quarta-feira, 14 de maio de 2025

INTERREGNO

INTERREGNO


D'agora até um ano esperarei

O necessário arder das emoções.

Decido não tomar mais decisões 

Incerto do que sei ou que não sei.


Enquanto isso, farei do acaso lei.

Nada de procurar explicações…

Tampouco hei-de guardar as convenções,

Dando-lhes a atenção que nunca dei.


Pode ser que hoje eu vá passarinhar.

Pois, dono de meu tempo e meu lugar,

Não quero senão luzes em meus olhos.


O sol, o céu, a tarde, a solidude…

Espero que a beleza se desnude,

Mesmo que em meio a cinzas e restolhos.


Betim - 13 05 2025

terça-feira, 13 de maio de 2025

LICEU

 LICEU


Palácio do saber, a minha escola

Fez de mim quem eu sou e quem não sou;

Quem, por artes e ofícios, m’ensinou

A poetar desde quando rapazola.


Esse mal de escrever ninguém curou.

Embora julguem algo meia-sola,

O exercício da pena não descola

D’este homem que a vida me tornou.


Faço, defronte ao prédio, reverência 

Ao lembrar minha breve experiência

Pelos seus corredores juvenis.


Eu lhe deixo este poema como ex-voto,

Escrito à mão no avesso em minha foto,

De que ali, poeta e moço, fui feliz. 


Belo Horizonte - 06 01 2000 


sábado, 10 de maio de 2025

O INAVIDO

 O INAVIDO 


Jamais! Nunca houve e, não, nunca foi visto.

Como pode ser contra a realidade

Tudo quanto da mente nos evade

Para além do saber d’aquilo ou d’isto?


Não importa se penso ou mesmo existo;

Se nem o Omnividente à claridade

Houve por bem mostrar, onde a verdade

Senão nos vãos dos sonhos eu conquisto?


A morte como modo necessário 

De se dar à consciência o temerário 

Conhecimento do que é e o que foi antes.


Findo o mistério; tudo revelado,

O mundo surgirá desencantado

Às íris dos meus olhos delirantes.


Betim - 20 10 2010



ESTRADAS BRANCAS

 ESTRADAS BRANCAS


Clara noite de lua nos cristais

Do caminho espraiado pelo vale.

À trilha esbranquiçada, mal resvale

Cada passo deixado para trás.


Não cante a minha boca mais meus ais…

Em face da beleza, tudo cale!

Esta visão de sonho apenas fale,

Na fé que enluarado eu ande em paz.


Além, pelo horizonte, as amplas serras

Fazem maior a noite n’estas terras,

Já sem temer das penhas as carrancas.


Eu sigo sem saber aonde vou

Pelo encanto de ver que agora sou

Aquele que caminha estradas brancas.


Tabuleiro - 16 06 2024


quarta-feira, 7 de maio de 2025

INTERVALO

INTERVALO


Entre o epílogo e o prólogo, atravesso

Todos os movimentos da consciência.

Viver é desmedida ambivalência

De ser quem se é e ainda o seu avesso.


Se tenho sido só desde o começo,

Não fiz senão do encontro uma excelência,

Apesar da mais notória incompetência

Em caminhar tropeço após tropeço.


Eu sigo a narrativa sem negar

Que as várias trajectórias e os olhares,

São só pelo prazer de m’expressar.


E, sábio que não sou, arrisco azares:

— “Importa antes o durante com seu drama,

Que dar moral à história que se trama”.


Betim - 07 05 2025


DOIS DE JANEIRO

DOIS  DE JANEIRO


Há um imenso vazio na manhã,

quando a mente não se alinha ao quotidiano.


Atravesso a rua, entro pela portaria, subo as escadas, sento em frente à tela…

Trabalho sem saber se será útil o que faço. Desconfio.


Pareço ser, mas não sou.


Celebrei as novidades da vida e a cabeça ainda

parece latejar de excessos. Desatino.


Saúdo a todos, pergunto pelos seus, mas

minha mente continua vendo nuvens

no alto de remotíssimas montanhas, eu não entendo.


O sonho atravessa a realidade.


Estou aqui, mas também lá, entendes?

Eu, tampouco.


Betim - 2025


terça-feira, 6 de maio de 2025

O DESCASADO

 O DESCASADO


Eu volto da cidade para casa

Sem saber, todavia, onde é meu lar.

Da janela do trem, a hora a passar

Arde céus nos meus olhos em brasa.


De novo sem destino e sem lugar,

Não ligo se o comboio mais se atrasa.

Apenas que a memória um tanto rasa

Me deixe inutilmente de lembrar.


Distrai este horizonte em movimento.

Tudo muda, momento após momento, 

Até que nada seja mais como antes.


Percebo-me, afinal, um passageiro.

Na ilusão de ser só-mas-verdadeiro,

Como errados, erráticos e errantes…


Belo Horizonte - 11 12 2010


segunda-feira, 5 de maio de 2025

PARTILHA

PARTILHA


Nós nem sequer fomos felizes,

Para sofrermos tanto assim.

Feridas viram cicatrizes…

Isto não é bom nem é ruim.


Todos se desgostam no fim

E andam pelo mundo sem raízes. 

Para sofrermos tanto assim,

Nós nem sequer fomos felizes!


Todos lamentam seus deslizes,

Gastando em vão o seu latim

Entre advogados e juízes...

Para sofrermos tanto assim,

Nós nem sequer fomos felizes!


Betim - 20 04 2025


sexta-feira, 2 de maio de 2025

MUNDOS E FUNDOS

 MUNDOS E FUNDOS


Disse ele que fazia e acontecia,

Mesmo que contra tudo e contra todos.

Homem de muitas falas de denodos,

Sem ter noção de si, aborrecia.


Muito maior do que era parecia,

Ou melhor, fez-nos crer com mil engodos.

Ser capaz de tirar ouro dos lodos,

Quando dos tolos mais s’enriquecia.  


Pergunto-me, afinal, a quantas anda

Seu castelo de cartas admirável

Fundado só n’um nome indevassável.


Resultando em fortuna miseranda

De títulos mais podres que defuntos!

Disse ele que fazia… E fomos juntos…


Betim - 02 05 2025


ÀS GARGALHADAS

ÀS GARGALHADAS


O riso da menina longe ecoa

Pelo imenso palácio da memória...

Mulher feita, sorri face à vitória

Da infância sobre o tempo e sua c'roa.


Ouve e se vê: Insólita pessoa!

— Uma vidinha nada meritória.

Contudo, ainda crê que sua história

Fará lembrar alguma coisa boa.


Aquela gargalhada sem vergonha,

Foi que fez a ela, mãe, se ver na filha 

E entender da alegria a maravilha.


Talvez já não se veja tão tristonha

Tendo tanta alegria ora à retina.

Ouve e se vê: Ainda uma menina...


Betim - 22 08 2011 

ALGAZARRA

ALGAZARRA


A alegria ruidosa dos meninos 

Martela em meus ouvidos embotados.

Às gargalhadas, vêm muito agitados

Cercar-me os solitários desatinos.


Correm os seus brinquedos vespertinos,

Soltando exclamações pelos gramados,

A ponto d’eu deixar quaisquer cuidados,

Em face do festim dos pequeninos.


Deixo as letras e os números do dia

E m’entrego à fruição da fantasia,

Que aquela meninada m’ensinava.


Por dentro, corro e grito brincadeiras

Quase a esquecer de vez minhas canseiras,

Certo de qu’eu também ameninava.


Betim - 16 10 2009