TERRA A TERRA
MOTE:
Sem saber onde nem quando,
Cuido que em fúria desabes:
-- "Guarda contigo o que sabes
E faz agora o que mando!"
GLOSA:
Se a pessoa é sempre certa
Pensa nunca estar errada...
Assim nunca aprende nada:
O que estraga, não conserta;
O que fala nunca é brando.
Tudo o que faz é mais guerra.
N'um discurso terra a terra,
Sem saber onde nem quando.
Sua fala é já de briga.
É sua voz, com certeza,
Que prevalece na mesa...
Qualquer outra é inimiga:
-- "Valha-me Deus que te acabes
Antes que o dia termine! --
Falo sem que me amofine:
-- "Cuido que em fúria desabes..."
Entre o sábio e o bem-nascido
Se distingue a tolerância...
Dando lições de ignorância,
Por si mesmo é convencido:
-- Em meu saber tu não cabes!
Meu pensar tu não alcanças!" --
Enfim, sem esperanças:
-- "Guarda contigo o que sabes!"
O saber da Autoridade
Imposto é pelo mais forte.
Mas nem é saber; é sorte:
É nascer com nome e herdade!
No mais, ter voz de comando
A humilhar quem lhe contesta
Com ar de metido à besta:
-- "E faz agora o que mando!"
Betim - 13 12 2019
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
terça-feira, 31 de dezembro de 2019
REAL, REAL, REAL!
REAL, REAL, REAL!
E se fosses o rei, e se tu fosses
Aquele que, aclamado, nos governa,
A mentir para o povo frases doces...
Aquele que virtudes só externa
Digno d'excelentíssimos louvores
Sob a Sabedoria Sempiterna.
Se fosses o maior entre os maiores,
Aquele que d'heróis fora nascido
Herdeiro d'esperanças e temores!
Aquele que dos deuses o Escolhido
Para manifestar predileção,
Onde teu povo entre outros distinguido.
Se fosses tu o Chefe da Nação,
Com que decretos-leis ordenarias
Dos grandes e pequenos a visão?
Com que exércitos tu comandarias
O anseio contra inválidas cobiças,
Estendendo ao redor hegemonias?
Com que armas às massas insubmissas
Haverias-de impor tua vontade
Ao condenar dos maus as injustiças?
Com que realizações prosperidade
Todo o reino contigo gozaria
Reunido sob a tua autoridade?
Com que fausto, opulência e fidalguia
A corte dos notáveis mais brilhantes
Sempre em tua saúde brindaria?
Se fosses tão amado que os errantes,
Ousando questionar-te a liderança,
Quedassem reduzidos a inflamantes...
Se, ao merecer de todos a confiança,
Honrasses mais o cargo com conquistas,
E não, antes de morto, uma lembrança...
Se, cercado de célebres artistas,
D'uma época dourada pela glória
Deixasses boquiabertos teus cronistas!
Talvez tanta grandeza meritória
Fizesse que, embriagados de sucesso.
Elevassem teu nome para a História.
Talvez, atravessando sem tropeço
A estrada do poder, possam julgar-te
Seres um vencedor desde o começo.
E que ao sobrelevar teu estandarte,
Mesmo os senhores bélicos mais pálidos
Proclamem teu valor por toda a parte!
Mesmo estes, que das guerras vêm inválidos,
Deixando a juventude nas batalhas,
Se aprumem respeitosos mesmo esquálidos...
Levantam-se a aplaudir as tuas falhas
E urrem a tua alcunha como lema!
Mesmos os já revestidos de mortalhas
Façam te recordar o forte emblema,
Quando em face dos teus vãos inimigos
Lhes leve todo o horror em hora extrema.
Mesmo tantos vivendo sem abrigos
Acuados pela fome e pela peste
Evocassem-te o nome nos perigos.
Mesmo aqueles que alhures expuseste
E esmagaste sem ver em tua alteza
Somente a te mostrares inconteste.
Mesmo os demais reis da redondeza
Respeitosos, ouvissem-te o clamor,
Qual fosses de teu reino fortaleza.
Todos, sem exceção, em teu favor
Te fizessem maior em cada grei
E por eles eleito imperador!
Ou se em verdade fosses pobre rei
D'um enclave onde, déspota absoluto,
Tão-só tua vontade fosse lei!
Vassalo de vassalos, diminuto
Castelão cujo feudo teus senhores
T'esquecessem até o contributo...
Se tu fosses dos reis um dos menores...
Que sequer como rei reconhecido
Fosses por quem exploras sem pudores.
Se não mais que um tirano esclarecido,
Que entre cegos tem olhos de ver
Apenas p'ra tomar do desvalido...
Se não mais que um escravo do poder
Que aos seus mais importuna do que manda
E nem respeito faz por merecer...
Se não mais que outra alteza veneranda
Empenhada em furtar do reino a si
Qual fosse um ladrãozinho de quitanda...
Se não mais do que servos para ti
Fosse este povo doente e gemebundo
Que em vilas de teu reino conheci...
Se, afinal, o pior rei de todo o mundo
Fosses tu ao ignorar os teus deveres,
E ao legar um país árido e infecundo...
Se, bem ou mal, com máximos poderes
Quem súbito um tirano se descobre
Sempre soube guardar-se mais haveres...
Grande ou pequeno rei; mais nobre ou pobre,
Com certeza em defesa me dirias
Que pouco fazes porque pouco o cobre...
Mas se fosses tal rei, nem me darias
A chance de ditar contestações
Ou reclamar de ti patifarias...
Decerto m'enviarias aos porões
Depois que me cortando a longa língua
E declarar-me um vil entre os vilões.
Ali, com outros mais postos à míngua,
Torturas de deixar em carne viva:
Vermelhidão, inchaço, ardor e íngua...
Mas se fosses tal rei, sequer a oitiva
De meus males por conta de teus bens
Permitirias senão em negativa.
Um rei sem tempo para tais poréns,
Tampouco impressionado com coitados
Às voltas com biscates e vinténs...
Um rei sem mente para os olvidados
Tampouco para os mais despossuídos
Que vivem pelo reino despojados...
Mas se fosses tal rei, entre desguidos,
Tu não te negarias privilégios,
Ainda quando às custas de oprimidos.
Um rei indiferente a modos régios,
Grasnando sem decoro e sem decência
Contra cortes, senados e colégios...
Um rei indiferente à complacência,
Entregue a um hedonismo pleno e cru,
A buscar-se senão concupiscência...
E se fosses o rei; se fosses tu
A palavra de vida e até de morte,
Onde todo o desejo esteja nu.
E se fosses aquele que é mais forte;
O que manda e desmanda sobre todos
Apenas por que o gozo lhe conforte.
Talvez serias quem de tantos modos
Seduziu, aliciou, comprou, vendeu...
Com tão falsas promessas, com engodos...
Talvez serias tu, ou talvez eu,
Quem com más intenções desfrutaria
De quantos o dinheiro corrompeu.
Talvez serias quem da fantasia
Houvesse-de gozar a qualquer custo,
Lucrando co'a extrema carestia.
E se fosses aquele que, sem susto,
Fruísse tanto luxos que luxúrias,
Ainda que passando por injusto.
Talvez serias quem d'entre penúrias
Arrancasse mais gozos do que penas
Indiferente a tão iguais lamúrias...
Talvez serias quem a horas amenas
Inopinado entrasse pela alcova
D'uma virgem vendida a ti apenas...
Talvez serias quem em verso e trova
Pudesse ter nos braços d'esta bela
Alguma experiência plena e nova
Talvez serias tu, ou talvez ela,
Quem sendo corrompida, corrompesse:
Natureza que apenas se revela...
Se fosses o ceifeiro; se ela, a messe,
Talvez não fosses mal, apenas rude,
Como uma flor no campo alguém colhesse.
Em sendo tu o rei, ninguém se ilude:
Em códices, papiros, pergaminhos...
Hás o nome da bela e a juventude!
Talvez listas de nomes e carinhos,
Em sendo tu o rei, maior riqueza
Para a inveja dos reis circunvizinhos...
Talvez os privilégios da realeza,
Em sendo tu o rei, sejam conquistas
A um esteta do sexo e da beleza.
Em sendo tu o rei, tuas artistas
São amantes desnudas, concubinas,
Tão afáveis ao toque quanto às vistas...
Talvez as liberdades femininas
Em teu reino, ou senão em tua alcova,
Proclamasses em férias libertinas.
Talvez tua grandeza posta à prova
Reafirmasses nas lides amatórias
Que em cada nova amante se renova.
Em sendo tu o rei, tuas vitórias
Seriam antes dúzias de mulheres
A cantar dos amores teus as glórias.
Mas se fosses o rei, tantos misteres
Minariam as finanças sem remédio
Apenas por fazeres que quiseres.
Talvez porque te fosse imenso o tédio
E a graça de ser rei se te perdesse,
Sentindo já da morte o negro assédio...
Talvez porque de tudo que acontece
Metade seja sonho... E a outra metade
Sonho dentro do sonho se parece...
Porque se fosses rei, em realidade,
Ainda que tu fosses Salomão,
Não serias mais que outra iniquidade.
Porque é ser rei extrema condição
D'um poder pelo reino e para si
Que só faz de quem reina uma ilusão.
Porque se se diverte aqui e ali
Os que realmente reinam, por discretos,
São muitos que nas sombras conheci...
Porque decorativos feito objetos
Os reis dão rosto e nome ao que somente
São mecanismos de ordem obsoletos.
E se fosses o rei, provavelmente,
Te irias corromper, porque o Poder
Nos corrompe absoluta e plenamente.
Betim - 31 12 2019
E se fosses o rei, e se tu fosses
Aquele que, aclamado, nos governa,
A mentir para o povo frases doces...
Aquele que virtudes só externa
Digno d'excelentíssimos louvores
Sob a Sabedoria Sempiterna.
Se fosses o maior entre os maiores,
Aquele que d'heróis fora nascido
Herdeiro d'esperanças e temores!
Aquele que dos deuses o Escolhido
Para manifestar predileção,
Onde teu povo entre outros distinguido.
Se fosses tu o Chefe da Nação,
Com que decretos-leis ordenarias
Dos grandes e pequenos a visão?
Com que exércitos tu comandarias
O anseio contra inválidas cobiças,
Estendendo ao redor hegemonias?
Com que armas às massas insubmissas
Haverias-de impor tua vontade
Ao condenar dos maus as injustiças?
Com que realizações prosperidade
Todo o reino contigo gozaria
Reunido sob a tua autoridade?
Com que fausto, opulência e fidalguia
A corte dos notáveis mais brilhantes
Sempre em tua saúde brindaria?
Se fosses tão amado que os errantes,
Ousando questionar-te a liderança,
Quedassem reduzidos a inflamantes...
Se, ao merecer de todos a confiança,
Honrasses mais o cargo com conquistas,
E não, antes de morto, uma lembrança...
Se, cercado de célebres artistas,
D'uma época dourada pela glória
Deixasses boquiabertos teus cronistas!
Talvez tanta grandeza meritória
Fizesse que, embriagados de sucesso.
Elevassem teu nome para a História.
Talvez, atravessando sem tropeço
A estrada do poder, possam julgar-te
Seres um vencedor desde o começo.
E que ao sobrelevar teu estandarte,
Mesmo os senhores bélicos mais pálidos
Proclamem teu valor por toda a parte!
Mesmo estes, que das guerras vêm inválidos,
Deixando a juventude nas batalhas,
Se aprumem respeitosos mesmo esquálidos...
Levantam-se a aplaudir as tuas falhas
E urrem a tua alcunha como lema!
Mesmos os já revestidos de mortalhas
Façam te recordar o forte emblema,
Quando em face dos teus vãos inimigos
Lhes leve todo o horror em hora extrema.
Mesmo tantos vivendo sem abrigos
Acuados pela fome e pela peste
Evocassem-te o nome nos perigos.
Mesmo aqueles que alhures expuseste
E esmagaste sem ver em tua alteza
Somente a te mostrares inconteste.
Mesmo os demais reis da redondeza
Respeitosos, ouvissem-te o clamor,
Qual fosses de teu reino fortaleza.
Todos, sem exceção, em teu favor
Te fizessem maior em cada grei
E por eles eleito imperador!
Ou se em verdade fosses pobre rei
D'um enclave onde, déspota absoluto,
Tão-só tua vontade fosse lei!
Vassalo de vassalos, diminuto
Castelão cujo feudo teus senhores
T'esquecessem até o contributo...
Se tu fosses dos reis um dos menores...
Que sequer como rei reconhecido
Fosses por quem exploras sem pudores.
Se não mais que um tirano esclarecido,
Que entre cegos tem olhos de ver
Apenas p'ra tomar do desvalido...
Se não mais que um escravo do poder
Que aos seus mais importuna do que manda
E nem respeito faz por merecer...
Se não mais que outra alteza veneranda
Empenhada em furtar do reino a si
Qual fosse um ladrãozinho de quitanda...
Se não mais do que servos para ti
Fosse este povo doente e gemebundo
Que em vilas de teu reino conheci...
Se, afinal, o pior rei de todo o mundo
Fosses tu ao ignorar os teus deveres,
E ao legar um país árido e infecundo...
Se, bem ou mal, com máximos poderes
Quem súbito um tirano se descobre
Sempre soube guardar-se mais haveres...
Grande ou pequeno rei; mais nobre ou pobre,
Com certeza em defesa me dirias
Que pouco fazes porque pouco o cobre...
Mas se fosses tal rei, nem me darias
A chance de ditar contestações
Ou reclamar de ti patifarias...
Decerto m'enviarias aos porões
Depois que me cortando a longa língua
E declarar-me um vil entre os vilões.
Ali, com outros mais postos à míngua,
Torturas de deixar em carne viva:
Vermelhidão, inchaço, ardor e íngua...
Mas se fosses tal rei, sequer a oitiva
De meus males por conta de teus bens
Permitirias senão em negativa.
Um rei sem tempo para tais poréns,
Tampouco impressionado com coitados
Às voltas com biscates e vinténs...
Um rei sem mente para os olvidados
Tampouco para os mais despossuídos
Que vivem pelo reino despojados...
Mas se fosses tal rei, entre desguidos,
Tu não te negarias privilégios,
Ainda quando às custas de oprimidos.
Um rei indiferente a modos régios,
Grasnando sem decoro e sem decência
Contra cortes, senados e colégios...
Um rei indiferente à complacência,
Entregue a um hedonismo pleno e cru,
A buscar-se senão concupiscência...
E se fosses o rei; se fosses tu
A palavra de vida e até de morte,
Onde todo o desejo esteja nu.
E se fosses aquele que é mais forte;
O que manda e desmanda sobre todos
Apenas por que o gozo lhe conforte.
Talvez serias quem de tantos modos
Seduziu, aliciou, comprou, vendeu...
Com tão falsas promessas, com engodos...
Talvez serias tu, ou talvez eu,
Quem com más intenções desfrutaria
De quantos o dinheiro corrompeu.
Talvez serias quem da fantasia
Houvesse-de gozar a qualquer custo,
Lucrando co'a extrema carestia.
E se fosses aquele que, sem susto,
Fruísse tanto luxos que luxúrias,
Ainda que passando por injusto.
Talvez serias quem d'entre penúrias
Arrancasse mais gozos do que penas
Indiferente a tão iguais lamúrias...
Talvez serias quem a horas amenas
Inopinado entrasse pela alcova
D'uma virgem vendida a ti apenas...
Talvez serias quem em verso e trova
Pudesse ter nos braços d'esta bela
Alguma experiência plena e nova
Talvez serias tu, ou talvez ela,
Quem sendo corrompida, corrompesse:
Natureza que apenas se revela...
Se fosses o ceifeiro; se ela, a messe,
Talvez não fosses mal, apenas rude,
Como uma flor no campo alguém colhesse.
Em sendo tu o rei, ninguém se ilude:
Em códices, papiros, pergaminhos...
Hás o nome da bela e a juventude!
Talvez listas de nomes e carinhos,
Em sendo tu o rei, maior riqueza
Para a inveja dos reis circunvizinhos...
Talvez os privilégios da realeza,
Em sendo tu o rei, sejam conquistas
A um esteta do sexo e da beleza.
Em sendo tu o rei, tuas artistas
São amantes desnudas, concubinas,
Tão afáveis ao toque quanto às vistas...
Talvez as liberdades femininas
Em teu reino, ou senão em tua alcova,
Proclamasses em férias libertinas.
Talvez tua grandeza posta à prova
Reafirmasses nas lides amatórias
Que em cada nova amante se renova.
Em sendo tu o rei, tuas vitórias
Seriam antes dúzias de mulheres
A cantar dos amores teus as glórias.
Mas se fosses o rei, tantos misteres
Minariam as finanças sem remédio
Apenas por fazeres que quiseres.
Talvez porque te fosse imenso o tédio
E a graça de ser rei se te perdesse,
Sentindo já da morte o negro assédio...
Talvez porque de tudo que acontece
Metade seja sonho... E a outra metade
Sonho dentro do sonho se parece...
Porque se fosses rei, em realidade,
Ainda que tu fosses Salomão,
Não serias mais que outra iniquidade.
Porque é ser rei extrema condição
D'um poder pelo reino e para si
Que só faz de quem reina uma ilusão.
Porque se se diverte aqui e ali
Os que realmente reinam, por discretos,
São muitos que nas sombras conheci...
Porque decorativos feito objetos
Os reis dão rosto e nome ao que somente
São mecanismos de ordem obsoletos.
E se fosses o rei, provavelmente,
Te irias corromper, porque o Poder
Nos corrompe absoluta e plenamente.
Betim - 31 12 2019
sábado, 28 de dezembro de 2019
DIZERES
DIZERES
-- "Estranho, come, bebe e faz amor
Que o mais não vale nem bater de palmas.
Tantos cuidam em vão de suas almas,
Só porque creem nos deuses mais valor..."
"Pois tudo quanto tens em teu favor
São carências do corpo que te acalmas.
Cuida em saciar gozos; curar traumas,
A que hajas do saber sempre sabor".
"Sardanápalo, filho de Axindraxes,
Quem construiu nas Portas da Cilícia
O seu túmulo ornado por esgaches" --
Isto para Alexandre deu notícia
Do assírio que à maneira de bardaches
Entregara-se a hedonismos e à sevícia.
Betim - 28 12 2019
-- "Estranho, come, bebe e faz amor
Que o mais não vale nem bater de palmas.
Tantos cuidam em vão de suas almas,
Só porque creem nos deuses mais valor..."
"Pois tudo quanto tens em teu favor
São carências do corpo que te acalmas.
Cuida em saciar gozos; curar traumas,
A que hajas do saber sempre sabor".
"Sardanápalo, filho de Axindraxes,
Quem construiu nas Portas da Cilícia
O seu túmulo ornado por esgaches" --
Isto para Alexandre deu notícia
Do assírio que à maneira de bardaches
Entregara-se a hedonismos e à sevícia.
Betim - 28 12 2019
IMPUDICAS
IMPUDICAS
As lindas e perversas heroínas
Que povoam os romances do Marquês
Granjeiam dos fidalgos as mercês
Às voltas com folias libertinas.
Mariposas em roda a lamparinas,
Indo d'encontro à luz de vez em vez,
Têm mais prazer na dor onde a nudez
S'exibe entre confetes, serpentinas...
A serviço das reais patifarias
S'entregam a sevícias desvairadas
N'um teatro de impudicas fantasias.
Mas sejam pelos séculos lembradas
Ao gozo de devassos em orgias
Aquelas que por Sade imaginadas!
Betim - 28 12 2019
As lindas e perversas heroínas
Que povoam os romances do Marquês
Granjeiam dos fidalgos as mercês
Às voltas com folias libertinas.
Mariposas em roda a lamparinas,
Indo d'encontro à luz de vez em vez,
Têm mais prazer na dor onde a nudez
S'exibe entre confetes, serpentinas...
A serviço das reais patifarias
S'entregam a sevícias desvairadas
N'um teatro de impudicas fantasias.
Mas sejam pelos séculos lembradas
Ao gozo de devassos em orgias
Aquelas que por Sade imaginadas!
Betim - 28 12 2019
quinta-feira, 26 de dezembro de 2019
AMOR FATI
AMOR FATI
Talvez porque te amar não fosse amar,
Sim outro aperceber-me sem saída.
Jamais foste uma escolha em minha vida,
Mas antes um chamado a contemplar...
Eu fui predestinado a t'encontrar
N'uma estrada mais torta que comprida.
E quando eu t'encarei, desconhecida,
Vi que tinhas o sol no teu olhar.
Talvez vejas que tudo estava escrito
E o acaso d'haver eu t'encontrado
Fez cogitar no amor algo infinito.
Penso que estive sempre do teu lado
E o que virá é tudo em que acredito...
Porque te amar não é amar: É fado!
Betim - 26 12 2019
Talvez porque te amar não fosse amar,
Sim outro aperceber-me sem saída.
Jamais foste uma escolha em minha vida,
Mas antes um chamado a contemplar...
Eu fui predestinado a t'encontrar
N'uma estrada mais torta que comprida.
E quando eu t'encarei, desconhecida,
Vi que tinhas o sol no teu olhar.
Talvez vejas que tudo estava escrito
E o acaso d'haver eu t'encontrado
Fez cogitar no amor algo infinito.
Penso que estive sempre do teu lado
E o que virá é tudo em que acredito...
Porque te amar não é amar: É fado!
Betim - 26 12 2019
PORNSTARS
PORNSTARS (vilanela)
Por fazerem as horas mais felizes,
Parecem nos fisgar, apelativas,
Quer sejam meretrizes; quer actrizes...
Modelos de beleza; chamarizes,
Que tornam nossas vidas tão mais vivas,
Por fazerem as horas mais felizes!
N'um sorriso ocultando as cicatrizes,
Oferecem as faces sempre altivas,
Quer sejam meretrizes; quer actrizes...
Flecham aonde apontam os narizes
Em flertes de miradas tão furtivas,
Por fazerem as horas mais felizes!
Tolerando dos dedos os deslizes,
Se ouriça o pelo à pele... Pois lascivas,
Quer sejam meretrizes; quer actrizes...
Em sermos os seus servos, não juízes,
As saudamos entre urras e entre vivas,
Quer sejam meretrizes; quer actrizes,
Por fazerem as horas mais felizes!
Belo Horizonte - 24 12 2019
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
HÁ PIORES
HÁ PIORES!
Poeta, talvez careça de bons modos,
Enmimesmado diante dos senhores.
Não sou o maior nem um dos melhores,
Embora ande à maneira dos rapsodos...
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Às vezes, eu também caio em engodos
E encontro iras buscando ver amores.
Não sou bajulador de entendedores,
Tampouco rastejante sobre lodos.
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Escrevo sobre tudo e sobre todos,
Em versos não isentos de temores...
Temerário a ignorar os meus terrores,
Irrompo na avanguarda com denodos!
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Remontando ao vulgar dos visigodos,
Um vernáculo ibérico de ardores
Exercito entre rimas e pudores
N'esse afã de poetar de tantos modos.
-- Pois se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Belo Horizonte - 24 12 2019
Poeta, talvez careça de bons modos,
Enmimesmado diante dos senhores.
Não sou o maior nem um dos melhores,
Embora ande à maneira dos rapsodos...
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Às vezes, eu também caio em engodos
E encontro iras buscando ver amores.
Não sou bajulador de entendedores,
Tampouco rastejante sobre lodos.
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Escrevo sobre tudo e sobre todos,
Em versos não isentos de temores...
Temerário a ignorar os meus terrores,
Irrompo na avanguarda com denodos!
-- E se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Remontando ao vulgar dos visigodos,
Um vernáculo ibérico de ardores
Exercito entre rimas e pudores
N'esse afã de poetar de tantos modos.
-- Pois se me acham tão ruim, contesto: -- "Há piores!"
Belo Horizonte - 24 12 2019
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
CORDEL DO AMOR QUE SE FOI - Segunda Parte
CORDEL DO AMOR QUE SE FOI
- Segunda Parte
TÃO PERTO, TÃO LONGE
Tantas vezes eu passei
Na frente da tua casa!...
Meu peito aberto se abrasa
N’este amor qu’eu apaguei
Nas cinzas do que sonhei!...
Tantas vezes... Que me arrasa
Te perder quanto me dei.
Como esquecer quem ausente
Mais presente ‘inda se faz?
Como, enfim, estar em paz,
Enquanto dentro da gente
Um turbilhão inclemente
Põe-me a olhar para trás
Ao invés de seguir em frente?...
É triste te olhar nos olhos
E n’eles me ver menor...
Porém, não os ver é pior
Do que os espiar por ferrolhos
Ou andar como se d’antolhos
Nada visse ao meu redor,
Senão d’amor os restolhos...
Porque saber-te tão perto
Fez más as boas lembranças,
Que me trazendo esperanças,
Tornou-me o caminho incerto,
Sonhando embora desperto,
Nas solitárias andanças
Pelo meu próprio deserto.
Porque saber-te tão minha,
Muito embora me deixando,
Vem me assombrar vez em quando:
Quando a noite se avizinha,
Cogito se estás sozinha
Ou mesmo se em mim pensando
Meu desejo te adivinha!...
Porque saber-te tão linda
A meia hora de distância
Apenas m’enchera de ânsia
Diante d’uma história finda...
Finda, mas que mexe ainda
Na minha total errância
À espera de tua vinda...
Contudo, nossos caminhos
Se afastavam, divergentes,
Co’os deuses indiferentes
A tanto afã por carinhos...
Decerto foram mesquinhos
Em não nos querer contentes
Para deixar-nos sozinhos.
....................................
- Segunda Parte
TÃO PERTO, TÃO LONGE
Tantas vezes eu passei
Na frente da tua casa!...
Meu peito aberto se abrasa
N’este amor qu’eu apaguei
Nas cinzas do que sonhei!...
Tantas vezes... Que me arrasa
Te perder quanto me dei.
Como esquecer quem ausente
Mais presente ‘inda se faz?
Como, enfim, estar em paz,
Enquanto dentro da gente
Um turbilhão inclemente
Põe-me a olhar para trás
Ao invés de seguir em frente?...
É triste te olhar nos olhos
E n’eles me ver menor...
Porém, não os ver é pior
Do que os espiar por ferrolhos
Ou andar como se d’antolhos
Nada visse ao meu redor,
Senão d’amor os restolhos...
Porque saber-te tão perto
Fez más as boas lembranças,
Que me trazendo esperanças,
Tornou-me o caminho incerto,
Sonhando embora desperto,
Nas solitárias andanças
Pelo meu próprio deserto.
Porque saber-te tão minha,
Muito embora me deixando,
Vem me assombrar vez em quando:
Quando a noite se avizinha,
Cogito se estás sozinha
Ou mesmo se em mim pensando
Meu desejo te adivinha!...
Porque saber-te tão linda
A meia hora de distância
Apenas m’enchera de ânsia
Diante d’uma história finda...
Finda, mas que mexe ainda
Na minha total errância
À espera de tua vinda...
Contudo, nossos caminhos
Se afastavam, divergentes,
Co’os deuses indiferentes
A tanto afã por carinhos...
Decerto foram mesquinhos
Em não nos querer contentes
Para deixar-nos sozinhos.
....................................
SEJA COMO FOR
SEJA COMO FOR
Mesmo porque há dias bons
E o sol nasce é dentro de ti...
D'alvorada de mil sons,
Tua voz fez-se entre tons
A mais bonita que ouvi:
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Não se turve teu olhar
Em face da solidão.
Deixa-te a voz espalhar
Estas angústias pelo ar...
Cuida do teu coração!
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Canta mais alto e profundo;
Faz chorar e faz sorrir
Quanto teu peito é fecundo.
Que n'algum canto do mundo
Eu estarei a te ouvir...
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Betim - 23 12 2019
Mesmo porque há dias bons
E o sol nasce é dentro de ti...
D'alvorada de mil sons,
Tua voz fez-se entre tons
A mais bonita que ouvi:
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Não se turve teu olhar
Em face da solidão.
Deixa-te a voz espalhar
Estas angústias pelo ar...
Cuida do teu coração!
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Canta mais alto e profundo;
Faz chorar e faz sorrir
Quanto teu peito é fecundo.
Que n'algum canto do mundo
Eu estarei a te ouvir...
-- "Seja como for,
Há-que se cantar
As coisas do amor!"
Betim - 23 12 2019
domingo, 22 de dezembro de 2019
ACERCA DAS DOUTRINAS
ACERCA DAS DOUTRINAS
Toda doutrina é um arranjo de aspecto razoável que pretende desenvolver a partir de certas expressões fundamentais - também chamadas dogmas - reflexões acerca dos problemas propostos pela experiência humana. Ao buscar respostas em concordância com os dogmas estabelecidos, o corpo doutrinal reafirma continuamente a validade d'estes mesmos dogmas, de modo a redundarem em soluções idealísticas. É na conversão d'estes ideais em realidades que muitas vezes consiste a noção de progresso. As coisas melhoram quando desejos experienciados como legítimos (não passar fome em nenhuma hipótese, ter acesso à terra ou trabalho assalariado e possuir liberdade para ir e vir, para ficar nos "desejos humanos" mais simples…) são solucionados pelas práticas desenvolvidas a partir dos ideais propostos por sistema doutrinal.
O que nos leva, humanamente, a duvidar das doutrinas é sua multiplicidade autolegitimadora. As doutrinas, como quase tudo na vida, são consolidadas em processos de tentativa-e-erro: Ideias aparentemente sensatas são testadas pelas circunstâncias. Os séculos se encarregam em decantar lentamente as graves posições assumidas para que tudo aquilo que pese se acumule bem no fundo do profundo lago dos costumes e, sobretudo, para que na superfície as águas se apresentem cristalinas em face dos doutrinados e estes, ao olharem para elas, vejam senão o espelho de suas certezas pessoais. Evidente que a limpidez d'este espelho d'água depende muito da capacidade de autosugestão de quem olha, vendo pureza onde há turbidez ou senão esperando, pacientemente, que a poeira dos conflitos sedimente e deixe de ser visível depositada lá no fundo. Ali, nas profundidades abissais, onde nem a luz nem o olhar humano chegam, o mistério é respeitosamente admitido como parte suplementar do corpo da doutrina. Ou em palavras mais poéticas, onde o arsenal doutrinário parece se esgotar, ali o apologeta se cala e o místico contempla! Tudo aquilo que o doutor na doutrina se "esquece" ou se nega a responder, passa a ser admitido como mistério divino, afinal, é vontade da Divindade e limitação do Homem conhecer todas as coisas! Pode se afirmar, inclusive, que o mistério se impõe não por má vontade do Criador em se revelar, mas por incapacidade humana (criado limitado por esse mesmo Criador) em alcançar a vastidão do pensamento divino. Aceitando-se incapaz, o ser humano aceita também sua ignorância sobre o Universo que o cerca, imerso em beatitude resignada, admite n'aquilo que não compreende parte do plano divino. N'outras palavras, a doutrina deve responder tudo, mas mesmo quando não responde de modo minimamente satisfatório, encontra no mistério sobrenatural um vazio cômodo onde tudo que não tem resposta pode ser guardado à espera da revelação divina.
Isso é, de facto, maravilhoso n'um corpo doutrinal: Oferecer respostas para toda e qualquer questão. Mesmo quando uma doutrina silencia acerca do que não era sequer problematizado quando foi formatada, seus valorosos guardiães se encarregam de produzir - por analogia, por dialética ou simplesmente por autoridade - as verdades que darão ao fiel a frase feita que legitime sua pertinência mesmo em tempos de crise. A doutrina oferece uma explicação, mas principalmente um vir-a-ser. Esse projeto de ser humano que as doutrinas nos oferecem explicam porque ainda não resolveram nossos problemas. Afinal, não basta a uma doutrina ser hegemônica para melhorar o mundo; é preciso que seja absoluta, controlando toda a acção humana até que possa manifestar sua perfeição… Isso se verifica historicamente no formidável quadro de guerras religiosas que a Humanidade apresenta, ou seja, a vaga esperança de que quando todos professarem a mesma fé e repetirem o mesmo credo, enfim, haverá harmonia nas relações humanas. Guerras por uma paz sempre adiada…
O grande problema das doutrinas acaba sendo justamente esse, ou seja, afirmar serem capazes de consertar todos os problemas humanos quando e se suas normas forem obedecidas por todos para, d'este modo, uniformizarem os olhares sobre os problemas até as respostas decoradas e repetidas por todos se tornem a Verdade. Todo homem e mulher, portanto, é convidado a mudar de vida quando se depara com uma doutrina. Não importa quem seja ou que faça: Tem-de melhorar!
Esse novo ser gerado a partir da compreensão e seguimento da doutrina passa a se distinguir dos demais que ainda permanecem nas trevas da ignorância. Cada vez mais confiante nas certezas da doutrina que escolheu seguir, esse fiel promove em sua própria existência um rosto e uma conduta que permite a qualquer doutrina a consolidação do seu grande objetivo inicial, a saber, tornar-se uma Moral. Com efeito, mais do que se contrapôr às demais doutrinas no afã de superá-las com argumentos, toda doutrina se esmera em apresentar bons costumes. Em última análise, pouco importa se seus dogmas são defensáveis pela lógica, mas antes lhe interessa apresentar as linhas-guias que promovem aos seus seguidores um projeto de vida. Os doutrinadores pretendem menos estarem certos do que influenciarem as multidões. A Verdade pode ser qualquer uma, desde que as pessoas adiram a ela. Ao contrário dos seguidores - que devem ser desaconselhados a ter opiniões em desconformidade com a doutrina - os doutrinadores têm consciência dos pontos cegos nas verdades de sua doutrina. Evitá-los, é questão de bom senso. Em sendo o divino perfeito, imperfeito é o olhar humano sobre ele.
E assim as doutrinas se perpetuaram ao longo da História… O que deveria realmente nos incomodar é porque, em pleno século XXI, ainda termos necessidade de aderirmos a doutrinas ou ideologias. Parece incompatível com a liberdade humana em nosso tempo ser forçado a aderir a qualquer pacote de opiniões e ideais que um corpo sistemático venha a nos oferecer. Até se pode compreender a comodidade que essa espécie de "terceirização" do pensamento que a adesão a doutrinas nos permite possa permitir. Não obstante, é a esquizofrenia de pensar com a própria cabeça e ao mesmo tempo pensa conforme a ortodoxia que se expressa na ideia orwelliana de duplipensar.
A contraposição entre Razão e Fé que atravessou a modernidade parece não ser mais necessária uma vez que, em sociedades globalizadas, nenhuma doutrina possa mais se arvorar superior às demais. A Verdade relativizada d'uma doutrina se tornou o que sempre foi, isto é, apenas opiniões sistematizadas. Se fôssemos de facto livres-pensadores, não ficaríamos nos mesmos distorcendo nosso pensamento para encaixá-los n'esse ou n'aquele sistema.
Evidente que o pensamento contemporâneo pode e deve ser apreciado pela sociedade que após julga se é relevante ou não para suas problemáticas. Todavia, jamais poderá se submeter exclusividade ao senso comum ou ao inconsciente colectivo. É forçoso apresentar ideias e pôr em crise ideários mesmo quando entram em choque com a sensibilidade das pessoas. Qualquer um que pretenda pensar o mundo em que vivemos deve fazê-lo sem os limites estreitos d'uma doutrina. Apenas estabelecida essa condição, pode se falar em livre pensamento.
Ou senão, entre apologéticas e diatribes, assistiremos apenas fogueiras de vaidades, não debates intelectuais honestos.
Betim - 22 12 2019
Toda doutrina é um arranjo de aspecto razoável que pretende desenvolver a partir de certas expressões fundamentais - também chamadas dogmas - reflexões acerca dos problemas propostos pela experiência humana. Ao buscar respostas em concordância com os dogmas estabelecidos, o corpo doutrinal reafirma continuamente a validade d'estes mesmos dogmas, de modo a redundarem em soluções idealísticas. É na conversão d'estes ideais em realidades que muitas vezes consiste a noção de progresso. As coisas melhoram quando desejos experienciados como legítimos (não passar fome em nenhuma hipótese, ter acesso à terra ou trabalho assalariado e possuir liberdade para ir e vir, para ficar nos "desejos humanos" mais simples…) são solucionados pelas práticas desenvolvidas a partir dos ideais propostos por sistema doutrinal.
O que nos leva, humanamente, a duvidar das doutrinas é sua multiplicidade autolegitimadora. As doutrinas, como quase tudo na vida, são consolidadas em processos de tentativa-e-erro: Ideias aparentemente sensatas são testadas pelas circunstâncias. Os séculos se encarregam em decantar lentamente as graves posições assumidas para que tudo aquilo que pese se acumule bem no fundo do profundo lago dos costumes e, sobretudo, para que na superfície as águas se apresentem cristalinas em face dos doutrinados e estes, ao olharem para elas, vejam senão o espelho de suas certezas pessoais. Evidente que a limpidez d'este espelho d'água depende muito da capacidade de autosugestão de quem olha, vendo pureza onde há turbidez ou senão esperando, pacientemente, que a poeira dos conflitos sedimente e deixe de ser visível depositada lá no fundo. Ali, nas profundidades abissais, onde nem a luz nem o olhar humano chegam, o mistério é respeitosamente admitido como parte suplementar do corpo da doutrina. Ou em palavras mais poéticas, onde o arsenal doutrinário parece se esgotar, ali o apologeta se cala e o místico contempla! Tudo aquilo que o doutor na doutrina se "esquece" ou se nega a responder, passa a ser admitido como mistério divino, afinal, é vontade da Divindade e limitação do Homem conhecer todas as coisas! Pode se afirmar, inclusive, que o mistério se impõe não por má vontade do Criador em se revelar, mas por incapacidade humana (criado limitado por esse mesmo Criador) em alcançar a vastidão do pensamento divino. Aceitando-se incapaz, o ser humano aceita também sua ignorância sobre o Universo que o cerca, imerso em beatitude resignada, admite n'aquilo que não compreende parte do plano divino. N'outras palavras, a doutrina deve responder tudo, mas mesmo quando não responde de modo minimamente satisfatório, encontra no mistério sobrenatural um vazio cômodo onde tudo que não tem resposta pode ser guardado à espera da revelação divina.
Isso é, de facto, maravilhoso n'um corpo doutrinal: Oferecer respostas para toda e qualquer questão. Mesmo quando uma doutrina silencia acerca do que não era sequer problematizado quando foi formatada, seus valorosos guardiães se encarregam de produzir - por analogia, por dialética ou simplesmente por autoridade - as verdades que darão ao fiel a frase feita que legitime sua pertinência mesmo em tempos de crise. A doutrina oferece uma explicação, mas principalmente um vir-a-ser. Esse projeto de ser humano que as doutrinas nos oferecem explicam porque ainda não resolveram nossos problemas. Afinal, não basta a uma doutrina ser hegemônica para melhorar o mundo; é preciso que seja absoluta, controlando toda a acção humana até que possa manifestar sua perfeição… Isso se verifica historicamente no formidável quadro de guerras religiosas que a Humanidade apresenta, ou seja, a vaga esperança de que quando todos professarem a mesma fé e repetirem o mesmo credo, enfim, haverá harmonia nas relações humanas. Guerras por uma paz sempre adiada…
O grande problema das doutrinas acaba sendo justamente esse, ou seja, afirmar serem capazes de consertar todos os problemas humanos quando e se suas normas forem obedecidas por todos para, d'este modo, uniformizarem os olhares sobre os problemas até as respostas decoradas e repetidas por todos se tornem a Verdade. Todo homem e mulher, portanto, é convidado a mudar de vida quando se depara com uma doutrina. Não importa quem seja ou que faça: Tem-de melhorar!
Esse novo ser gerado a partir da compreensão e seguimento da doutrina passa a se distinguir dos demais que ainda permanecem nas trevas da ignorância. Cada vez mais confiante nas certezas da doutrina que escolheu seguir, esse fiel promove em sua própria existência um rosto e uma conduta que permite a qualquer doutrina a consolidação do seu grande objetivo inicial, a saber, tornar-se uma Moral. Com efeito, mais do que se contrapôr às demais doutrinas no afã de superá-las com argumentos, toda doutrina se esmera em apresentar bons costumes. Em última análise, pouco importa se seus dogmas são defensáveis pela lógica, mas antes lhe interessa apresentar as linhas-guias que promovem aos seus seguidores um projeto de vida. Os doutrinadores pretendem menos estarem certos do que influenciarem as multidões. A Verdade pode ser qualquer uma, desde que as pessoas adiram a ela. Ao contrário dos seguidores - que devem ser desaconselhados a ter opiniões em desconformidade com a doutrina - os doutrinadores têm consciência dos pontos cegos nas verdades de sua doutrina. Evitá-los, é questão de bom senso. Em sendo o divino perfeito, imperfeito é o olhar humano sobre ele.
E assim as doutrinas se perpetuaram ao longo da História… O que deveria realmente nos incomodar é porque, em pleno século XXI, ainda termos necessidade de aderirmos a doutrinas ou ideologias. Parece incompatível com a liberdade humana em nosso tempo ser forçado a aderir a qualquer pacote de opiniões e ideais que um corpo sistemático venha a nos oferecer. Até se pode compreender a comodidade que essa espécie de "terceirização" do pensamento que a adesão a doutrinas nos permite possa permitir. Não obstante, é a esquizofrenia de pensar com a própria cabeça e ao mesmo tempo pensa conforme a ortodoxia que se expressa na ideia orwelliana de duplipensar.
A contraposição entre Razão e Fé que atravessou a modernidade parece não ser mais necessária uma vez que, em sociedades globalizadas, nenhuma doutrina possa mais se arvorar superior às demais. A Verdade relativizada d'uma doutrina se tornou o que sempre foi, isto é, apenas opiniões sistematizadas. Se fôssemos de facto livres-pensadores, não ficaríamos nos mesmos distorcendo nosso pensamento para encaixá-los n'esse ou n'aquele sistema.
Evidente que o pensamento contemporâneo pode e deve ser apreciado pela sociedade que após julga se é relevante ou não para suas problemáticas. Todavia, jamais poderá se submeter exclusividade ao senso comum ou ao inconsciente colectivo. É forçoso apresentar ideias e pôr em crise ideários mesmo quando entram em choque com a sensibilidade das pessoas. Qualquer um que pretenda pensar o mundo em que vivemos deve fazê-lo sem os limites estreitos d'uma doutrina. Apenas estabelecida essa condição, pode se falar em livre pensamento.
Ou senão, entre apologéticas e diatribes, assistiremos apenas fogueiras de vaidades, não debates intelectuais honestos.
Betim - 22 12 2019
sexta-feira, 20 de dezembro de 2019
PÉS-DE-CHINELO
PÉS-DE-CHINELO
É interessante como na Sociedade de Consumo a condição humana do pobre é, por via de regra, precarizada… Embora se declare que todos os homens sejam livres e iguais em direitos, não são poucos os direitos negados àqueles que não podem pagar. O Direito não socorre os que dormem… Os que não pagam, tampouco! A própria Democracia sempre conviveu com tentação excludente de diferenciar cidadãos votantes dos demais habitantes da Pólis, fosse pelo nível mínimo de educação formal para votar; fosse pelo puro e simples voto censitário… Tocqueville, ou outro liberal de seu século, nos legou a exemplar historieta dos operários que, interessados em participar da República -- primeiro votando e, com certeza, buscando ser votados um dia -- inocentemente perguntaram às autoridades o que deveriam fazer para participar do sufrágio "universal". -- "Fiquem ricos! -- respondeu um notário d'antanho tentando ser espirituoso ou realista.
Sim, para votar na França liberal novecentista era preciso ter renda anual comprovada… "Pobres não sabem votar ou votam errado. -- argumentam uns. "Quem passa necessidade, forçosamente, há-de vender seu voto! -- contemporizam outros. A História nos mostra, entretanto, que as democracias se fortaleceram quando conseguiram incluir as pessoas mediante instrumentos de transformação social menos traumáticos e efetivos que as revoluções. Somente envolvendo as pessoas nas decisões é que obediência ou mesmo submissão se transformam em participação.
Não por outra razão a ideia de decência e decoro -- que tem a ver sobretudo com os costumes locais, não com reflexões éticas universais -- sejam inequivocamente sustentadas por condições materiais. Sim, a pobreza é indecente! Ser pobre é vestir-se e agir de modo inadequado segundo padrões impostos por quem pretende, a qualquer custo, se distinguir dos menos favorecidos. Tudo! Todo um estado de coisas é construído para que o pobre odeie sua condição e se sacrifique por todos os meios possíveis (os ilegais, inclusive…) para que deixe de ser pobre. Ser pobre é sempre ser pior. Pobre é estúpido, é ignorante, é irresponsável, é desonesto… É, na melhor das hipóteses, alguém a ser controlado, seja pelas forças policiais; seja pelos preceitos religiosos.
Evidente que esse bombardeio ideológico sobre os pobres com vias integrá-los às estruturas de Capital e Trabalho cobram seu preço na saúde mental. Não aceitar que a pobreza possa ser uma escolha consciente por certo estilo vida transforma os pobres em fracassados ou perdedores. Sob tal perspectiva, a sociedade é uma espécie de corrida com obstáculos onde todos, não importa d'onde ou quando deem largada, devem gastar suas existências no afã de chegar ao topo da pirâmide. Não admira que haja quem escolha "ficar rico ou morrer tentando"… N'esse estado de coisas, a pobreza é apresentada como algo tão incompleto e vexatório que o sentido da vida não possa ser outro senão obter mais e mais conforto material. Não que se pretenda aqui idealizar a pobreza: Perrengue é perrengue! Sem embargo, o que não se deve aceitar de modo nenhum é a idealização da riqueza. Se por um lado, apostar nos mecanismos de retribuição neurológicos como promoção d'um consumismo ostensivo desenfreado não promovem senão ansiedade n'aqueles que têm dinheiro para usufruir do mais novo e melhor; por outro, os pobres alternam entre a motivação e a depressão provocados por objectos de desejo inaccessíveis. N'um mundo onde se é o que se tem, aquele que não tem nada não é ninguém.
Isso me faz lembrar sobre uma velha anedota sobre a relatividade dos adjetivos para qualificar de forma distinta ricos e pobres diante de situações semelhantes… Adágio popular, virou até música de humorista:
"Rico correndo é atleta
Pobre correndo é ladrão
Rico com medo é nervoso
Pobre com medo é cagão
O rico mete na cama
E o pobre mete no chão"
"Pobre e Rico", por Ari Toledo.
Olhando sob este viés, digamos, material da existência humana, percebe-se que a formação da sociedade brasileira é, em linhas gerais, a História da inserção de grupos humanos estranhos ao Capital e ao Trabalho na estruturas de mercado. Ameríndios, africanos e mesmo europeus sujeitos as condições semifeudais do Antigo Regime habitavam um Novo Mundo no qual a carência material e tecnológica era tamanha que ter ou não ter dinheiro não chegava a ser percebido como algo relevante, afinal, viviam todos à base de mandioca e banana empenhados em exportar tudo o que fosse possível extrair d'esse chão.
Os relatos do Brasil colonial, por via de regra, apresentam homens e mulheres miseráveis ambientando-se a uma Natureza opulenta-mas-hostil. Com tal estado de coisas, a informalidade nas relações humanas se estabeleceu para consolidação do "homem cordial" que o brasileiro se percebe em seu afã de relativizar ou mesmo esvaziar os graves conflitos que uma sociedade extremamente desigual pressupõe. Não que nossa História não seja sangrenta, ao contrário. Mas a conciliação e o desleixo sempre andaram de mãos dadas na construção d'um imaginário tolerante. A cordialidade brasileira do "jeitinho" atravessa nossas constituições e instituições. No Brasil, até a disciplina militar conviveu com as "vivandeiras" enquanto políticos e juízes tutelam o povo inculto mediante o acúmulo de privilégios absurdos.
Nos seculos XVIII e XIX, a diferença prática entre a vida do brasileiro pobre e o rico não chegava a ser algo muito significativo. Embora os senhores de engenho e comerciantes se vestissem à europeia, o pouco dinheiro que circulava não lhes trazia grande qualidade de vida. De facto, à medida que a diferença entre ser rico ou pobre na exuberante natureza tropical se explicita, menos se questiona o estilo de vida do colonizador. Este, referendado pelas conquistas tecnológicas europeias -- importadas, literalmente, a peso de ouro -- senta-se à sombra das palmeiras para reclamar do povo preguiçoso e acomodado que o cerca… Em sua cabeça simplista de macho-adulto-branco, o rico advoga que todas as pessoas deveriam buscar, tal como ele, o sucesso material.
Pés-de-chinelo, somos convencidos diariamente pelos ricos que não há nada pior do sermos como somos. Logo, devemos trabalhar muito para termos "uma vida melhor", quando o que realmente liberta as pessoas e transforma suas vidas é a Educação que as forma, não a Riqueza Material que ostentam (até porque, muita riqueza por aí tem origem ilícita). Eu -- descendente de índios espoliados, africanos captivos e europeus desesperados -- confesso que não me sinto atraído pelos maneirismos dos burgueses metidos a besta. Prefiro-me um humilde de chinelo de dedo do que um deslumbrado que pensa que dignidade se compra com sapatos lustrosos.
Ademais, para quem está no topo a vista pode até ser um privilégio único, mas facto é que qualquer belvedere é exíguo demais para comportar as multidões que transitam nos degraus inferiores da sociedade. O que ideólogos do sucesso ignoram comodamente é não haver lugar para todos se todos chegarem lá. Vendendo esperanças, constroem uma ordem social baseada em ilusões que, frustradas, dão lugar a revoltas e crises cíclicas.
Afinal, é uma pirâmide essa sociedade que está aí…
Betim - 20 12 2019
É interessante como na Sociedade de Consumo a condição humana do pobre é, por via de regra, precarizada… Embora se declare que todos os homens sejam livres e iguais em direitos, não são poucos os direitos negados àqueles que não podem pagar. O Direito não socorre os que dormem… Os que não pagam, tampouco! A própria Democracia sempre conviveu com tentação excludente de diferenciar cidadãos votantes dos demais habitantes da Pólis, fosse pelo nível mínimo de educação formal para votar; fosse pelo puro e simples voto censitário… Tocqueville, ou outro liberal de seu século, nos legou a exemplar historieta dos operários que, interessados em participar da República -- primeiro votando e, com certeza, buscando ser votados um dia -- inocentemente perguntaram às autoridades o que deveriam fazer para participar do sufrágio "universal". -- "Fiquem ricos! -- respondeu um notário d'antanho tentando ser espirituoso ou realista.
Sim, para votar na França liberal novecentista era preciso ter renda anual comprovada… "Pobres não sabem votar ou votam errado. -- argumentam uns. "Quem passa necessidade, forçosamente, há-de vender seu voto! -- contemporizam outros. A História nos mostra, entretanto, que as democracias se fortaleceram quando conseguiram incluir as pessoas mediante instrumentos de transformação social menos traumáticos e efetivos que as revoluções. Somente envolvendo as pessoas nas decisões é que obediência ou mesmo submissão se transformam em participação.
Não por outra razão a ideia de decência e decoro -- que tem a ver sobretudo com os costumes locais, não com reflexões éticas universais -- sejam inequivocamente sustentadas por condições materiais. Sim, a pobreza é indecente! Ser pobre é vestir-se e agir de modo inadequado segundo padrões impostos por quem pretende, a qualquer custo, se distinguir dos menos favorecidos. Tudo! Todo um estado de coisas é construído para que o pobre odeie sua condição e se sacrifique por todos os meios possíveis (os ilegais, inclusive…) para que deixe de ser pobre. Ser pobre é sempre ser pior. Pobre é estúpido, é ignorante, é irresponsável, é desonesto… É, na melhor das hipóteses, alguém a ser controlado, seja pelas forças policiais; seja pelos preceitos religiosos.
Evidente que esse bombardeio ideológico sobre os pobres com vias integrá-los às estruturas de Capital e Trabalho cobram seu preço na saúde mental. Não aceitar que a pobreza possa ser uma escolha consciente por certo estilo vida transforma os pobres em fracassados ou perdedores. Sob tal perspectiva, a sociedade é uma espécie de corrida com obstáculos onde todos, não importa d'onde ou quando deem largada, devem gastar suas existências no afã de chegar ao topo da pirâmide. Não admira que haja quem escolha "ficar rico ou morrer tentando"… N'esse estado de coisas, a pobreza é apresentada como algo tão incompleto e vexatório que o sentido da vida não possa ser outro senão obter mais e mais conforto material. Não que se pretenda aqui idealizar a pobreza: Perrengue é perrengue! Sem embargo, o que não se deve aceitar de modo nenhum é a idealização da riqueza. Se por um lado, apostar nos mecanismos de retribuição neurológicos como promoção d'um consumismo ostensivo desenfreado não promovem senão ansiedade n'aqueles que têm dinheiro para usufruir do mais novo e melhor; por outro, os pobres alternam entre a motivação e a depressão provocados por objectos de desejo inaccessíveis. N'um mundo onde se é o que se tem, aquele que não tem nada não é ninguém.
Isso me faz lembrar sobre uma velha anedota sobre a relatividade dos adjetivos para qualificar de forma distinta ricos e pobres diante de situações semelhantes… Adágio popular, virou até música de humorista:
"Rico correndo é atleta
Pobre correndo é ladrão
Rico com medo é nervoso
Pobre com medo é cagão
O rico mete na cama
E o pobre mete no chão"
"Pobre e Rico", por Ari Toledo.
Olhando sob este viés, digamos, material da existência humana, percebe-se que a formação da sociedade brasileira é, em linhas gerais, a História da inserção de grupos humanos estranhos ao Capital e ao Trabalho na estruturas de mercado. Ameríndios, africanos e mesmo europeus sujeitos as condições semifeudais do Antigo Regime habitavam um Novo Mundo no qual a carência material e tecnológica era tamanha que ter ou não ter dinheiro não chegava a ser percebido como algo relevante, afinal, viviam todos à base de mandioca e banana empenhados em exportar tudo o que fosse possível extrair d'esse chão.
Os relatos do Brasil colonial, por via de regra, apresentam homens e mulheres miseráveis ambientando-se a uma Natureza opulenta-mas-hostil. Com tal estado de coisas, a informalidade nas relações humanas se estabeleceu para consolidação do "homem cordial" que o brasileiro se percebe em seu afã de relativizar ou mesmo esvaziar os graves conflitos que uma sociedade extremamente desigual pressupõe. Não que nossa História não seja sangrenta, ao contrário. Mas a conciliação e o desleixo sempre andaram de mãos dadas na construção d'um imaginário tolerante. A cordialidade brasileira do "jeitinho" atravessa nossas constituições e instituições. No Brasil, até a disciplina militar conviveu com as "vivandeiras" enquanto políticos e juízes tutelam o povo inculto mediante o acúmulo de privilégios absurdos.
Nos seculos XVIII e XIX, a diferença prática entre a vida do brasileiro pobre e o rico não chegava a ser algo muito significativo. Embora os senhores de engenho e comerciantes se vestissem à europeia, o pouco dinheiro que circulava não lhes trazia grande qualidade de vida. De facto, à medida que a diferença entre ser rico ou pobre na exuberante natureza tropical se explicita, menos se questiona o estilo de vida do colonizador. Este, referendado pelas conquistas tecnológicas europeias -- importadas, literalmente, a peso de ouro -- senta-se à sombra das palmeiras para reclamar do povo preguiçoso e acomodado que o cerca… Em sua cabeça simplista de macho-adulto-branco, o rico advoga que todas as pessoas deveriam buscar, tal como ele, o sucesso material.
Pés-de-chinelo, somos convencidos diariamente pelos ricos que não há nada pior do sermos como somos. Logo, devemos trabalhar muito para termos "uma vida melhor", quando o que realmente liberta as pessoas e transforma suas vidas é a Educação que as forma, não a Riqueza Material que ostentam (até porque, muita riqueza por aí tem origem ilícita). Eu -- descendente de índios espoliados, africanos captivos e europeus desesperados -- confesso que não me sinto atraído pelos maneirismos dos burgueses metidos a besta. Prefiro-me um humilde de chinelo de dedo do que um deslumbrado que pensa que dignidade se compra com sapatos lustrosos.
Ademais, para quem está no topo a vista pode até ser um privilégio único, mas facto é que qualquer belvedere é exíguo demais para comportar as multidões que transitam nos degraus inferiores da sociedade. O que ideólogos do sucesso ignoram comodamente é não haver lugar para todos se todos chegarem lá. Vendendo esperanças, constroem uma ordem social baseada em ilusões que, frustradas, dão lugar a revoltas e crises cíclicas.
Afinal, é uma pirâmide essa sociedade que está aí…
Betim - 20 12 2019
quinta-feira, 19 de dezembro de 2019
CORDEL DO AMOR QUE SE FOI - Primeira Parte
CORDEL DO AMOR QUE SE FOI - Primeira Parte
ENTREOLHARES
-- "Espera... Guarda contigo
As águas dos olhos meus
N'um último olhar de adeus
Um olhar d'amante e amigo
Onde encontrarás abrigo
Ao molhar os olhos teus
Pelo que olhaste comigo".
"Se por ventura lembrares
Dos meus olhos a te olhar
Me haverás-de recordar
D'outros tempos e lugares
Entre longos entreolhares
Quando ousávamos sonhar
A despeito dos azares..."
"Foram noites; foram dias,
Acalentando prazeres
Em extremados quereres...
Em lânguidas agonias...
Gozaste-me as ousadias
Sempre com plenos poderes
Sobre as minhas fantasias!..."
"Tu me amaste co'a urgência
Com que se amam os famintos
Já toda entregue aos instintos
Que dominam a consciência...
Onde o desejo e a violência
Se apresentam indistintos
Entre imanência e existência!"
"Desde os ombros devassados,
Os prazeres prometidos
Na carne nua aos sentidos
Pela língua degustados...
À flor da pele mostrados
Para meus olhos perdidos
Hão-de ser sempre lembrados."
"Tive fome de teus lábios;
Tive sede de teus beijos.
Tanto quis n'esses lampejos,
Que meus olhos menos sábios
Sem bússolas ou astrolábios
Perdi n'um mar de desejos,
Que hoje me são só ressábios...:
"Este olhar de despedida
Que acontece ora entre nós
Súbito m'embarga a voz
N'uma emoção tão sentida,
Que levo por toda a vida.
E o que quer que venha após
Não muda o quanto és querida."
....................................................
ENTREOLHARES
-- "Espera... Guarda contigo
As águas dos olhos meus
N'um último olhar de adeus
Um olhar d'amante e amigo
Onde encontrarás abrigo
Ao molhar os olhos teus
Pelo que olhaste comigo".
"Se por ventura lembrares
Dos meus olhos a te olhar
Me haverás-de recordar
D'outros tempos e lugares
Entre longos entreolhares
Quando ousávamos sonhar
A despeito dos azares..."
"Foram noites; foram dias,
Acalentando prazeres
Em extremados quereres...
Em lânguidas agonias...
Gozaste-me as ousadias
Sempre com plenos poderes
Sobre as minhas fantasias!..."
"Tu me amaste co'a urgência
Com que se amam os famintos
Já toda entregue aos instintos
Que dominam a consciência...
Onde o desejo e a violência
Se apresentam indistintos
Entre imanência e existência!"
"Desde os ombros devassados,
Os prazeres prometidos
Na carne nua aos sentidos
Pela língua degustados...
À flor da pele mostrados
Para meus olhos perdidos
Hão-de ser sempre lembrados."
"Tive fome de teus lábios;
Tive sede de teus beijos.
Tanto quis n'esses lampejos,
Que meus olhos menos sábios
Sem bússolas ou astrolábios
Perdi n'um mar de desejos,
Que hoje me são só ressábios...:
"Este olhar de despedida
Que acontece ora entre nós
Súbito m'embarga a voz
N'uma emoção tão sentida,
Que levo por toda a vida.
E o que quer que venha após
Não muda o quanto és querida."
....................................................
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
SENSACIONAL n°1
SENSACIONAL n°1
Se conheci alguém muito especial
E não soube dizer a ela o quanto,
Penso que me assevero d’esse encanto
Tão-somente se houver encanto igual.
De minha parte sei sensacional
A pessoa que mostra sem espanto
A face em face quer de riso ou pranto
E crê na vida além do bem e mal.
É, sim, sensacional! Pois sensações
Não mentem quando puras explosões
De si para o outro como bem apraz.
Porque o que sinto, faço o outro sentir
Transforma exacto a essência do existir,
Como se mor sentido d’alma audaz.
Betim – 14 12 2015
Se conheci alguém muito especial
E não soube dizer a ela o quanto,
Penso que me assevero d’esse encanto
Tão-somente se houver encanto igual.
De minha parte sei sensacional
A pessoa que mostra sem espanto
A face em face quer de riso ou pranto
E crê na vida além do bem e mal.
É, sim, sensacional! Pois sensações
Não mentem quando puras explosões
De si para o outro como bem apraz.
Porque o que sinto, faço o outro sentir
Transforma exacto a essência do existir,
Como se mor sentido d’alma audaz.
Betim – 14 12 2015
SENSACIONAL n°2
SENSACIONAL n°2
Não que tivesse muita expectativa,
Mas ainda esperava t'encontrar...
Passados tantos anos, teu olhar
Pudera então me ver a alma captiva.
Também eu, em ternura rediviva
Pudera uma outra vez te contemplar
Tonto, eu de novo fui me fascinar
Por quem tão distante a mim se priva.
Foram azares; foi a circunstância...
Ou melhor, foi o Fado quem não quis
Que em teus olhos me visse enfim feliz.
Mas sim... Foi amor ou outra extravagância
Essa esperança, ainda que tardia,
D'eu ser em teu sorriso uma alegria.
Betim - 14 12 2019
Não que tivesse muita expectativa,
Mas ainda esperava t'encontrar...
Passados tantos anos, teu olhar
Pudera então me ver a alma captiva.
Também eu, em ternura rediviva
Pudera uma outra vez te contemplar
Tonto, eu de novo fui me fascinar
Por quem tão distante a mim se priva.
Foram azares; foi a circunstância...
Ou melhor, foi o Fado quem não quis
Que em teus olhos me visse enfim feliz.
Mas sim... Foi amor ou outra extravagância
Essa esperança, ainda que tardia,
D'eu ser em teu sorriso uma alegria.
Betim - 14 12 2019
domingo, 15 de dezembro de 2019
NUS
NUS
Havíamos acabado de transar. Era a segunda vez que acontecia e eu estava encantado por ela. Jamais havia conhecido uma garota tão tranquila n'um relacionamento. Tudo era leve, mesmo que houvessem inúmeros dramas à espreita, afinal, tínhamos ambos vidas complicadas. Acho que dava certo porque a gente não se importava com nada. Ela parecia gostar da minha súbita atenção e não me desencorajava. Eu a cercava de convites e planos, mas não me aceitava o menor mimo que fosse, deixando claro sua liberdade e autossuficiência. Com ela, eu me sentia à vontade para comentar sobre qualquer coisa. Ao contrário das outras mulheres que passaram pela minha vida, eu não tinha o menor receio de ser sincero, ainda que dissesse algo escandaloso ou controverso. Muito inteligente, culta e interessante, era uma balzaquiana admirável, sempre me surpreendendo com sua capacidade de compreensão... Era a pessoa de mente mais aberta com quem já havia conversado.
Estávamos, portanto, nus em sua cama. Eu a estreitava em meus braços enquanto olhava para o teto de seu quarto completamente embevecido. Tinha sido bom, muito bom... Do nada, comecei a falar um d'aqueles assuntos que sempre acabavam mal, mas que com ela, excepcionalmente, fluíam bem:
-- "Sabe? Gosto tanto de sexo que mais de uma vez pensei em me tornar uma pessoa promíscua... " -- Antes que eu pudesse justificar aquela barbaridade intempestiva, ela me interrompeu: -- "Eu também!" -- e comentou de passagem sobre dois rapazes com que fizera sexo casual depois de ter se separado do pai de sua filha. Nada demais, aparentemente. Eu, que estava em crise no casamento e a vida toda bagunçada quando a conheci, resolvi lhe contar a experiência mais promíscua que já tivera:
-- "Foi, por incrível que pareça, n'uma cidadezinha de interior. Faz uns dois anos. Eu também estava separado então (para variar...) e havia viajado com minha mãe para a cidade onde minha avó morava. Eu não ia lá há anos e tudo me parecia muito monótono. Quando anoiteceu, achei um bar meio diferente no segundo andar d'um sobrado. Eu queria assistir o jogo do Galo e ali tinha uma TV boa. Pedi uma cerveja e fiquei assistindo jogo sozinho. De repente, chegou um grupo de moças e rapazes de vinte e poucos anos fazendo certa algazarra. Embora continuasse vidrado no jogo, percebi um rapaz passando várias vezes perto da minha mesa. Em dado momento, ele deu uma gargalhada e eu me virei para olhar: Tinha uma garota loura realmente muito bonita no grupo d'ele... Ela parecia ser ainda mais extravagante do que ele, rindo alto e falando bobagem. Deixei para lá, afinal, não conhecia ninguém n'aquela cidade. Chegou o intervalo do jogo e decidi ir ao banheiro. Enquanto lavava as mãos para sair, o rapaz mais a moça que havia visto antes entraram no banheiro e começaram a se beijar logo atrás de mim. Surpreso, dei uma risadinha e quando fiz menção de sair, os dois me cercaram e me beijaram... Do nada!..." -- Ao dizer isso, eu olhei para seu rosto ao meu lado na cama, mas ela não pareceu me julgar ou me repreender. Ao contrário, ela insistia: -- "Não para! A história está muito boa." -- Suspirei fundo e continuei:
-- "Eu jamais havia beijado um homem, mas a garota era realmente muito linda. Os dois ficaram me beijando e se beijando, enquanto me diziam para deixar rolar. A porta do banheiro se abriu (masculino, lembra?) e entrou a atendente do bar. Pronto, pensei, vai chamar a atenção da gente. Qual! Ela puxou a garota que estava com a gente e deu um beijo hollywoodiano n'ela! As duas se abraçaram forte e começaram a se sarrar ali mesmo. O rapaz que ficou comigo continuo me beijando (céus, como beijava bem!) e a pôr a mão no meu pênis. Eu tentei me desvincilhar e disse que não curtia rapazes, mas ele tirou o pênis d'ele para fora da calça e puxou o meu para masturbar os dois juntos, se tocando apertados pela mão d'ele. Aquilo era algo completamente desconhecido para mim. Subiu-me um ardor tão forte que eu não consegui me afastar. Comecei a beijar sua boca com vontade enquanto ele me fazia sentir o pênis d'ele. Olhava para o lado e as meninas já estavam seminuas, beijando os seios uma da outra. Pensei, vou ficar com esse rapaz para poder ficar com a garota, e desencanei. Ele, percebendo que eu estava entregue, me virou de costas para ele e começou a sacanear minha bunda por cima da calça. Eu arquei a coluna instintivamente e senti um tesão descontrolado. Que coisa maluca!... Eu jamais tinha sentido aquilo, mas a verdade é que eu queria mais. Ele começou a me zoar com um papo de passivo-activo e eu desconversei: Não iria dar para ele ou sair d'aquele bar para ficar com ele, um desconhecido, fora d'ali. Ele riu e pediu para eu chupar o pau d'ele. Explicou que não haveria penetração e eu podia relaxar. Olhei para as meninas e elas estavam se acabando em dedadas! A loura é linda, pensei: "Estou na fila!" Olhei para o rapaz e topei: O pênis d'ele era quase do mesmo tamanho que o meu. Ele abaixou as calças e eu passei a mão na sua bunda: Ele se depilava... Peguei seu pênis e comecei. Não tinha a menor ideia do que fazer, mas senti um tesão louco. Queria muito que ele gozasse, sei lá porquê." -- interrompi, envergonhado, pensando no que ela devia estar pensando de mim. Para minha surpresa, ela vem e comenta: -- "Uaau! Estás me saindo um rapaz bem safadinho... Dois homens juntos, humm! Que tesão! -- Parei e olhei bem para minha companheira: Estava vidrada na história. Apesar de termos gozado bastante, seus seios estavam intumescidos e suas bochechas afogueadas (ela é muito branquinha...) . Por outro lado, contar aquela história para outra pessoa me deixava muito aliviado. Eu precisava compartilhar aquilo com alguém que não discriminasse logo em seguida. Não, ela parece que gostava ainda mais de mim por estar lhe contando... Prossegui:
-- "As meninas pararam de se agarrar e ficaram me assistindo chupar o pau do amigo d'elas. Estavam muito excitadas, falando que a putaria tinha começado. Vieram para perto de mim e puseram os dedos melecados das suas vaginas na minha boca. Pegavam no pau do amigo d'elas e passavam os dedos pela minha cara, dizendo: --"Chupa, gostoso!" -- Eu me levantei e pus o pênis para fora da calça e pedi para o rapaz que estava comigo: -- "Agora é sua vez: Me chupa." -- Ele se agachou e começou a me chupar. As garotas vibravam, dizendo que eu e ele chupávamos um pau melhor do que elas... Zoaram bastante, mas nenhuma das duas ficava comigo. Cansei d'aquilo e percebi que havia caído n'uma armadilha: A tal loira bonita que tanto havia me atraído não ficava com rapazes!... Ao perceber que não iria rolar nada com elas, fiquei bastante puto. Elas saíram do banheiro masculino rindo enquanto o amigo d'elas me chupava. Tentado sair d'aquela situação sem ofender o rapaz. Puxei-o para perto de mim e continuei o beijando enquanto me recompunha. Já vestido, pedi para sairmos do banheiro para nos juntarmos aos outros da mesa. Ele concordou, mas saiu segurando a minha mão com se fôssemos namorados!... Já na mesa, eu puxo assunto com a loura e, embora o rapaz continuasse me cercando, eu comecei a dar mais atenção para ela do que para ele. A garota, aliás, me esnobava... Parecia ter me beijado apenas para eu ficar com seu amigo... Quanto ao rapaz, dizia que estava apaixonado por mim e que havia sido muito intenso o que rolou com a gente. Eu concordei, afinal, ficara realmente muito excitado. Eu e ele nos beijávamos junto dos outros da mesa enquanto a loura continuava ficando com a atendente do bar. Comecei a me sentir mal com aquilo e pedi licença para ir ao banheiro. Sem olhar para trás, fui embora do bar sem me despedir de ninguém.".
-- "Então você e o rapaz não se viram mais?" -- Ela perguntou -- "Nunca mais". -- respondi. Ele ainda me procurou contactar pelo ORKUT (sim, já faz tempo isso...), mas não respondi. Nunca mais fiquei com um rapaz. Não me sinto atraído por homens. Não tive vontade de procurá-lo ou de ficar com outro rapaz, mas tenho de admitir que aquela experiência mexeu comigo: Sinto um tesão enorme em ser penetrado." -- Ela riu e disse "Pois eu sempre quis comer um homem... Uhmm, sempre tive vontade trocar de lugar; saber como é... Vamos fazer?". -- Eu, tentado conter a emoção e o desejo, só consegui murmurar: -- "É o que mais quero...".
Ela se levantou e pegou uma caixa no armário. Pegou seu vibrador e colocou um preservativo n'ele. Pegou pomada; untou o vibrador e meu ânus. Começou a me penetrar forte, em estocadas. Imediatamente eu tive uma nova ereção, mesmo depois de ter feito amor com ela por horas... Ela parecia curtir muito fazer aquilo. Quanto a mim, era como se estivesse realizando um desejo inconfesso; um prazer proibido. Em minutos, sem que eu ou ela tocássemos em meu pênis, tive uma ejaculação forte. Foi um dos orgasmos mais fortes que já havia sentido. Quando consegui abrir os olhos e olhar para ela, lacrimejava de gratidão: -- "Obrigado. Espero que isso não mude nada entre nós...." -- Ela respondeu: -- "De jeito nenhum, ao contrário: Sinto-me mais próxima de ti por isso!" -- Ela se levantou e foi até o banheiro da suíte com o vibrador. Lá, ela jogou o preservativo fora e lavou tudo. Guardou a caixa e começou a se abrir:
-- "Tenho uma história um pouco parecida com essa que constaste, mas acabou pior, acho." -- Ela se sentou sobre a cama e, olhando bem em meus olhos, deu seguimento: -- "Meu casamento estava em crise fazia alguns anos e procurei conselhos com uma amiga para apimentar minha relação. Eu já não via desejo nos olhos do meu marido há tempos e eu, para ser honesta, tinha certa preguiça para começar uma transa: Era sempre a mesma coisa! Eu demorava a ficar com vontade enquanto ele parecia ter pressa... Ele gozava e eu ficava querendo mais. Uma falta de sincronismo frustrante! -- ela parou para me olhar e vendo que eu a acompanhava continuou:
-- "Com o tempo, evitava até ficar excitada para não ter de passar por aquilo. Comecei a desconfiar que ele estivesse se interessando por alguém... Entrei em pânico. Nunca gostei de comentar sobre minha vida com ninguém, mas não sabia mais o que fazer. Essa amiga havia passado por uma crise parecida no casamento d'ela e dizia sempre que conhecer os brinquedos do sex-shop havia salvo sua relação. Decidi que precisava entender aquilo melhor. Ela me convidou para irmos a uma loja e me ajudou a comprar produtos que ela já havia usado. Conversou muito comigo sobre como era importante se conhecer sexualmente; saber do que nos dá prazer para assim darmos prazer ao parceiro. A título de exercício, disse que eu precisava usar os brinquedos sexuais e me estimular assistindo filmes eróticos. Eu, que já não sabia mais o que fazer, resolvi experimentar os tais brinquedos. Foi uma reviravolta! Finalmente, sexo era uma parte boa da minha vida... Todos os dias eu tirava um tempo para o autoerotismo e era cada vez melhor. Passei a me interessar pelo assunto, ler textos de sexólogos e assistir muita pornografia. Eu adorava ter esse tempo para mim. Sempre fiz tudo para os outros, sim, para meus pais, meu marido e minha filha. Ao começar a me conhecer sexualmente, eu fazia algo apenas por mim e para mim. E era muito bom!"
Eu ainda estava meio atordoado por aquele orgasmo profundo (sequer toquei no meu pênis!), mas percebia n'aquela história a razão para ela ser tão tolerante comigo como mulher nenhuma fora antes. Ela entendia como ter prazer sem tabus era importante para termos equilíbrio psíquico, penso... Muito da negatividade e agressividade das pessoas pode ter origem n'essa imensa frustração que carregamos quando renunciamos ao que queremos. Ela era uma mulher admirável. Ela continuou sua narrativa:
-- "Por incrível que pareça, ao invés de buscar ter prazer com meu marido, aquela realidade íntima que eu vivia me deu força para aceitar o fim de meu casamento sem grandes dramas. Ao contrário, eu estava ansiosa para me divorciar e poder ficar com pessoas apenas por prazer. Com um esposo ou namorado a sexualidade sempre se desgastando até se tornar repetitivo e previsível. Não que transar com estranhos seja sempre formidável. Não é. Mas o facto de não nos preocuparmos com o que vão achar de nós é libertador."
N'esse momento uma nuvem de melancolia se abateu sobre meu olhar...Sim, ela dissera com todas as letras: Nós dois não tínhamos nenhum futuro juntos. Só era bom porque ia acabar logo, n'aquela mesma noite, provavelmente. Eu iria perder a mulher que melhor me compreendera e que me deu o que jamais tivera coragem de pedir a outra mulher. Era triste, mas fazia todo o sentido. Ela me olhou e percebeu meu abatimento. Não disse nada. Apagou o abajur e adormecemos.
Acordei em sua cama. Ela já havia preparado o café e me recebeu com seu sorriso mais bonito. Por alguma razão estranha, eu me sentia muito mal, como se estivesse com alguma virose forte. Despedimo-nos e, tal como eu previra, nunca mais nos vimos. Dias depois, conversando pelo telefone, ela disse que preferia terminar antes que começasse a gostar de mim. Ela sabia que voltaria para a mãe de meus filhos mais uma vez e a decepcionaria. Por mais que eu insistisse em lhe convencer do contrário, eu sabia que ela estava certa. Levou alguns meses, mas voltei para minha esposa.
Ainda hoje, passados muitos anos, eu acordo no meio da noite e lembro como foi pleno estar com uma mulher que sabia que iria me deixar. Talvez, apenas o que é finito no tempo e no espaço possa ser realmente extraordinário. Ela foi.
Betim - 14 12 2019
Havíamos acabado de transar. Era a segunda vez que acontecia e eu estava encantado por ela. Jamais havia conhecido uma garota tão tranquila n'um relacionamento. Tudo era leve, mesmo que houvessem inúmeros dramas à espreita, afinal, tínhamos ambos vidas complicadas. Acho que dava certo porque a gente não se importava com nada. Ela parecia gostar da minha súbita atenção e não me desencorajava. Eu a cercava de convites e planos, mas não me aceitava o menor mimo que fosse, deixando claro sua liberdade e autossuficiência. Com ela, eu me sentia à vontade para comentar sobre qualquer coisa. Ao contrário das outras mulheres que passaram pela minha vida, eu não tinha o menor receio de ser sincero, ainda que dissesse algo escandaloso ou controverso. Muito inteligente, culta e interessante, era uma balzaquiana admirável, sempre me surpreendendo com sua capacidade de compreensão... Era a pessoa de mente mais aberta com quem já havia conversado.
Estávamos, portanto, nus em sua cama. Eu a estreitava em meus braços enquanto olhava para o teto de seu quarto completamente embevecido. Tinha sido bom, muito bom... Do nada, comecei a falar um d'aqueles assuntos que sempre acabavam mal, mas que com ela, excepcionalmente, fluíam bem:
-- "Sabe? Gosto tanto de sexo que mais de uma vez pensei em me tornar uma pessoa promíscua... " -- Antes que eu pudesse justificar aquela barbaridade intempestiva, ela me interrompeu: -- "Eu também!" -- e comentou de passagem sobre dois rapazes com que fizera sexo casual depois de ter se separado do pai de sua filha. Nada demais, aparentemente. Eu, que estava em crise no casamento e a vida toda bagunçada quando a conheci, resolvi lhe contar a experiência mais promíscua que já tivera:
-- "Foi, por incrível que pareça, n'uma cidadezinha de interior. Faz uns dois anos. Eu também estava separado então (para variar...) e havia viajado com minha mãe para a cidade onde minha avó morava. Eu não ia lá há anos e tudo me parecia muito monótono. Quando anoiteceu, achei um bar meio diferente no segundo andar d'um sobrado. Eu queria assistir o jogo do Galo e ali tinha uma TV boa. Pedi uma cerveja e fiquei assistindo jogo sozinho. De repente, chegou um grupo de moças e rapazes de vinte e poucos anos fazendo certa algazarra. Embora continuasse vidrado no jogo, percebi um rapaz passando várias vezes perto da minha mesa. Em dado momento, ele deu uma gargalhada e eu me virei para olhar: Tinha uma garota loura realmente muito bonita no grupo d'ele... Ela parecia ser ainda mais extravagante do que ele, rindo alto e falando bobagem. Deixei para lá, afinal, não conhecia ninguém n'aquela cidade. Chegou o intervalo do jogo e decidi ir ao banheiro. Enquanto lavava as mãos para sair, o rapaz mais a moça que havia visto antes entraram no banheiro e começaram a se beijar logo atrás de mim. Surpreso, dei uma risadinha e quando fiz menção de sair, os dois me cercaram e me beijaram... Do nada!..." -- Ao dizer isso, eu olhei para seu rosto ao meu lado na cama, mas ela não pareceu me julgar ou me repreender. Ao contrário, ela insistia: -- "Não para! A história está muito boa." -- Suspirei fundo e continuei:
-- "Eu jamais havia beijado um homem, mas a garota era realmente muito linda. Os dois ficaram me beijando e se beijando, enquanto me diziam para deixar rolar. A porta do banheiro se abriu (masculino, lembra?) e entrou a atendente do bar. Pronto, pensei, vai chamar a atenção da gente. Qual! Ela puxou a garota que estava com a gente e deu um beijo hollywoodiano n'ela! As duas se abraçaram forte e começaram a se sarrar ali mesmo. O rapaz que ficou comigo continuo me beijando (céus, como beijava bem!) e a pôr a mão no meu pênis. Eu tentei me desvincilhar e disse que não curtia rapazes, mas ele tirou o pênis d'ele para fora da calça e puxou o meu para masturbar os dois juntos, se tocando apertados pela mão d'ele. Aquilo era algo completamente desconhecido para mim. Subiu-me um ardor tão forte que eu não consegui me afastar. Comecei a beijar sua boca com vontade enquanto ele me fazia sentir o pênis d'ele. Olhava para o lado e as meninas já estavam seminuas, beijando os seios uma da outra. Pensei, vou ficar com esse rapaz para poder ficar com a garota, e desencanei. Ele, percebendo que eu estava entregue, me virou de costas para ele e começou a sacanear minha bunda por cima da calça. Eu arquei a coluna instintivamente e senti um tesão descontrolado. Que coisa maluca!... Eu jamais tinha sentido aquilo, mas a verdade é que eu queria mais. Ele começou a me zoar com um papo de passivo-activo e eu desconversei: Não iria dar para ele ou sair d'aquele bar para ficar com ele, um desconhecido, fora d'ali. Ele riu e pediu para eu chupar o pau d'ele. Explicou que não haveria penetração e eu podia relaxar. Olhei para as meninas e elas estavam se acabando em dedadas! A loura é linda, pensei: "Estou na fila!" Olhei para o rapaz e topei: O pênis d'ele era quase do mesmo tamanho que o meu. Ele abaixou as calças e eu passei a mão na sua bunda: Ele se depilava... Peguei seu pênis e comecei. Não tinha a menor ideia do que fazer, mas senti um tesão louco. Queria muito que ele gozasse, sei lá porquê." -- interrompi, envergonhado, pensando no que ela devia estar pensando de mim. Para minha surpresa, ela vem e comenta: -- "Uaau! Estás me saindo um rapaz bem safadinho... Dois homens juntos, humm! Que tesão! -- Parei e olhei bem para minha companheira: Estava vidrada na história. Apesar de termos gozado bastante, seus seios estavam intumescidos e suas bochechas afogueadas (ela é muito branquinha...) . Por outro lado, contar aquela história para outra pessoa me deixava muito aliviado. Eu precisava compartilhar aquilo com alguém que não discriminasse logo em seguida. Não, ela parece que gostava ainda mais de mim por estar lhe contando... Prossegui:
-- "As meninas pararam de se agarrar e ficaram me assistindo chupar o pau do amigo d'elas. Estavam muito excitadas, falando que a putaria tinha começado. Vieram para perto de mim e puseram os dedos melecados das suas vaginas na minha boca. Pegavam no pau do amigo d'elas e passavam os dedos pela minha cara, dizendo: --"Chupa, gostoso!" -- Eu me levantei e pus o pênis para fora da calça e pedi para o rapaz que estava comigo: -- "Agora é sua vez: Me chupa." -- Ele se agachou e começou a me chupar. As garotas vibravam, dizendo que eu e ele chupávamos um pau melhor do que elas... Zoaram bastante, mas nenhuma das duas ficava comigo. Cansei d'aquilo e percebi que havia caído n'uma armadilha: A tal loira bonita que tanto havia me atraído não ficava com rapazes!... Ao perceber que não iria rolar nada com elas, fiquei bastante puto. Elas saíram do banheiro masculino rindo enquanto o amigo d'elas me chupava. Tentado sair d'aquela situação sem ofender o rapaz. Puxei-o para perto de mim e continuei o beijando enquanto me recompunha. Já vestido, pedi para sairmos do banheiro para nos juntarmos aos outros da mesa. Ele concordou, mas saiu segurando a minha mão com se fôssemos namorados!... Já na mesa, eu puxo assunto com a loura e, embora o rapaz continuasse me cercando, eu comecei a dar mais atenção para ela do que para ele. A garota, aliás, me esnobava... Parecia ter me beijado apenas para eu ficar com seu amigo... Quanto ao rapaz, dizia que estava apaixonado por mim e que havia sido muito intenso o que rolou com a gente. Eu concordei, afinal, ficara realmente muito excitado. Eu e ele nos beijávamos junto dos outros da mesa enquanto a loura continuava ficando com a atendente do bar. Comecei a me sentir mal com aquilo e pedi licença para ir ao banheiro. Sem olhar para trás, fui embora do bar sem me despedir de ninguém.".
-- "Então você e o rapaz não se viram mais?" -- Ela perguntou -- "Nunca mais". -- respondi. Ele ainda me procurou contactar pelo ORKUT (sim, já faz tempo isso...), mas não respondi. Nunca mais fiquei com um rapaz. Não me sinto atraído por homens. Não tive vontade de procurá-lo ou de ficar com outro rapaz, mas tenho de admitir que aquela experiência mexeu comigo: Sinto um tesão enorme em ser penetrado." -- Ela riu e disse "Pois eu sempre quis comer um homem... Uhmm, sempre tive vontade trocar de lugar; saber como é... Vamos fazer?". -- Eu, tentado conter a emoção e o desejo, só consegui murmurar: -- "É o que mais quero...".
Ela se levantou e pegou uma caixa no armário. Pegou seu vibrador e colocou um preservativo n'ele. Pegou pomada; untou o vibrador e meu ânus. Começou a me penetrar forte, em estocadas. Imediatamente eu tive uma nova ereção, mesmo depois de ter feito amor com ela por horas... Ela parecia curtir muito fazer aquilo. Quanto a mim, era como se estivesse realizando um desejo inconfesso; um prazer proibido. Em minutos, sem que eu ou ela tocássemos em meu pênis, tive uma ejaculação forte. Foi um dos orgasmos mais fortes que já havia sentido. Quando consegui abrir os olhos e olhar para ela, lacrimejava de gratidão: -- "Obrigado. Espero que isso não mude nada entre nós...." -- Ela respondeu: -- "De jeito nenhum, ao contrário: Sinto-me mais próxima de ti por isso!" -- Ela se levantou e foi até o banheiro da suíte com o vibrador. Lá, ela jogou o preservativo fora e lavou tudo. Guardou a caixa e começou a se abrir:
-- "Tenho uma história um pouco parecida com essa que constaste, mas acabou pior, acho." -- Ela se sentou sobre a cama e, olhando bem em meus olhos, deu seguimento: -- "Meu casamento estava em crise fazia alguns anos e procurei conselhos com uma amiga para apimentar minha relação. Eu já não via desejo nos olhos do meu marido há tempos e eu, para ser honesta, tinha certa preguiça para começar uma transa: Era sempre a mesma coisa! Eu demorava a ficar com vontade enquanto ele parecia ter pressa... Ele gozava e eu ficava querendo mais. Uma falta de sincronismo frustrante! -- ela parou para me olhar e vendo que eu a acompanhava continuou:
-- "Com o tempo, evitava até ficar excitada para não ter de passar por aquilo. Comecei a desconfiar que ele estivesse se interessando por alguém... Entrei em pânico. Nunca gostei de comentar sobre minha vida com ninguém, mas não sabia mais o que fazer. Essa amiga havia passado por uma crise parecida no casamento d'ela e dizia sempre que conhecer os brinquedos do sex-shop havia salvo sua relação. Decidi que precisava entender aquilo melhor. Ela me convidou para irmos a uma loja e me ajudou a comprar produtos que ela já havia usado. Conversou muito comigo sobre como era importante se conhecer sexualmente; saber do que nos dá prazer para assim darmos prazer ao parceiro. A título de exercício, disse que eu precisava usar os brinquedos sexuais e me estimular assistindo filmes eróticos. Eu, que já não sabia mais o que fazer, resolvi experimentar os tais brinquedos. Foi uma reviravolta! Finalmente, sexo era uma parte boa da minha vida... Todos os dias eu tirava um tempo para o autoerotismo e era cada vez melhor. Passei a me interessar pelo assunto, ler textos de sexólogos e assistir muita pornografia. Eu adorava ter esse tempo para mim. Sempre fiz tudo para os outros, sim, para meus pais, meu marido e minha filha. Ao começar a me conhecer sexualmente, eu fazia algo apenas por mim e para mim. E era muito bom!"
Eu ainda estava meio atordoado por aquele orgasmo profundo (sequer toquei no meu pênis!), mas percebia n'aquela história a razão para ela ser tão tolerante comigo como mulher nenhuma fora antes. Ela entendia como ter prazer sem tabus era importante para termos equilíbrio psíquico, penso... Muito da negatividade e agressividade das pessoas pode ter origem n'essa imensa frustração que carregamos quando renunciamos ao que queremos. Ela era uma mulher admirável. Ela continuou sua narrativa:
-- "Por incrível que pareça, ao invés de buscar ter prazer com meu marido, aquela realidade íntima que eu vivia me deu força para aceitar o fim de meu casamento sem grandes dramas. Ao contrário, eu estava ansiosa para me divorciar e poder ficar com pessoas apenas por prazer. Com um esposo ou namorado a sexualidade sempre se desgastando até se tornar repetitivo e previsível. Não que transar com estranhos seja sempre formidável. Não é. Mas o facto de não nos preocuparmos com o que vão achar de nós é libertador."
N'esse momento uma nuvem de melancolia se abateu sobre meu olhar...Sim, ela dissera com todas as letras: Nós dois não tínhamos nenhum futuro juntos. Só era bom porque ia acabar logo, n'aquela mesma noite, provavelmente. Eu iria perder a mulher que melhor me compreendera e que me deu o que jamais tivera coragem de pedir a outra mulher. Era triste, mas fazia todo o sentido. Ela me olhou e percebeu meu abatimento. Não disse nada. Apagou o abajur e adormecemos.
Acordei em sua cama. Ela já havia preparado o café e me recebeu com seu sorriso mais bonito. Por alguma razão estranha, eu me sentia muito mal, como se estivesse com alguma virose forte. Despedimo-nos e, tal como eu previra, nunca mais nos vimos. Dias depois, conversando pelo telefone, ela disse que preferia terminar antes que começasse a gostar de mim. Ela sabia que voltaria para a mãe de meus filhos mais uma vez e a decepcionaria. Por mais que eu insistisse em lhe convencer do contrário, eu sabia que ela estava certa. Levou alguns meses, mas voltei para minha esposa.
Ainda hoje, passados muitos anos, eu acordo no meio da noite e lembro como foi pleno estar com uma mulher que sabia que iria me deixar. Talvez, apenas o que é finito no tempo e no espaço possa ser realmente extraordinário. Ela foi.
Betim - 14 12 2019
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
POR ARMA DE FOGO
POR ARMA DE FOGO
Porque armas não fazem distinção:
Ferem tanto culpados e inocentes.
Máquinas de matar que, indiferentes,
Fazem valer do estúpido a razão.
Os que fazem das armas profissão
Não se têm por violentos, sim valentes.
Exigindo atenuantes e excludentes
Para as ilicitudes do esquadrão...
Danos colaterais, baixas civis...
Enquanto homens de bem e malfeitores
Mal se distinguem pelas acções vis.
Milícias competindo por horrores
Têm tudo dominado em todo país
Sob a lei dos mais fortes e maiores.
Betim - 12 12 2019
Porque armas não fazem distinção:
Ferem tanto culpados e inocentes.
Máquinas de matar que, indiferentes,
Fazem valer do estúpido a razão.
Os que fazem das armas profissão
Não se têm por violentos, sim valentes.
Exigindo atenuantes e excludentes
Para as ilicitudes do esquadrão...
Danos colaterais, baixas civis...
Enquanto homens de bem e malfeitores
Mal se distinguem pelas acções vis.
Milícias competindo por horrores
Têm tudo dominado em todo país
Sob a lei dos mais fortes e maiores.
Betim - 12 12 2019
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019
CANNABIS PARA TODOS!
CANNABIS PARA TODOS!
Abertas as portas da percepção; escancaradas as janelas d'alma; quimicamente modificado o hipotálamo… Cannabis! Nada melhor para rir e esquecer. Entre tantos ópios e ódios, antes a fumaça benfazeja do Olvido. É preciso ficar bem. Isto ou se matar respirando monóxido. Sim, melhor se inspirar com cânhamo em brasa! Fazer arder ganja ultrasseleccionada! Maconha, a boa e velha maconha. Desdenho os charutos dos que têm dinheiro para queimar. Não me permito a sofisticação d'um doze anos que me exige uma vida careta de engravatado três-por-quatro… Eu quero é barato. Fumo besta para dizer besteira. Assim, eu sou o cara! Eu me garanto! Quem disse que a felicidade se compra a prestações?
Acho que não era d'essas coisas que devia estar falando… Esse preâmbulo poético-mas-porraloca meio a Bukowisk ou coisa que o valha não estava no plano do texto. Por que mesmo estou escrevendo sobre isso? Sim! Acabo de me lembrar: Era para ser uma crônica séria sobre a notícia da semana: ANVISA LIBERA CANNABIS PARA USO MEDICINAL. Porém -- e sempre há poréns quando se trata de canabinoides -- apesar da regulamentação do uso de derivados da cannabis na fórmula de medicamentos, o plantio da erva danada continua proibido em todo o território nacional.
Especialistas advertem que, apesar de ser um inegável avanço a presente regulamentação, o facto é que tais medicamentos serão inacessíveis para a grande maioria de brasileiros por um detalhe importante: Sem plantio legal, a importação far-se-á obrigatória… E importado com taxações proibitivas, diga-se de passagem. Não, amiguinhos, não vai bastar uma receita médica para adquirir canabinoides em remédios controlados. Os homens pensaram n'isso. Aquela depressão crônica diagnosticada há anos não poderá ser controlada, mesmo com a indicação de seu psiquiatra, com os medicamentos contendo os canabinoides ora disponíveis, porque provavelmente Vossa Mercê não terá como manter o seu vício, digo, tratamento. Sim, porque nossas autoridades aparentemente continuam não vendo depressão como doença e tampouco cannabis como remédio. Cannabis apenas para ricos, simples assim.
Inútil talvez repetir que já se esperava por isso. Afinal, ter uma parcela de sua população economicamente activa fazendo uso medicinal e/ou recreacional de maconha parece ser um privilégio (mais um!) de cidadãos bem-nascidos em países ricos. Parece que somos pobres demais para nos darmos ao luxo de ter alguns milhares de dependentes químicos -- seja por saúde; seja por lazer -- que possam ter a opção de enfrentar uma página em branco com a mente aberta por fumo. Precisa de maconha para escrever? Faça sucesso antes e vá para a Califórnia fumar! Nada de levantar fumaça n'um país da periferia do Capitalismo que mal consegue se enquadrar na economia de mercado. Aos olhos do resto do mundo, nós brasileiros somos mal formados, pouco produtivos, relativizamos o sucesso e não incensamos líderes oligarcas. Somos um povo absurdo e contraditório que faz leis para inglês ver enquanto impõe Ordem Social por exclusão.
Por mais que se argumente que a cannabis medicinal seja a porta de entrada para a legalização da maconha, nada nos faz supor que esta, quando e se vier, não será limitada apenas aos mais ricos. Será que apenas endinheirados precisam de viajar sem sair do lugar? Será que se entorpecer não pode ser considerado um direito individual tão básico quanto ir-e-vir? Ser livre é uma condição que se expressa também com a possibilidade de tomar decisões questionáveis, desde que não interfiram no bem estar de quem está ao redor. Se eu, ao consumir canabinoides, medicinal ou recreacionalmente, não faço mal a ninguém além de mim mesmo, como posso aceitar a interferência da sociedade n'uma decisão de foro pessoal?
O triste, é que todos sabemos a resposta. Maconheiros, somos seres alternativos semelhantes aos ameríndios do período colonial, isto é, resistentes ao trabalho que nos integra à sociedade de consumo. Mais do que tolerar modos de vida diversos ao estabelecido, querem tornar a cannabis legal item de consumo de luxo e continuar marginalizando quem a planta e usa frequentemente. Esse formato parece ser o que se apresenta para a legalização… Logo, nada de maconha para quem não tem (muito) dinheiro:
-- "No money, no honey, baby!"
Belo Horizonte -10 12 2019
Abertas as portas da percepção; escancaradas as janelas d'alma; quimicamente modificado o hipotálamo… Cannabis! Nada melhor para rir e esquecer. Entre tantos ópios e ódios, antes a fumaça benfazeja do Olvido. É preciso ficar bem. Isto ou se matar respirando monóxido. Sim, melhor se inspirar com cânhamo em brasa! Fazer arder ganja ultrasseleccionada! Maconha, a boa e velha maconha. Desdenho os charutos dos que têm dinheiro para queimar. Não me permito a sofisticação d'um doze anos que me exige uma vida careta de engravatado três-por-quatro… Eu quero é barato. Fumo besta para dizer besteira. Assim, eu sou o cara! Eu me garanto! Quem disse que a felicidade se compra a prestações?
Acho que não era d'essas coisas que devia estar falando… Esse preâmbulo poético-mas-porraloca meio a Bukowisk ou coisa que o valha não estava no plano do texto. Por que mesmo estou escrevendo sobre isso? Sim! Acabo de me lembrar: Era para ser uma crônica séria sobre a notícia da semana: ANVISA LIBERA CANNABIS PARA USO MEDICINAL. Porém -- e sempre há poréns quando se trata de canabinoides -- apesar da regulamentação do uso de derivados da cannabis na fórmula de medicamentos, o plantio da erva danada continua proibido em todo o território nacional.
Especialistas advertem que, apesar de ser um inegável avanço a presente regulamentação, o facto é que tais medicamentos serão inacessíveis para a grande maioria de brasileiros por um detalhe importante: Sem plantio legal, a importação far-se-á obrigatória… E importado com taxações proibitivas, diga-se de passagem. Não, amiguinhos, não vai bastar uma receita médica para adquirir canabinoides em remédios controlados. Os homens pensaram n'isso. Aquela depressão crônica diagnosticada há anos não poderá ser controlada, mesmo com a indicação de seu psiquiatra, com os medicamentos contendo os canabinoides ora disponíveis, porque provavelmente Vossa Mercê não terá como manter o seu vício, digo, tratamento. Sim, porque nossas autoridades aparentemente continuam não vendo depressão como doença e tampouco cannabis como remédio. Cannabis apenas para ricos, simples assim.
Inútil talvez repetir que já se esperava por isso. Afinal, ter uma parcela de sua população economicamente activa fazendo uso medicinal e/ou recreacional de maconha parece ser um privilégio (mais um!) de cidadãos bem-nascidos em países ricos. Parece que somos pobres demais para nos darmos ao luxo de ter alguns milhares de dependentes químicos -- seja por saúde; seja por lazer -- que possam ter a opção de enfrentar uma página em branco com a mente aberta por fumo. Precisa de maconha para escrever? Faça sucesso antes e vá para a Califórnia fumar! Nada de levantar fumaça n'um país da periferia do Capitalismo que mal consegue se enquadrar na economia de mercado. Aos olhos do resto do mundo, nós brasileiros somos mal formados, pouco produtivos, relativizamos o sucesso e não incensamos líderes oligarcas. Somos um povo absurdo e contraditório que faz leis para inglês ver enquanto impõe Ordem Social por exclusão.
Por mais que se argumente que a cannabis medicinal seja a porta de entrada para a legalização da maconha, nada nos faz supor que esta, quando e se vier, não será limitada apenas aos mais ricos. Será que apenas endinheirados precisam de viajar sem sair do lugar? Será que se entorpecer não pode ser considerado um direito individual tão básico quanto ir-e-vir? Ser livre é uma condição que se expressa também com a possibilidade de tomar decisões questionáveis, desde que não interfiram no bem estar de quem está ao redor. Se eu, ao consumir canabinoides, medicinal ou recreacionalmente, não faço mal a ninguém além de mim mesmo, como posso aceitar a interferência da sociedade n'uma decisão de foro pessoal?
O triste, é que todos sabemos a resposta. Maconheiros, somos seres alternativos semelhantes aos ameríndios do período colonial, isto é, resistentes ao trabalho que nos integra à sociedade de consumo. Mais do que tolerar modos de vida diversos ao estabelecido, querem tornar a cannabis legal item de consumo de luxo e continuar marginalizando quem a planta e usa frequentemente. Esse formato parece ser o que se apresenta para a legalização… Logo, nada de maconha para quem não tem (muito) dinheiro:
-- "No money, no honey, baby!"
Belo Horizonte -10 12 2019
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
À ORDÁLIA
À ORDÁLIA
-- "Deus que decidirá quem de nós dois,
Andando em labaredas, posto à prova,
Se de reta opinião a ideia nova
Ou se vãs subversões a ver depois..."
-- "Deixai de acintes, padre. Por quem sois!...
Que haveis-de lucrar com minha cova?
Todo o povo nos assiste e nos reprova...
Morrermos por verdades? Ora, pois!"
-- "Deus é quem deu a vida e dá a morte.
Se estiver no erro e for Sua vontade,
Aceito de bom grado essa má sorte."
-- "Buscais ter a razão, não a verdade.
De modo que sejais -- sem que isso importe... --
Amigo não de Deus, sim da vaidade!"
Belo Horizonte - 07 12 2019
-- "Deus que decidirá quem de nós dois,
Andando em labaredas, posto à prova,
Se de reta opinião a ideia nova
Ou se vãs subversões a ver depois..."
-- "Deixai de acintes, padre. Por quem sois!...
Que haveis-de lucrar com minha cova?
Todo o povo nos assiste e nos reprova...
Morrermos por verdades? Ora, pois!"
-- "Deus é quem deu a vida e dá a morte.
Se estiver no erro e for Sua vontade,
Aceito de bom grado essa má sorte."
-- "Buscais ter a razão, não a verdade.
De modo que sejais -- sem que isso importe... --
Amigo não de Deus, sim da vaidade!"
Belo Horizonte - 07 12 2019
domingo, 8 de dezembro de 2019
ESFORÇADO
ESFORÇADO
Sou d'aqueles que têm tentado tanto,
Que mal se poderia dizer falho.
Em todo caso, o esforço não é valho
Se não se faz capaz d'algum encanto.
Conto o milagre sem contar o santo,
Crente que reconheçam meu trabalho.
Mas facto é que virei um espantalho,
Que ainda a distraídos causa espanto.
Talvez seja um frustrado assumido,
Onde a vergonha alheia me compete
Tão menos do que sou eu tenho sido...
Todavia, enquanto o erro se repete
Resta-me ter que um dia, distraído,
A minha pena entregue o que promete.
Belo Horizonte - 07 12 2019
Sou d'aqueles que têm tentado tanto,
Que mal se poderia dizer falho.
Em todo caso, o esforço não é valho
Se não se faz capaz d'algum encanto.
Conto o milagre sem contar o santo,
Crente que reconheçam meu trabalho.
Mas facto é que virei um espantalho,
Que ainda a distraídos causa espanto.
Talvez seja um frustrado assumido,
Onde a vergonha alheia me compete
Tão menos do que sou eu tenho sido...
Todavia, enquanto o erro se repete
Resta-me ter que um dia, distraído,
A minha pena entregue o que promete.
Belo Horizonte - 07 12 2019
sábado, 7 de dezembro de 2019
JOANA D'ARC (cordel à beira-mar)
JOANA D'ARC (cordel à beira-mar)
Que dizem as ondas que quebram no cais?
-- Marulho de horrores de antigas batalhas...
Cem anos de guerra e milhões de mortalhas
S'evoca nas pedras do porto em Calais:
Tambores e pífaros dando honras reais
Àquela que soube os Franceses chamar
Contrária a invasores subtis d'além-mar
Se disse movida por vozes dos Céus
E embora donzela, com homens incréus,
Na volta de Ingleses p'ra beira do mar.
Dos anjos e santos, ainda menina
Escuta o chamado a elevar o seu rei.
Em vestes de moço, contrárias à lei
Da igreja e do reino, parece ladina
Guerreira submissa à vontade divina
Tomada, porém, de fervor sem par.
E mística vai de lugar em lugar
A ter com vitórias um grande sinal.
Coroa seu rei na primaz Catedral
E inflama os Franceses da beira do mar!
Por toda a Bretanha e na vil Normandia
Franceses se agitam nas praças de guerra
E os fortes varões da temida Inglaterra
Tiveram de agir com vileza e ousadia:
Acusam a jovem de insã bruxaria.
Por meio de inquérito diante do altar
Até que a fizeram em chamas queimar
No afã de apagar dos Franceses o ardor.
Contudo, por mártir, com imenso fervor
Inspira os Franceses na beira do mar.
O rei e seu povo percebem na moça
Sinal de que os Céus estariam com eles.
Levantam-se todos, do grande ao mais reles,
E expulsam aqueles que vinham sem bossa
Pilhando em rapina as cidades e a roça
Em guerra por guerra, sem nunca findar.
Cem anos passados tão-só a lutar
No ardor homicida de irmão contra irmão,
Lembravam em Joana o conflito cristão,
Ressoando nas ondas na beira do mar!
Belo Horizonte - 07 12 2019
Que dizem as ondas que quebram no cais?
-- Marulho de horrores de antigas batalhas...
Cem anos de guerra e milhões de mortalhas
S'evoca nas pedras do porto em Calais:
Tambores e pífaros dando honras reais
Àquela que soube os Franceses chamar
Contrária a invasores subtis d'além-mar
Se disse movida por vozes dos Céus
E embora donzela, com homens incréus,
Na volta de Ingleses p'ra beira do mar.
Dos anjos e santos, ainda menina
Escuta o chamado a elevar o seu rei.
Em vestes de moço, contrárias à lei
Da igreja e do reino, parece ladina
Guerreira submissa à vontade divina
Tomada, porém, de fervor sem par.
E mística vai de lugar em lugar
A ter com vitórias um grande sinal.
Coroa seu rei na primaz Catedral
E inflama os Franceses da beira do mar!
Por toda a Bretanha e na vil Normandia
Franceses se agitam nas praças de guerra
E os fortes varões da temida Inglaterra
Tiveram de agir com vileza e ousadia:
Acusam a jovem de insã bruxaria.
Por meio de inquérito diante do altar
Até que a fizeram em chamas queimar
No afã de apagar dos Franceses o ardor.
Contudo, por mártir, com imenso fervor
Inspira os Franceses na beira do mar.
O rei e seu povo percebem na moça
Sinal de que os Céus estariam com eles.
Levantam-se todos, do grande ao mais reles,
E expulsam aqueles que vinham sem bossa
Pilhando em rapina as cidades e a roça
Em guerra por guerra, sem nunca findar.
Cem anos passados tão-só a lutar
No ardor homicida de irmão contra irmão,
Lembravam em Joana o conflito cristão,
Ressoando nas ondas na beira do mar!
Belo Horizonte - 07 12 2019
quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
ROLDÃO (cordel à beira-mar)
ROLDÃO (cordel à beira-mar)
Na antiga cidade do Grande Condado,
Na qual o rei franco propôs sua Marca,
Vislumbra vir Hércules p'la nona barca
E ali, n'essas águas, ao encontro do Fado
Se fez ele herói em remoto passado...
Neblina dos montes vê densa baixar
A ponto que olhando não saiba o que olhar:
A Carlos parece que traz uma espada
E assim vencedor d'essa longa jornada
Por fim s'engrandeça na beira do mar:
-- "Saúdo os caídos em má retaguarda
À custa de infâmia, traição e impostura,
Que tanto contrastam co'a firme bravura
Oposta a ladinos na serra galharda.
Ninguém poderá contra sua figura
Ousar diminuir esse feito sem par...
O passo estreitado que soube fechar
Co'o próprio cadáver de espada na mão!
Negou-se a tocar d'Olifante o berrão
P'ra qu'eu o cantasse na beira do mar".
"De facto, Roldão em fechar o caminho
Se pôs entre as rochas e contra o inimigo.
Sustenta seu posto com grande perigo
Contendo guerreiros por horas sozinho.
Mas queda ferido sem ter outro abrigo
Senão os abismos d'aquele lugar.
A espada Duranda lá soube jogar
E a morte esperou sobre as neves tingidas
Co'o sangue d'aquelas inúmeras vidas
Que agora recordo na beira do mar.
"Os doze de França nas terras d'Espanha
Na má retaguarda caíram um a um
À prova meus homens, sem medo nenhum,
Ficaram p'ra sempre n'aquela montanha
Lembrados em verso na imensa façanha
De toda uma tropa sozinhos parar!
E, se hoje às Espanhas eu pude voltar,
Decerto foi pelo total sacrifício:
Roldão e seus homens n'um precipício
Serão sim eternos na beira do mar!
Belo Horizonte - 05 12 2019
Na antiga cidade do Grande Condado,
Na qual o rei franco propôs sua Marca,
Vislumbra vir Hércules p'la nona barca
E ali, n'essas águas, ao encontro do Fado
Se fez ele herói em remoto passado...
Neblina dos montes vê densa baixar
A ponto que olhando não saiba o que olhar:
A Carlos parece que traz uma espada
E assim vencedor d'essa longa jornada
Por fim s'engrandeça na beira do mar:
-- "Saúdo os caídos em má retaguarda
À custa de infâmia, traição e impostura,
Que tanto contrastam co'a firme bravura
Oposta a ladinos na serra galharda.
Ninguém poderá contra sua figura
Ousar diminuir esse feito sem par...
O passo estreitado que soube fechar
Co'o próprio cadáver de espada na mão!
Negou-se a tocar d'Olifante o berrão
P'ra qu'eu o cantasse na beira do mar".
"De facto, Roldão em fechar o caminho
Se pôs entre as rochas e contra o inimigo.
Sustenta seu posto com grande perigo
Contendo guerreiros por horas sozinho.
Mas queda ferido sem ter outro abrigo
Senão os abismos d'aquele lugar.
A espada Duranda lá soube jogar
E a morte esperou sobre as neves tingidas
Co'o sangue d'aquelas inúmeras vidas
Que agora recordo na beira do mar.
"Os doze de França nas terras d'Espanha
Na má retaguarda caíram um a um
À prova meus homens, sem medo nenhum,
Ficaram p'ra sempre n'aquela montanha
Lembrados em verso na imensa façanha
De toda uma tropa sozinhos parar!
E, se hoje às Espanhas eu pude voltar,
Decerto foi pelo total sacrifício:
Roldão e seus homens n'um precipício
Serão sim eternos na beira do mar!
Belo Horizonte - 05 12 2019
À FORÇA
À FORÇA (rondel)
Que bom que tudo acabou bem!
E nem foi tão ruim, afinal…
É por força maior, porém,
Que um mau revela todo o mal.
É por força maior que o normal
Se torna só o que convém
E nem foi tão ruim, afinal.
Que bom que tudo acabou bem…
É por força maior que um refém
Se torna também marginal,
N’um ranço prenhe de desdém.
E nem foi tão ruim, afinal!
Que bom que tudo acabou bem?
Betim — 05 12 2019
Que bom que tudo acabou bem!
E nem foi tão ruim, afinal…
É por força maior, porém,
Que um mau revela todo o mal.
É por força maior que o normal
Se torna só o que convém
E nem foi tão ruim, afinal.
Que bom que tudo acabou bem…
É por força maior que um refém
Se torna também marginal,
N’um ranço prenhe de desdém.
E nem foi tão ruim, afinal!
Que bom que tudo acabou bem?
Betim — 05 12 2019
O PINTALSSIGO
O PINTASSILGO
Pássaro de rostinho vermelho,
Que tão bonito quanto diminuto.
Cantando baixo, fino e resoluto
Enquanto escaramuça o escaravelho...
Dizem que de Jesus se fez parelho,
Ao manchar com Seu sangue o cocuruto.
E por isso ele tem salvo-conduto
Para voar pela igreja no Evangelho...
Mas contam qu'ele canta assim bonito
Porque fala das coisas do Infinito
Pela língua dos anjos dando glórias!
E apesar de ser tão religioso,
Em vadiar ele tem eterno gozo,
Contente que lh'escutem as histórias.
Betim - 05 12 2019
Pássaro de rostinho vermelho,
Que tão bonito quanto diminuto.
Cantando baixo, fino e resoluto
Enquanto escaramuça o escaravelho...
Dizem que de Jesus se fez parelho,
Ao manchar com Seu sangue o cocuruto.
E por isso ele tem salvo-conduto
Para voar pela igreja no Evangelho...
Mas contam qu'ele canta assim bonito
Porque fala das coisas do Infinito
Pela língua dos anjos dando glórias!
E apesar de ser tão religioso,
Em vadiar ele tem eterno gozo,
Contente que lh'escutem as histórias.
Betim - 05 12 2019
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
PARADIGMÁTICO
PARADIGMÁTICO
Eu sou o melhor que posso
Jamais quem devia ser.
Talvez não vá merecer
Senão outro olhar insosso
Face ao que tento escrever.
Todavia, sigo o exemplo
Dado pelos poetas mortos:
Manter-se d'olhos absortos
Nas retidões que contemplo
Em meus caminhos tortos...
Seguir o ritmo incorrupto
D'estas frases bem medidas,
Mais as rimas conhecidas
Pelo fluir ininterrupto
Das poesias admitidas
No Parnaso Lusofônico!...
Sim, pelos poetas d'antanho,
Entre sozinho e estranho,
Eu me fizera anacrônico,
Tendo em seus versos mais ganho.
Ainda que incompreendido
Em face de meus escritos,
Eu penso que mais bonitos
E mais cheios de sentido
Quando miram infinitos
Para acercar-se do humano...
Sem mais razões para haver,
Versos são vãos onde ser!
Já não tenho qualquer plano
Senão escrever a quem ler.
Sejam-me, pois, paradigmas
As formas fixas antigas,
Quer de esquecidas cantigas;
Quer de insondáveis enigmas.
Pois mesmo que com fadigas
E muito incertos aplausos,
Continuo olhando para cima
Tendo aos antigos estima:
Eu sigo a contar meus causos
Com bons metro, ritmo e rima!
Betim - 04 12 2019
terça-feira, 3 de dezembro de 2019
UTÓPICO
UTÓPICO
Enquanto entre oprimidos e opressores
Se dividirem tantas sociedades,
A Ordem que promovem os senhores
Sustentar-se-á com vis desigualdades.
De modo que os maiores e os melhores
Vivam com numerosas propriedades.
Os demais, que disputem pelos restos!
Míseros, remediados e modestos...
Pouco importa onde vão morar os pobres,
Como vivem e mesmo do que morrem.
Apenas os burgueses, feito nobres,
Obtêm dos reis as leis que lhes socorrem
Pois, muito satisfeitos com seus cobres,
Das agruras da vida sempre correm
Até pensarem ser inalcançáveis
No topo de pirâmides instáveis...
É sabido que os reis pela coroa
Porfiam em manter esta estrutura,
Cuja base, pessoa após pessoa,
Permite dar a Alteza mais altura.
Passando toda acção sua por boa
Mesmo que alguma imensa desventura,
Que para maior glória da Realeza
Arrasta o povo a guerras e a pobreza.
Assim os reis submetem o seu povo:
Deixando-os na miséria e ignorância!
E a esperança em qualquer governo novo
É frustrada na estúpida inconstância
Que demanda ao exaurido outro renovo.
Ao passo que movido por sua Ânsia
O rei conduza o povo para a guerra,
Que espalha peste e fome pela terra.
Em todo caso, ao longo dos milênios,
Os regimes, em cíclicos quartéis,
Assistem ascender heróis e gênios
A reis ou imperadores em corcéis
E depois se retiram dos proscênios
Ora discretamente; ora em tropéis!...
Na Queda, tudo muda sem mudar
Co'os pobres no mesmíssimo lugar.
N'algum lugar, porém, no tempo ou espaço
Haveria aquela ilha afortunada,
Na qual nada é sobejo nem escasso.
Onde prata não é valorizada,
Nem ouro ou cobre trazem embaraço.
A riqueza não vale quase nada
E os habitantes vivem sem conflitos,
Tendo tão-só na Ciência os olhos fitos.
Não cuidam em possuir grandes vantagens
Tampouco se acumulam privilégios.
Buscam mais conhecer em longas viagens
Alheios de quaisquer favores régios,
Ao explorar remotíssimas paragens
E abarrotar de livros seus colégios
Onde gastam a vida em aprender
Ao invés de mais prazeres a entreter.
Eles têm a paz como ideal superno;
A guerra, como estúpido flagelo.
Evitam relações co'o mundo externo
E ainda de conquistas vão anelo.
Contudo, obcecados co'o moderno
S'esmeram em buscar o bom e o belo
Em todos os aspectos da existência,
Submetendo os seus feitos à consciência.
Cultivam em seus modos o respeito,
Mas têm da intolerância tal horror,
Que julgam toda forma de despeito,
Verazmente, com máximo rigor!
Visto que retratar-se d'um malfeito
É dever de todo homem de valor.
E há tal entendimento entre os ilhéus,
Que vivem a admirar o mar e os céus.
Os mais afortunados por entre eles
Cuidam em reverter ao bem comum,
Provendo-se de bons panos e peles
E garantindo a todos desjejum,
Se ajudam, do doutíssimo ao mais reles,
Sem que ninguém esqueça de nenhum.
Em busca do progresso, todos juntos,
Debatem com saber os seus assuntos.
Em suma, a educação, não a chibata
Faz com que mais desejem bem servir
Não algum abastado aristocrata,
Sim gente que carece mais sorrir
N'uma vida esforçada, mas pacata,
A que haja mais fartura em seu porvir.
Pois só com o progredir da maioria
Haverá real progresso qualquer dia.
Porquanto, fim em si, o Capital
Aos homens mais e mais faz diferentes:
Elevam na pirâmide outro degrau
Às custas de mais jugo sobre as gentes
Até que em desespero, no final,
Se levantem contra armas inclementes,
Que espalham sangue novo sobre o chão
E mantêm dos vencidos a exclusão.
Uns haverão chamar de Comunismo
A Ordem d'este arquipélago utopista;
Ou denominará Distributismo
Se for mais religioso que sofista
O crítico que, diante d'um abismo,
Na tal Terceira Via ainda insista...
Com efeito, Utopia, a sociedade
É o sonho de toda Humanidade...
Não admira que um mar indescoberto
Banhasse as suas praias ignoradas.
Cercada d'um vastíssimo deserto,
Embora de águas quentes e salgadas.
E que mais ninguém saiba bem ao certo
Se foram ou serão mais navegadas...
Resta como o relato interessante
Que um dia fez a um sábio um navegante.
Belo Horizonte - 02 12 2019
"A riqueza e a liberdade tornam as pessoas menos tolerantes com as ordens duras e injustas
enquanto, por outro lado, a pobreza e a miséria embotam o espírito,
tornando-as pacientes e retirando do oprimido o espírito orgulhoso da rebeldia."
por Thomas Morus, in UTOPIA
Enquanto entre oprimidos e opressores
Se dividirem tantas sociedades,
A Ordem que promovem os senhores
Sustentar-se-á com vis desigualdades.
De modo que os maiores e os melhores
Vivam com numerosas propriedades.
Os demais, que disputem pelos restos!
Míseros, remediados e modestos...
Pouco importa onde vão morar os pobres,
Como vivem e mesmo do que morrem.
Apenas os burgueses, feito nobres,
Obtêm dos reis as leis que lhes socorrem
Pois, muito satisfeitos com seus cobres,
Das agruras da vida sempre correm
Até pensarem ser inalcançáveis
No topo de pirâmides instáveis...
É sabido que os reis pela coroa
Porfiam em manter esta estrutura,
Cuja base, pessoa após pessoa,
Permite dar a Alteza mais altura.
Passando toda acção sua por boa
Mesmo que alguma imensa desventura,
Que para maior glória da Realeza
Arrasta o povo a guerras e a pobreza.
Assim os reis submetem o seu povo:
Deixando-os na miséria e ignorância!
E a esperança em qualquer governo novo
É frustrada na estúpida inconstância
Que demanda ao exaurido outro renovo.
Ao passo que movido por sua Ânsia
O rei conduza o povo para a guerra,
Que espalha peste e fome pela terra.
Em todo caso, ao longo dos milênios,
Os regimes, em cíclicos quartéis,
Assistem ascender heróis e gênios
A reis ou imperadores em corcéis
E depois se retiram dos proscênios
Ora discretamente; ora em tropéis!...
Na Queda, tudo muda sem mudar
Co'os pobres no mesmíssimo lugar.
N'algum lugar, porém, no tempo ou espaço
Haveria aquela ilha afortunada,
Na qual nada é sobejo nem escasso.
Onde prata não é valorizada,
Nem ouro ou cobre trazem embaraço.
A riqueza não vale quase nada
E os habitantes vivem sem conflitos,
Tendo tão-só na Ciência os olhos fitos.
Não cuidam em possuir grandes vantagens
Tampouco se acumulam privilégios.
Buscam mais conhecer em longas viagens
Alheios de quaisquer favores régios,
Ao explorar remotíssimas paragens
E abarrotar de livros seus colégios
Onde gastam a vida em aprender
Ao invés de mais prazeres a entreter.
Eles têm a paz como ideal superno;
A guerra, como estúpido flagelo.
Evitam relações co'o mundo externo
E ainda de conquistas vão anelo.
Contudo, obcecados co'o moderno
S'esmeram em buscar o bom e o belo
Em todos os aspectos da existência,
Submetendo os seus feitos à consciência.
Cultivam em seus modos o respeito,
Mas têm da intolerância tal horror,
Que julgam toda forma de despeito,
Verazmente, com máximo rigor!
Visto que retratar-se d'um malfeito
É dever de todo homem de valor.
E há tal entendimento entre os ilhéus,
Que vivem a admirar o mar e os céus.
Os mais afortunados por entre eles
Cuidam em reverter ao bem comum,
Provendo-se de bons panos e peles
E garantindo a todos desjejum,
Se ajudam, do doutíssimo ao mais reles,
Sem que ninguém esqueça de nenhum.
Em busca do progresso, todos juntos,
Debatem com saber os seus assuntos.
Em suma, a educação, não a chibata
Faz com que mais desejem bem servir
Não algum abastado aristocrata,
Sim gente que carece mais sorrir
N'uma vida esforçada, mas pacata,
A que haja mais fartura em seu porvir.
Pois só com o progredir da maioria
Haverá real progresso qualquer dia.
Porquanto, fim em si, o Capital
Aos homens mais e mais faz diferentes:
Elevam na pirâmide outro degrau
Às custas de mais jugo sobre as gentes
Até que em desespero, no final,
Se levantem contra armas inclementes,
Que espalham sangue novo sobre o chão
E mantêm dos vencidos a exclusão.
Uns haverão chamar de Comunismo
A Ordem d'este arquipélago utopista;
Ou denominará Distributismo
Se for mais religioso que sofista
O crítico que, diante d'um abismo,
Na tal Terceira Via ainda insista...
Com efeito, Utopia, a sociedade
É o sonho de toda Humanidade...
Não admira que um mar indescoberto
Banhasse as suas praias ignoradas.
Cercada d'um vastíssimo deserto,
Embora de águas quentes e salgadas.
E que mais ninguém saiba bem ao certo
Se foram ou serão mais navegadas...
Resta como o relato interessante
Que um dia fez a um sábio um navegante.
Belo Horizonte - 02 12 2019
domingo, 1 de dezembro de 2019
BOCA DE CENA
BOCA DE CENA
Esta é aquela que... oh! Devora actores!...
... E depois os vomita sobre o mundo...
O palco, feito a língua do Profundo,
Degusta-lhes os sonhos e os temores.
Ali parvos se fingem grã-senhores,
Trazendo d'um desastre algo fecundo.
E o público, por um breve segundo,
Finge crer que está diante de primores.
O drama é encenado como fora
Outro mundo imitando o mundo fora
E outros ao mesmo tempo o mesmo vendo.
Mas no final assomam ao proscênio
A receber o aplauso ao humano gênio,
Quando o ápice catártico vivendo.
Ibirité - 30 11 2019
Esta é aquela que... oh! Devora actores!...
... E depois os vomita sobre o mundo...
O palco, feito a língua do Profundo,
Degusta-lhes os sonhos e os temores.
Ali parvos se fingem grã-senhores,
Trazendo d'um desastre algo fecundo.
E o público, por um breve segundo,
Finge crer que está diante de primores.
O drama é encenado como fora
Outro mundo imitando o mundo fora
E outros ao mesmo tempo o mesmo vendo.
Mas no final assomam ao proscênio
A receber o aplauso ao humano gênio,
Quando o ápice catártico vivendo.
Ibirité - 30 11 2019
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