sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

MAL-ENTENDIDO

MAL-ENTENDIDO

Disse? Não disse! Sim, talvez dissesse...
Ou senão quis dizer que não dissera.
Foi um disse-me-disse que, devera,
Dizia pouco mais do que parece.

Em todo o caso, nem valia o estresse
De desdizer-lhe a estúpida quimera...
No fim, tudo depende da atmosfera
Para entender aquilo que acontece:

Dissesse ou não, jamais entenderia
Como o ofendido ofende sem saber
Se bem ou mal entende o qu'eu dizia?

Pelo sim; pelo não, vem me ofender...
E a verdade de nada mais servia,
Desentendendo quanto eu quis dizer.

Betim - 31 01 2020

SONHOS HÚMIDOS

SONHOS HÚMIDOS

Aquilo que é desejo me visita
Em meio ao sono leve da modorra…
Ao mormaço da tarde, suor escorra
Quando a respiração profunda e aflita.

Um vago devaneio mais incita
Contra a mente os sentidos indo à forra:
Sem que nada me toque, o sexo jorra
Semelhante a uma válvula que apita!

Acordo sem saber a quem ou ao quê
Eu devo haver meu corpo por mercê
De carícias tão suaves quanto intensas.

Entrega-me ao torpor o dorso langue,
Como por sob a pele todo o sangue
Borbulhando no púbis ondas densas…

Betim - 31 01 2020

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

COAUTORIA

COAUTORIA

Às vezes me divido em outros tantos,
Que nem sei quais de mim estão no texto:
A depender da forma ou do pretexto
Reparo ecos que vêm dos quatro cantos.

Nem cuido se sussurro em acalantos
Tais frases desprovidas de contexto
E tampouco se algum autor bissexto
Escreve por meus dedos seus espantos…

Acompanho estes eus interessado
Em ver os seus conflitos e consensos
Como estivessem sempre lado a lado.

Mas em vez de arbitrar seus dons pretensos
Eu lhes deixo que me usem, admirado,
D'eles serem eu se egos tão imensos!

Betim - 30 01 2020

CALMARIA

CALMARIA 

Pássaros passarão em nuvens brandas; 
Em nuvens (ou em bandos...) pelo porto. 
Alguém diz: “Pandas asas, velas pandas”... 
A ver navios e aves quedo absorto. 

Não parte o meu navio; ando a seguir 
Por este cais ruidoso já sem pressa. 
Esperar é o mesmo que existir. 
Meu olhar todo o oceano ora atravessa. 

Receios de partir; ânsias de chegar, 
O coração se agita sem razão. 
De novo os olhos pousam sobre o mar 
E o que veem é de novo imensidão. 

Pois se sucederão, dia após dia, 
Manhãs em tudo idênticas já a esta: 
Pássaros passarão sem alegria... 
Navios abrirão velas sem festa... 

Futuro é o presente repetido 
À espera apenas da hora da partida. 
A vida passa sem jamais ter sido 
A promessa d’amor outrora ouvida. 

Ainda que bons ventos cá me levem, 
Pássaros passarão... (Que quimera!...) 
As velas, como a vida, mal se atrevem 
Sempre à espera da espera d’outra espera. 

Vitória 05 11 2005