quinta-feira, 29 de maio de 2025

DEUS "VULT"

DEUS "VULT"


Aos que creem, o querer de Deus – eu penso –

Devera revelar-se em realidade.

Pois tudo o que acontece, na verdade,

Lhe cumpriria o plano bom e imenso.


O mundo, todavia, por consenso,

É duro para toda a humanidade:

Guerra, miséria, fome, enfermidade…

Ainda que a louvar com ouro e incenso!


Aos que creem, o querer de Deus – eu acho –

Parece antes o d’eles do que o d’Ele,

Sempre com sangue alheio por debaixo…


E essa idealidade que os impele

A fazer o que Deus mesmo não fez

Dirão Sua vontade… Uma outra vez.


Belo Horizonte - 26 05 2025


CASTELHANÍSSIMO

CASTELHANÍSSIMO 


Decerto, há quem confie demasiado

E normalize estranhas actitudes.

Não vês, meu caro amigo, que te iludes? 

Ou aceitaste ser tudo obra do Fado?...


Teu presente repete meu passado

– Da irreciprocidade às inquietudes!

Convém que à fantasia ora desnudes

Sob pena de avançares enganado.


O que senão a angústia te motiva

Ao contínuo engendrar de descaminhos?

Amor… Eis-te pelo abismo dos sozinhos!


Ao igual que eu, trazes tu a alma captiva.

Não vês, meu caro amigo? É inevitável 

Perder-se entre o impossível e o improvável. 


Betim - 15 05 2025


quinta-feira, 22 de maio de 2025

DEDO PODRE

DEDO PODRE

Certa vez, em resposta a um comentário d’ela, escrevi: “Ela tem o dedo podre, o coração de pedra e o sexo seco.”

Foi a coisa mais dura que escrevi sobre alguém, em toda a minha vida.

Eu estava magoado após ela ter dito a quem quisesse ouvir que tinha o dedo podre para escolher homens. Eu não me fiz de desentendido. Incluí-me em sua afirmativa e lhe fiz essa descrição desfavorável, antes sentimental que anatômica -- Sim, o dedo podre, mas não só...  Era como se concordasse, porém esclarecendo ser seu dedo podre quem estragava tudo o que tocava. Não eram os homens que passavam por sua vida inservíveis — ou podres, como ela os qualificou — mas sim ela que os deteriorava com sua incapacidade de ser recíproca. Forçoso esclarecer que dar para receber nunca lhe foi primordial em relações amorosas, ao menos a meu ver.

De qualquer modo, a violência de meu juízo a seu respeito me chocou. Era despeito, obviamente. Enquanto lhe orbitei a existência, eu tolerara suas maneiras com a esperança de lhe inspirar afeição. Todavia, passados anos n’esse jogo insidioso de apostar cada vez mais alto apenas para confirmar que a sorte jamais me sorriria, eu me vi perdido em ressentimentos e ciúmes. Dei para falar muito mal do amor, sentimento que supunha sagrado, para, após, destilar todo esse fel que me subia à boca diante do fracasso de nossa vida a dois. 

Penso que descuidei de mim. Deixei a barba e o cabelo desleixados, bebendo excessivamente. Atravessei noites e noites em longas e solitárias caminhadas de canto a canto da cidade sem qualquer propósito senão investigar as obscuras motivações que nos lançaram um nos braços do outro. Aparentemente, recordando agora, era como cavasse um poço dentro de mim mesmo onde eu m’escondesse dos olhos de terceiros e seus julgamentos. Nada era conclusivo. Eu revirava hipóteses sem conseguir chegar a uma teoria que me servisse de verdade, precária e provisória que fosse, sobre o que havíamos vivido juntos. 

Talvez ela tivesse, de facto, o dedo podre — o que fazia de mim não mais que uma decepção. Talvez ela tivesse me apodrecido — o que fazia d’ela não mais que uma egoísta. Não sei se o leitor, ou leitora, me acompanha o desatino, mas ambas proposições me parecem hoje injustas. Aceitá-las seria desgostar tanto d’ela quanto de mim, algo que, ao fim e ao cabo de tudo, nós não merecemos. Mas, e a podridão do dedo? Outra figura infeliz de linguagem comum aos desapaixonados. Servira tão-somente para expressar algo que também eu sentia àquela época: Azar no amor. 

Fechadas as contas, ambos nos ofendemos. Dedo podre?... Coração de pedra?... Sexo seco?... Culpa-se quem não sente ou quem não faz sentir? Se o outro não atrai, afetiva ou sexualmente, tal insensibilidade é uma questão do casal, não de cada um por si. De minha parte, esse episódio resta como um momento de imaturidade emocional. Eu lamento ter escrito o que escrevi. 

Betim - 21 05 2025

quarta-feira, 21 de maio de 2025

NÃO ME TOQUES

NÃO ME TOQUES


Vai-te e me deixas; volta aos teus cuidados. 

Afasta-te de mim — tu que me amaste —

Fala que fui um vil e sou um traste;

Se vierem questionar, lembra passados…


Depois de tantos anos de desgaste,

Passe eu como errado entre os errados;

Outro a arfar sob os olhos elevados 

D’estes cuja honra têm em altiva haste.


Não negues a tua íris furta-cores

Luzir sobre boníssimos amores,

Por um que se conhece e após s’esquece.


Deixa-me retornar à escuridão 

— Tu que me foste amada — Na ilusão

De me lembrares só em tua prece.


Inhapim - 20 07 2011


quarta-feira, 14 de maio de 2025

INTERREGNO

INTERREGNO


D'agora até um ano esperarei

O necessário arder das emoções.

Decido não tomar mais decisões 

Incerto do que sei ou que não sei.


Enquanto isso, farei do acaso lei.

Nada de procurar explicações…

Tampouco hei-de guardar as convenções,

Dando-lhes a atenção que nunca dei.


Pode ser que hoje eu vá passarinhar.

Pois, dono de meu tempo e meu lugar,

Não quero senão luzes em meus olhos.


O sol, o céu, a tarde, a solidude…

Espero que a beleza se desnude,

Mesmo que em meio a cinzas e restolhos.


Betim - 13 05 2025

terça-feira, 13 de maio de 2025

LICEU

 LICEU


Palácio do saber, a minha escola

Fez de mim quem eu sou e quem não sou;

Quem, por artes e ofícios, m’ensinou

A poetar desde quando rapazola.


Esse mal de escrever ninguém curou.

Embora julguem algo meia-sola,

O exercício da pena não descola

D’este homem que a vida me tornou.


Faço, defronte ao prédio, reverência 

Ao lembrar minha breve experiência

Pelos seus corredores juvenis.


Eu lhe deixo este poema como ex-voto,

Escrito à mão no avesso em minha foto,

De que ali, poeta e moço, fui feliz. 


Belo Horizonte - 06 01 2000 


sábado, 10 de maio de 2025

O INAVIDO

 O INAVIDO 


Jamais! Nunca houve e, não, nunca foi visto.

Como pode ser contra a realidade

Tudo quanto da mente nos evade

Para além do saber d’aquilo ou d’isto?


Não importa se penso ou mesmo existo;

Se nem o Omnividente à claridade

Houve por bem mostrar, onde a verdade

Senão nos vãos dos sonhos eu conquisto?


A morte como modo necessário 

De se dar à consciência o temerário 

Conhecimento do que é e o que foi antes.


Findo o mistério; tudo revelado,

O mundo surgirá desencantado

Às íris dos meus olhos delirantes.


Betim - 20 10 2010



ESTRADAS BRANCAS

 ESTRADAS BRANCAS


Clara noite de lua nos cristais

Do caminho espraiado pelo vale.

À trilha esbranquiçada, mal resvale

Cada passo deixado para trás.


Não cante a minha boca mais meus ais…

Em face da beleza, tudo cale!

Esta visão de sonho apenas fale,

Na fé que enluarado eu ande em paz.


Além, pelo horizonte, as amplas serras

Fazem maior a noite n’estas terras,

Já sem temer das penhas as carrancas.


Eu sigo sem saber aonde vou

Pelo encanto de ver que agora sou

Aquele que caminha estradas brancas.


Tabuleiro - 16 06 2024


quarta-feira, 7 de maio de 2025

INTERVALO

INTERVALO


Entre o epílogo e o prólogo, atravesso

Todos os movimentos da consciência.

Viver é desmedida ambivalência

De ser quem se é e ainda o seu avesso.


Se tenho sido só desde o começo,

Não fiz senão do encontro uma excelência,

Apesar da mais notória incompetência

Em caminhar tropeço após tropeço.


Eu sigo a narrativa sem negar

Que as várias trajectórias e os olhares,

São só pelo prazer de m’expressar.


E, sábio que não sou, arrisco azares:

— “Importa antes o durante com seu drama,

Que dar moral à história que se trama”.


Betim - 07 05 2025


DOIS DE JANEIRO

DOIS  DE JANEIRO


Há um imenso vazio na manhã,

quando a mente não se alinha ao quotidiano.


Atravesso a rua, entro pela portaria, subo as escadas, sento em frente à tela…

Trabalho sem saber se será útil o que faço. Desconfio.


Pareço ser, mas não sou.


Celebrei as novidades da vida e a cabeça ainda

parece latejar de excessos. Desatino.


Saúdo a todos, pergunto pelos seus, mas

minha mente continua vendo nuvens

no alto de remotíssimas montanhas, eu não entendo.


O sonho atravessa a realidade.


Estou aqui, mas também lá, entendes?

Eu, tampouco.


Betim - 2025


terça-feira, 6 de maio de 2025

O DESCASADO

 O DESCASADO


Eu volto da cidade para casa

Sem saber, todavia, onde é meu lar.

Da janela do trem, a hora a passar

Arde céus nos meus olhos em brasa.


De novo sem destino e sem lugar,

Não ligo se o comboio mais se atrasa.

Apenas que a memória um tanto rasa

Me deixe inutilmente de lembrar.


Distrai este horizonte em movimento.

Tudo muda, momento após momento, 

Até que nada seja mais como antes.


Percebo-me, afinal, um passageiro.

Na ilusão de ser só-mas-verdadeiro,

Como errados, erráticos e errantes…


Belo Horizonte - 11 12 2010


segunda-feira, 5 de maio de 2025

PARTILHA

PARTILHA


Nós nem sequer fomos felizes,

Para sofrermos tanto assim.

Feridas viram cicatrizes…

Isto não é bom nem é ruim.


Todos se desgostam no fim

E andam pelo mundo sem raízes. 

Para sofrermos tanto assim,

Nós nem sequer fomos felizes!


Todos lamentam seus deslizes,

Gastando em vão o seu latim

Entre advogados e juízes...

Para sofrermos tanto assim,

Nós nem sequer fomos felizes!


Betim - 20 04 2025


sexta-feira, 2 de maio de 2025

MUNDOS E FUNDOS

 MUNDOS E FUNDOS


Disse ele que fazia e acontecia,

Mesmo que contra tudo e contra todos.

Homem de muitas falas de denodos,

Sem ter noção de si, aborrecia.


Muito maior do que era parecia,

Ou melhor, fez-nos crer com mil engodos.

Ser capaz de tirar ouro dos lodos,

Quando dos tolos mais s’enriquecia.  


Pergunto-me, afinal, a quantas anda

Seu castelo de cartas admirável

Fundado só n’um nome indevassável.


Resultando em fortuna miseranda

De títulos mais podres que defuntos!

Disse ele que fazia… E fomos juntos…


Betim - 02 05 2025


ÀS GARGALHADAS

ÀS GARGALHADAS


O riso da menina longe ecoa

Pelo imenso palácio da memória...

Mulher feita, sorri face à vitória

Da infância sobre o tempo e sua c'roa.


Ouve e se vê: Insólita pessoa!

— Uma vidinha nada meritória.

Contudo, ainda crê que sua história

Fará lembrar alguma coisa boa.


Aquela gargalhada sem vergonha,

Foi que fez a ela, mãe, se ver na filha 

E entender da alegria a maravilha.


Talvez já não se veja tão tristonha

Tendo tanta alegria ora à retina.

Ouve e se vê: Ainda uma menina...


Betim - 22 08 2011 

ALGAZARRA

ALGAZARRA


A alegria ruidosa dos meninos 

Martela em meus ouvidos embotados.

Às gargalhadas, vêm muito agitados

Cercar-me os solitários desatinos.


Correm os seus brinquedos vespertinos,

Soltando exclamações pelos gramados,

A ponto d’eu deixar quaisquer cuidados,

Em face do festim dos pequeninos.


Deixo as letras e os números do dia

E m’entrego à fruição da fantasia,

Que aquela meninada m’ensinava.


Por dentro, corro e grito brincadeiras

Quase a esquecer de vez minhas canseiras,

Certo de qu’eu também ameninava.


Betim - 16 10 2009