
Sairia quanto tinha a te dizer,
Mas estacava apenas de te ver,
Como se iluminada por um halo...

Olhos ardósias qual lousa de giz,
Com tão mimosos lábios e o nariz
Compondo a tua face inconfundível.

Dir-te-ia que te quero mais do que antes.
Por desgraça, porém, n’estes instantes
Silencio co’a voz quase inaudível!...

Betim – 08 08 2012

terça-feira, 4 de outubro de 2016

ODE SERENADA

ODE SERENADA

I

Em glória a lua agora,
Que a viola viola a noite...
As cordas de aço pela rua afora
Vibram para que o peito mais se afoite:
Um coração batendo compassado
Co’a música em seresta
Revê de forma honesta
                        [ o seu passado.

II

Recorda aquela idade
Na qual a fantasia
Alumbra os anos vãos da mocidade
Sobretudo de música e poesia:
A bela época de áureas ilusões!...
Concertos nos quintais
E acordes triunfais
                        [ pelas canções.

III

Recorda amor antigo
Que tanto o coração
Fizera já sofrer feito um castigo.
Acabrunhado pela solidão
Ao ver o triste fim de quem amou,
Buscando se perder
Já sem saber sequer
                        [ por onde andou.

IV

Recorda uma outra lua
Em névoas serenada...
Quando andando só por deserta rua
À janela de sua namorada.
Ali veio cheio de encantos e esperanças
E embora ela dormisse
Alguns versos lhe disse
                        [ em falas mansas.

V

-- “ Amada tão amada,
Malgrado o teu pudor,
Rogo que tu me venhas à sacada...
Seja o tardio da hora um mal menor,
Quando tão suave a voz quanto o acalanto!
De modo que acordando,
Murmures quando em quando
                        [ este meu canto.”

VI

“Ainda estás dormindo...
Recebe-me em teus sonhos!
Faça-se meu cantar a ti bem-vindo
Até deixar teus olhos mais risonhos.
Escuta de meu peito o canto amante
Te entrar pela janela...
Agora, minha bela
                        [ e d’oravante.”

VII

Cantou tantas modinhas
N’aquela noite clara,
Que por fim suas almas bem juntinhas
Viu como se estivessem cara a cara.
Sem embargo, ninguém veio à janela:
Cantando até a aurora,
Após se fora embora
                        [ ‘inda sem vê-la.

VIII

Passaram muitos dias
E os dois não se encontraram.
Ansiava já, perdido em agonias,
Tudo o que as circunstâncias lhes negaram.
Teme que esse momento não se dê...
Dir-se-ia igual à lua,
Que ao sol se insinua,
                        [ e nunca o vê.

IX

Até que enfim a viu
Nos braços d’outro rapaz...
Ela, desconcertada, lhe sorriu;
Mas ele sequer d’isso foi capaz.
Seguiram por caminhos bem contrários
Sem nunca ele esquecer
O quanto puderam ser
                        [ extraordinários.

X

De facto, muitos anos
E amores se passaram.
Seguindo cada qual com seus enganos.
Bem confusos e vãos se reencontraram.
Era como se fosse ainda jovem...
Jamais foi tão feliz!...
E os sonhos que lhe quis
                        [ ainda o comovem.

XI

Contudo, ela mudou
E não sabe o que quer.
Já ele nunca mais se enamorou,
Como se não houvesse outra mulher.
Sabia que na noite serenada
Deixara o coração
Em cada só canção
                        [ ali cantada.
 

XII

A noite se enluarara
Nas cordas do violão.
À luz sabidamente tão rara
D’uns olhos marejados de emoção,
Ele e ela se encontrando novamente:
Não cuidam do futuro
Ou mesmo se algo obscuro
                        [ em seu presente.

XIII

E feito alucinados
Viveram o momento...
De facto, pela lua ora encantados
E ouvindo da seresta o movimento
Sentiram-se a ressoar em harmonia.
Em noite serenada,
Verdade misturada
                        [ à fantasia. 

Ouro Preto – 12 10 1995