quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

ADICTO

ADICTO


Tanto há males que vêm lá para o bem,

Quanto bens há que vêm cá para o mal…

Mas, entre bens e males, no final,

É ver quanto convém ou não convém.


Este vício que tenho me sustém

E alivia um vazio emocional.

O bem que me permito é tal-e-qual

O mal que me aliena d’algo além.


Ter é perder — me disse alguém mais sábio —

Mas não ter é sonhar no alheio lábio

O gozo que o desejo faz querer.


E, de lá para cá, o sofrimento

É o monstro que amiúde alimento

Por algo que me dê algum prazer.


Belo Horizonte - 04 03 2000


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

ESCRITA

ESCRITA


Não basta rabiscar a folha em branco

Para trazer ao vulgo um verso amaro.

Carece antes passar noites em claro

Entre o desassossego e o querer franco.


Apesar dos pesares, não estanco

A ferida a jorrar-me o sangue ignaro…

Antes a fustigo até o desamparo

E choro de rir feito saltimbanco.


Trata-se, sim, da noite mais escura,

Esta escrita que faço à guisa de alerta

Àqueles que me leem a vida incerta.


Possam eles se valer de tal leitura

Ao recordar-me em hora tão sombria

Até na escuridão haver poesia.


Belo Horizonte - 06 01 2000


domingo, 17 de novembro de 2024

PENÍNSULA

PENÍNSULA 


D’aqui há tanto mar e terra à vista,

Que penso: “Se não este, qual lugar?”

Abandono-me a ver tempo passar,

Enquanto o azul profundo me conquista!


A borda do penedo pouco dista

Das gaivotas em voltas em pleno ar…

Também o pensamento fica a voar,

Em meio às nuvens brancas, optimista.


Tenho olhos para ver o quanto é bom

E belo, onda após onda, em luz e som

Este momento pleno de alegria.


De mais a mais, mirava imensamente 

A clara eternidade do presente

Que por agora e enfim me transcendia. 


Ubatuba - 02 07 2014


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

ANTIAUTOLAUDATÓRIO

 ANTIAUTOLAUDATÓRIO


Pensa de menos quem fala demais,

N’um palavrório vão e presumido…

Ao fim, demasiado aborrecido,

Pretende-se o maior em meio a iguais!


Um que se aprochegou aos meus umbrais

Trouxe consigo um papo convencido:

A sua voz cansava o meu ouvido

Tanto quanto o vazio de seus ais.


Saber-se ouvido dava-lhe tal fluência

Que de meu próprio mal eu me culpava

Face àquela estranhíssima violência.


Em todo caso, o estúpido avançava.

Enquanto m’esgotava a paciência, 

Mais e melhor de si mesmo falava.


Betim - 06 11 2024


terça-feira, 5 de novembro de 2024

RAZÕES OUTRAS

RAZÕES OUTRAS

Eu me pergunto sem saber porquê,
Mas nada mais responde se o cansaço
Nos governa absoluto a par e passo
De tanta mesquinhez sem mais mercê.

Outros não saberão — como se vê —
Haver sentido em tudo o que me faço,
Visto me imporem com desembaraço
Outra falácia à guisa de clichê...

Óbvio que nada d'isso me interessa,
A não ser pela própria vã promessa
D'eu faltar ao dever por desprazer.

N'isto está todo o meu desassossego
E a profunda tristeza a que me entrego
É saudade de quem pensava eu ser.

Betim - 06 09 2014

domingo, 3 de novembro de 2024

ROAD BIKE

ROAD BIKE


Atravesso as distâncias neblinadas

À procura de novos horizontes.

Sucedem-se colinas, rios, pontes…

Ao longe, prenunciam-se alvoradas:


Surpreendo céus d’ouro atrás dos montes

Ao prosseguir audaz pelas estradas

E ver-me afortunado das jornadas

Sobre as quais deitei olhos insontes.


Eu — sobre duas rodas sobre o asfalto —

Pareço antes ousado do que incauto,

Enquanto o meu caminho s’encomprida.


Pois mesmo tão pequeno n’esse mundo

Encontro este momento mais profundo

D’entre tantos momentos pela vida.


Caratinga - 11 09 2024


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

VENT D’AVAL

VENT D’AVAL


Sim, em dado momento, me revi;

E me percebi outro ao ser mais eu.

O outono que chegou não se perdeu;

Antes me recordou quanto esqueci. 


Ando a encontrar sinais aqui e ali

De tudo o que aprendi desde o liceu,

Ou soube amar exacto o que era meu,

Deixando a outro quem nunca conheci.


Um torvelinho agita os elementos

E muda de lugar os pensamentos,

Até que nada seja como d’antes.


Eu sigo pela estrada empoeirada

Certo de que essa aragem da jornada

Há-de trazer de novo bons instantes.


Belo Horizonte - 27 09 2024


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

CONTRARIADO

CONTRARIADO 

Vou, mas não queria ir: Contra vontade

Sigo o fluxo das iras descabidas…

Se não recorro a falas desabridas,

Tampouco me consola uma inverdade.

Talvez n’algum confim; n’outra cidade,

Eu pudesse viver alheias vidas

Ou senão alegrias insabidas,

Para além da comum contrariedade.

A glória do tirano me aborrece

Tanto quanto do povo a tola prece,

Diante d’um mundo injusto e injustiçado.

Silenciam meus ais aplausos e urras…

Tais momices não fazem menos burras

As confusões que tenho presenciado.

Betim - 06 10 2024

sábado, 14 de setembro de 2024

SEIS DE SETEMBRO

SEIS DE SETEMBRO


Hoje, depois de muito tempo,

tive notícias tuas.


Soube que sofreste,

mas que não perdeste a fé na vida.


Soube que estás 

caminhando para a distância também,

embora por uma estrada muito diversa da minha.


Eu me conformei em seguir sozinho

e ainda que esteja muito triste

encontro beleza na melancolia do fim de tarde

e vasculho o céu nocturno em busca das estrelas


Eu me alegro que te alegres 

Onde quer que estejas


Que estejas sendo feliz com alguém, afinal.


Tivemos nosso tempo. Passou…


Amo tanto o teu sorriso que para mim basta saber que sorris, 

embora eu já não o possa ver.


Na verdade, espero que possas ir aonde eu não pude.

e que possas ver o que eu não consegui.


Talvez amar seja apenas querer bem,

não ter o monopólio da presença do outro.


Sinto saudades…


Mas que bom que estás alegre

e sorrindo.


Brasília - 2024


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

TRINTA DE AGOSTO

TRINTA DE AGOSTO


É sabido que Narciso ama o seu reflexo.

É preciso que haja o outro para que Narciso se possa ver 

nos olhos do outro.


É essa pessoa — o espelho de Narciso,

aquela que espelha a face de Narciso —

que sofre a impossibilidade de ser amada

ao mesmo tempo em que é mantida 

ao alcance dos olhos

para Narciso se mirar


Narciso não ama seu espelho,

visto que apenas um objeto.

Narciso ama sua própria imagem 

refletida no espelho.


Acontece que o espelho de Narciso

não é de vidro, sim dois olhos

que espelham mais do que o que veem;

espelham também o que sentem.


Mas isso, por vezes, distorcem a imagem de Narciso:

Quanto mais velho o espelho, mais opaco reflete.


Se Narciso se olhar no espelho 

e se ver feio,

Ele não vai pensar que a realidade é aquela.

Não. Jamais se verá feio, embora o outro o veja.

Narciso vai desconfiar do reflexo que o espelho dá.


Narciso vai quebrar o espelho

e arranjar outro.


Betim - 2024


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

EM DÚVIDA

EM DÚVIDA

O certo no duvidoso é a possibilidade de estar errado.

Betim - 20 08 2024

terça-feira, 20 de agosto de 2024

PIRAMIDAL

PIRAMIDAL

Subi na força do ódio toda a escada,

Ecoando-me à cabeça a tua voz.

Depois de chegar no alto, estive a sós

Por muito tempo olhando para o nada.


Ainda assim, revi tua mirada

Indiferente a mim, perfeita algoz.

Procurei quem era eu sem sermos nós

E vi para a distância a longa estrada.


Eu prefiro gritar a murmurar…

Há toda a imensidão d’esse lugar

Para encontrar de novo um horizonte.


Apaziguado, sinto o coração

Mais leve em sua própria solidão.

E sigo… Aonde quer que o sol aponte.


São Thomé das Letras - 10 08 2024



segunda-feira, 19 de agosto de 2024

OUTRAS NOVENTA E NOVE TROVAS

OUTRAS NOVENTA E NOVE TROVAS

1.
Mais quadras segundo a norma,
Ainda que embalde as trove.
Mas isso, de qualquer forma,
São outras noventa e nove…

* * *

2.
Fui de tudo quanto é nome
Menos de santo chamado.
Poeta com cara de fome,
Trovo sem ser convidado.

* * *

3.
Árduo tem sido o caminho
Do que poeta aos quatro ventos
Termina ansioso e sozinho,
Às voltas com sentimentos.

* * *

4.
Mais rápido do que a luz.
Mais vívido do que o amor.
É teu olhar que conduz
Meus passos aonde eu for.

* * *

5.
Chifre em testa de cavalo…
Pelo em ovo de galinha…
Desconfie d’um regalo
Quem tem vida como a minha.

* * *

6.
Na estrada para a verdade,
Há quem ande e desanime.
Passa muita adversidade,
Mas o final é sublime.

* * *

7.
Conhecida a decepção,
Que esperar das pessoas?
O que escuta o coração
Há-de ouvir poucas e boas…

* * *

8.
Não tenho medo do escuro.
Não vivo na fantasia.
Triste é ver um inseguro
Sondar su’alma sombria.

* * *

9.
Correm os cães em matilha
‘Trás de carroça na rua.
Ao estúpido maravilha
Qualquer esperança crua.

* * *

10.
Falar dos outros é falho;
Calar de tudo também.
Criticar é mau trabalho,
Mas muitas vezes convém.

* * *

11.
Olho nos olhos da bela
E já me vejo encantado.
Tanta luz nos olhos d’ela
E eis o mundo iluminado!

* * *

12.
Doze horas bateu o sino
Na noite imensa e sombria.
Solitário desatino
Rondar cidade vazia.

* * *

13.
Apesar de tudo, eu hoje
Estive comigo mesmo
Triste d’aquele que foge
De si a palestrar a esmo.

* * *

14.
Tem resposta para tudo
Aquele que nada sabe.
Vazio, nunca está mudo:
Quanto mais falta, mais cabe!

* * *

15.
Atrás da serra, a cidade
É paisagem pressentida.
Longe é também a verdade
Mais sonhada que sabida.

* * *

16.
No arroio frio do monte,
A cerração m’esmorece.
Ainda que o sol desponte,
O dia mal aparece…

* * *

17.
Se quem ama se lamenta,
Que dirá quem nunca amou?…
Só se prova na tormenta
A barca que navegou.

* * *

18.
Doce todo o esquecimento
Que nos livra do passado.
Esquecer é livramento
Aos infortúnios do Fado.

* * *

19.
O tempo, que tudo cura,
Seca a chaga em cicatriz.
Na pele, porém, figura
Como lembrança infeliz.

* * *

20.
A barca dos insensatos,
A navegar à deriva…
Ora balaio de gatos;
Ora memória emotiva.

* * *

21.
Minha vida continua
Com quem na vida é vivida
Quem comigo se situa
Continua em minha vida.

* * *

22.
Deixo p’ra lá quem se foi.
Deixo p’ra cá quem se vai.
Não lhe peço nem um oi.
Não lhe devo nem um ai.

* * *

23.
Tanto as noites quanto os dias
A todos têm ilusões.
Desencontram-se em porfias
Solitários corações.

* * *

24.
Sem saber aonde vão…
Sem saber d’onde vêm…
Assim as pessoas são
Para o mal e para o bem.

* * *

25.
Coisas vi maravilhosas,
Que ‘inda custo a acreditar.
Ora versos; ora prosas,
Deixei-vos para contar.

* * *

26.
Trovadores são poetas
Que o povo nas ruas estima!
Têm suas obras completas
Da vida matéria-prima.

* * *

27.
Candeeiro que me alumia
Da noite a escuridão
Só tu sabes a agonia
Que trago no coração.

* * *

28.
Querer parecer feliz
Apesar d’um mau momento?
É como pôr sóis de giz
A brilhar sobre o cimento…

* * *

29.
— “Só tenho olhos para ti!” — 
Diz o que fala d’amor…
Se mente até para si,
Porta da rua é favor.

* * *

30.
Falam d’amor sem amar
Aqueles vivem sorrindo.
Falam assim por falar:
É ora lindo; ora findo…

* * *

31.
Cogito: — ”Das duas, uma:
Ou amas tua própria história;
Ou não amarás nenhuma…”
— Celebra cada vitória!

* * *

32.
O roto do esfarrapado
Fala sem nem se dar conta
De si tão mal-ajambrado,
Quando a outrem o dedo aponta.

* * *

33.
Olhei nos olhos da fera
E me vi em grande aperto.
Quando a raiva é quem impera,
Dizem que o errado está certo.

* * *

34.
Nas horas de Deus, amém…
Nas horas de dor, adeus…
Quem fica, que fique bem
E quem vai, que vá com Deus!

* * *

35.
Eu estou bem, obrigado.
E bem hajas tu também.
O tempo passa apressado
Quando estamos todos bem.

* * *

36.
Um sonho tornado real
Ou somente não sonhar?
Fiz minha escolha, afinal,
Era pegar ou largar!

* * *

37.
Muitos que vieram aqui
Não viram nada demais.
Já eu, se conto o que vi,
Não são lugares iguais.

* * *

38.
Amor tão grande que mata
D’esses, não quero saber.
Amor que apenas maltrata
Não vale a pena viver.

* * *

39.
É o mundo muito grande;
É a vida muito curta.
Quem anda o olhar expande.
Quem para a si mesmo furta.

* * *

40.
Para além do que se vê,
Está quanto se deseja.
Espera aquele que crê
Que sua esperança seja.

* * *

41.
Não cuido da vida alheia.
Não falo do que não sei.
Maldar o outro é coisa feia
Tanto ao plebeu quanto ao rei.

* * *

42.
Pequeno é meu coração.
Confusa é minha cabeça.
Se sinto, não tem perdão.
Se penso, peço que esqueça.

* * *

43.
Mais dia, menos dia, eu
Encontro quanto desejo!
Quem de si já se perdeu
Vai de bocejo em bocejo…

* * *

44.
Quer sucesso; quer fracasso,
Só alcança o que se arrisca.
Sem dar o primeiro passo
Não há estrada nem risca.

* * *

45.
Amor não é escolhido.
Carinho não é comprado.
Seja dado e recebido
Ou senão será passado.

* * *

46.
Eu quis uma companhia.
Ela quis um companheiro…
Não houve mais alegria
Depois do adeus derradeiro!

* * *

47.
Escolhesse eu não amara
Aquela que tanto amei.
Amar é coisa tão rara,
Que nunca mais encontrei.

* * *

48.
Um dia após outro dia…
Assim eu tenho vivido.
Só lamento a fantasia,
E todo o tempo perdido.

* * *

49.
A bem da verdade, a vida
É feita de desenganos.
Muita esperança é perdida,
Ao longo de poucos anos..

* * *

50.
Jovem demais p’ra morrer
Ou velho demais p’ra amar?
Na meia-idade, viver
É sempre desencontrar.

* * *

51.
De boa vontade, o inferno
Parece, de facto, cheio:
Sempre mais um desgoverno
Com aflições de permeio.

* * *

52.
Não há dia em que não lamente
A falta que ela me faz.
Espero que estando ausente
Ela enfim esteja em paz.

* * *

53.
É levar gato por lebre
Um amar sem ser amado.
Cai, delirante de febre,
Tendo sempre o sonho errado.

* * *

54.
Há quem pague para ver
E perde por apostar.
A vida é quem vai saber
Da fortuna o seu lugar.

* * *

55.
Partem para novos sonhos
Aqueles que vão embora.
Deixam uns olhos tristonhos,
Lembrando coisas d’outrora..

* * *

56.
Saudades tem quem fica.
Saudades tem quem vai.
Na distância se fabrica
O verso que d’alma sai…

* * *

57.
— “Andarilho solitário,
Por que segues pela estrada?”.
— “Sigo sem itinerário,
Só por gosto da jornada!”.

* * *

58.
Não costumo tecer loas
Mesmo quando têm lugar.
Penso que evito as pessoas
Para as não decepcionar.

* * *

59.
Nem ao sábio a sab’doria.
Nem ao forte a fortaleza
No final, bem mais valia
Do cínico a natureza.

* * *

60.
Tanto o fogo morro acima
Quanto a água morro abaixo
Não seguram quem se anima
Nem o rastro por debaixo.

* * *

61.
Luxar de chapéu na mão, Pedindo ajuda dos seus… Oculta o estroina um pidão: Vive por graça de Deus!

* * *

62.
Ricos são donos do tudo;
Pobres são donos de nada.
Ninguém é feliz, contudo,
Insone na madrugada.

* * *

63.
Os que sonham fazem bem,
Mas os que dormem, melhor.
Em vigília se mantém
Quem espera pelo pior.

* * *

64.
Tenho passado amiúde
Na última casa da rua.
Quem mais d’amores se ilude
Caminha por sob a lua.

* * *

65.
Passa por um malfeitor
Ao dar amor sem amar.
Não há pecado maior
Que o coração s’enganar.

* * *

66.
Na dúvida, disse não,
A quem dissera antes sim.
Parece ter sido em vão
Quando tudo chega ao fim.

* * *

67.
Confundo alhos e bugalhos
Na ânsia de muito escutar.
Os pensamentos são falhos
Quando se apressa em amar.

* * *

68.
Tem olhos mas não se vê.
Tem orelhas mas não se ouve.
O conhecer-se é mercê
Que a muito poucos aprouve.

* * *

69.
Parecia estar errado
Ao fazer a coisa certa.
Pondo a vaidade de lado,
Restou a ferida aberta.

* * *

70.
Faz sem nem saber fazer
Que quer que seja de bom.
A habilidade em perder
É quem dá a misérias o dom…

* * *

71.
A sem-vergonhice extrema
É ver um bem sendo um mal:
Fazer da desgraça um lema
E ter razão no final …

* * *

72.
Do mundo sei muito pouco;
Das pessoas, ‘inda menos.
Sabido, passo por louco:
O menor entre os pequenos.

* * *

73.
Sábio o que os males espanta
Com canções de bem-querer:
D’amor alheio s’encanta
Sem dissabores sofrer!

* * *

74.
Amadores sem amor
Têm-se amantes sem amar.
Pois dos males, o maior,
É a si mesmo enganar.

* * *

75.
Fiz minhas as tuas horas
Ao viver a tua vida.
E tu mesmo assim ignoras
Tanta entrega desmedida.

* * *

76.
Não nasci ontem, deveras.
Nem nasceste tu também.
Vou contar-te as primaveras,
Pois tão-só te quero bem.

* * *

77.
Faz de conta que é amor
Esta chama em teu olhar.
E se outro brilho isso for,
Pois seja! Vem a calhar…

* * *

78.
Semanas viraram meses
E os meses viraram anos…
O tempo a passar às vezes
Traz apenas desenganos.

* * *

79.
Um perdão que nunca vem
Deixa a vida em solidão.
Triste quem espera alguém
Ter de novo coração.

* * *

80.
Nas linhas tortas de Deus,
Todos leem o seu Fado.
Após, s’esquecem dos seus,
Sem futuro nem passado.

* * *

81.
Que nem água morro abaixo;
Que nem fogo morro acima,
Ninguém segura… Sai debaixo,
Quando um amor se aproxima!

* * *

82.
Diz-que quem bate esquece
Mas o outro que apanha, não.
Ressente a dor que padece
Em mágoas seu coração.

* * *

83.
Para todos os efeitos,
Não adianta s’enganar:
Se cada um tem seus defeitos,
Quem és tu para julgar?

* * *

84.
Ando tão longe de ti,
Enmimesmado a cismar,
Que hoje nem vi que te vi,
Quando me viste passar.

* * *

85.
Entre dois, um se contenta,
Enquanto o outro ama demais…
Se o que ama pouco, lamenta;
Que dirá quem ama mais?

* * *

86.
À sombra das laranjeiras,
Bem-te-vis fazem a festa…
As memórias derradeiras
Sejam tão boas como esta.

* * *

87.
Se antes do sol, madrugando,
Começas tua jornada,
A alegria, vez em quando,
Contigo fará morada.

* * *

88.
É mais belo o amanhecer
Lá nas serras neblinadas.
É sempre bom surpreender
O sol em nuvens raiadas.

* * *

89.
Se buscas viver em paz.
Põe teus olhos no presente.
Triste é olhar para trás
P’ra não olhar para frente.

* * *

90.
Era uma vez uma casa
Nos longes d’aquela serra.
Lá mesmo o tempo se atrasa
E a tristeza se desterra.

* * *

91.
— ”Onde moras, alegria,
Senão em velhas lembranças?”
— “Onde vives, fantasia,
Senão em vãs esperanças?”

* * *

92.
O silêncio faz poetas
Os que se veem maiorais.
Pobres mentes inquietas…
Se falam, falam demais!

* * *

93.
Mesmo que te sintas só
E entristecido p’los cantos,
Arranca à garganta o nó…
Vai buscar novos encantos.

* * *

94.
Tantos amam o sucesso,
Tantos buscam a riqueza,
E ser feliz é o avesso
De tão mundana certeza.

* * *

95.
Aquele que ama, decerto
Amará do outro a alegria
Tanto longe quanto perto:
Sem a sua companhia.

* * *

96.
Quando a vida se partilha
Tudo o que alegra o outro é bom.
Melhor é o olho que brilha;
Melhor é do riso o som,

* * *

97.
Não fosse errar tão humano,
De facto, ninguém errava.
No fim não há maior dano
Que de gente certa e brava.

* * *

98.
A solidão é um fardo
Para o dono da verdade:
Pensando-se felizardo,
Vive sempre na saudade.

* * *

99.
Escrevo trovas de novo
Sem ver se lidas ou não.
Embora ao gosto do povo,
Ao fim, dirão em vão?

Betim — 15 08 2024

sexta-feira, 26 de julho de 2024

FELIZARDO

FELIZARDO


Ao sorrir-te a Fortuna, desconfia

Tu que andas sossegado pela vida!

Os deuses s’entretêm com nossa lida

Sempre a jogar conosco sem valia. 


A conquista que anseias todo dia,

Quando vier, ser-te-á aborrecida…

Antes uma angústia esclarecida,

Que alhures persistir na fantasia.


Feliz quem não deseja ser feliz

E, indiferente a tudo o que se quis, 

Despreza tanto a sorte quanto o azar.


Fortuna maior não viver ao acaso!

Saber não depender, em todo caso,

De deuses ora a dar; ora a tirar.


Betim - 25 07 2024


terça-feira, 23 de julho de 2024

ESPINOSANO

ESPINOSANO


Nas brumas da floresta, caminhei 

E vi a luz raiar por entre as galhas.

Alcatifando o chão, painas e palhas

Que o vento faz voejar sem lei nem rei.


Feliz d’estar ali eu m’encontrei

Na miração de céus contra muralhas.

E ainda que me pesem tantas falhas,

Em face da amplidão me perdoei.


Com efeito, tamanha era a beleza

Que poderia Deus na Natureza,

Se traduzir a todos como amor.


Eu fiz d’aquele instante epifania,

Admirado de ver na luz do dia

O milagre da vida ao meu redor.


Conceição do Mato Dentro - 16 06 2024


sexta-feira, 19 de julho de 2024

MUXARABI METÁLICO

MUXARABI METÁLICO 


EH MORENA!

TU ME VÊS MAS EU NÃO TE VEJO

TU ME VÊS MAS EU NÃO TE VEJO  (bis)


Por trás da grade, nas sombras,

Me vês passar pela rua.

Eu canto sem que respondas,

Sonhando que estejas nua.


Eu paro e te olho a janela

Sem ver quem lá se insinua 

Suponho que sejas bela

Sonhando que uivas à lua.


E tiro versos sem peias 

Qual mar que avança e recua

Face à grade que rodeias,

Sonhando a beleza tua.


EH MORENA!

TU ME VÊS MAS EU NÃO TE VEJO

TU ME VÊS MAS EU NÃO TE VEJO (bis)


Betim - 19 07 2024

quinta-feira, 18 de julho de 2024

O ARÍETE E O BRASÃO

O ARÍETE E O BRASÃO


À força de golpear, puseste abaixo

A porta almofadada de meu paço!

Após, vandalizaram todo o espaço:

Vitral em cacos; viga em desencaixo…


Eu cruzo o passadiço cabisbaixo,

N’um misto de vergonha e de cansaço.

Ao final, reaprumo o espinhaço

E contemplo ruínas de alto a baixo.


A um canto jaz o aríete que usastes

Tu e os teus contra mim, o temerário.

Junto de meu brasão deposto às hastes:


À máquina de guerra refratário,

O nobre escudo! Agora ferros-velhos…

Deixaste-me reinar, mas de joelhos.


Betim - 02 07 2024


quarta-feira, 17 de julho de 2024

CACHE-MISÈRE

 CACHE-MISÈRE


Pareço digno sob o sobretudo;

Agasalhado contra o vento frio.

Caminhava, antes sóbrio que sombrio.

Circunspecto, talvez…! Algo sisudo.


Ostentava, porém, um riso mudo

De quem se ri por dentro, folgadio.

Visto um bolso furado e outro vazio!

Co’a roupa a esfarrapar, peito desnudo…


Faminto, vinha como se eu comesse

Do bom e do melhor após à prece,

Jamais sob o pesar de mil enganos.


Eu olho sobranceiro para frente.

Fingindo ser a tudo indiferente,

Tapo minha miséria atrás dos panos.


Betim - 11 07 2024




A SÉRIO

 A SÉRIO


Fizeram-me saber que andas mudada,

A cruzar a cidade sem destino.

Decerto não te vês em desatino,

No espelho d’algum bar na madrugada…


Tampouco a solidão terá morada

Enquanto o coração bater ladino…!

Vermelho te cai bem. De salto fino

Segues amável, nunca enamorada.


Aceito que assim seja. É bem melhor

Não ser mais o vilão de tua história 

Ou sequer um desgosto na memória.


Saio de cena ao palco bem menor,

Mas cuido em ser ao menos quem procura

Ver sentido na própria desventura.


Betim - 12 07 2024







terça-feira, 2 de julho de 2024

NOCTURNO

NOCTURNO


Eu saio para olhar a escuridão,

Que existe para além de meus caminhos.

A noite, embora fria e sem carinhos,

Me cobre o seu dossel de solidão.


Se meus olhos distantes de ilusão

Se perderam entre astros mais vizinhos,

O vento m’enregela em torvelinhos,

Uivando nos pinhais triste canção.


Eu sigo enmimesmado esses zumbidos

Indiferente a estrepes ou valetas,

Que jazem entre as trevas escondidos.


E encontro, para além d’horas inquietas,

Uns lampejos de sonhos esquecidos,

Ao perder-me entre estrelas e planetas.


Lapinha da Serra - 15 06 2024









quinta-feira, 20 de junho de 2024

ENLEVO

ENLEVO Já nem t’escuto os lances de ventura Ou as vãs reviravoltas que me narras. Os teus lábios se movem sem amarras, Mas dos sons não me vêm senão candura.

Tão-só cuido em olhar-te a formosura, Ao passo que em meu peito mil fanfarras Desfilam, sumptuosas, se me agarras Não tanto por argúcia, sim ternura.

Atento antes aos olhos do que à boca, Eu sigo sem saber se o que me toca É o teu argumento ou o teu mamilo. Já a alça displicente te cai ao ombro… Ao qu’eu, boquiaberto, cá me assombro De quanto fantasia o olhar tranquilo. Betim - 19 06 2024


segunda-feira, 17 de junho de 2024

RUPESTRE

RUPESTRE

Os campos que s'estendem nas vertentes, Em meio a madrugadas nevoentas, Nos levam por estradas poeirentas Para além d'horizontes esplendentes!

Reparo as culminâncias adjacentes,

Ao perscrutar das nuvens as tormentas,

Mas cuido de evitar-me peçonhentas:

Um olho no céu e outro nas serpentes…

Participo ao presente: “Estou aqui”.

E me alegro de quanto vejo e vi,

Certo que tu, Gerais, quem me motivas.

— “Quão belos são os campos do Senhor?!” —

Eu contemplo a beleza ao meu redor:

Cactos, canelas-d’ema, sempre-vivas…

Lapinha da Serra - 15 06 2024

quinta-feira, 13 de junho de 2024

ESPELHO QUEBRADO

ESPELHO QUEBRADO


O rosto todo em cacos na parede

Dá-se-lhe algum reflexo pós-cubista

Como ser fragmentado à própria vista,

Mas que autopiedade a si concede.


Tão vã melancolia ali se mede,

Ao ver-se, ensimesmado, quase artista:

Para além da violência, ele conquista

Antes consolação que fome ou sede…


A mão ‘inda lhe dói, ensanguentada;

Ao passo que sua alma transtornada

Pensa reconhecer-se n'esse estrago.


De facto, era o retrato da ruína,

Que diante de seus olhos se ilumina 

N'um instantâneo lúcido e aziago.


Contagem - 11 06 2024








quarta-feira, 29 de maio de 2024

SABERES

SABERES


É impossível ensinar algo a quem pensa que sabe tudo.


Betim - 29 05 2024

XAVECO

XAVECO Enquanto te improviso galanteios, Talvez tu me sugiras maravilhas: Reparo os ombros nus feito armadilhas, Chamando-me ao decote dos teus seios. Belos fins justifiquem parvos meios, No afã de desbravar-se novas trilhas! Teus lábios recendiam a baunilhas, Embora m’evitassem com rodeios… Perto demais, vagueio que nem preá Em face da serpente sibilante, Que me avança e recua a todo instante. Ignoro o que fora ou que será. Mais do que convencer-te ou qualquer plano Celebro desde já o encontro humano. Betim - 28 05 2024


FIGURA FEMININA

FIGURA FEMININA


O preto sobre o branco: Silhueta

D’um rosto de mulher sem muitos traços;

Há flores nos cabelos; há embaraços

De pétalas e pelos na palheta.


Com tons de terra d’África ela poeta,

Salpicando de pontos os espaços.

Não há ali tristezas nem cansaços,

N’uma mensagem simples e direta.


Em perfil, se sugere algo ancestral,

Que dos sonhos irrompe qual memória

Perdida d’entre as sombras vãs da História.


Figura quase abstracta, por sinal.

Faz belo, a despeito dos desgostos,

Este rosto a caber todos os rostos.


Betim - 29 05 2024


segunda-feira, 27 de maio de 2024

CONTRARRELÓGIO

CONTRARRELÓGIO


Vinha — "Em carreira pela carreteira!" —

Sempre co’os olhos fitos na chegada.

Como se nada o fosse parar. Nada.

Antes d'aquela linha derradeira…


Todo imerso na própria brincadeira 

 — "Ciclista campeoníssimo de estrada!"—

O menino acelera a pedalada,

Tendo tão-só o tempo à dianteira.


Era não mais que um corpo em movimento

A deslizar no asfalto e no cimento,

Ainda co’o cronômetro correndo.


E vai… Pela cidade indiferente,

Sem saber o que vem à sua frente;

Certo de que realiza algo tremendo.


Betim - 01 05 2024



domingo, 26 de maio de 2024

CARICATURAL

CARICATURAL


– Dois olhos cobiçosos, um narigão 

A boca escancarada, o queixo avaro… –

Do retrato mordaz nenhum reparo,

Visto eu te parecer algum vilão.


O que te fiz de mal, querendo ou não,

M'enfeia aos olhos teus: Tão ignaro,

Que mal me posso ver quando m'encaro

N’essa obra singular de tua mão.


Eu deixo como está pelo papel,

Sabendo-o para mim algo cruel

Por entender a dor que me apregoas.


E aceito te ser tal caricatura,

Certo de que me olhaste sem ternura,

Como a mais imperfeita das pessoas.


Contagem - 24 05 2024



HORIZONTES

HORIZONTES 


Das alturas, em face de amplidões,

Surpreende contra o sol vales brumados,

Enquanto sobe a trilha nos cerrados

E galga as penedias dos sertões.


Cercara-se de imensas solidões

Até descortinar os céus raiados

E os cumes dos morros elevados

Banhados d’ouro fino por clarões.


Sabe do fugidio da beleza,

Enquanto dos Gerais a natureza

Contempla ensimesmado e agradecido.


Travessia de distâncias sublimadas,

Dando-lhe a conhecer pelas jornadas

Horizontes ao olhar enternecido.


Brumadinho - 11 05 2024


quarta-feira, 22 de maio de 2024

NO HOJE-AGORA

NO HOJE-AGORA


Importante é o que está acontecendo,

Enquanto tenho o corpo em movimento. 

Pôr no tempo presente o pensamento,

Mesmo sem haver nada de estupendo.


Tudo deve passar n'algum momento,

Sob pena de sentir-se apodrecendo.

Só costuma não crer no que está vendo

Quem se ignora desde o nascimento…


É preciso deixar o que passou

E não se deslumbrar co’o que ficou

Ou mesmo s’exilar em velhas ilhas.


No hoje-agora — não ontem ou amanhã,

Eu viva a minha vida tendo o afã

De encontrar no caminho maravilhas!


Betim - 22 05 2024


terça-feira, 21 de maio de 2024

OBSOLECÊNCIA

OBSOLECÊNCIA


O meu tempo se foi sem que atinasse:

Eu, quando dei por mim, já não servia.

Como a viver senão de nostalgia

Ou de quinquilharia eu não passasse.


Obsoleto de todo, quanto olhasse

Tão-só faria ver sem serventia

Cada mínima coisa que eu fazia,

Se co'a devida luz m'examinasse.


Quando não um , após anos sendo usado,

Nos fundos d’um belchior, abandonado,

Eu resto entre outras tantas bagatelas.


O meu tempo passou sem que soubesse.

Que sou senão memória que s’esquece

Ou outro fauno evitado por donzelas?


Betim - 20 05 2024


sexta-feira, 17 de maio de 2024

HÍGIDO

HÍGIDO


Em estado de pleno bem estar, 

Caminho para os altos neblinados.

Vibrando, em batimentos compassados,

O coração no peito a cada arfar.


N’uma trilha escarpada, sem parar,

Avanço d’olhos fitos sobre os prados,

Que s’estendem nos verdes ondeados

Do mar de morros baixos do lugar.


As pernas me obedecem o árduo esforço,

Embora ainda escorram pelo dorso

Em bicas tanto o suor quanto o sereno.


Exausto já — porém, mais bem disposto;

Eu sigo para o topo só por gosto

De ser ao céu imenso tão pequeno.


Brumadinho - 11 02 2024

quinta-feira, 16 de maio de 2024

DESENCONTRADOS

DESENCONTRADOS


Ao atar e desatar de nós, a vida

S’enredou uma trama previsível.

O amor, por fim, tornou-se algo risível

Como qualquer mania descabida.


Semelhante à chegada é a partida,

Meio à névoa no porto do impossível…

Meus olhos marejados creem plausível

Que a própria fuga em si seja a saída:


Na direcção oposta que seguiste

Eu dei rumo a meus passos na esperança

De deixar no passado quanto existe.


E enquanto na distância a gente avança,

Nem sei mais dizer se alegre ou triste

A imagem que te trago na lembrança.


Betim - 15 05 2024


segunda-feira, 13 de maio de 2024

MOTO-CONTÍNUO

MOTO-CONTÍNUO


Talvez eu seja apenas mais um tolo,

Incerto se engano a mim ou a toda gente.

Como quando em contínuo indiferente

A água no sobe-desce do monjolo.


Se face à gravidade não há dolo,

Tampouco o movimento é inocente:

O ciclo se repete tão-somente,

Em seu trabalho infindo do alto ao solo.


Assim, também a vida como a vivo

Segue com precisão de mecanismo

As alturas e as baixezas do egoísmo.


Mas leve é meu esforço… Algo furtivo

— Ignoro se ao começo, meio ou fim —

Que s'enche e s’esvazia dentro em mim.


Betim - 13 05 2024


sexta-feira, 10 de maio de 2024

MALEDICÊNCIAS

MALEDICÊNCIAS (gazel)


Passo e vejo do outro os tormentos,

Imerso em descontentamentos:


— “Sem sentimentos; sem sofrimentos.” —

Nos diz quem sentiu e sofreu…


Traz seus — dir-se-ia — argumentos,

Em face do que aconteceu.


Maldiz a vida por momentos,

Que anos de dor lhe concedeu:


— “Que sou senão esquecimentos 

Na mente de quem me conheceu?” —


Maldiz tudo e todos aos ventos

E a quem der tento ao brado seu:


— “Que sou senão meus desalentos,

Em face de quem m'esqueceu?” —


No mais, falava aos elementos 

Como a quem lhe desentendeu:


— “Que sou senão os maus intentos

De quem, egoísta, me perdeu. —


Parecia ler meus pensamentos…

Nem sei se era ele ou se sou eu!


Betim - 10 05 2024


terça-feira, 7 de maio de 2024

POR ALGUNS INSTANTES

 POR ALGUNS INSTANTES


Não sei se foste tu ou se fui eu

Quem se perdeu de nós ao nos perdermos.

Só sei que os dois partimos para os ermos,

Sem saber o que era meu e o que era teu.


Não sei dizer nem quando aconteceu

Isto de nos olharmos sem nos vermos…

Incertos do contexto e até dos termos,

Eis a página que o azar nos escreveu:


Soltamo-nos as mãos meio ao caminho,

Como quem quer chegar antes ao fim

E andasse mais veloz porque sozinho.


Contudo, ao entardecer, pensas em mim.

E, por alguns instantes; sem carinho,

M’esperas vir por onde um dia eu vim.


Betim - 05 05 2024


quinta-feira, 25 de abril de 2024

SERRA NEGRA

SERRA NEGRA


Quem vem de volta logo reconhece,

No contorno das serras, sua terra.

Revela o sol nascente quanto encerra

Este chão que a memória nunca esquece.


Murmura um regozijo feito prece,

Ao passo que o espírito longe erra…

De lá, toda a tristeza se desterra

E o mundo mais bonito lhe parece.


Súbito, vêm à mente mil histórias.

Incerto se derrotas; se victórias,

De novo vai ao encontro dos amigos.


Enquanto isso o caminho s'encomprida

E passa a própria vida mais vivida,

Deixando passos novos sobre antigos.


Betim - 15 04 2024


sexta-feira, 5 de abril de 2024

BRAÇO DE ALAVANCA

BRAÇO DE ALAVANCA


O mundo que desloco em minha mente

Pesa mais que o planeta em qu'eu habito.

É mudar de lugar o que acredito

Para ver o que quer que se sustente.


Confesso que estas horas ando ausente,

Absorto co'as esferas do Infinito

Em nova trajectória ante o conflito

De orbitar meu mundo diversamente…


Mudar-me alguns milímetros já muda

Inteiro um universo sem que acuda

Qualquer divindade em meu favor.


Pois forço o mundo inteiro na esperança

De mudar quem me orbita a vizinhança

E mudar a mim mesmo sem pudor.


Betim - 04 04 2024


segunda-feira, 1 de abril de 2024

À ESPERA DO CÂNCER

À ESPERA DO CÂNCER

Vivem como se não quisessem mais

Tantos são os venenos que consomem! 

Pernicioso a si saber-se-á o homem

Em vista dos seus hábitos mortais?


Aquele é muito triste ou só demais…

Outros sequer reparam no que comem…

Há os que estão em guerra com o abdómen…

E muitos a engolir os próprios ais…!


Vivem como se não tivessem medo

De morrer muito mal ou muito cedo,

Em vista do marasmo de seus dias.


E o tédio leva ao vício que leva ao ócio…

A despeito d’estrelas ou equinócio,

A morte ronda as vidas mais vazias.


Betim - 31 03 2024


quarta-feira, 27 de março de 2024

MACHO, ADULTO, BRANCO

MACHO, ADULTO, BRANCO


Era, como se diz, homenzarrão.

Andava por vastíssimas planícies,

Deixando após si suas imundícies,

N’uma ávida e intrincada exploração.


Ainda a majorar a destruição,

Pela antropização das superfícies,

Espalha toda a espécie de pernícies,

Até a terra nua em exaustão.


De facto, uma pegada gigantesca

Impõe sobre a paisagem, irrefreável,

Por resultado mácula grotesca.


Era, como se diz, insaciável.

Ao crer-se mais e maior não se completa:

Tão grande que não cabe no Planeta...


Betim - 26 03 2024


sexta-feira, 22 de março de 2024

UM POBRE MAIS POBRE QUE EU

UM POBRE MAIS POBRE QUE EU


Andava tão perdido em pensamentos,

A recolher-me os cacos pelo chão,

Que de minha miséria ostentação 

Eu fiz sem me poupar padecimentos.


Foi quando me surgiu nos desalentos

Topar d’entre os paupérrimos um grão:

Era um senhor de imensa solidão,

Diletante dos seus próprios lamentos.


Vinha d'olhar perdido e ensimesmado

De modo que ao passar bem ao meu lado

M’esbarrou sem pedir sequer licença. 


Seguiu pelo caminho indiferente,

Deixando o seu vazio de presente,

A ponto de negar minha presença. 


Belo Horizonte - 20 03 2024

quinta-feira, 21 de março de 2024

ANTE VÓS, SERVO REVOSSO

ANTE VÓS, SERVO REVOSSO


Ante vós, servo revosso,

Eu vos presto juramento 

De vassalagem no intento

De obrigar-me quanto posso

Em vosso contentamento.


Não há-de haver um momento

Que não deseje o olhar vosso.

Doando-me, vosso e revosso,

Ao amoroso sentimento

Por um bem que seja nosso.


Todo o querer vos endosso

Sempre aos prazeres atento.

Tamanho o estremecimento,

Tão-logo a pele vos roço,

De vossos beijos sedento.


Inobstante o encantamento,

Eu se vos pareço insosso

De desalentos me aposso:

Com o meu pranto e lamento

O rio do amor engrosso.


Ante vós, servo revosso,

Eu vos presto juramento 

De vassalagem no intento

De obrigar-me quanto posso

Em vosso contentamento.


Betim - 02 02 2024


terça-feira, 19 de março de 2024

UM DESSERVIÇO

UM DESSERVIÇO 


Será desfeito quanto tenho feito…

Se muito ajuda quem não atrapalha,

Que dizer quando a nada se trabalha

E anseios já não têm qualquer efeito?


Tudo aquilo por fim era imperfeito

E, inútil, resta a um canto feito tralha.

Alguém há-de pagar por minha falha

E após me olhar com ódio, contrafeito!


Fracasso… Quanto tempo foi perdido?!

Há anos que mais nada faz sentido,

Embora eu tenha dado o meu melhor.


Não importa: Interessa o resultado.

Deixo meu infortúnio no passado

E aceito que o que fiz não tem valor.


Betim - 19 03 2024


ANOITECER

ANOITECER


Surgia a estrela d'alva sobre os cerros…

E a lua, um alfange forjado em prata,

Mais urgia violões em serenata

À noite se achegando dos desterros.


Cá, no peito do poeta, posto a ferros,

Amor logo se agita e se desata:

Irrompe outra cantiga à sua ingrata,

Mas não por seus acertos, sim seus erros!


Também a sapaiada nos baixios,

Em melopeia de coaxos arredios,

Traz mais melancolia àqueles breus.


Restava ao bardo apenas soltar versos,

Que para a amada soam ais dispersos

Ao ver em lua e estrela os olhos seus…


Betim - 15 03 2024


sexta-feira, 8 de março de 2024

PERLINCAFUZES

PERLINCAFUZES


Falava arrevezado uns disparates,

Que tinha em alta conta de sapiência…

Grave, como se fosse uma excelência,

Sentencia as verdades dos orates!


Crê intelectualíssimos debates

Seus obtusos discursos sem audiência

E ignora que lhe ignorem a consciência,

Quando brilhante exibe os seus quilates.


Mas devo confessar mal compreender

Seu pretenso e enigmático dizer

Se se digna a alumiar as minhas trevas.


Eu o deixo a falar tão-só consigo

Incapaz que lhe sou como inimigo

De altercar mais falas vãs em levas!...


Betim - 01 02 2024