domingo, 7 de junho de 2020

UM CORPO HUMANO

UM CORPO HUMANO

1° ROUND
Eu sou um corpo humano levando porrada.
Um corpo, humano, se ferrando e envelhecendo.
O supercílio cortado jorra sangue do olho inchado,
borrando a visão do que me cerca,
enquanto resisto em pé, trocando as pernas.
Abraço o adversário e o empurro contra as cordas,
mas o soco, de baixo para cima, não encaixa…
O gongo soa finalizando meu estupor.

2° ROUND
Eu tenho um grande plano, eu sei: Ficar de pé!
Tenho de me manter longe dos golpes; rodar o ringue.
Olho em seus punhos e traquejo… Nunca se sabe
D’onde vem a próxima porrada.
Ataca. Recua, Avança, Defende, Guarda posta.
E respiro, respiro, respiro, respiro…
O gongo soa sem me dar por conta: 
Desabo no tamborete do canto.

3° ROUND
Agora ele vem, como uma máquina, ele vem.
Troca golpes como se de aço os punhos… 
Acto contínuo, gingo e golpeio, mas apanho.
O corpo que sou fala em minha mente: Basta!
No entanto, é a ausência de consciência que me derruba
Quando um golpe d’ele, afinal, encaixa.
D’um instante para o outro, estou no chão. Abrem contagem.
Ponho-me de pé, assustado.
Ele me estuda o estrago e sorri.

4° ROUND
De repente, não estou no ringue com o outro: É o Fado!
Que troca socos comigo e me derruba.
Brinca com minha estratégia de saco de pancadas e me cansa
Como se eu fosse um gatinho em suas mãos poderosas.
Está lá, ameaçador, a cada instante
Cioso de ter nas mãos o golpe fatal.
Espera, sabe-se lá porquê, o tempo propício
Para me levar à lona outra vez. Nem disfarça mais
A força que exibe face a meus passos.
O gongo bandala e ele me olha, adversário.

5° ROUND
Pedem-me para jogar a toalha. Eu lhes pergunto:
 — “Que diferença faz?!”
Sou algo físico! Um ser físico! Um corpo humano!
Levanto minhas carnes. Cambaleio no vazio.
O outro saboreia minha caminhada sem prumo…
Assim o Fado: Desgasta-nos. Pune-nos. Surpreende-nos.
N’um combate desigual, pois, não morre ele.
Ele me atravessa, incólume, a existência.
Nada do qu’eu faça o alcança.
Nada o diminui ou afasta.
Ele joga comigo, titereiro alegre, a seu bel prazer.
Até que se canse e me aniquile:
Na lona, outra vez, para não levantar!

Temos um vencedor.

Betim — 07 06 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário