O GOVERNO ACABOU
-- "Bolsonaro, você não recebeu a mensagem que seu filho mandou para você"
-- "Você é de que nacionalidade?
-- "Eu venho do Haiti. Sou brasileiro."
-- "Pode continuar."
-- "Bolsonaro, acabou! Você não é presidente mais."-- e repetiu--"Você não é presidente mais."
--"Desculpa, mas eu não estou entendendo." --respondeu, com sinceridade, em face da pronúncia do haitiano-brasileiro.
-- "Você está entendendo bem, estou falando brasileiro (sic). Bolsonaro acabou. Você está recebendo mensagem no celular. Todo mundo, todo brasileiro está recebendo mensagem no seu celular. Você está recebendo as mensagens que seus filhos mandarem para você. Você não é presidente mais, precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros", disse o haitiano para o Presidente. […]
Esse diálogo inusitado aconteceu em Brasília faz uma semana. Na noite de 17 de março, terça-feira passada, em frente ao Palácio do Planalto. Havia, de facto, revolta de muitos setores da sociedade brasileira pela convocação por parte do Presidente de manifestações de apoio ao seu governo --mesmo contrariando as recomendações do Ministério da Saúde em função dos primeiros casos da Covid19 então diagnosticados no país e do agravamento da transmissão do novo corona vírus no continente europeu. Revolta esta agravada pela participação efetiva do Presidente, no dia 15 de março, das manifestações. Mesmo tendo sido declarado já haver possível contaminação comunitária nas grandes cidades brasileiras, Bolsonaro aproximou-se dos manifestantes, apertou a mão de apoiadores, tirou dezenas de fotos e permaneceu no meio d'eles por muito tempo. As fotos e vídeos encheram o noticiário como a própria definição de temeridade.
Hoje, 24 de março, Bolsonaro fez um pronunciamento no qual deixou patente seu posicionamento contrário em relação ao esforço que a sociedade brasileira tem feito em mitigar as perdas humanas diante da pandemia da Covid19. Apesar de todo estresse do confinamento e das enormes privações materiais a que a população está se submetendo. Empresários e trabalhadores estão desesperados em relação aos custos econômicos do confinamento, mas as notícias que vêm da Europa -- e, mais recentemente, também dos Estados Unidos-- se impõem diante do cenário apocalíptico anunciado pela própria Organização Mundial de Saúde para as próximas semanas e meses. Ouvir o Presidente da República minimizar a pandemia, mais uma vez, como "gripezinha" e criticar a mobilização feita por Governadores e Prefeitos em proteger a população como "histeria" calou realmente muito fundo na alma das pessoas. Não faltou quem reagisse dizendo que Bolsonaro está desconectado com a realidade ou sendo simplesmente irresponsável. Os números divulgados hoje pelo Ministério da Saúde -- ;2.201 casos confirmados e 46 mortos -- mantêm no Brasil o cenário de escalada da crise sanitária em moldes com as crises italiana e espanhola. Um país que não tem sequer álcool em gel e máscaras disponíveis para a proteção das pessoas assiste o Presidente da República se opor ao isolamento social que tanto tem custado às famílias como se fôssemos tolos manipulados pela Mídia.
Quando se afirma que O GOVERNO ACABOU, fazendo eco ao haitiano que abordou o Presidente há uma semana atrás, não é por esperar que alguma acção do Supremo ou do Congresso vão, efetivamente, apear Bolsonaro do poder. Ao contrário, haverá a contemporização costumeira e ele permanecerá envergando a faixa presidencial. Sem embargo, tudo o que disser ou fizer d'oravante será cada vez menos importante para a vida das pessoas.
A partir de hoje, a manifestação dos governadores e prefeitos se reveste d'uma relevância muito maior, pois com erros e acertos, estão enfrentado a crise sanitária, não a ignorando. Bolsonaro se tornou irrelevante n'um momento em que sequer é capaz de fazer uma Medida Provisória de ordenamento econômico como a n° 927 --publicada ontem cedo e revogada de tarde!-- sem trazer ainda mais confusão para o já caótico quandro que presenciamos. De tanto dizer e desdizer diante dos governadores e prefeitos, Bolsonaro simplesmente não lidera o consenso da sociedade em se proteger, sanitária e economicamente, da pandemia que assola o mundo. Aliás, chega a ser genocida o contraste entre a autoridade brasileira e as autoridades do resto do mundo: Um esforço imenso em isolar e testar as pessoas para direccionar as acções de saúde enquanto aqui o confinamento é confundido com férias forçadas e desnecessárias, segundo o Presidente.
Bolsonaro não governa. Independente do que tenha dito em seu pronunciamento hoje, ninguém deve fazer o que orientou. Ninguém vai flexibilizar o confinamento por causa de suas palavras. Ninguém vai investir um centavo em coisa nenhuma diante de seu chamamento à normalidade. Simplesmente não vai acontecer. Todos -- empreendedores, desempregados, precarizados, investidores e até meros observadores -- vamos seguir as orientações de governadores e prefeitos, para o bem ou para o mal. Todos continuaremos acompanhando atentamente as notícias trazidas pela impressa nacional e internacional acerca dos desdobramentos da crise sanitária que atravessamos. Independente se ao fim morrerem cem ou cem mil, as acções de segurança sanitária se impõem diante d'uma doença nova, altamente transmissível e sem medicamentos testados com sucesso. É preciso que a comunidade científica e os centros tecnológicos tenham tempo para desenvolver soluções sob pena de assistirmos a superlotação de hospitais e filas de caminhões funerários.
Felizmente ou não, a Presidência da República se tornou um cargo decorativo. Tão decorativo quanto seu retrato oficial de Presidente da República na parede do cenário do vídeo de inspiração nazista estrelado pelo ex-secretário especial da Cultura, o execrado Roberto Alvim… Deixem Bolsonaro no Palácio do Planalto para satisfazer seus apoiadores ruidosos e fanáticos. Não faz diferença mais.
Belo Horizonte - 24 03 2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário