sexta-feira, 6 de março de 2020

XV VILANCETES

XV VILANCETES  
- I -   
MOTE: Foi cupido, alado e cego, 
Pela estrada me rondar 
Para o meu peito flechar... 
VOLTA: Mas que extrema desventura 
Que alhures chamam amor!... 
Pela estrada, o teu rubor 
Reluziu tal formosura, 
Que cupido, má criatura, 
Houve por bem me cegar 
Para o meu peito flechar...  
- II - 
MOTE: Ouço da vila os folguedos, 
Mas em casa me demoro... 
Quanto espero quem adoro?! 
VOLTA: Na vila dançam tiranas 
De laços branco e vermelho. 
Só por ela eu me ajoelho...! 
Só por ela ando com ganas!... 
Tão diversa das mundanas, 
Que seus olhos rememoro... 
Quanto espero quem adoro?!  
- III - 
MOTE: Dois arroios se misturam 
Suas águas n'uma só 
Nos confins do cafundó. 
VOLTA: Eu e tu, duas veredas 
Descendo até dar na foz. 
Lá chegando, fomos nós 
Nos misturarmos em ledas 
Corredeiras sete quedas... 
Para eu não ficar mais só 
Nos confins do cafundó...  
- IV - 
MOTE:Se amor com amor se paga 
Qual alhures se acredita, 
Eis-me em dívida infinita! 
VOLTA: Tantos amores me deste; 
Tantos amores te dei! 
Tão-somente cumpro a lei... 
Mas tanto mais me trouxeste, 
Que nem tendo quem m'empreste, 
Pago prenda tão bonita!... 
Eis-me em dívida infinita! 
 - V - 
MOTE:A quem contesta respondo: 
-- "Foi nos longes das coxilhas 
Que vivi tais maravilhas." 
VOLTA: À guisa já de arremate 
Pr'um causo muito alongado 
Eu ponho a cuia de lado. 
E 'inda a beber do mate, 
Eu deixo em silêncio o embate. 
Sem narrar a peralvilhas 
Que vivi tais maravilhas... 
  
- VI - - 
MOTE: Pelo trote do crioulo 
Que se sabe o cavaleiro 
Quando vem pelo terreiro. 
VOLTA: Apeei do meu bagual 
Igual ginete garrido. 
Varejei pelo corrido 
Sem ver viv'alma no erval, 
Do início até o final... 
Tão silente este estradeiro 
Quando vem pelo terreiro! 

- VII - 
MOTE: Prenda minha; minha prenda, 
Se me negas teu carinho, 
Vou três vezes mais sozinho! 
VOLTA: Prenda minha, por que choras? 
A saudade prova o amor 
Tanto quanto meu valor 
O vazio d'estas horas! 
Sempre volto sem demoras, 
Mas, se me tens por mesquinho, 
Vou três vezes mais sozinho!... 

- VIII - 
MOTE: Peleja de gente grande 
É correr no cerro frio 
Doma de xucro arredio... 
VOLTA: Na cabanha da colina 
Pelas névoas da invernada, 
O xucro foi dar pernada 
Em coices pela neblina. 
Quando a algazarra termina, 
O ginete monta bravio 
Domando xucro arredio...  
- XI - 
MOTE: A despeito dos vilões, 
Sei amar-te o vilarejo 
Onde a flor do meu desejo. 
VOLTA: A despeito dos paisanos, 
Que desdenham este país, 
Vivo aqui muito feliz. 
Mas ao sabor dos minuanos 
Tenho andado há tantos anos 
Que tão longe pouco vejo 
Onde a flor do meu desejo... 

- X - 
MOTE:Se venho obsequioso 
À vossa porta, de noite, 
Peço pousada e pernoite. 
VOLTA: Volto aqui, minha senhora, 
Vos pedir, se vos apraz, 
Um pouco de lume e paz 
Para logo eu ir-me embora. 
Devo partir sem demora 
E, sem que baldo me afoite, 
Peço pousada e pernoite... 

- XI - 
MOTE: Nas coxilhas afamado,  
Não há ninguém tão sincero 
Como o tal do quero-quero! 
VOLTA: Uma morena prendada 
Eu olhava bem frequente. 
Passava por insistente, 
Mas não lhe falava nada... 
Soubesse eu, n'essa cilada, 
Falar que quero a quem quero 
Como o tal do quero-quero!...  
 - XII - - 
MOTE: Lá p'ros lados da fronteira 
N'uma fala misturada 
Se corteja namorada. 
VOLTA: Prende fogo na fogueira 
Para acender-me paixão! 
Passo com gosto o verão 
A pelejar na fronteira 
Pelo amor d'uma solteira. 
Lá, com a língua azeitada, 
Se corteja namorada. 

- XIII - 
MOTE: Não tenho tudo o qu'eu amo, 
Mas amo tudo o que tenho: 
É assim lá d'onde eu venho! 
VOLTA: Rico não é quem tem tudo, 
Sim quem com pouco faz muito. 
Se vives com bom intuito 
E tens o olhar mais agudo, 
O mundo é campo desnudo, 
Que se corre com empenho. 
É assim lá d'onde eu venho!  
- XIV - 
MOTE: Castelhanos das Missões, 
Guaranis do Paraguai 
Com gaúchos do Uruguai. 
VOLTA: N'essa terra, encruzilhada 
Onde s'encontram as Nações, 
Não há heróis ou vilões, 
Somente a poeira da estrada: 
Lá, guasca pampeiro vai 
Com gaúchos do Uruguai.  
- XV - 
MOTE: Dizem tirar vilancetes 
Os homens com arte e manha 
Das campinas da Campanha. 
VOLTA: Dizem tirar boas rimas 
Aquele que a Liberdade 
Cultiva tal como herdade 
Onde xucros e vindimas 
Crescem com suas estimas... 
E, poeta, rimas apanha 
Das campinas da Campanha. 

Belo Horizonte - 06 03 2020   

Nenhum comentário:

Postar um comentário