domingo, 30 de agosto de 2020

EM FLOR

 EM FLOR

Se, por bela, digna de amor,
Quão amada não seria ela?
Tantos dons têm em seu favor
Que para amá-la basta vê-la...

Se tão amada quanto bela,
Ei-la aqui: Rapariga em flor!
Quão amada não seria ela
Se, por bela, digna de amor?

Se tão jovem em seu pudor,
Toda a beleza se revela
Luz em meus olhos de amador.!
Quão amada não seria ela
Se, por bela, digna de amor?

Betim - 29 08 2020

sábado, 29 de agosto de 2020

O PORTA-VOZ

O PORTA-VOZ

Em nome de elevado senhorio
Eu falo para as turbas rumorosas.
Procuro certo tom a certas prosas
Com um semblante grave e até sombrio.

Impassível, eu narro o desvario
Do soberano às cãs cerimoniosas
De aristocratas mais suas esposas,
Ainda que pondo as leis sob arrepio.

Ao calar os demais ao seu comando,
As suas ordens dá de vez em quando
Minha voz em lugar de sua voz.

Temo a perder de vez de tanto dá-la
Àquele que de seu lugar de fala
Fala por mim para todos nós...!

Belo Horizonte - 28 08 2020







DESVIOS

DESVIOS

Esconso face ao esquadro da moral,
Meus passos se desviam dos de Deus...
Ao largo de mais crédulos e ateus,
Continuo a ignorar qualquer sinal.

Contudo, para além do bem e o mal,
À retidão, por fim, eu dei adeus:
Deixo inteiro o Reino para os seus
E sigo alguma via marginal.

Deveras, tais veredas pedregosas
Derivam das estradas venturosas
Por onde trafegaram os mais justos.

N'elas tenho buscado outras verdades,
E, ainda que através das soledades,
Escolho palmilhar entre os arbustos.

Betim - 27 08 2020

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

SEM ESPERANÇAS

SEM ESPERANÇAS

Não. Não nos demos falsas esperanças
D'um futuro melhor ou simplesmente
De tempos mais felizes que o presente...
Deixemos no passado as vãs lembranças.

Vamos... Sem quaisquer outras confianças,
Senão a de que somos tão-somente
Pessoas que caminham para frente,
Sem olhar para trás n'essas andanças.

Avaros como soem os mais sensatos,
Tenhamos um pelo outro cerimônias.
Sempre a certa distância; sem contatos.

E, por linhas tão tortas quanto errôneas,
O acaso nos condene como ingratos
Às solidões de inóspitas colônias!

Betim - 28 08 2020

terça-feira, 25 de agosto de 2020

RECORTE INÚTIL

RECORTE INÚTIL

A parte que me falta me completa,
Por ter sido, afinal, farto recorte.
O talho que sofri não foi de morte
Mas me levou a parte mais dileta.

De facto o coração se fez asceta;
Incapaz de entregar-se à própria sorte.
E, embora recordar pouco conforte,
Reavê-la permanece sua meta.

A parte que cortei de minha vida
Deixou-me essa dor lúcida, incontida,
Como se a me chamar do fim do mundo.

Visto perdida d'um quebra-cabeça
Restara justamente aquela peça:
Longe, um recorte inútil, vagabundo...

Betim - 22 08 2020

domingo, 23 de agosto de 2020

NONAGENÁRIO 

NONAGENÁRIO 


Espero morrer quando já for tarde

E a angústia de viver ter me deixado.

Sem futuro, presente nem passado,

Existir sem fazer qualquer alarde. 


Dos moços e da fúria que lhes arde

Sorrir condescendente e aparvalhado,

Como apenas um velho desbocado,

De quem ninguém enfim mais nada aguarde.


Feliz tão-só em ver a luz do dia

Encontre entre a loucura e a fantasia

Um verso que sequer possa escrever.


E diante do espetáculo da vida

Entenda a vanidade já vivida 

N'uma autoaceitação só de prazer.


Betim - 23 08 2020.




quarta-feira, 19 de agosto de 2020

DEALBAR

DEALBAR

Antes que o sol nascesse vim aqui
Em meio à claridade omnipresente
A ter quanto do mundo se apresente
Diante da serração, ampla por si.

Eu, sem eira nem beira, pareci
Evanescer em meio às névoas rente
Ao céu que s'estendia tão-somente
Para além do que longe amanheci.

Ao caminhar por linhas de cumeada,
Buscando versos vãos, de afogadilho,
Atravesse do alvor o claro brilho! 

Rico em minha miséria de andarilho
Contemple eu na brancura ensimesmada
O vazio absoluto que há no nada.

Betim - 19 08 2020

terça-feira, 18 de agosto de 2020

HOMEM AO MAR

HOMEM AO MAR


Imprudência ou coragem? O que leva

De novo o homem ao mar sem perceber

Que volta para o mar para morrer

Ou viver a um mergulho para a treva?


O que poderá o homem? O que o eleva

De novo pela gávea a longe ver

O oceano que atravessa para ter

A sua vida imensa, não longeva?


Aquele que no mar se desconcentra

E cansa... Morre quem vai para o mar

E desafia as ondas nas quais entra.


Morre ao mar não quem não sabe nadar,

Sim quem o navegando mais adentra.

Morre ao mar quem não teme se afogar.


Vila Velha - 09 06 2011


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

UIARA

UIARA


No fundo da lagoa ela s'esconde

À espera do guerreiro cuja morte

Faz mais doce entre cânticos, de sorte

Que a siga sem saber sequer aonde.


Àquela voz nas águas mais responde

Com juras desvairadas, pois, o forte

Deseja tão-somente que o conforte

Sua mirada sem quando nem onde...


São olhos claros qu'ele, mergulhando,

Pelas águas escuras vai buscando

Em seu corpo desnudo de mulher.


Enquanto o faz descer mais e mais fundo,

Ela o guia através d'aquele mundo

Que há debaixo d'água a quem a ver.


Belo Horizonte -14 02 1994

domingo, 16 de agosto de 2020

CIRCA DIEM

CIRCA DIEM

Abro os olhos e vejo o novo dia
Por súbito clarão chamando à vida,
Que em manhãs neblinadas me convida
Para novas promessas de alegria.

Às nove horas desando, todavia,
Em luta n'uma angústia mal contida:
Co'a minha própria sombra recolhida
Tiro o prumo do sol ao meio-dia!...

Mais tarde, modorrento silêncio
As libidos vorazes de meu cio,
Enquanto suo em mangas de camisa.

À noite, finalmente tomo um trago
E deixo estar o mundo, pois m'embriago
Tendo de chuva perto a leve brisa

Betim - 15 08 2020

sábado, 15 de agosto de 2020

ELA VEM NA ESTRADA

ELA VEM NA ESTRADA

Olha lá, vem vindo! Ela vem na estrada...
Longe, longe, ela vem... Como se fosse
Uma miragem vã que o sol me trouxe
Na linha do horizonte à madrugada.

Ela vem como um astro na alvorada
E, em forma de mulher, amor tornou-se.
Quando sei entre todas tão mais doce
Aquela para mim predestinada.

Ela vem. Vem fazendo-se anunciar
No arpejo que um arcanjo ousou tocar.
Aquela que por toda a vida clamo.

Eu sei que nunca mais serei o mesmo;
Eu sei que nunca mais seguirei a esmo.
Na estrada, a Amada, ela vem. E eu a amo.

Betim - 15 05 1995 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

SEMIANALFABETO

SEMIANALFABETO


Cuspiu no chão. Chamou-me de macaco

E depois "filho d'uma favelada!"!!!

Disse ainda que nunca vou ser nada…

Que o invejo a vida e vivo n'um barraco!


Olhei nos seus olhos: Algo opaco,

Espelhando, porém, minha mirada.

Onde as letras por fim -- fava contada --

A distinguir o forte do mais fraco.


Pois semianalfabeto, segundo ele,

Eu merecia andar entre os esgotos,

Sem leitura sequer para o servir.


E, apontando-se a cor de sua pele,

Fazia ver por trás dos perdigotos

A extrema diferença do existir.


Betim - 08 08 2020

sábado, 8 de agosto de 2020

EM CÍRCULOS

EM CÍRCULOS 


Não há progresso; apenas movimento...

Um peão girando em torno ao próprio fuso

Começa a cambalear, tonto e confuso,

Até cair por si só sobre o cimento.


Nada melhora. Nem por um momento. 

A vida é dar-se voltas conforme o uso

E aplacar com torpor o mal difuso,

Enquanto se olha o próprio esquecimento.


Ando em círculos e olho para frente:

Há passado e futuro no presente

Que a cada volta volta a se repetir.


Hoje, ontem, amanhã... Depois, talvez...

Continuar é ver tudo uma outra vez

Até -- tal como o peão -- apenas cair.


Betim - 08 08 2020

 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

CINCO DE AGOSTO

CINCO DE AGOSTO

Para que serve um poema? Para quê?
Talvez enterneça um coração que se queira enternecido… Talvez o poeta se sinta um encantador de sensibilidades.
Hoje -- cansado demais para qualquer coisa -- poeto.
Sim, poeto sem mais romantismo. Não tento seduzir ninguém. Escrevo ao leitor atento sem tentar iludi-lo. Não ponho personas sobre minha face.
Eu apenas proponho versos (ou prosas…) para um dia que não deu certo.
Não tenho um nome de mulher para trovar.
Não acho que haja amor por aí: As pessoas apenas andam pelo mundo.
De repente, sem muita razão, uma tristeza assentou feito sereno na noite. Por mais que eu tente, as vitórias são relativas e as derrotas são absolutas.
Eu devia estar feliz, mas não estou.
Em todo caso careço de poetar. Forço as palavras até que façam sentido!
Quem disse que um poema não sirva para capitular? Cessar fogo! 
Eu poeto sobre a derrota d'esse dia. Esse diazinho aziago em que fiz favores à beira do servilismo e não senti bem nenhum em ajudar aos outros.
Afinal, quem avaliou a qualidade do ouro da regra dourada? Não será falseio essa caridade platônica de amar sem objeto definido?
Filantropo, amo uma humanidade sem rostos. Talvez um amor impossível em si. Ainda assim, escrevo.
A utilidade do poema é dizer o que a mente evita. O papel aceita qualquer coisa… Por isso o poema pode o que pensamento poda.
No fundo, talvez poesia seja apenas isto.
Escrevo versos para um dia que acabou escuro.

Matozinhos 2020

terça-feira, 4 de agosto de 2020

HORAS D'OURO

HORAS D'OURO

As jandaias no pé de jade em flor
Voejavam em bulício estridente.
O sol da tarde caindo lentamente
Com mil raios a mudar tudo de cor.

As copas, forrações...  Ao derredor
Douravam n'uma pátina esplendente!
Enfim, tinha horas d'ouro em minha lente
Para fotografar tudo melhor.

D'algum modo, a aparência mais a essência
Se faziam mais pura transcendência,
N'esse lindo lugar, lugar nenhum.

Faço as fotos assim, embevecido 
Incerto do que já fosse ter sido
Tão belo quanto é belo qualquer um.

Betim - 01 08 2020

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

INVERÍDICO

INVERÍDICO

D'olhos abertos, eu talvez enxergue
Quanto por idealismo eu me iludia.
A verdade é que tudo parecia
Pouco mais do que a ponta do icebergue.

Varo a noite à procura d'um albergue
Em viagem através de Desvairia.
À fábula eu proponho a fantasia,
Que torres de marfim no deserto ergue.

As mentiras que conto são histórias:
Verdades inventadas ou memórias
Daquilo que jamais aconteceu.

Baseadas nos eventos mais irreais,
Minhas palavras soam falsas demais...
Em todo caso, são apenas eu.
 
Betim -  02 08 2020

domingo, 2 de agosto de 2020

A CÉU ABERTO

A CÉU ABERTO 

A podridão do mundo é tão imunda
Quanto o canal de esgoto da cidade...
Cloaca de mil latrinas, na verdade,
Lá a merda de todos sempre abunda.

Pois corre a nos levar, segunda a segunda,
As baixuras do corpo e a iniquidade 
Das mentes cuja insã perversidade
Fazem a morte ainda mais fecunda.

A céu aberto e à vista das pessoas,
Corrente d'águas negras e lodosas
Onde antes peixes, redes e canoas.

E depois das cascatas vergonhosas,
Desembocar em fétidas lagoas 
Restos de nossas vidas duvidosas.

Betim - 02 08 2020


sábado, 1 de agosto de 2020

EM ABERTO

EM ABERTO

Se tudo permanece indefinido,
Apesar da vontade de ir em frente,
Também o olhar parece indiferente
Em face de qualquer desconhecido.

Essa porta entreaberta sem sentido,
Como se ainda à espera d'um ausente,
Permite alguém olhar furtivamente
E dentro ver senão vazio e olvido...

De facto, a expectativa se prolonga
Para além do razoável ou sensível,
Feito voz se arrastando na milonga.

Adiada a decisão irreversível,
Percebo cada hora mais oblonga
A luz por uma fresta 'inda acessível.

Betim - 01 08 2020

PARTÍCIPE PRESENTE

PARTÍCIPE PRESENTE 

Hei-de ter co’a tristeza errando errante,
Enquanto eu de mim mesmo andar ausente.
Faz algum tempo tudo está pendente
Como se a vida estivesse extenuante.

Todo insucesso sempre é instigante
E sempre reflexivo um decadente...
Restou-me ser partícipe presente,
Enquanto a realidade está instante.

Pensante, mas agindo por instinto.
Inobstante eu passasse por insonte,
Vejo-me como aquele que é pedinte.

Instando por meu ais, seria extinto
O fogo d'onde, Fênix ao horizonte,
Azulo em desespero sem seguinte.

Betim -30 05 1996