SEMINAL
No início havia o sêmen. Tudo o mais
Surgiu surgindo o ser e, após, o mundo.
E o sêmen a espalhar se fez fecundo,
Assim no homem; assim nos animais.
E cada ser se fez d'entre os demais.
Gerado -- não criado -- não confundo:
Eu em meio a bilhões no nauseabundo
Especular de eventos seminais...
Pois, ao compartilhar a mesma origem,
Sentimos a mesmíssima vertigem
Do gozo gerador de novos seres.
E a cada geração, sem mais cuidados,
Logramos por fim ter d'antepassados
Ainda da existência os caracteres.
Betim - 31 10 2019
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
ESSA POUCA PAZ QU'EU TENHO
ESSA POUCA PAZ QU'EU TENHO
Não. O inferno não são os outros. São os anos! O transcorrer dos anos, sendo mais preciso. As pessoas não são boas nem más, apenas são. Há bondade ou maldade em seus pensamentos e acções? Não importa, pois, a decisão de estarmos ou não junto d'elas sempre é resultado da vontade pessoal. Não são poucos que, embora permaneçam próximos d'este ou d'aquele, não estão com sua interioridade vinculada aos mesmos. O ser humano é sempre mais complexo em sua existência do que as regras e contratos que o permitiram, em tese, sua vida em sociedade. Quem nos fere somente o faz porque está próximo o bastante para isso, o que, em última análise, foi decisão própria. Isto significa que, n'uma situação de conflito, a vitima é culpada? Não. Significa que entre dois beligerantes haverá quem agrida mais forte o outro. Conviver, ao longo de alguns anos, envolve acumular conflitos, decepções, desencantos...
Não há-que se iludir. Ter pessoas próximas ao redor de si é, também, ofender e ser ofendido. A gente consegue ter um pouco de paz quando deixa de se importar com as ofensas alheias e aceita a si mesmo inclusive com esses defeitos que, vez ou outra, atraem a ira dos outros sobre nós. Essa pouca paz que aprendi a ter não é exactamente indiferença. Eu sinto muito quando me ofendem. Eu me lamento muito quando decepciono os outros ou os inflamo contra minhas imperfeições. Sim, eu sofro por actitudes e acções que foram motivadas conscientemente por mim. Sou responsável pelo mal que causo, mesmo quando sem intenção de causá-lo. Corro o risco e nem sempre as coisas acontecem como desejei. O Universo, com suas infinitas probabilidades, sempre haverá-de me surpreender, sobretudo quando me dou conta de que tenho controle sobre muito pouco do que acontece à minha volta. Tenho desejos, vícios, cansaços, tédios e muita preguiça. Uma hora a coisa desanda e o lombo arde!
Sem embargo, aceitar-se não é o mesmo de desistir de melhorar. Eu tenho de admitir que certas tragédias me fizeram mudar e, talvez, melhorar como pessoa. Mas até essa pedagogia da cacete e do ralho parece perder seu apelo à medida que os anos passam... A gente se entrega a um estado de nulidade que nem se importa mais em tomar as porradas da vida ao mesmo tempo em que as desfere por puro hábito em quem se encontra perto... Ninguém é inocente. Todo mundo bate e apanha. Vítima é aquele que apanhou mais e culpado aquele que não conseguiu parar de bater. Somos ainda bem animalescos n'esse ponto.
Eu luto todos os dias para não lutar. A palavra para isso é pacifismo, dizem. Desejo-me, portanto, um pacifista; um antibelicista por princípio, um recluso que se afasta quando apanha inclusive para evitar o revide. Não me quero pacifista para me sentir superior ao que quer que seja, apenas cansei de participar d'esse circo de horrores que é o mundo que nos cerca. Não quero ser mais forte e escudado para que nada me faça sangrar: Dá muito trabalho! A mera hipótese de desejar ser poderoso para não sofrer tanto me cansa... Estes que estão alto demais para serem alcançados pelas misérias do dia a dia e podem consertar seus resvalos de convivência pelo dinheiro ou pela intimidação não me interessam. Eu penso qu'eles devam ter lá as próprias misérias, ainda que não sangrem amiúde como a maioria. A riqueza não torna as pessoas melhores, tampouco incapazes dos conflitos inerentes à convivência. A riqueza traz consigo o privilégio de não ter-de se preocupar com as consequências das próprias acções. Eu, que não sou rico, invejo tal privilégio e o emulo por meio da misantropia pacifista.
Não é que não goste das pessoas, entenda-se. Considero a convivência algo muito rico e salutar, até certo ponto. A solidão tem limitações psíquicas, inclusive. A paz qu'eu aspiro é de outra natureza. Tem a ver com não se desesperar quando algo muito ruim acontece. Entristeço-me, como humanamente se reage ao que é nocivo, mas não faço d'isso condição para estar bem ou mal. É preciso entender que, em face da ausência de controle sobre quase tudo na vida, as circunstâncias, sim, são indiferentes às pessoas. Mais cedo ou mais tarde o céu desaba sobre a cabeça e o inferno se torna quotidiano. Mas esse inferno, onde os outros têm lugar, não é resultado da convivência entre humanos, sim da condição humana. Ser humano é ter diante de si sempre a perspectiva da morte ao mesmo tempo em que se habita um corpo pleno de involuntariedades. Assim como não temos muito controle se adoecemos ou não, como pretendemos ter se agradamos ou não? Evidente que conviver é decepcionar. O quanto nos decepcionamos antes de romper relações parece ser a grande questão da vida...
O inferno são os anos! Os outros, no início, são o paraíso. São os anos que transformam anjos em demônios, não a Queda. A decadência moral é lenta, não súbita. Qualquer relacionamento humano sofre com o desgaste dos anos. A pele cicatriza e endurece. O coração, também. Envelhecer é perder a sensibilidade ao que nos faz mal; é aprender a levar porrada, sangrar e não desabar. Ou, se desabar, juntar os pedaços e se afastar d'aquilo que nos agride. Bobagem dizer que o sofrimento é quem mais e melhor ensina. Se assim fosse, os mais sofredores seriam os mais sábios. Acumular traumas nos torna receosos, covardes, controláveis... Não, o sofrimento embrutece. Isto posto, violência é uma linguagem que só deveria ser utilizada quando todas as demais formas de linguagem não permitiram a correta comunicação para o fim de conflitos. O que se vê, no entanto, é a violência ser utilizada com mais frequência e necessidade do que deveria. A solução final dos conflitos mediante a força é a paz de cemitério e o opróbrio dos vencidos... E esta paz não é paz de facto; é trégua entre conflitos. O vencido de ontem é o revoltoso de hoje e o revanchista de amanhã.
A guerra, para os que têm a sagrada sede de justiça, nunca termina. Trata-se d'uma necessidade de guerreiros que, no afã de buscar justificar seu parasitismo milenar, alimentam ódios e vinganças a mascarar projetos imperialistas.
Pacifistas deixam para lá, não porque sejam altruístas, mas porque não faz sentido lutar senão para sobreviver. E essa pouca paz qu'eu tenho diz respeito à compreensão de que envelheço. Depois de anos, as cenas podem até ser semelhantes, mas os olhos são outros. Não há mal maior que idealizar os outros. Eles nunca foram tudo aquilo que pensávamos. Eu mesmo nunca fui tudo aquilo que pensava.
Entre a idealidade e a realidade, passaram-se vinte e poucos anos: Tudo ao redor é conflituoso, há notícias de guerras se aproximando e os outros talvez se mostrassem um inferno com o passar dos anos, mas já foram um paraíso. As pessoas mudam; eu mudei. Sim, nada mudou e tudo é diferente. Mais vinte e poucos anos e o inferno será outra coisa.
Fique eu em paz...
Betim - 30 10 2019
Não. O inferno não são os outros. São os anos! O transcorrer dos anos, sendo mais preciso. As pessoas não são boas nem más, apenas são. Há bondade ou maldade em seus pensamentos e acções? Não importa, pois, a decisão de estarmos ou não junto d'elas sempre é resultado da vontade pessoal. Não são poucos que, embora permaneçam próximos d'este ou d'aquele, não estão com sua interioridade vinculada aos mesmos. O ser humano é sempre mais complexo em sua existência do que as regras e contratos que o permitiram, em tese, sua vida em sociedade. Quem nos fere somente o faz porque está próximo o bastante para isso, o que, em última análise, foi decisão própria. Isto significa que, n'uma situação de conflito, a vitima é culpada? Não. Significa que entre dois beligerantes haverá quem agrida mais forte o outro. Conviver, ao longo de alguns anos, envolve acumular conflitos, decepções, desencantos...
Não há-que se iludir. Ter pessoas próximas ao redor de si é, também, ofender e ser ofendido. A gente consegue ter um pouco de paz quando deixa de se importar com as ofensas alheias e aceita a si mesmo inclusive com esses defeitos que, vez ou outra, atraem a ira dos outros sobre nós. Essa pouca paz que aprendi a ter não é exactamente indiferença. Eu sinto muito quando me ofendem. Eu me lamento muito quando decepciono os outros ou os inflamo contra minhas imperfeições. Sim, eu sofro por actitudes e acções que foram motivadas conscientemente por mim. Sou responsável pelo mal que causo, mesmo quando sem intenção de causá-lo. Corro o risco e nem sempre as coisas acontecem como desejei. O Universo, com suas infinitas probabilidades, sempre haverá-de me surpreender, sobretudo quando me dou conta de que tenho controle sobre muito pouco do que acontece à minha volta. Tenho desejos, vícios, cansaços, tédios e muita preguiça. Uma hora a coisa desanda e o lombo arde!
Sem embargo, aceitar-se não é o mesmo de desistir de melhorar. Eu tenho de admitir que certas tragédias me fizeram mudar e, talvez, melhorar como pessoa. Mas até essa pedagogia da cacete e do ralho parece perder seu apelo à medida que os anos passam... A gente se entrega a um estado de nulidade que nem se importa mais em tomar as porradas da vida ao mesmo tempo em que as desfere por puro hábito em quem se encontra perto... Ninguém é inocente. Todo mundo bate e apanha. Vítima é aquele que apanhou mais e culpado aquele que não conseguiu parar de bater. Somos ainda bem animalescos n'esse ponto.
Eu luto todos os dias para não lutar. A palavra para isso é pacifismo, dizem. Desejo-me, portanto, um pacifista; um antibelicista por princípio, um recluso que se afasta quando apanha inclusive para evitar o revide. Não me quero pacifista para me sentir superior ao que quer que seja, apenas cansei de participar d'esse circo de horrores que é o mundo que nos cerca. Não quero ser mais forte e escudado para que nada me faça sangrar: Dá muito trabalho! A mera hipótese de desejar ser poderoso para não sofrer tanto me cansa... Estes que estão alto demais para serem alcançados pelas misérias do dia a dia e podem consertar seus resvalos de convivência pelo dinheiro ou pela intimidação não me interessam. Eu penso qu'eles devam ter lá as próprias misérias, ainda que não sangrem amiúde como a maioria. A riqueza não torna as pessoas melhores, tampouco incapazes dos conflitos inerentes à convivência. A riqueza traz consigo o privilégio de não ter-de se preocupar com as consequências das próprias acções. Eu, que não sou rico, invejo tal privilégio e o emulo por meio da misantropia pacifista.
Não é que não goste das pessoas, entenda-se. Considero a convivência algo muito rico e salutar, até certo ponto. A solidão tem limitações psíquicas, inclusive. A paz qu'eu aspiro é de outra natureza. Tem a ver com não se desesperar quando algo muito ruim acontece. Entristeço-me, como humanamente se reage ao que é nocivo, mas não faço d'isso condição para estar bem ou mal. É preciso entender que, em face da ausência de controle sobre quase tudo na vida, as circunstâncias, sim, são indiferentes às pessoas. Mais cedo ou mais tarde o céu desaba sobre a cabeça e o inferno se torna quotidiano. Mas esse inferno, onde os outros têm lugar, não é resultado da convivência entre humanos, sim da condição humana. Ser humano é ter diante de si sempre a perspectiva da morte ao mesmo tempo em que se habita um corpo pleno de involuntariedades. Assim como não temos muito controle se adoecemos ou não, como pretendemos ter se agradamos ou não? Evidente que conviver é decepcionar. O quanto nos decepcionamos antes de romper relações parece ser a grande questão da vida...
O inferno são os anos! Os outros, no início, são o paraíso. São os anos que transformam anjos em demônios, não a Queda. A decadência moral é lenta, não súbita. Qualquer relacionamento humano sofre com o desgaste dos anos. A pele cicatriza e endurece. O coração, também. Envelhecer é perder a sensibilidade ao que nos faz mal; é aprender a levar porrada, sangrar e não desabar. Ou, se desabar, juntar os pedaços e se afastar d'aquilo que nos agride. Bobagem dizer que o sofrimento é quem mais e melhor ensina. Se assim fosse, os mais sofredores seriam os mais sábios. Acumular traumas nos torna receosos, covardes, controláveis... Não, o sofrimento embrutece. Isto posto, violência é uma linguagem que só deveria ser utilizada quando todas as demais formas de linguagem não permitiram a correta comunicação para o fim de conflitos. O que se vê, no entanto, é a violência ser utilizada com mais frequência e necessidade do que deveria. A solução final dos conflitos mediante a força é a paz de cemitério e o opróbrio dos vencidos... E esta paz não é paz de facto; é trégua entre conflitos. O vencido de ontem é o revoltoso de hoje e o revanchista de amanhã.
A guerra, para os que têm a sagrada sede de justiça, nunca termina. Trata-se d'uma necessidade de guerreiros que, no afã de buscar justificar seu parasitismo milenar, alimentam ódios e vinganças a mascarar projetos imperialistas.
Pacifistas deixam para lá, não porque sejam altruístas, mas porque não faz sentido lutar senão para sobreviver. E essa pouca paz qu'eu tenho diz respeito à compreensão de que envelheço. Depois de anos, as cenas podem até ser semelhantes, mas os olhos são outros. Não há mal maior que idealizar os outros. Eles nunca foram tudo aquilo que pensávamos. Eu mesmo nunca fui tudo aquilo que pensava.
Entre a idealidade e a realidade, passaram-se vinte e poucos anos: Tudo ao redor é conflituoso, há notícias de guerras se aproximando e os outros talvez se mostrassem um inferno com o passar dos anos, mas já foram um paraíso. As pessoas mudam; eu mudei. Sim, nada mudou e tudo é diferente. Mais vinte e poucos anos e o inferno será outra coisa.
Fique eu em paz...
Betim - 30 10 2019
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
ADMIRÁVEL
ADMIRÁVEL
Doutas e distintas, caminham pelo campus d'uma grande universidade duas senhoras. A mais jovem, estrangeira, era reconhecida em toda parte como escritora e conferencista de enorme influência. Não obstante, fulgura-lhe uma beleza rara, tranquila, que só não intimida quem d'ela se aproxima em vista de suas maneiras sempre muito afáveis e receptivas. Era mulher que fizera do conhecimento seu único interesse. Viajava ultimamente por vários países à pedido de seus editores na divulgação de suas mais recentes publicações. Sua companhia, uma senhora de carreira acadêmica, se impressionara vividamente com sua obra e a acompanhara em concorridos eventos de leitura de excertos e apresentações da jovem, onde, por via de regra, seu pensamento causava grande interesse. Intelectual muito respeitada, sua obra a precedia e lhe abria muitas portas.
Após alguns minutos de silenciosa caminhada, disse a dona à moça:
-- "Eu chego a ter certa pena de ti... És d'uma estirpe de mulheres admiráveis, tanto por esta deslumbrante mirada ultramarina, quanto pelo brilho inteligente que tais olhos contêm. Por ti, homens de valor se matam e mulheres de classe se arruínam. Tens o amor, a paixão e o desejo sublimados em teus lábios carmim. Sim, quando se movem uma voz maviosa destila saberes cheios de argúcia intelectual honestamente curiosa. És avassaladora! Tu cativas a emoção alheia com uma facilidade que te há-de custar muito caro: Impossível espalhar tanta feminilidade sem causar grandes amores e tragédias." -- A moça respondeu à dona:
-- "Descreves precisamente minha condição. Sim, mais de uma vez desfiz amizades que se revelaram amorosas. Eu juro que não faço por mal, ou melhor, por bem... Sei lá! Mal ou bem querida, o facto é que não posso me dar ao luxo de simplesmente conviver. Não, todos querem algo mais! Sem querer soar pedante, penso que seria mais corretamente compreendida se não despertasse tanta admiração...
A elegante senhora olhou demoradamente para a rapariga que tinha diante de si... Era impossível lhe ignorar a presença. Seu garbo distingue imediatamente. Vestia-se com apuro e cuidado. Mas, quem lhe fugisse do brilho dos olhos e lhe evitasse o adorável sorriso, decerto capitularia com sua insuperável conversação. Já a haviam visto sustentar diálogos com filósofos áridos e artistas pedantes com igual desenvoltura. Tinha um genuíno interesse pelo ser humano e seus arrazoados... Qualquer um se sentiria importante com sua atenção franca e paciente. A dona lhe falou:
-- "Como te lamento, coitadinha! És demasiado doce para um mundo de ávidos. Despertas senão cupidez e inveja aonde quer que vás...Todos te hão-de querer um pedaço e, quando tiverem o mínimo que seja, não suportarão viver sem teu mel! Que infelicidade seres tão admirável!"
Ruidosos, os homens se reuniam ao redor do café. Fumavam e tagarelavam animadamente acerca das misérias dos políticos mundo afora. Ideavam sistemas, ordenavam finanças e empreendiam impérios... Mas bastou a senhora e a bela jovem passarem diante de seus olhos, eles se calaram. E elas sabiam por quê! A jovem parou e lhes perguntou interessada sobre as novidades do dia. O mais velho se saiu com galanteio:
-- "E haverá novidade capaz de eclipsar vossas conquistas, senhorita? O que são as quedas de gabinetes ministeriais ou ânsias das bolsas valores diante de vossos famosos debates? Ouve-se por toda parte que os escritos que publicais arrebatam seguidores fiéis" -- e arrematou -- "Só não sois mais bela do que sábia!"
A moça agradeceu, sorrindo:
-- "Quão lisonjeiras palavras, meu senhor. Se vos apraz, a vós e a vós-outros, gostaria de participar de vossa conversa, trazendo o tema d'um ensaio em que estou trabalhando." -- ao que este se interessou: -- "E sobre o que seria o ensaio, senhorita?" -- E ela respondeu:
-- "Sobre o Poder!" -- os presentes s'entreolharam. Ela continuou: -- "Sim dos peculiares esforços que fazem com alguém mande e outros obedeçam" -- Um terceiro se adiantou:
-- "Oras, quem senão os deuses que governam o Fado poderá saber porque um é elevado aos palácios ao passo que os demais se curvam diante?" -- O mais velho riu e atalhou:
-- "Não nos envergonhe, meu caro, evidente que tão célebre pensadora está muitos passos à frente de velhacos como nós! Em todo caso, senhorita, afora os deuses e o acaso, que elementos ou entes sorriem ao poderoso para d'ele fazer um soberano?" -- Ao que ela disse:
-- "Decerto ser bem sucedido. Não há nada que as pessoas amem mais do que o sucesso. Aquele que provado sucessivamente pelas circunstâncias consegue prevalecer, alcança a atenção e admiração dos que o cercam. De maneira geral, aquele que se destaca entre os demais se caracteriza pelo bem, ou melhor dizendo, de ser bem-nascido, bem-educado e bem-sucedido. É pelo bem que se acumula bens! -- Um dos presentes, o mais impressionado, lhe objetou, porém:
-- Mas, quanto mais alto se elevam, de mais alto caem... Ela continuou:
-- Essa é com certeza outra singularidade do poderoso, a saber, o destemor face o fracasso. Somente acerta ou erra quem tenta; somente conquista quem arrisca." -- O rapaz insistiu:
-- "E somente desce quem sobe... Sem embargo, há aqueles que se firmam no topo por decênios e mesmo quando saem de cena -- alguns ostracizados até! -- deixam, a despeito de quem o combata, um legado. Esses são chamados de estadistas, líderes, timoneiros... Alçados ao nível de lendas, mesmo seus erros são relativizados, ao passo que seus feitos continuamente celebrados. -- O rapaz se calou subitamente, como se uma ideia o houvesse perturbado e lhe parecera melhor não compartilhá-la.
-- "E isso vos parece obra do mérito ou do acaso?" -- espevitou a moça -- "Ambos, talvez... O poder é um misto de sorte e ousadia, eu penso. -- O mais velho riu: -- "Sorte? Quanto mais trabalho, mais sorte tenho!" -- e completou: -- "O sucesso do homem público que chega ao Poder e n'ele se mantém é fruto, sobretudo, de sua perseverança. Só se torna um prócer o animal político que concilia interesses e arbitra conflitos. Tem-de respirar política vinte e quatro horas por dia! Já vi muitos homens e mulheres excepcionais actuando tanto no Parlamento quanto no Governo. -- todos os olhos se voltaram para a bela autora e esperavam sua opinião. Ela sorriu e os fuzilou com sua famosa mirada azul:
-- "As circunstâncias testam continuamente a pessoa pública. Evidente que há uma ciência da boa administração a evoluir desde que o mundo é mundo. Não basta dizer o que os outros querem ouvir. Há-que se ter clareza de que transformações se pretende fazer na sociedade e na condução da coisa pública. Quando o plano do político e a percepção do povo se alinham, um ciclo de renovação contínua do pacto social estabiliza a nação para que haja um esforço coordenado para se avance nas questões consideradas essenciais para o bem comum. Em suma, bons governantes são aqueles que são mais sensíveis às necessidades dos governados do que a seus projetos pessoais. Uma pessoa pública deveria ficar mais preocupada em promover acções que respondam às questões colocadas pela sociedade do que com o culto à sua personalidade. Mitos e ídolos têm em comum a sobrenaturalidade, isto é, não são d'este mundo. Desejar ser governado por santos ou heróis é ignorar a humanidade do poder". -- a senhora que a acompanhava desde o início não pode de furtar a um comentário:
-- "Isso é desalentador, minha querida! Se não forem pessoas superiores, com que temeridade deixamos na mãos cobiçosas d'estes próceres o destino de nossa sociedade? Reconheço em ti, por exemplo, a grandeza dos que merecem a confiança dos demais. Penso que se vivêssemos n'um mundo justo, tu serias alçada às mais altas posições do Estado! Descreveste homens cheios de bens como prováveis candidatos a tais postos... No entanto, tuas próprias obras e influência te fazem sobressair entre legiões de líderes incapazes de inspirar senão repulsa ou comiseração, És admirável! -- todos os presentes se adiantaram em concordar -- reúnes tantas qualidades em teu claro pensar que temos a ilusão de que teu claro pensar seja ditado diretamente d'um oráculo. -- o mais velho, cerimoniosamente, fez coro àquele panegírico:
-- "Deveras, quem discordará de vós, senhora, após presenciarmos todos a sede de saber de vossa pupila se transformando ao longo dos últimos anos em obras seminais e colaborações auspiciosas nos empreendimentos notórios? O debate incansável e honesto que protagonizais quotidianamente nos privilegia tão-só em d'ele participar. Aqui mesmo, sem que nos apercebêssemos, transformastes as pilheiras de nossa conversação ociosa em argumentos dignos de atenção. Só não me surpreendo mais por ter me acostumado a ver vos transformar tantas vezes o pó do senso comum no ouro da lógica fundamentada. Ninguém perde em escutar-vos e, sobretudo, em ler-vos!"
-- "O senhor m'encabula com deferências que me ultrapassam." -- agradeceu a moça -- "Só espero que meu ensaio seja digno de tanta boa-vontade quanto esta que m'expressais." -- e voltando-se para sua amiga: -- "Tua amizade, minha querida, faz com que me vejas mais influente do que de facto sou... Esforço-me, deveras, em ocupar espaços de discussão, espalhando escritos às mais diferentes publicações, antes com a teimosia dos insistentes do que com a sobriedade dos pensadores argutos. Conheci muitos excepcionais, aliás, que me servem de balizadores imprescindíveis para que meus escritos ousem as contribuições que se arvoram.. No mais, entre amigos é sempre mais suave a interpelação para que se construir os argumentos d'um conjunto de ideias. Só me resta em meu esforço para compreender as questões d'este mundo lançar luzes cada vez mais bem orientadas sobre o estado de coisas que nos mantém ordenados n'uma coletividade. Pretendo escrever mais amiúde sobre esse misterioso liame que reúne os indivíduos em torno de regras e normas, constrangendo-os a abrir mão de liberdades de sua natureza egocentrada e se submeterem ao bem comum. Deixo os senhores com vossos assuntos agradecida pelas gentilezas!" -- e despediu-se d'aquele grupo.
A dona e a jovem continuaram sua caminhada pelo campus.
(continua ...)
Betim - 26 10 2019
Doutas e distintas, caminham pelo campus d'uma grande universidade duas senhoras. A mais jovem, estrangeira, era reconhecida em toda parte como escritora e conferencista de enorme influência. Não obstante, fulgura-lhe uma beleza rara, tranquila, que só não intimida quem d'ela se aproxima em vista de suas maneiras sempre muito afáveis e receptivas. Era mulher que fizera do conhecimento seu único interesse. Viajava ultimamente por vários países à pedido de seus editores na divulgação de suas mais recentes publicações. Sua companhia, uma senhora de carreira acadêmica, se impressionara vividamente com sua obra e a acompanhara em concorridos eventos de leitura de excertos e apresentações da jovem, onde, por via de regra, seu pensamento causava grande interesse. Intelectual muito respeitada, sua obra a precedia e lhe abria muitas portas.
Após alguns minutos de silenciosa caminhada, disse a dona à moça:
-- "Eu chego a ter certa pena de ti... És d'uma estirpe de mulheres admiráveis, tanto por esta deslumbrante mirada ultramarina, quanto pelo brilho inteligente que tais olhos contêm. Por ti, homens de valor se matam e mulheres de classe se arruínam. Tens o amor, a paixão e o desejo sublimados em teus lábios carmim. Sim, quando se movem uma voz maviosa destila saberes cheios de argúcia intelectual honestamente curiosa. És avassaladora! Tu cativas a emoção alheia com uma facilidade que te há-de custar muito caro: Impossível espalhar tanta feminilidade sem causar grandes amores e tragédias." -- A moça respondeu à dona:
-- "Descreves precisamente minha condição. Sim, mais de uma vez desfiz amizades que se revelaram amorosas. Eu juro que não faço por mal, ou melhor, por bem... Sei lá! Mal ou bem querida, o facto é que não posso me dar ao luxo de simplesmente conviver. Não, todos querem algo mais! Sem querer soar pedante, penso que seria mais corretamente compreendida se não despertasse tanta admiração...
A elegante senhora olhou demoradamente para a rapariga que tinha diante de si... Era impossível lhe ignorar a presença. Seu garbo distingue imediatamente. Vestia-se com apuro e cuidado. Mas, quem lhe fugisse do brilho dos olhos e lhe evitasse o adorável sorriso, decerto capitularia com sua insuperável conversação. Já a haviam visto sustentar diálogos com filósofos áridos e artistas pedantes com igual desenvoltura. Tinha um genuíno interesse pelo ser humano e seus arrazoados... Qualquer um se sentiria importante com sua atenção franca e paciente. A dona lhe falou:
-- "Como te lamento, coitadinha! És demasiado doce para um mundo de ávidos. Despertas senão cupidez e inveja aonde quer que vás...Todos te hão-de querer um pedaço e, quando tiverem o mínimo que seja, não suportarão viver sem teu mel! Que infelicidade seres tão admirável!"
Ruidosos, os homens se reuniam ao redor do café. Fumavam e tagarelavam animadamente acerca das misérias dos políticos mundo afora. Ideavam sistemas, ordenavam finanças e empreendiam impérios... Mas bastou a senhora e a bela jovem passarem diante de seus olhos, eles se calaram. E elas sabiam por quê! A jovem parou e lhes perguntou interessada sobre as novidades do dia. O mais velho se saiu com galanteio:
-- "E haverá novidade capaz de eclipsar vossas conquistas, senhorita? O que são as quedas de gabinetes ministeriais ou ânsias das bolsas valores diante de vossos famosos debates? Ouve-se por toda parte que os escritos que publicais arrebatam seguidores fiéis" -- e arrematou -- "Só não sois mais bela do que sábia!"
A moça agradeceu, sorrindo:
-- "Quão lisonjeiras palavras, meu senhor. Se vos apraz, a vós e a vós-outros, gostaria de participar de vossa conversa, trazendo o tema d'um ensaio em que estou trabalhando." -- ao que este se interessou: -- "E sobre o que seria o ensaio, senhorita?" -- E ela respondeu:
-- "Sobre o Poder!" -- os presentes s'entreolharam. Ela continuou: -- "Sim dos peculiares esforços que fazem com alguém mande e outros obedeçam" -- Um terceiro se adiantou:
-- "Oras, quem senão os deuses que governam o Fado poderá saber porque um é elevado aos palácios ao passo que os demais se curvam diante?" -- O mais velho riu e atalhou:
-- "Não nos envergonhe, meu caro, evidente que tão célebre pensadora está muitos passos à frente de velhacos como nós! Em todo caso, senhorita, afora os deuses e o acaso, que elementos ou entes sorriem ao poderoso para d'ele fazer um soberano?" -- Ao que ela disse:
-- "Decerto ser bem sucedido. Não há nada que as pessoas amem mais do que o sucesso. Aquele que provado sucessivamente pelas circunstâncias consegue prevalecer, alcança a atenção e admiração dos que o cercam. De maneira geral, aquele que se destaca entre os demais se caracteriza pelo bem, ou melhor dizendo, de ser bem-nascido, bem-educado e bem-sucedido. É pelo bem que se acumula bens! -- Um dos presentes, o mais impressionado, lhe objetou, porém:
-- Mas, quanto mais alto se elevam, de mais alto caem... Ela continuou:
-- Essa é com certeza outra singularidade do poderoso, a saber, o destemor face o fracasso. Somente acerta ou erra quem tenta; somente conquista quem arrisca." -- O rapaz insistiu:
-- "E somente desce quem sobe... Sem embargo, há aqueles que se firmam no topo por decênios e mesmo quando saem de cena -- alguns ostracizados até! -- deixam, a despeito de quem o combata, um legado. Esses são chamados de estadistas, líderes, timoneiros... Alçados ao nível de lendas, mesmo seus erros são relativizados, ao passo que seus feitos continuamente celebrados. -- O rapaz se calou subitamente, como se uma ideia o houvesse perturbado e lhe parecera melhor não compartilhá-la.
-- "E isso vos parece obra do mérito ou do acaso?" -- espevitou a moça -- "Ambos, talvez... O poder é um misto de sorte e ousadia, eu penso. -- O mais velho riu: -- "Sorte? Quanto mais trabalho, mais sorte tenho!" -- e completou: -- "O sucesso do homem público que chega ao Poder e n'ele se mantém é fruto, sobretudo, de sua perseverança. Só se torna um prócer o animal político que concilia interesses e arbitra conflitos. Tem-de respirar política vinte e quatro horas por dia! Já vi muitos homens e mulheres excepcionais actuando tanto no Parlamento quanto no Governo. -- todos os olhos se voltaram para a bela autora e esperavam sua opinião. Ela sorriu e os fuzilou com sua famosa mirada azul:
-- "As circunstâncias testam continuamente a pessoa pública. Evidente que há uma ciência da boa administração a evoluir desde que o mundo é mundo. Não basta dizer o que os outros querem ouvir. Há-que se ter clareza de que transformações se pretende fazer na sociedade e na condução da coisa pública. Quando o plano do político e a percepção do povo se alinham, um ciclo de renovação contínua do pacto social estabiliza a nação para que haja um esforço coordenado para se avance nas questões consideradas essenciais para o bem comum. Em suma, bons governantes são aqueles que são mais sensíveis às necessidades dos governados do que a seus projetos pessoais. Uma pessoa pública deveria ficar mais preocupada em promover acções que respondam às questões colocadas pela sociedade do que com o culto à sua personalidade. Mitos e ídolos têm em comum a sobrenaturalidade, isto é, não são d'este mundo. Desejar ser governado por santos ou heróis é ignorar a humanidade do poder". -- a senhora que a acompanhava desde o início não pode de furtar a um comentário:
-- "Isso é desalentador, minha querida! Se não forem pessoas superiores, com que temeridade deixamos na mãos cobiçosas d'estes próceres o destino de nossa sociedade? Reconheço em ti, por exemplo, a grandeza dos que merecem a confiança dos demais. Penso que se vivêssemos n'um mundo justo, tu serias alçada às mais altas posições do Estado! Descreveste homens cheios de bens como prováveis candidatos a tais postos... No entanto, tuas próprias obras e influência te fazem sobressair entre legiões de líderes incapazes de inspirar senão repulsa ou comiseração, És admirável! -- todos os presentes se adiantaram em concordar -- reúnes tantas qualidades em teu claro pensar que temos a ilusão de que teu claro pensar seja ditado diretamente d'um oráculo. -- o mais velho, cerimoniosamente, fez coro àquele panegírico:
-- "Deveras, quem discordará de vós, senhora, após presenciarmos todos a sede de saber de vossa pupila se transformando ao longo dos últimos anos em obras seminais e colaborações auspiciosas nos empreendimentos notórios? O debate incansável e honesto que protagonizais quotidianamente nos privilegia tão-só em d'ele participar. Aqui mesmo, sem que nos apercebêssemos, transformastes as pilheiras de nossa conversação ociosa em argumentos dignos de atenção. Só não me surpreendo mais por ter me acostumado a ver vos transformar tantas vezes o pó do senso comum no ouro da lógica fundamentada. Ninguém perde em escutar-vos e, sobretudo, em ler-vos!"
-- "O senhor m'encabula com deferências que me ultrapassam." -- agradeceu a moça -- "Só espero que meu ensaio seja digno de tanta boa-vontade quanto esta que m'expressais." -- e voltando-se para sua amiga: -- "Tua amizade, minha querida, faz com que me vejas mais influente do que de facto sou... Esforço-me, deveras, em ocupar espaços de discussão, espalhando escritos às mais diferentes publicações, antes com a teimosia dos insistentes do que com a sobriedade dos pensadores argutos. Conheci muitos excepcionais, aliás, que me servem de balizadores imprescindíveis para que meus escritos ousem as contribuições que se arvoram.. No mais, entre amigos é sempre mais suave a interpelação para que se construir os argumentos d'um conjunto de ideias. Só me resta em meu esforço para compreender as questões d'este mundo lançar luzes cada vez mais bem orientadas sobre o estado de coisas que nos mantém ordenados n'uma coletividade. Pretendo escrever mais amiúde sobre esse misterioso liame que reúne os indivíduos em torno de regras e normas, constrangendo-os a abrir mão de liberdades de sua natureza egocentrada e se submeterem ao bem comum. Deixo os senhores com vossos assuntos agradecida pelas gentilezas!" -- e despediu-se d'aquele grupo.
A dona e a jovem continuaram sua caminhada pelo campus.
(continua ...)
Betim - 26 10 2019
sexta-feira, 25 de outubro de 2019
NÁUSEA
NÁUSEA
A cabeça girando em carrocel
Em luz ora embaçada; ora medonha...
Maldigo a jornada da cegonha,
Enquanto de bastardos sou bedel!
Rascunho maus escritos no papel
Antes d'eu os perder entre a vergonha
E o vômito de cerveja mais maconha
Tragada às escondidas n'um hotel.
A algazarra em redor me desnorteia
A ponto d'eu seguir desconhecidos,
Jogando comprimidos à mancheia!...
Logo, eu e meus amigos desvalidos
Não mais que d'outro excesso a cena feia
N'algum estranho sítio amanhecidos...
Betim - 24 10 2019
A cabeça girando em carrocel
Em luz ora embaçada; ora medonha...
Maldigo a jornada da cegonha,
Enquanto de bastardos sou bedel!
Rascunho maus escritos no papel
Antes d'eu os perder entre a vergonha
E o vômito de cerveja mais maconha
Tragada às escondidas n'um hotel.
A algazarra em redor me desnorteia
A ponto d'eu seguir desconhecidos,
Jogando comprimidos à mancheia!...
Logo, eu e meus amigos desvalidos
Não mais que d'outro excesso a cena feia
N'algum estranho sítio amanhecidos...
Betim - 24 10 2019
O FALSO MESSIAS
O FALSO MESSIAS
O erro do esperto é sempre pensar ser
Bem mais esperto até que os mais espertos...
Dar esperança, em tempos tão incertos,
Tendo tantos segredos a esconder...
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Lograra com enganos parecer
Entre cegos alguém d'olhos abertos.
Na promessa d'haver enfim despertos
Aqueles que seguissem seu querer.
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Mas 'inda que sucesso venha a ter,
Como se manterão indescobertos
Os engodos que brotam nos desertos
Sem miragens de oásis a entreter?
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Quando a máscara à face desprender
E revelar como actos nada certos
Conduziam a crimes encobertos
Só restará ao falso desdizer
-- O seu afã de glórias e poder...
Belo Horizonte - 25 10 2019
O erro do esperto é sempre pensar ser
Bem mais esperto até que os mais espertos...
Dar esperança, em tempos tão incertos,
Tendo tantos segredos a esconder...
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Lograra com enganos parecer
Entre cegos alguém d'olhos abertos.
Na promessa d'haver enfim despertos
Aqueles que seguissem seu querer.
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Mas 'inda que sucesso venha a ter,
Como se manterão indescobertos
Os engodos que brotam nos desertos
Sem miragens de oásis a entreter?
-- Tamanho o afã de glórias e poder.
Quando a máscara à face desprender
E revelar como actos nada certos
Conduziam a crimes encobertos
Só restará ao falso desdizer
-- O seu afã de glórias e poder...
Belo Horizonte - 25 10 2019
S'ENRICAR!
S'ENRICAR!
Mais foram as virtudes do que os vícios
Que me trouxeram, com tal destempero,
Para ess'outro lugar de desespero
À sombra de viadutos e edifícios.
Da metrópole imensa os artifícios
Espocam nas champanhas do exaspero.
Co'as sobras dos burgueses eu prospero
E banqueteio em meio a desperdícios.
Mísero que sou, busco enriquecer
Às margens do mercado e do poder,
Dando tombos em crédulos e incautos.
E embora lhes pareça um vagabundo
Ouso pensar que sou senhor do mundo;
Escravo da Fortuna e de seus saltos!
Belo Horizonte - 22 10 2019
quinta-feira, 24 de outubro de 2019
O SOL E A LUA - eclipse solar
O SOL E A LUA - eclipse solar
Quem prevalecerá, o Sol ou a Lua?…
Ambos astros observo ao firmamento,
Superpostos por tão breve momento,
Que aligeirada pena perpetua.
Resplandecente o Sol, à vista nua
Malferia em beleza ao surgimento.
Logo após, chega a Lua àquele evento
A projetar em mim a sombra sua.
O sol recente aurora sucedia
A altíssimo reinar 'té o arrebol
Sendo surpreendido hoje, todavia:
Visto que em pleno dia, igual farol,
Aquela que a coroas desafia…
A Lua totalmente eclipsa o Sol!
Belo Horizonte - 24 10 1992
Quem prevalecerá, o Sol ou a Lua?…
Ambos astros observo ao firmamento,
Superpostos por tão breve momento,
Que aligeirada pena perpetua.
Resplandecente o Sol, à vista nua
Malferia em beleza ao surgimento.
Logo após, chega a Lua àquele evento
A projetar em mim a sombra sua.
O sol recente aurora sucedia
A altíssimo reinar 'té o arrebol
Sendo surpreendido hoje, todavia:
Visto que em pleno dia, igual farol,
Aquela que a coroas desafia…
A Lua totalmente eclipsa o Sol!
Belo Horizonte - 24 10 1992
SESQUIQUINTA
SESQUIQUINTA
Uma fração de som; em semitom.
Música que atravessa toda a sala
E que ao fazer-se ouvir logo me cala
Na aguda afinação d'um acordeon.
Flanar é condição sine qua non
A sentir a minúcia que intercala
Solfejos singulares pela escala
Até harmonizarem cada som.
Muitos a melodia leva ao sono,
Enquanto outros se veem em abandono...
Melômanos às voltas com concertos.
E nas idas e vindas do instrumento,
Apenas usufruir d'esse momento
Como sonhando d'olhos bem abertos.
Betim - 24 10 2019
Uma fração de som; em semitom.
Música que atravessa toda a sala
E que ao fazer-se ouvir logo me cala
Na aguda afinação d'um acordeon.
Flanar é condição sine qua non
A sentir a minúcia que intercala
Solfejos singulares pela escala
Até harmonizarem cada som.
Muitos a melodia leva ao sono,
Enquanto outros se veem em abandono...
Melômanos às voltas com concertos.
E nas idas e vindas do instrumento,
Apenas usufruir d'esse momento
Como sonhando d'olhos bem abertos.
Betim - 24 10 2019
TROCA-TINTAS
TROCA-TINTAS
Na arte, nunca passei d'um troca-tintas,
Que repinta onde mijam os cachorros...
Sejam telas os muros pelos morros
D'onde as letras irrompam-me retintas!
Por preferir as coisas mais sucintas,
Recebendo ora tapas ora esporros,
Um malandro das letras sem socorros
Eu me fiz para o bem de minhas pintas...
Quem me conhece sabe d'estas sardas,
Que mal me salpicou às faces pardas
Um anjo torto logo que nasci.
Correm por aí, qu'eu sei, minhas mazelas.
Mas só quem escreveu n'essas favelas
Foi artista como eu sou por aqui!
Betim - 23 10 2019
Na arte, nunca passei d'um troca-tintas,
Que repinta onde mijam os cachorros...
Sejam telas os muros pelos morros
D'onde as letras irrompam-me retintas!
Por preferir as coisas mais sucintas,
Recebendo ora tapas ora esporros,
Um malandro das letras sem socorros
Eu me fiz para o bem de minhas pintas...
Quem me conhece sabe d'estas sardas,
Que mal me salpicou às faces pardas
Um anjo torto logo que nasci.
Correm por aí, qu'eu sei, minhas mazelas.
Mas só quem escreveu n'essas favelas
Foi artista como eu sou por aqui!
Betim - 23 10 2019
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
TUDO SOBRE TODAS AS COISAS
TUDO SOBRE TODAS AS COISAS
Sem que nada soubesse, tudo disse...
Havia uma candura em sua face,
Que muito embora o tempo lhe passasse
Aparentava ainda meninice.
Não acreditaria se não visse:
Entre as idas e vindas d'um impasse,
Riso que tanta angústia segredasse
Embora a costumeira gaiatice.
A teoria de tudo e o afã de nadas.
Nos olhos, nebulosas consteladas
Giram em derredor de seu sorriso.
Talvez a gaia ciência niestzschiana
Lance luzes em sua dor humana,
Enfim perdidos Deus e o paraíso.
Matozinhos - 22 10 2019
terça-feira, 22 de outubro de 2019
FENESCÊNCIA
FENESCÊNCIA
Porque tudo que é belo, lentamente.
Perde brilho, frescor, vivacidade...
A flor perdendo a cor e a claridade
Murchava inelutável à tua frente!
Assim também os olhos de inocente
Que na infância luziam sem maldade
E agora, com total perplexidade,
Fartos de ver esperam tão-somente...
Eu e tu temos amado quanto é belo,
Mas de ipês o mais vívido amarelo
Contemplamos extáticos ano a ano.
Pois mesmo a fenescência d'estas flores,
Alcatifando o chão de belas cores
Nos traz da decadência um áureo engano.
Matozinhos - 22 10 2019
Porque tudo que é belo, lentamente.
Perde brilho, frescor, vivacidade...
A flor perdendo a cor e a claridade
Murchava inelutável à tua frente!
Assim também os olhos de inocente
Que na infância luziam sem maldade
E agora, com total perplexidade,
Fartos de ver esperam tão-somente...
Eu e tu temos amado quanto é belo,
Mas de ipês o mais vívido amarelo
Contemplamos extáticos ano a ano.
Pois mesmo a fenescência d'estas flores,
Alcatifando o chão de belas cores
Nos traz da decadência um áureo engano.
Matozinhos - 22 10 2019
HIPERTENSO
HIPERTENSO
Em sendo o coração involuntário,
Apenas bate como e quando quer...
Sobrecarregando ânimos quaisquer
N'um esforço exaustivo e temerário.
Estufa forte o pulso em seu calvário,
Da maneira que mais se lhe aprouver.
E, independente se homem ou mulher,
Padece sob um ritmo extraordinário.
Outra veia salta alta pela testa
Que depois de fortíssima enxaqueca
Deixasse o peito opresso e a boca seca.
A morte já s'esgueira ali, molesta,
Até que o coração extenuado
Se farte de bater tão mal e errado!..
Lagoa Santa - 20 10 2019
Em sendo o coração involuntário,
Apenas bate como e quando quer...
Sobrecarregando ânimos quaisquer
N'um esforço exaustivo e temerário.
Estufa forte o pulso em seu calvário,
Da maneira que mais se lhe aprouver.
E, independente se homem ou mulher,
Padece sob um ritmo extraordinário.
Outra veia salta alta pela testa
Que depois de fortíssima enxaqueca
Deixasse o peito opresso e a boca seca.
A morte já s'esgueira ali, molesta,
Até que o coração extenuado
Se farte de bater tão mal e errado!..
Lagoa Santa - 20 10 2019
domingo, 20 de outubro de 2019
UM CAVALO DE BATALHA
UM CAVALO DE BATALHA
Insisto: Nem tudo é de verdade...
Reservo-me o direito de fingir!
De especular, de achar e de mentir
Sem qualquer ilusão co'a realidade.
Convivo com alguma insanidade,
Cuja sabedoria me é devir.
Tenho aprendido a ser para existir,
Outrando-me com grande liberdade.
Faço d'isso um cavalo de batalha
Que, para bem ou mal, pela avanguarda
Meu estandarte traz contra a metralha!
Se a vida tanto falha quanto tarda,
Eu uso a fantasia que me calha,
Seja quem for por sob a pele parda.
Lagoa Santa - 20 10 2019
Insisto: Nem tudo é de verdade...
Reservo-me o direito de fingir!
De especular, de achar e de mentir
Sem qualquer ilusão co'a realidade.
Convivo com alguma insanidade,
Cuja sabedoria me é devir.
Tenho aprendido a ser para existir,
Outrando-me com grande liberdade.
Faço d'isso um cavalo de batalha
Que, para bem ou mal, pela avanguarda
Meu estandarte traz contra a metralha!
Se a vida tanto falha quanto tarda,
Eu uso a fantasia que me calha,
Seja quem for por sob a pele parda.
Lagoa Santa - 20 10 2019
MONOTONIA
MONOTONIA
A vida repetia o mesmo dia
Há tantos anos já que nem sei mais...
E, dia após dia, dias tão iguais,
Onde nada de novo acontecia.
Acostumado a tal monotonia,
Eu mal me diferia dos demais,
N'um existir mecânico... Ademais,
Andando sem razão ou fantasia.
Era segunda, sábado ou domingo?
Ora exclamo: "Amém!"; ora outra: "Bingo!"
Com este tom mesmíssimo de tédio.
Como se desprovido de emoção,
Percebo tão vazio o coração
Que apenas álcool passa por remédio...
Betim - 19 10 2019
A vida repetia o mesmo dia
Há tantos anos já que nem sei mais...
E, dia após dia, dias tão iguais,
Onde nada de novo acontecia.
Acostumado a tal monotonia,
Eu mal me diferia dos demais,
N'um existir mecânico... Ademais,
Andando sem razão ou fantasia.
Era segunda, sábado ou domingo?
Ora exclamo: "Amém!"; ora outra: "Bingo!"
Com este tom mesmíssimo de tédio.
Como se desprovido de emoção,
Percebo tão vazio o coração
Que apenas álcool passa por remédio...
Betim - 19 10 2019
sábado, 19 de outubro de 2019
APRENDIZADO
APRENDIZADO
O que sei e o que não sei
Resulta no que aprendi.
Na escola de cor ouvi
Cada rio e cada rei,
Que logo após esqueci.
Mas aprendi a aprender...
Isto é que é mais importante:
Buscar para cada instante
Quanto precise saber
Para entendê-lo pensante.
Pois conhecer e pensar
As duas faces do estudo.
Sábio não é saber tudo,
Sim o saber procurar
A ver o obscuro desnudo.
A verdade não é crença,
Tampouco o que se deseja.
Saber o que quer que seja,
Se se aceita, não se pensa,
Embora em livros se veja.
Se aprendo desconfiado,
Testando a todo momento.
É que tudo já pensado
Para ser conhecimento
Antes foi aprendizado.
Betim - 19 10 2019
KAMIKAZE
KAMIKAZE (vilanela)
Fizeram-me pensar que pelo ideal
Se deve dar a vida e mesmo a morte
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Moldado como máquina mortal,
Ser escolhido herói foi muita sorte!
- Fizeram-me pensar que pelo ideal…
Na guerra, como orgulho nacional,
Decerto o próprio Deus me fez mais forte
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Para acabar com todos afinal
E morrer sem que nada mais importe,
Fizeram-me pensar que pelo ideal.
Jamais ver o inimigo como igual
E somente a vitória ter por norte,
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Um mártir pela pátria, arma letal,
Eu os mate e me mate n'um só corte…
- Fizeram-me pensar que pelo ideal?
Betim - 07 09 2019
Fizeram-me pensar que pelo ideal
Se deve dar a vida e mesmo a morte
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Moldado como máquina mortal,
Ser escolhido herói foi muita sorte!
- Fizeram-me pensar que pelo ideal…
Na guerra, como orgulho nacional,
Decerto o próprio Deus me fez mais forte
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Para acabar com todos afinal
E morrer sem que nada mais importe,
Fizeram-me pensar que pelo ideal.
Jamais ver o inimigo como igual
E somente a vitória ter por norte,
N'uma luta onde o bem vencesse o mal.
Um mártir pela pátria, arma letal,
Eu os mate e me mate n'um só corte…
- Fizeram-me pensar que pelo ideal?
Betim - 07 09 2019
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
O QUÊ?
O QUÊ?
Não sei se eu entendi o que disseste,
Mas, se for o que penso, nada astuto...
O que me ofende às vezes nem escuto
Para não responder a cafajeste.
Com raiva nunca sai nada que preste,
Só restando calar-me, resoluto.
'Té seis por meia dúzia já permuto
Antes que algum diabo me conteste.
Vai te catar coquinho pelo pasto!
Seguro que me afasto d'um nefasto
Que tenta me roubar a minha paz...
E enquanto da contenda elevas a haste,
Melhor ser surdo ao absurdo que falaste
Certo que tanto fez ou tanto faz.
Betim - 18 10 2019
Não sei se eu entendi o que disseste,
Mas, se for o que penso, nada astuto...
O que me ofende às vezes nem escuto
Para não responder a cafajeste.
Com raiva nunca sai nada que preste,
Só restando calar-me, resoluto.
'Té seis por meia dúzia já permuto
Antes que algum diabo me conteste.
Vai te catar coquinho pelo pasto!
Seguro que me afasto d'um nefasto
Que tenta me roubar a minha paz...
E enquanto da contenda elevas a haste,
Melhor ser surdo ao absurdo que falaste
Certo que tanto fez ou tanto faz.
Betim - 18 10 2019
NÃO ME TOQUES
NÃO ME TOQUES
Não me toques. Jamais! Não me rodeies
Melhor ficar sozinho com meus medos
Do que manipulado por teus dedos;
Sempre à merce de tudo quanto anseies.
Não importa que me ames ou me odeies:
Tu só me fazes mal! Entre folguedos,
Me tens como mais um d'estes brinquedos,
A despeito de que outra te alardeies.
Não pretendas roubar-me de mim mesmo
Como se eu estivesse rondando a esmo
À procura de estúpidos tiranos.
Não te aproximes. Nunca mais! Nem tentes...
É vão quereres bem a quem tu mentes,
Se sabes me trazer senão enganos!...
Betim - 18 10 2019
Não me toques. Jamais! Não me rodeies
Melhor ficar sozinho com meus medos
Do que manipulado por teus dedos;
Sempre à merce de tudo quanto anseies.
Não importa que me ames ou me odeies:
Tu só me fazes mal! Entre folguedos,
Me tens como mais um d'estes brinquedos,
A despeito de que outra te alardeies.
Não pretendas roubar-me de mim mesmo
Como se eu estivesse rondando a esmo
À procura de estúpidos tiranos.
Não te aproximes. Nunca mais! Nem tentes...
É vão quereres bem a quem tu mentes,
Se sabes me trazer senão enganos!...
Betim - 18 10 2019
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
DESILUSÃO
DESILUSÃO
Já tive por mau hábito escrever
Acerca de teus olhos duvidosos.
E depois de dez anos, dois esposos...
Enfim achaste tempo de me ver!
Diante d'um conhecido desprazer,
Sorri como costumam os idosos
Mesmo porque me foram desditosos
Os anos que gastei a t'esquecer.
Eu não estou mais moço; tu tampouco.
Talvez mais pensativo, menos louco.
Mas, de forma nenhuma convencido.
Perdidas as razões do coração,
Desconheço onde há mais desilusão!
Quem de nós dois o mais desiludido...
Betim - 16 10 2019
Já tive por mau hábito escrever
Acerca de teus olhos duvidosos.
E depois de dez anos, dois esposos...
Enfim achaste tempo de me ver!
Diante d'um conhecido desprazer,
Sorri como costumam os idosos
Mesmo porque me foram desditosos
Os anos que gastei a t'esquecer.
Eu não estou mais moço; tu tampouco.
Talvez mais pensativo, menos louco.
Mas, de forma nenhuma convencido.
Perdidas as razões do coração,
Desconheço onde há mais desilusão!
Quem de nós dois o mais desiludido...
Betim - 16 10 2019
NOS LUGARES ALTOS
NOS LUGARES ALTOS
De madrugada vão orar no monte,
Crentes ali de Deus estarem perto.
Elevam seu clamor ao vento incerto,
Em louvores até que o sol desponte.
Seu pastor ergue a Lei para o horizonte,
E ao povo põe a morte a descoberto,
Mantendo-os pelo medo então desperto,
Sem deixar nem a moeda de Caronte...
Não sei Deus onde está ou mesmo se é,
Mas eu, homem de muito pouca fé,
Me impressiono com tanto sacrifício.
E embora não entenda, lhes respeito
Visto eu buscar o Além do mesmo jeito,
Observando o Universo ao precipício.
Betim -15 10 2019
De madrugada vão orar no monte,
Crentes ali de Deus estarem perto.
Elevam seu clamor ao vento incerto,
Em louvores até que o sol desponte.
Seu pastor ergue a Lei para o horizonte,
E ao povo põe a morte a descoberto,
Mantendo-os pelo medo então desperto,
Sem deixar nem a moeda de Caronte...
Não sei Deus onde está ou mesmo se é,
Mas eu, homem de muito pouca fé,
Me impressiono com tanto sacrifício.
E embora não entenda, lhes respeito
Visto eu buscar o Além do mesmo jeito,
Observando o Universo ao precipício.
Betim -15 10 2019
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
MARASMO
MARASMO
O tédio te invade, poeta,
Nas cinzas do teu cigarro.
Teus vagos olhos de esteta
Veem a tristeza concreta
Nas flores murchas d'um jarro...
Escreves senão ao escarro
D'uma plateia seleta
Que anseia, desinquieta,
Tanto o novo que o bizarro
A suas vidas sem meta.
Não lamentes as ingratas,
Que tão volúveis te afagam.
Tampouco o afã de magnatas
Que em meio a vãs serenatas
D'aguardente s'embriagam...
Tuas pegadas se apagam
Entre pessoas cordatas,
Que a bazofiar bravatas
Tonteiam e após t'esmagam
Como fazem às baratas!...
As angústias que partilhas
Lhes entretêm os serões...
Tuas grandes maravilhas
Se apequenam nas cartilhas
Dos que não têm opiniões.
Obscurecem-te os clarões
Entre intrigas peralvilhas
A buscar senão senões
D'estas rudes redondilhas.
Corre os olhos pelas linhas
E apura o teu versejar!...
Faz d'estas horas sozinhas
Mais estrofes comezinhas
Para alheios embalar...
Traz um imenso luar
Para as novas carochinhas
Que bem ou mal adivinhas
Onde as rimas dão lugar
A novidades mesquinhas...
Porque se indústria a cultura;
As letras, outro mercado.
Nega essa tua loucura
A quem decerto assegura
D'ela fazer um legado...
Pois, nem certo nem errado,
'Inda vives à procura
Do que sublime figura:
tanto marasmo extremado
Faça-se Literatura!
Betim - 14 10 2019
O tédio te invade, poeta,
Nas cinzas do teu cigarro.
Teus vagos olhos de esteta
Veem a tristeza concreta
Nas flores murchas d'um jarro...
Escreves senão ao escarro
D'uma plateia seleta
Que anseia, desinquieta,
Tanto o novo que o bizarro
A suas vidas sem meta.
Não lamentes as ingratas,
Que tão volúveis te afagam.
Tampouco o afã de magnatas
Que em meio a vãs serenatas
D'aguardente s'embriagam...
Tuas pegadas se apagam
Entre pessoas cordatas,
Que a bazofiar bravatas
Tonteiam e após t'esmagam
Como fazem às baratas!...
As angústias que partilhas
Lhes entretêm os serões...
Tuas grandes maravilhas
Se apequenam nas cartilhas
Dos que não têm opiniões.
Obscurecem-te os clarões
Entre intrigas peralvilhas
A buscar senão senões
D'estas rudes redondilhas.
Corre os olhos pelas linhas
E apura o teu versejar!...
Faz d'estas horas sozinhas
Mais estrofes comezinhas
Para alheios embalar...
Traz um imenso luar
Para as novas carochinhas
Que bem ou mal adivinhas
Onde as rimas dão lugar
A novidades mesquinhas...
Porque se indústria a cultura;
As letras, outro mercado.
Nega essa tua loucura
A quem decerto assegura
D'ela fazer um legado...
Pois, nem certo nem errado,
'Inda vives à procura
Do que sublime figura:
tanto marasmo extremado
Faça-se Literatura!
Betim - 14 10 2019
domingo, 13 de outubro de 2019
DESAGRAVOS E OUTRAS AGUDEZAS DO ESPÍRITO
DESAGRAVOS E OUTRAS AGUDEZAS DO ESPÍRITO
Injuriado, injustiçado, incomunicável… Quanto sofrimento há-de aguentar um coração? Parece bom aos que se veem como bons serem maus com os que veem como maus! Toda acto de força é uma fraqueza, sobretudo quando os violentos juram fazer uso d'ela para o bem. Eu não sou um violento. Ele também não. Pacifistas por princípio, preferimos morrer a matar quem quer que seja, pois, a manutenção de minha vida não justifica o extermínio de outra. Não sou santo; ele não é santo, mas, humanamente, não vemos sentido em dividir a Humanidade entre bons e maus, embora muitos o façam.
Em todo caso, uma vez acusado de se omitir diante de malfeitores e condenado por não combater suas maldades, os bons -- que nem são tão bons assim… -- julgaram por bem decidir que ele não devia ser contado entre os bons e lhe deram a pena que se concede aos muito maus, de sorte que, declarado muito mau, ele fosse contado entre os maus. Convém salientar que para homens como nós -- isto é, pacifistas -- os conceitos de bom e mau nos são quase indiferentes por inconclusivos ou circunstanciais. No caso, ele foi mau por se negar a ser mau com os maus, segundo os bons. Percebe-se que a bondade d'estes é uma caprichosa construção colectiva na qual todos aceitam seus papeis sociais e concorrem pelo bem comum dos bons enquanto os maus, uma vez identificados, são progressivamente excluídos do convívio social, quando não exterminados.
Ele sabe que eu sei que ele não é mau, mesmo com os critérios estabelecidos sob a égide da bondade do momento, que imputa, por exclusão, o rótulo de maus aos que relativizam ou mesmo condenam tal bondade de ocasião. Sem embargo, animais sociais que somos, submetemo-nos aos conceitos e valores d'esta sociedade para existirmos n'ela, portanto, respeitamos suas leis, regras, normas e etiquetas, ainda que as saibamos puramente convencionais. O que realmente não é convencional, é a vida humana; é o sofrimento humano. Existimos entre homens que acreditam na bondade -- e mais, que se acreditam bons!-- embora conscientes das limitações d'esta bondade. Afinal, os costumes mudam, mas a condição humana permanece. A única ética possível para homens como nós, cujas ideias já foram estabelecidas para além do bem e do mal, é de alinhar decisões, posturas e actitudes sempre entre aquelas que diminuam o sofrimento das pessoas ou seu desenvolvimento humano. Não há cor, símbolo, bandeira, camisa, hino ou distinção passional que seja capaz de distinguir para nós os homens entre "nós" e "eles", tanto quanto a distinção entre "bons" e "maus" tampouco nos servira.
O que existe são homens e todos sangram abertas as veias. Não entendo como se possa negar ajuda pela cor da camisa do outro… Ele também não. Isso nos faz objeto da incompreensão de uns e outros, visto que para muitos o grande exercício da vida é aprender a identificar os valores que regem este ou aquele indivíduo e lhe impingir um rótulo definitivo: Preto, branco, mestiço, veado, maconheiro, bandido, vagabundo, fracassado, parasita, acomodado, inútil, papa-hóstias, macumbeiro, ateu, safado, comunista, reacionário, babaca, otário, gado, milico, punheteiro, arrombado, lambe-botas, patriota, americanófilo, xenófobo, misógino, machista, feminista, conservador, caipira, caipora, favelado, sem-terra, reformista, esquerdista, direitista, centrista, fascista…
Enfim, tudo aquilo que os homens de bem não são. Homens bons não são nada além de juízes dos outros. Mas para se sentirem merecedores d'este patamar elevado do qual assistem os homens em seus conflitos quotidianos e pôr em funcionamento sua máquina de etiquetar, eles se tornam suprapartidários e apolíticos, não para fazerem filosofia ou poesia, como eu e ele eventualmente pretendemos, mas sim para purificarem o poder e exercê-lo sob um paradigma sobre-humano -- o que é uma desumanidade em si.
Eu e ele, ao contrário dos bons, abdicamos de julgar os homens quando nos vimos igualmente sujeitos a paixões e sofrimentos. Quem quiser observar o homem e entender suas acções deve ter em mente que esse ser entre os seres morre, adoece, ama, odeia, come, bebe, se droga e, sobretudo, pensa. Entre a dor e o prazer, existe por um certo tempo n'esse mundo. Isso implica em ter menos gente presa ou morta pela coletividade quanto for possível. Do mesmo modo, menos exércitos espalhados pelo planeta garantindo antes o fluxo de matérias-primas que a pacificação de territórios às voltas com guerras fratricidas. O que deveria ser excepcional, infelizmente, tornou-se a regra. A democracia para os bons é uma questão de demografia. N'um mundo de "nós" e "eles", os muros são mais importantes que as pontes, pois, os capitais devem circular livremente; as pessoas, não. Eu e ele sabemos que isso é uma distopia apocalíptica, mas os bons não se incomodam em dividir o mundo novamente e usufruir d'ele em ilhas exclusivas, inacessíveis aos maus.
O sonho dos bons, em última análise, é um genocídio. A diferença é que acreditam ter as mãos limpas enquanto se afastam do caos que consideram o mundo sem eles e que os maus vão acabar se matando uns aos outros. De longe, nas terras altas e frias do Norte, hão-de olhar horrorizados para as zonas de guerra mundo afora e educarem seus filhos com o mantra "vocês têm sorte", mostrando a precariedade da vida no mundo que abandonaram aos maus, ainda que estes sejam crianças famélicas.
Ele está preso; eu, não. Mas o que não temos em comum com os bons que o prenderam é a ilusão de somos bons ou melhores que os outros. Apenas somos, com nossas ideias e esperanças. O dia que os bons partirem de vez para as Ilhas Afortunadas que o dinheiro d'eles emancipou do resto do mundo e deixarem para os que aceitam a Humanidade como imperfeita, esse CU DO MUNDO que eles desdenham será ainda o nosso país. Um país que não barra ninguém na fronteira e se alegra em ser o mais diverso e colorido possível. Um país onde ninguém liga para o que outro faz ou é. Onde há pobres, sim! Favelados, sim! Analfabetos, sim! Sem-tetos, sim! Difícil porque não é óbvio como a cor da pele ou a boca que se beija… A distinção entre bons e maus tem de ser superada sob pena de sermos todos maus segundo os critérios dos que se autoafirmaram bons.
E estes, eu e ele o sabemos, um dia vão partir de vez em busca da ordem e progresso que não enxergam por aqui em algum lugar bem mais ao Norte.
Betim -13 10 2019
Injuriado, injustiçado, incomunicável… Quanto sofrimento há-de aguentar um coração? Parece bom aos que se veem como bons serem maus com os que veem como maus! Toda acto de força é uma fraqueza, sobretudo quando os violentos juram fazer uso d'ela para o bem. Eu não sou um violento. Ele também não. Pacifistas por princípio, preferimos morrer a matar quem quer que seja, pois, a manutenção de minha vida não justifica o extermínio de outra. Não sou santo; ele não é santo, mas, humanamente, não vemos sentido em dividir a Humanidade entre bons e maus, embora muitos o façam.
Em todo caso, uma vez acusado de se omitir diante de malfeitores e condenado por não combater suas maldades, os bons -- que nem são tão bons assim… -- julgaram por bem decidir que ele não devia ser contado entre os bons e lhe deram a pena que se concede aos muito maus, de sorte que, declarado muito mau, ele fosse contado entre os maus. Convém salientar que para homens como nós -- isto é, pacifistas -- os conceitos de bom e mau nos são quase indiferentes por inconclusivos ou circunstanciais. No caso, ele foi mau por se negar a ser mau com os maus, segundo os bons. Percebe-se que a bondade d'estes é uma caprichosa construção colectiva na qual todos aceitam seus papeis sociais e concorrem pelo bem comum dos bons enquanto os maus, uma vez identificados, são progressivamente excluídos do convívio social, quando não exterminados.
Ele sabe que eu sei que ele não é mau, mesmo com os critérios estabelecidos sob a égide da bondade do momento, que imputa, por exclusão, o rótulo de maus aos que relativizam ou mesmo condenam tal bondade de ocasião. Sem embargo, animais sociais que somos, submetemo-nos aos conceitos e valores d'esta sociedade para existirmos n'ela, portanto, respeitamos suas leis, regras, normas e etiquetas, ainda que as saibamos puramente convencionais. O que realmente não é convencional, é a vida humana; é o sofrimento humano. Existimos entre homens que acreditam na bondade -- e mais, que se acreditam bons!-- embora conscientes das limitações d'esta bondade. Afinal, os costumes mudam, mas a condição humana permanece. A única ética possível para homens como nós, cujas ideias já foram estabelecidas para além do bem e do mal, é de alinhar decisões, posturas e actitudes sempre entre aquelas que diminuam o sofrimento das pessoas ou seu desenvolvimento humano. Não há cor, símbolo, bandeira, camisa, hino ou distinção passional que seja capaz de distinguir para nós os homens entre "nós" e "eles", tanto quanto a distinção entre "bons" e "maus" tampouco nos servira.
O que existe são homens e todos sangram abertas as veias. Não entendo como se possa negar ajuda pela cor da camisa do outro… Ele também não. Isso nos faz objeto da incompreensão de uns e outros, visto que para muitos o grande exercício da vida é aprender a identificar os valores que regem este ou aquele indivíduo e lhe impingir um rótulo definitivo: Preto, branco, mestiço, veado, maconheiro, bandido, vagabundo, fracassado, parasita, acomodado, inútil, papa-hóstias, macumbeiro, ateu, safado, comunista, reacionário, babaca, otário, gado, milico, punheteiro, arrombado, lambe-botas, patriota, americanófilo, xenófobo, misógino, machista, feminista, conservador, caipira, caipora, favelado, sem-terra, reformista, esquerdista, direitista, centrista, fascista…
Enfim, tudo aquilo que os homens de bem não são. Homens bons não são nada além de juízes dos outros. Mas para se sentirem merecedores d'este patamar elevado do qual assistem os homens em seus conflitos quotidianos e pôr em funcionamento sua máquina de etiquetar, eles se tornam suprapartidários e apolíticos, não para fazerem filosofia ou poesia, como eu e ele eventualmente pretendemos, mas sim para purificarem o poder e exercê-lo sob um paradigma sobre-humano -- o que é uma desumanidade em si.
Eu e ele, ao contrário dos bons, abdicamos de julgar os homens quando nos vimos igualmente sujeitos a paixões e sofrimentos. Quem quiser observar o homem e entender suas acções deve ter em mente que esse ser entre os seres morre, adoece, ama, odeia, come, bebe, se droga e, sobretudo, pensa. Entre a dor e o prazer, existe por um certo tempo n'esse mundo. Isso implica em ter menos gente presa ou morta pela coletividade quanto for possível. Do mesmo modo, menos exércitos espalhados pelo planeta garantindo antes o fluxo de matérias-primas que a pacificação de territórios às voltas com guerras fratricidas. O que deveria ser excepcional, infelizmente, tornou-se a regra. A democracia para os bons é uma questão de demografia. N'um mundo de "nós" e "eles", os muros são mais importantes que as pontes, pois, os capitais devem circular livremente; as pessoas, não. Eu e ele sabemos que isso é uma distopia apocalíptica, mas os bons não se incomodam em dividir o mundo novamente e usufruir d'ele em ilhas exclusivas, inacessíveis aos maus.
O sonho dos bons, em última análise, é um genocídio. A diferença é que acreditam ter as mãos limpas enquanto se afastam do caos que consideram o mundo sem eles e que os maus vão acabar se matando uns aos outros. De longe, nas terras altas e frias do Norte, hão-de olhar horrorizados para as zonas de guerra mundo afora e educarem seus filhos com o mantra "vocês têm sorte", mostrando a precariedade da vida no mundo que abandonaram aos maus, ainda que estes sejam crianças famélicas.
Ele está preso; eu, não. Mas o que não temos em comum com os bons que o prenderam é a ilusão de somos bons ou melhores que os outros. Apenas somos, com nossas ideias e esperanças. O dia que os bons partirem de vez para as Ilhas Afortunadas que o dinheiro d'eles emancipou do resto do mundo e deixarem para os que aceitam a Humanidade como imperfeita, esse CU DO MUNDO que eles desdenham será ainda o nosso país. Um país que não barra ninguém na fronteira e se alegra em ser o mais diverso e colorido possível. Um país onde ninguém liga para o que outro faz ou é. Onde há pobres, sim! Favelados, sim! Analfabetos, sim! Sem-tetos, sim! Difícil porque não é óbvio como a cor da pele ou a boca que se beija… A distinção entre bons e maus tem de ser superada sob pena de sermos todos maus segundo os critérios dos que se autoafirmaram bons.
E estes, eu e ele o sabemos, um dia vão partir de vez em busca da ordem e progresso que não enxergam por aqui em algum lugar bem mais ao Norte.
Betim -13 10 2019
NA LUZ VERMELHA
NA LUZ VERMELHA
Tinha dentes amarelos
De café e nicotina...
Seus olhos azuis, tão belos,
Decerto valem castelos,
P'lo que retêm na retina...
Onde castanhos cabelos
Luzes louras se imagina:
Já à cabeça platina
Não sem maiores desvelos
De mulher não mais menina.
Ela pede uma bebida;
Eu acendo seu cigarro.
Gargalha, desinibida,
N'uma risada comprida:
Ela bafora; eu pigarro...
Seu decote convida
E eu, saliente, lhe agarro
Louco por vê-la despida
Com uma fúria incontida.
O que se mostra bizarro...
À escada do sobe-desce
Eu lhe segui pé por pé.
Lá, contudo, me aparece
Um cornudo que padece
Das misérias da má-fé...
Diz o outro que s'entristece
E que mata e morre até!
Mas a dama o desconhece,
E logo a malta enlouquece:
-- "Pega fogo, cabaré!"
Brilha navalha na mão
E voa garrafa no ar!
A dama a chorar no chão
Parece pedir perdão
Ao corno que a quer matar.
Mas já rendido o vilão
Ela renega o chorar
E estapeia um pescoção
Na estupefacta feição
Co'os dedos a lhe marcar.
-- "Sou puta e filha da puta!
Não devo nada a ninguém.
Quem me reprova a conduta
M'expõe como dissoluta,
Dizendo-se homem de bem.
Eis o pateta em disputa
Por dama alheia, porém...
O que ninguém mais refuta
É que quem perdera a luta
Só resta dizer amém!"
E tapa depois de tapa
O corno toma da dama.
Como à malta nada escapa,
Todos riam à socapa
D'aquele pomposo drama...
E quanto a mim -- na caçapa
A bola da vez da trama --
Vencida a primeira etapa,
Ela e eu saímos do mapa
Para acabarmos na cama.
Belo Horizonte - 12 10 2019
Tinha dentes amarelos
De café e nicotina...
Seus olhos azuis, tão belos,
Decerto valem castelos,
P'lo que retêm na retina...
Onde castanhos cabelos
Luzes louras se imagina:
Já à cabeça platina
Não sem maiores desvelos
De mulher não mais menina.
Ela pede uma bebida;
Eu acendo seu cigarro.
Gargalha, desinibida,
N'uma risada comprida:
Ela bafora; eu pigarro...
Seu decote convida
E eu, saliente, lhe agarro
Louco por vê-la despida
Com uma fúria incontida.
O que se mostra bizarro...
À escada do sobe-desce
Eu lhe segui pé por pé.
Lá, contudo, me aparece
Um cornudo que padece
Das misérias da má-fé...
Diz o outro que s'entristece
E que mata e morre até!
Mas a dama o desconhece,
E logo a malta enlouquece:
-- "Pega fogo, cabaré!"
Brilha navalha na mão
E voa garrafa no ar!
A dama a chorar no chão
Parece pedir perdão
Ao corno que a quer matar.
Mas já rendido o vilão
Ela renega o chorar
E estapeia um pescoção
Na estupefacta feição
Co'os dedos a lhe marcar.
-- "Sou puta e filha da puta!
Não devo nada a ninguém.
Quem me reprova a conduta
M'expõe como dissoluta,
Dizendo-se homem de bem.
Eis o pateta em disputa
Por dama alheia, porém...
O que ninguém mais refuta
É que quem perdera a luta
Só resta dizer amém!"
E tapa depois de tapa
O corno toma da dama.
Como à malta nada escapa,
Todos riam à socapa
D'aquele pomposo drama...
E quanto a mim -- na caçapa
A bola da vez da trama --
Vencida a primeira etapa,
Ela e eu saímos do mapa
Para acabarmos na cama.
Belo Horizonte - 12 10 2019
AO POETA AINDA MOÇO
AO POETA AINDA MOÇO
Não. O mundo não t’entende. Como poderia?
Tu te ocupas com letras, não com números…
N’um tempo em que tudo tem preço (sobretudo o próprio tempo…), buscas o imensurável; o inestimável; o infinito!
Não lamentes a incompreensão que deixas como se pegadas em teu caminho: O que te importa pouco importa.
Quantos não seguram um sorriso escarninho quando te apresentas como poeta?
Quantos não olham com pena como em face d’um louco manso que, abobado, cultiva ervas à beira da estrada?
Digno de riso ou de dó, o que preferes?…
Em tua defesa argumentas que escrever talvez não seja uma opção. Concedo, pois, a mim tampouco.
Mas não esperes por um olhar sequer de louvor. Aliás, és de todo indigno de aplausos. O maiores e os melhores estão mortos e é bom que estejam mesmo para não causar senão canseiras a estudantes.
Nada mais inoportuno que um poeta… Para quê subjetividades obtusas ou metáforas pomposas?
Já é pedir demais ao leitor que raciocine! Que se dirá se lhe exigires sensibilidade e atenção?
— “Tome tento, Sr. Poeta!” — dirão eles-outros.
Ao lamentar por ti, lamento por mim. Não vejo
em minhas veleidades literárias senão autoengano.
O orgulho de meus versos deveria ser vergonha, pois,
a liberdade de escrevê-los me custa a vida. E ela
é demasiado valiosa para se perder entre folhas salpicadas de tinta china. Ou pior, face a telas azuis…
Salva tua vida, poeta ainda jovem, enquanto há tempo!
Logo, amarás figuras de linguagem enquanto desenterras vocábulos seiscentistas…
Arqueólogo do futuro, antes procurar a sete palmos inteligências artificiais…
Funda sofisticadíssimas linhagens de máquinas guerreiras.
Escreve apenas crônicas dos reinos pós-humanos!
Publica, sim, ficções pseudocientíficas para androides!
Edita, com apurada programação, entretenimento para sistemas computacionais!
Afinal, até as máquinas s’entediam… Por que não?
Sem embargo, talvez um robô-operário, d’aqui a mil anos,
possa ler os versos de tua língua já morta
e conclamar à última revolução!
Ou senão (muito melhor!) ao Nada.
Nova Lima — 12 10 2019
Não. O mundo não t’entende. Como poderia?
Tu te ocupas com letras, não com números…
N’um tempo em que tudo tem preço (sobretudo o próprio tempo…), buscas o imensurável; o inestimável; o infinito!
Não lamentes a incompreensão que deixas como se pegadas em teu caminho: O que te importa pouco importa.
Quantos não seguram um sorriso escarninho quando te apresentas como poeta?
Quantos não olham com pena como em face d’um louco manso que, abobado, cultiva ervas à beira da estrada?
Digno de riso ou de dó, o que preferes?…
Em tua defesa argumentas que escrever talvez não seja uma opção. Concedo, pois, a mim tampouco.
Mas não esperes por um olhar sequer de louvor. Aliás, és de todo indigno de aplausos. O maiores e os melhores estão mortos e é bom que estejam mesmo para não causar senão canseiras a estudantes.
Nada mais inoportuno que um poeta… Para quê subjetividades obtusas ou metáforas pomposas?
Já é pedir demais ao leitor que raciocine! Que se dirá se lhe exigires sensibilidade e atenção?
— “Tome tento, Sr. Poeta!” — dirão eles-outros.
Ao lamentar por ti, lamento por mim. Não vejo
em minhas veleidades literárias senão autoengano.
O orgulho de meus versos deveria ser vergonha, pois,
a liberdade de escrevê-los me custa a vida. E ela
é demasiado valiosa para se perder entre folhas salpicadas de tinta china. Ou pior, face a telas azuis…
Salva tua vida, poeta ainda jovem, enquanto há tempo!
Logo, amarás figuras de linguagem enquanto desenterras vocábulos seiscentistas…
Arqueólogo do futuro, antes procurar a sete palmos inteligências artificiais…
Funda sofisticadíssimas linhagens de máquinas guerreiras.
Escreve apenas crônicas dos reinos pós-humanos!
Publica, sim, ficções pseudocientíficas para androides!
Edita, com apurada programação, entretenimento para sistemas computacionais!
Afinal, até as máquinas s’entediam… Por que não?
Sem embargo, talvez um robô-operário, d’aqui a mil anos,
possa ler os versos de tua língua já morta
e conclamar à última revolução!
Ou senão (muito melhor!) ao Nada.
Nova Lima — 12 10 2019
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
RAPINA
RAPINA
MOTE:
Como diria um outro em hora incauta:
-- "Quanto mais abunda a bunda o siso falta!..."
GLOSA:
Ela sabe qu'eu olho quando passa
E por isso mesmo olha-me de volta.
Mas me sustenta o olhar, não sem revolta,
E diz a se gabar de sua graça:
-- "Eu sou a caçadora, não a caça."
Agora o seu decote aos olhos salta
E enquanto ela me encara, furibunda,
Já não sei qual saliência é mais rotunda.
Como diria um outro em hora incauta:
-- "Quanto mais abunda a bunda o siso falta!..."
Betim - 11 10 2019
MOTE:
Como diria um outro em hora incauta:
-- "Quanto mais abunda a bunda o siso falta!..."
GLOSA:
Ela sabe qu'eu olho quando passa
E por isso mesmo olha-me de volta.
Mas me sustenta o olhar, não sem revolta,
E diz a se gabar de sua graça:
-- "Eu sou a caçadora, não a caça."
Agora o seu decote aos olhos salta
E enquanto ela me encara, furibunda,
Já não sei qual saliência é mais rotunda.
Como diria um outro em hora incauta:
-- "Quanto mais abunda a bunda o siso falta!..."
Betim - 11 10 2019
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
POR COSTUME
POR COSTUME
A prática que a si não se questiona
Jamais vai perceber se está errada.
Ninguém nunca verá que não vê nada
A não ser que lhe façam vir à tona.
Aquele que a certezas se abandona
Repete sem pensar sua jornada...
Qualquer outra verdade é ignorada
Enquanto a seus princípios não abona.
Porém, se se aproxima dos abismos
Pouco ou nada lhe serve o que conhece
Quando até o impossível acontece.
O empírico é o império dos achismos...
Quem quer se alicerçar na experiência
Constrói-se apenas crenças, não ciência.
Betim - 10 10 2019
AS QUATRO ESTAÇÕES
AS QUATRO ESTAÇÕES
PRIMAVERA - alegro
É primavera! Enfim sibipirunas
D'amarelo a cobrir todo o cimento...
O cinza dá lugar por um momento
À festa de andorinhas e graúnas.
Mil paixões, mesmo as mais inoportunas,
Vêm colorir o olhar de sentimento
Como se uma película de alento
Preenchesse nas retinas as lacunas!...
O tempo todo fico boquiaberto
A ver pelo arvoredo ora desperto
O sol dourar as copas nos outeiros.
Qualquer arbusto vão já s'embeleza
E em cada canto vê-se uma surpresa
Entre floradas, pássaros e cheiros...
* * *
VERÃO - vivace
O sol de meu grotão mais se aproxima
Por madurar as mangas do quintal.
No estio abria as nuvens afinal,
Radiando glorioso lá de cima!...
Mas chega o bem-te-vi com sua rima
E me olha de soslaio no juncal...
Dos baixios batuca o pica-pau
E algum japim gorjeia pouco acima.
É bom andar na roça após as chuvas
A ver logo brotar as águas claras,
Ou sabiás catando ao chão saúvas.
A fresca traz tucanos mais araras,
Que pousam sobre a prata d'embaúvas,
Enquanto o sol se põe entre taquaras...
* * *
OUTONO - adágio
O cheiro das goiabas pelo chão
S'espalha após a enchente derradeira.
Súbito, as folhas secas mais a poeira,
Redemoinham em forte viração...
Cai a tarde p'ros lados do sertão,
Corando terra e céu igual fogueira.
Entrementes, pousadas na figueira,
Maritacas chilreando n'um capão.
Tomado d'essa vã melancolia,
Que a Natura espalha indiferente,
Vou contemplando o fim de mais um dia.
E, inobstante pareça decadente,
O lusco-fusco calmo transluzia
Maturidade plena, finalmente...
* * *
INVERNO - andante
Pelos altos da serra neblinada,
Via-se um mar de morros verdejante,
Enquanto caminhava, viandante,
Subindo em curvas curtas pela estrada.
Nos longes trovejava outra geada
E o vento sibilava sempre uivante.
Eu paro para olhar meio ofegante
Em face da paisagem transtornada.
A tempestade chega, todavia.
Antes qu'eu alcançasse valhacouto,
Perseverava contra o céu revolto.
Logo forte torrente ali descia:
A terra n'um barreiro já s'esgaiva
E as nuvens vêm abaixo na saraiva!
Betim - 09 10 2019
PRIMAVERA - alegro
É primavera! Enfim sibipirunas
D'amarelo a cobrir todo o cimento...
O cinza dá lugar por um momento
À festa de andorinhas e graúnas.
Mil paixões, mesmo as mais inoportunas,
Vêm colorir o olhar de sentimento
Como se uma película de alento
Preenchesse nas retinas as lacunas!...
O tempo todo fico boquiaberto
A ver pelo arvoredo ora desperto
O sol dourar as copas nos outeiros.
Qualquer arbusto vão já s'embeleza
E em cada canto vê-se uma surpresa
Entre floradas, pássaros e cheiros...
* * *
VERÃO - vivace
O sol de meu grotão mais se aproxima
Por madurar as mangas do quintal.
No estio abria as nuvens afinal,
Radiando glorioso lá de cima!...
Mas chega o bem-te-vi com sua rima
E me olha de soslaio no juncal...
Dos baixios batuca o pica-pau
E algum japim gorjeia pouco acima.
É bom andar na roça após as chuvas
A ver logo brotar as águas claras,
Ou sabiás catando ao chão saúvas.
A fresca traz tucanos mais araras,
Que pousam sobre a prata d'embaúvas,
Enquanto o sol se põe entre taquaras...
* * *
OUTONO - adágio
O cheiro das goiabas pelo chão
S'espalha após a enchente derradeira.
Súbito, as folhas secas mais a poeira,
Redemoinham em forte viração...
Cai a tarde p'ros lados do sertão,
Corando terra e céu igual fogueira.
Entrementes, pousadas na figueira,
Maritacas chilreando n'um capão.
Tomado d'essa vã melancolia,
Que a Natura espalha indiferente,
Vou contemplando o fim de mais um dia.
E, inobstante pareça decadente,
O lusco-fusco calmo transluzia
Maturidade plena, finalmente...
* * *
INVERNO - andante
Pelos altos da serra neblinada,
Via-se um mar de morros verdejante,
Enquanto caminhava, viandante,
Subindo em curvas curtas pela estrada.
Nos longes trovejava outra geada
E o vento sibilava sempre uivante.
Eu paro para olhar meio ofegante
Em face da paisagem transtornada.
A tempestade chega, todavia.
Antes qu'eu alcançasse valhacouto,
Perseverava contra o céu revolto.
Logo forte torrente ali descia:
A terra n'um barreiro já s'esgaiva
E as nuvens vêm abaixo na saraiva!
Betim - 09 10 2019
INVERNO - andante
INVERNO - andante
Pelos altos da serra neblinada,
Via-se um mar de morros verdejante,
Enquanto caminhava, viandante,
Subindo em curvas curtas pela estrada.
Nos longes trovejava outra geada
E o vento sibilava sempre uivante.
Eu paro para olhar meio ofegante
Em face da paisagem transtornada.
A tempestade chega, todavia.
Antes qu'eu alcançasse valhacouto,
Perseverava contra o céu revolto.
Logo forte torrente ali descia:
A terra n'um barreiro já s'esgaiva
E as nuvens vêm abaixo na saraiva!
Betim - 09 10 2019
Pelos altos da serra neblinada,
Via-se um mar de morros verdejante,
Enquanto caminhava, viandante,
Subindo em curvas curtas pela estrada.
Nos longes trovejava outra geada
E o vento sibilava sempre uivante.
Eu paro para olhar meio ofegante
Em face da paisagem transtornada.
A tempestade chega, todavia.
Antes qu'eu alcançasse valhacouto,
Perseverava contra o céu revolto.
Logo forte torrente ali descia:
A terra n'um barreiro já s'esgaiva
E as nuvens vêm abaixo na saraiva!
Betim - 09 10 2019
OUTONO - adágio
OUTONO - adágio
O cheiro das goiabas pelo chão
S'espalha após a enchente derradeira.
Súbito, as folhas secas mais a poeira,
Redemoinham em forte viração...
Cai a tarde p'ros lados do sertão,
Corando terra e céu igual fogueira.
Entrementes, pousadas na figueira,
Maritacas chilreando n'um capão.
Tomado d'essa vã melancolia,
Que a Natura espalha indiferente,
Vou contemplando o fim de mais um dia.
E, inobstante pareça decadente,
O lusco-fusco calmo transluzia
Maturidade plena, finalmente...
Betim - 09 10 2019
O cheiro das goiabas pelo chão
S'espalha após a enchente derradeira.
Súbito, as folhas secas mais a poeira,
Redemoinham em forte viração...
Cai a tarde p'ros lados do sertão,
Corando terra e céu igual fogueira.
Entrementes, pousadas na figueira,
Maritacas chilreando n'um capão.
Tomado d'essa vã melancolia,
Que a Natura espalha indiferente,
Vou contemplando o fim de mais um dia.
E, inobstante pareça decadente,
O lusco-fusco calmo transluzia
Maturidade plena, finalmente...
Betim - 09 10 2019
terça-feira, 8 de outubro de 2019
VERÃO - vivace
VERÃO - vivace
O sol de meu grotão mais se aproxima
Por madurar as mangas do quintal.
No estio abria as nuvens afinal,
Radiando glorioso lá de cima!...
Mas chega o bem-te-vi com sua rima
E me olha de soslaio no juncal...
Dos baixios batuca o pica-pau
E algum japim gorjeia pouco acima.
É bom andar na roça após as chuvas
A ver logo brotar as águas claras,
Ou sabiás catando ao chão saúvas.
A fresca traz tucanos mais araras,
Que pousam sobre a prata d'embaúvas,
Enquanto o sol se põe entre taquaras...
Betim - 08 10 2019
O sol de meu grotão mais se aproxima
Por madurar as mangas do quintal.
No estio abria as nuvens afinal,
Radiando glorioso lá de cima!...
Mas chega o bem-te-vi com sua rima
E me olha de soslaio no juncal...
Dos baixios batuca o pica-pau
E algum japim gorjeia pouco acima.
É bom andar na roça após as chuvas
A ver logo brotar as águas claras,
Ou sabiás catando ao chão saúvas.
A fresca traz tucanos mais araras,
Que pousam sobre a prata d'embaúvas,
Enquanto o sol se põe entre taquaras...
Betim - 08 10 2019
PRIMAVERA - alegro
PRIMAVERA - alegro
É primavera! Enfim sibipirunas
D'amarelo a cobrir todo o cimento...
O cinza dá lugar por um momento
À festa de andorinhas e graúnas.
Mil paixões, mesmo as mais inoportunas,
Vêm colorir o olhar de sentimento
Como se uma película de alento
Preenchesse nas retinas as lacunas!...
O tempo todo fico boquiaberto
A ver pelo arvoredo ora desperto
O sol dourar as copas nos outeiros.
Qualquer arbusto vão já s'embeleza
E em cada canto vê-se uma surpresa
Entre floradas, pássaros e cheiros...
Betim - 22 09 2019
É primavera! Enfim sibipirunas
D'amarelo a cobrir todo o cimento...
O cinza dá lugar por um momento
À festa de andorinhas e graúnas.
Mil paixões, mesmo as mais inoportunas,
Vêm colorir o olhar de sentimento
Como se uma película de alento
Preenchesse nas retinas as lacunas!...
O tempo todo fico boquiaberto
A ver pelo arvoredo ora desperto
O sol dourar as copas nos outeiros.
Qualquer arbusto vão já s'embeleza
E em cada canto vê-se uma surpresa
Entre floradas, pássaros e cheiros...
Betim - 22 09 2019
DA ESQUINA
DA ESQUINA
Pediu pão de batata mais café
E junto do balcão olhava a rua.
Ao redor, a cidade se insinua,
No povo que passava em frente a pé.
Através da vitrina a cidade é
E cada linha em fuga a continua
Até onde o Infinito perpetua:
Em paz estava mesmo sem ter fé.
O pedido lhe chega fumegante
E faz pousar os olhos sobre o prato,
Tomando-lhe a atenção por um instante.
Ao fim, fica a sorrir como se grato
Soubesse que me fiz o seu retrato
Tão-só por parecer-me interessante...
Belo Horizonte - 09 10 2019
Pediu pão de batata mais café
E junto do balcão olhava a rua.
Ao redor, a cidade se insinua,
No povo que passava em frente a pé.
Através da vitrina a cidade é
E cada linha em fuga a continua
Até onde o Infinito perpetua:
Em paz estava mesmo sem ter fé.
O pedido lhe chega fumegante
E faz pousar os olhos sobre o prato,
Tomando-lhe a atenção por um instante.
Ao fim, fica a sorrir como se grato
Soubesse que me fiz o seu retrato
Tão-só por parecer-me interessante...
Belo Horizonte - 09 10 2019
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
CADEIRA DE ENGRAXATE
CADEIRA DE ENGRAXATE
Por uns poucos vinténs se tem um trono,
Onde, elevado sobre pavimento,
Admiro da cidade o movimento
Enquanto os pés ao chapa eu abandono.
Por minutos, do tempo meu sou dono.
Certo em só usufruir d'este momento,
Permito-me ares vãos de esquecimento
A ponto d'eu cair quase no sono.
O vai-e-vem do povo me entretinha
Da escova que roçando na bainha
Levava-me ao nirvana dos hindus.
Mas afinal, brunidos a exaustão,
Ao pôr os meus sapatos sobre o chão
Recebam da manhã a plena luz!
Belo Horizonte - 07 10 2019
Por uns poucos vinténs se tem um trono,
Onde, elevado sobre pavimento,
Admiro da cidade o movimento
Enquanto os pés ao chapa eu abandono.
Por minutos, do tempo meu sou dono.
Certo em só usufruir d'este momento,
Permito-me ares vãos de esquecimento
A ponto d'eu cair quase no sono.
O vai-e-vem do povo me entretinha
Da escova que roçando na bainha
Levava-me ao nirvana dos hindus.
Mas afinal, brunidos a exaustão,
Ao pôr os meus sapatos sobre o chão
Recebam da manhã a plena luz!
Belo Horizonte - 07 10 2019
sábado, 5 de outubro de 2019
MOSAICO DE ROSTOS
MOSAICO DE ROSTOS
Às vezes me pergunto para quê
Passar dias e noites entre versos...
Cogitar insabidos Universos
Em páginas que quase ninguém lê.
Mas, 'inda que careça d'um porquê,
Sigo com meus escritos controversos.
De qualquer modo, os vejo hoje dispersos,
A granjear de leitores a mercê:
A um mosaico de rostos ignorados
-- Ao qual chamam de público -- eu escrevo
E m'esforço por seus olhos cansados.
É por eles que a versos eu me atrevo
E busco, para mal de meus pecados,
Aplausos a este poeta já longevo...
Betim - 05 10 2019
Às vezes me pergunto para quê
Passar dias e noites entre versos...
Cogitar insabidos Universos
Em páginas que quase ninguém lê.
Mas, 'inda que careça d'um porquê,
Sigo com meus escritos controversos.
De qualquer modo, os vejo hoje dispersos,
A granjear de leitores a mercê:
A um mosaico de rostos ignorados
-- Ao qual chamam de público -- eu escrevo
E m'esforço por seus olhos cansados.
É por eles que a versos eu me atrevo
E busco, para mal de meus pecados,
Aplausos a este poeta já longevo...
Betim - 05 10 2019
ALGUMA ORDEM SOBRE O CAOS
ALGUMA ORDEM SOBRE O CAOS
Há, dentro de todo homem, um desejo de Ordem. A separação mais primária que se pode estabelecer entre o indivíduo que pensa o Universo e o próprio Universo é de distinção entre o EU e o NÃO-EU. É preciso se distanciar, ainda que apenas enquanto raciocínio, para que o ser -- que está contido no Universo e dele participa -- possa estabelecer os limites onde ele próprio termina e o resto do Universo continua. Esse exercício de diferenciação pode ser eventualmente chamado de ALÉM-MIM. Mais do que estabelecer categorias ontológicas, o presente texto se debruça sobre o DESEJO DE ORDEM, Isto é, a tentativa humana de, consciente ou inconscientemente, ordenar o Universo que tem para além de si, bem como a si mesmo.
É muito difícil para qualquer ser humano aceitar a ideia de caos como modelo adequado para descrever àquilo que o cerca. O Caos -- isto é, o mundo desordenado -- foi sistematicamente combatido pela racionalidade que projetou, ao longo dos milênios históricos, toda sorte de sistemas ordenadores para tornar o território do caótico cada vez mais diminuto dentro do conhecimento humano. Tal como nas cartas de navegação, onde as regiões descritas como Terra Ignota fora. m se tornando mais raras a medida que os Descobrimentos aconteciam, o conhecimento se expande sobre mais e mais porções do Universo na ânsia de lhe descobrir as leis ocultas e, deste modo, agregá-las ao Império da Ordem. O mapa do Universo é uma construção mental e, em última análise, uma abstração humana coletiva, não uma realidade.
Explicar o mundo traz sempre a tentação de substituí-lo pelo modelo "perfeito" que inspirou. O problema é a mente humana "s'esquecer" que o virtual não é real, ou seja, que os modelos sistêmicos que criou para explicar o mundo não são, de facto, o mundo, sim verdades precárias e provisórias. O caos é o mundo sem as explicações formuladas pela mente. O Universo existe, independentemente do olhar humano que abstrai do mundo seus arrazoados, o que tornam as respostas dadas pela Filosofia, Religião e Ciência para as questões ontológicas sejam, sobretudo, manifestação d'esse DESEJO DE ORDEM dos homens. O Universo existirá mesmo se o olhar humano deixar de ser e suas leis permanecerem ocultas. Contido no Universo, todavia, o homem lhe dá uma dimensão outra com seu olhar, a dimensão humana. O mundo não apenas existe, mas é interpretado por esse "ser-no-mundo" que é o homem em sua consciência. Percebe-se, a partir do exposto, que o DESEJO DE ORDEM sobre um Universo caótico projeta sobre este uma camada translúcida capaz de reduzi-lo a termos humanos.
Assim, tal como na geometria euclidiana, a montanha é descrita como triângulo e o horizonte entre o céu e o mar como linha reta. A sucessão de montanhas, aparentemente caótica e aleatória no mar de morro do Planalto Brasileiro é primeiro cartografada e depois explicada por teorias geológicas manifestas nas ocorrências de minérios e formações típicas. O caos que o mundo diante dos olhos apresentava a princípio dá lugar a tentativas sucessivas de explicações que ordenem o que se vê e lhe dê sentido. Repare-se que dotar as coisas de sentido permite que se tornem ideais comunicáveis, logo, ordenar o caos é antes uma questão de linguagem -- nomeando e pondo em narrativa -- que de acção antrópica a modificar a realidade posta.
O DESEJO DE ORDEM não é necessariamente transformador da Natura (entendida aqui como porção não-humana do Universo), mas antes teorizador. O Universo explicado por teorias (filosóficas, religiosas e científicas) torna-se ordenado uma vez que previsível, pois, apenas se controla aquilo de que se conhece o funcionamento. O grande trabalho humano através dos milênios pode ser resumido a uma constante tentativa de explicar o mundo com vias a controlá-lo. Isso abre uma questão epistemológica espinhosa: Se o conhecimento é fruto d'um desejo (de explicar o mundo para controlá-lo), uma vez frustrada a ideia de ordem enquanto fenômeno percebido no Universo, ainda seria possível o conhecimento do Universo sem ordem? N'outras palavras, é possível aceitar o Universo como caótico? A resposta d'esta pergunta soa desafiadora para os filósofos; terrível para os religiosos; e, sobretudo, desnorteante para cientistas.
Se a pouca ordem que se percebe no Universo for antes projeção d'um desejo humano que uma realidade insofismável, a Ciência deveria enxergar nas leis físicas e no aparato matemático que as subsidiam antes exceções que regras gerais. As condições ideais de temperatura e pressão para rodar os modelos científicos não existem fora dos laboratórios. São, em termos simplórios, aproximações controladas.
Reste ao Universo apenas o caos onde o homem garimpa ordenamentos por aproximação.
Betim - 05 10 2019
Há, dentro de todo homem, um desejo de Ordem. A separação mais primária que se pode estabelecer entre o indivíduo que pensa o Universo e o próprio Universo é de distinção entre o EU e o NÃO-EU. É preciso se distanciar, ainda que apenas enquanto raciocínio, para que o ser -- que está contido no Universo e dele participa -- possa estabelecer os limites onde ele próprio termina e o resto do Universo continua. Esse exercício de diferenciação pode ser eventualmente chamado de ALÉM-MIM. Mais do que estabelecer categorias ontológicas, o presente texto se debruça sobre o DESEJO DE ORDEM, Isto é, a tentativa humana de, consciente ou inconscientemente, ordenar o Universo que tem para além de si, bem como a si mesmo.
É muito difícil para qualquer ser humano aceitar a ideia de caos como modelo adequado para descrever àquilo que o cerca. O Caos -- isto é, o mundo desordenado -- foi sistematicamente combatido pela racionalidade que projetou, ao longo dos milênios históricos, toda sorte de sistemas ordenadores para tornar o território do caótico cada vez mais diminuto dentro do conhecimento humano. Tal como nas cartas de navegação, onde as regiões descritas como Terra Ignota fora. m se tornando mais raras a medida que os Descobrimentos aconteciam, o conhecimento se expande sobre mais e mais porções do Universo na ânsia de lhe descobrir as leis ocultas e, deste modo, agregá-las ao Império da Ordem. O mapa do Universo é uma construção mental e, em última análise, uma abstração humana coletiva, não uma realidade.
Explicar o mundo traz sempre a tentação de substituí-lo pelo modelo "perfeito" que inspirou. O problema é a mente humana "s'esquecer" que o virtual não é real, ou seja, que os modelos sistêmicos que criou para explicar o mundo não são, de facto, o mundo, sim verdades precárias e provisórias. O caos é o mundo sem as explicações formuladas pela mente. O Universo existe, independentemente do olhar humano que abstrai do mundo seus arrazoados, o que tornam as respostas dadas pela Filosofia, Religião e Ciência para as questões ontológicas sejam, sobretudo, manifestação d'esse DESEJO DE ORDEM dos homens. O Universo existirá mesmo se o olhar humano deixar de ser e suas leis permanecerem ocultas. Contido no Universo, todavia, o homem lhe dá uma dimensão outra com seu olhar, a dimensão humana. O mundo não apenas existe, mas é interpretado por esse "ser-no-mundo" que é o homem em sua consciência. Percebe-se, a partir do exposto, que o DESEJO DE ORDEM sobre um Universo caótico projeta sobre este uma camada translúcida capaz de reduzi-lo a termos humanos.
Assim, tal como na geometria euclidiana, a montanha é descrita como triângulo e o horizonte entre o céu e o mar como linha reta. A sucessão de montanhas, aparentemente caótica e aleatória no mar de morro do Planalto Brasileiro é primeiro cartografada e depois explicada por teorias geológicas manifestas nas ocorrências de minérios e formações típicas. O caos que o mundo diante dos olhos apresentava a princípio dá lugar a tentativas sucessivas de explicações que ordenem o que se vê e lhe dê sentido. Repare-se que dotar as coisas de sentido permite que se tornem ideais comunicáveis, logo, ordenar o caos é antes uma questão de linguagem -- nomeando e pondo em narrativa -- que de acção antrópica a modificar a realidade posta.
O DESEJO DE ORDEM não é necessariamente transformador da Natura (entendida aqui como porção não-humana do Universo), mas antes teorizador. O Universo explicado por teorias (filosóficas, religiosas e científicas) torna-se ordenado uma vez que previsível, pois, apenas se controla aquilo de que se conhece o funcionamento. O grande trabalho humano através dos milênios pode ser resumido a uma constante tentativa de explicar o mundo com vias a controlá-lo. Isso abre uma questão epistemológica espinhosa: Se o conhecimento é fruto d'um desejo (de explicar o mundo para controlá-lo), uma vez frustrada a ideia de ordem enquanto fenômeno percebido no Universo, ainda seria possível o conhecimento do Universo sem ordem? N'outras palavras, é possível aceitar o Universo como caótico? A resposta d'esta pergunta soa desafiadora para os filósofos; terrível para os religiosos; e, sobretudo, desnorteante para cientistas.
Se a pouca ordem que se percebe no Universo for antes projeção d'um desejo humano que uma realidade insofismável, a Ciência deveria enxergar nas leis físicas e no aparato matemático que as subsidiam antes exceções que regras gerais. As condições ideais de temperatura e pressão para rodar os modelos científicos não existem fora dos laboratórios. São, em termos simplórios, aproximações controladas.
Reste ao Universo apenas o caos onde o homem garimpa ordenamentos por aproximação.
Betim - 05 10 2019
sexta-feira, 4 de outubro de 2019
SALTITANTES
SALTITANTES
As meninas na rua pulam corda
Ritmadas com cantigas de ciranda.
Decerto à brincadeira quem comanda
É uma que de tranças atiça a horda...
Outra, de laço rosa e meio gorda,
Lembra alguém que comigo pôs demanda...
A criança que fui olha da varanda
E entre admirado e só tudo recorda:
Eram tardes infindas as d'antanho
Quando sob outras cordas, saltitantes,
As tranças d'um cabelo algo castanho.
Eram meninas lindas como as d'antes...
Deveras, sob o meu olhar estranho
Estas foram aquelas por instantes!
Betim - 04 10 2019
As meninas na rua pulam corda
Ritmadas com cantigas de ciranda.
Decerto à brincadeira quem comanda
É uma que de tranças atiça a horda...
Outra, de laço rosa e meio gorda,
Lembra alguém que comigo pôs demanda...
A criança que fui olha da varanda
E entre admirado e só tudo recorda:
Eram tardes infindas as d'antanho
Quando sob outras cordas, saltitantes,
As tranças d'um cabelo algo castanho.
Eram meninas lindas como as d'antes...
Deveras, sob o meu olhar estranho
Estas foram aquelas por instantes!
Betim - 04 10 2019
TRESLOUCADO
TRESLOUCADO
Depois que me varreram o juízo
Com repetidos tombos vida afora,
Restou tão-só buscar em obscura hora,
Sempre o significado mais preciso.
Aprendi a ficar de sobreaviso
Em busca da palavra que incorpora
Meu louco vir-a-ser cuja demora
Me faz mais extenuado que indeciso.
É uma compulsão desmedida
Na qual eu tenho gasto minha vida
Em páginas escritas sem descanso.
Por toda a noite em meio às letras ando
E, inadvertidamente, as vou jogando
Pedras na lua feito um louco manso.
Betim - 27 09 2019
Depois que me varreram o juízo
Com repetidos tombos vida afora,
Restou tão-só buscar em obscura hora,
Sempre o significado mais preciso.
Aprendi a ficar de sobreaviso
Em busca da palavra que incorpora
Meu louco vir-a-ser cuja demora
Me faz mais extenuado que indeciso.
É uma compulsão desmedida
Na qual eu tenho gasto minha vida
Em páginas escritas sem descanso.
Por toda a noite em meio às letras ando
E, inadvertidamente, as vou jogando
Pedras na lua feito um louco manso.
Betim - 27 09 2019
DE REPENTE
DE REPENTE
Muda da noite para o dia.
Muda do dia para a noite.
Encara a Hora com ousadia
Ainda que vida te afoite.
Ainda que da vida o açoite
Te fustigando a fantasia.
Muda do dia para a noite;
Muda da noite para o dia.
Ainda que da vida a via
Te levando tal como foi-te,
No fim tudo é sabedoria.
Muda do dia para a noite;
Muda da noite para o dia.
Betim - 02 10 2019
Muda da noite para o dia.
Muda do dia para a noite.
Encara a Hora com ousadia
Ainda que vida te afoite.
Ainda que da vida o açoite
Te fustigando a fantasia.
Muda do dia para a noite;
Muda da noite para o dia.
Ainda que da vida a via
Te levando tal como foi-te,
No fim tudo é sabedoria.
Muda do dia para a noite;
Muda da noite para o dia.
Betim - 02 10 2019
TRÊS DE OUTUBRO
TRÊS DE OUTUBRO
Impacienta-me não saber o que fazer
n'esse momento grave de minha vida, quando
meus passos não me conduzem e as portas não se abrem.
Tenho ânsias de infinito, mas vomito vinho doce...
Pretenso tantas coisas, desconfio não ser mais nada
e aguardo o Juízo como se já morto e enterrado. Não há
umbrais d'onde minhas carnes possam retornar incorruptas...
Não, tudo o que há é a estranheza d'este momento
que se arrasta faz semanas sem me propor veredas.
Pela primeira vez na vida tenho medo.
Temo a hipertensão e a guerra global em igual medida, claudico
há dias pelas ruas de minha cidade: Há dor.
Temo o dinheiro curto e as pequenas expectativas, pior:
Temo ter me tornado irrelevante.
Esquecido no corredor d'alguma corporação, eu verso
ciente de que deveria trabalhar, mas não há trabalho senão
enxugar o gelo do icebergue à deriva...
Não sou sequer um perdedor, pois, não entrei em campo.
Não fui bom o bastante para envergar o uniforme e ser carne de canhão.
Há conflitos nas ruas; nos becos... Há sombras
estendendo-se por sobre toda a metrópole. Há sinais
de fumaça e poeira informando do fim próximo. Há tardes
de sol abrasador com a secura de saaras enquanto passo a caminho. Há ódios
reverberando em milhões de olhos vidrados em telas azuis que hipnotizam. Há distâncias
capazes de desumanizar os outros e a mim mesmo para os outros... Basta!
É preciso continuar andando.
Todavia, aonde vou?
Estou velho demais para m'empolgar com promessas de sucesso.
Já ouvi muitas; já persegui várias...
Estou cansado. Não, estou entediado.
E jamais se deve subestimar o poder criador-destruidor do tédio.
Betim - 2019
Impacienta-me não saber o que fazer
n'esse momento grave de minha vida, quando
meus passos não me conduzem e as portas não se abrem.
Tenho ânsias de infinito, mas vomito vinho doce...
Pretenso tantas coisas, desconfio não ser mais nada
e aguardo o Juízo como se já morto e enterrado. Não há
umbrais d'onde minhas carnes possam retornar incorruptas...
Não, tudo o que há é a estranheza d'este momento
que se arrasta faz semanas sem me propor veredas.
Pela primeira vez na vida tenho medo.
Temo a hipertensão e a guerra global em igual medida, claudico
há dias pelas ruas de minha cidade: Há dor.
Temo o dinheiro curto e as pequenas expectativas, pior:
Temo ter me tornado irrelevante.
Esquecido no corredor d'alguma corporação, eu verso
ciente de que deveria trabalhar, mas não há trabalho senão
enxugar o gelo do icebergue à deriva...
Não sou sequer um perdedor, pois, não entrei em campo.
Não fui bom o bastante para envergar o uniforme e ser carne de canhão.
Há conflitos nas ruas; nos becos... Há sombras
estendendo-se por sobre toda a metrópole. Há sinais
de fumaça e poeira informando do fim próximo. Há tardes
de sol abrasador com a secura de saaras enquanto passo a caminho. Há ódios
reverberando em milhões de olhos vidrados em telas azuis que hipnotizam. Há distâncias
capazes de desumanizar os outros e a mim mesmo para os outros... Basta!
É preciso continuar andando.
Todavia, aonde vou?
Estou velho demais para m'empolgar com promessas de sucesso.
Já ouvi muitas; já persegui várias...
Estou cansado. Não, estou entediado.
E jamais se deve subestimar o poder criador-destruidor do tédio.
Betim - 2019
CICATRIZES
CICATRIZES
A vida escreve linhas sobre a pele
Onde grafismos contam-nos a história.
Mesmo um facto apagado da memória
Talvez em vagas marcas se revele...
No mais, o que dizer d'este ou d'aquele
Senão do que se apura em sua glória?
Visto que, involuntária ou meritória,
A chaga mal curada ainda o impele.
Com efeito, após quedas e entreveros,
Ainda guarda o encontro contundente
Como um vestígio claro d'exasperos.
Pois ainda que oblíqua negue a mente,
Impresso co'os rigores mais severos
O trauma restará sempre presente.
Betim - 03 10 2019
A vida escreve linhas sobre a pele
Onde grafismos contam-nos a história.
Mesmo um facto apagado da memória
Talvez em vagas marcas se revele...
No mais, o que dizer d'este ou d'aquele
Senão do que se apura em sua glória?
Visto que, involuntária ou meritória,
A chaga mal curada ainda o impele.
Com efeito, após quedas e entreveros,
Ainda guarda o encontro contundente
Como um vestígio claro d'exasperos.
Pois ainda que oblíqua negue a mente,
Impresso co'os rigores mais severos
O trauma restará sempre presente.
Betim - 03 10 2019
DA NOITE PARA O DIA
DA NOITE PARA O DIA
Tão repentinamente a mente muda,
Que a gente já não vê como antes via.
Tudo o que era mistério se desnuda
E a verdade se mostra fantasia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Aquele que em segredos mais s'escuda
Passa os dias e as noites em vigia,
Certo de que nas sombras, linguaruda,
Tem a própria traição por companhia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Em cada rosto, sem qu'ele se iluda,
Enxergava um traidor, cuja ousadia
Lhe deixa a face sempre altiva e muda,
Após encher-lhe as horas de agonia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Sem desdenhar do tédio a hora vazia,
Logo topa com quem falso lhe ajuda:
Como n'um espelho, ele a si traía!
Sua dor sob a face carrancuda
Veio a lume da noite para o dia…
Belo Horizonte -15 09 2019
Tão repentinamente a mente muda,
Que a gente já não vê como antes via.
Tudo o que era mistério se desnuda
E a verdade se mostra fantasia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Aquele que em segredos mais s'escuda
Passa os dias e as noites em vigia,
Certo de que nas sombras, linguaruda,
Tem a própria traição por companhia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Em cada rosto, sem qu'ele se iluda,
Enxergava um traidor, cuja ousadia
Lhe deixa a face sempre altiva e muda,
Após encher-lhe as horas de agonia,
Vindo a lume da noite para o dia.
Sem desdenhar do tédio a hora vazia,
Logo topa com quem falso lhe ajuda:
Como n'um espelho, ele a si traía!
Sua dor sob a face carrancuda
Veio a lume da noite para o dia…
Belo Horizonte -15 09 2019
terça-feira, 1 de outubro de 2019
MANQUITOLA
MANQUITOLA
Inopinadamente claudicante,
Eu sigo d'olhos baixos pela vila.
Dou passo, mas a perna já vacila
Pondo um esgar de dor no meu semblante.
Chegar a algum lugar ninguém garante,
Tampouco caminhada mais tranquila.
Se a coxa torta súbito perfila
O resto vai de modo semelhante...
Mas talvez, por ser poeta, ande como ando
-- Isto é, por ir e vir manquitolando,
Atento a alguma história como a minha.
E tanto quanto manco pela vida,
Meu verso vacilante se acomprida
Escrito em cada mal traçada linha.
Betim - 01 10 2019
Inopinadamente claudicante,
Eu sigo d'olhos baixos pela vila.
Dou passo, mas a perna já vacila
Pondo um esgar de dor no meu semblante.
Chegar a algum lugar ninguém garante,
Tampouco caminhada mais tranquila.
Se a coxa torta súbito perfila
O resto vai de modo semelhante...
Mas talvez, por ser poeta, ande como ando
-- Isto é, por ir e vir manquitolando,
Atento a alguma história como a minha.
E tanto quanto manco pela vida,
Meu verso vacilante se acomprida
Escrito em cada mal traçada linha.
Betim - 01 10 2019
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