quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MÃE

MÃE 


Reza, porque o mundo é caos

E é preciso andar com Deus.

Mas vai mover terra e céus

Em meio a homens bons e maus

Para dar de si aos seus.


Ama tanto que nem sabe

Se amar tão imensamente 

Faz bem para a sua gente

Ou é carinho que não cabe

N’um coração que só sente.


É verdade que m’escapa…

É saber que não alcanço…

Tal como o rio em remanso

S’espraia nos pés da lapa,

Eu em seu colo descanso.


Cuida de tudo e de todos 

Pois que amor não s’entesoura.

Antes, guardado desdoura

Ou se perde com engodos

De quem, mesquinho, lhe agoura.


Não ama sem mais findar,

Mãos-largas, por extremosa.

Sim cumpre a sina da rosa,

Que despetala ao deixar

Sua essência perfumosa.


Betim - 30 08 2022

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

INERTE

INERTE


A força necessária para pôr-me

Agora novamente em movimento

É a mesma que a todo vão momento

Mantém a Terra em órbita uniforme.


Pareço estar parado, mas conforme

Eu me abandono sobre o pavimento,

Abro os olhos e giro ao firmamento,

Enquanto a vizinhança inteira dorme.


Em equilíbrio está o Universo e eu,

A me prender ao chão tão firmemente,

Que nada tenho em mim de facto meu:


O corpo, massa apenas; a alma, mente.

Outro que nas estrelas se perdeu

De pé, parado, olhando para frente.


Betim - 29 08 2022



HIPOCRISIA

HIPOCRISIA 


A gente deseja, mas nem pensa!

A gente pensa, mas não fala…

A gente fala, mas nada faz.

A gente faz, mas esconde…!

A gente esconde, mas deseja?


A gente deseja, pensa, fala, faz, esconde e deseja de novo…


Mas é errado?!


A gente deseja errado porque acham a gente errado.

A gente é errado:

A gente deseja!


Mas mais errado é quem não deseja.


E, porque não deseja, não pensa.

E, porque não pensa, não fala.

E, porque não fala, não faz.

E, porque não faz,

não tem nada a esconder,

nem tampouco a mostrar.


Errado é quem acha errado!


Deixem de achar!!

Deixem de julgar os outros!


Betim - 25 08 2022

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

FUNERÁRIO

FUNERÁRIO


Figuro em meio à trama de terceiros

Como se fosse alguém n'alguma estampa.

Pequena personagem que pirilampa

Ao fundo dos actores verdadeiros.


Não comento seu actos derradeiros,

Tampouco quanto a morte aqui encampa.

Apenas cavo a cova; fecho a tampa...

Como é próprio do ofício dos coveiros.


Pois, com efeito, alguém tem-de enterrar

Àqueles que empesteiam o lugar

Após suas tragédias consumadas.


Eu deixo aos principais as suas galas,

Enquanto com as minhas poucas falas

Lhes ultimo as histórias desoladas.


Betim - 25 08 2022

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

À MANHÃ SEGUINTE

Ressábio em taças vazias,
Garrafas pelo tapete…
Fantasias e confete
De passadas alegrias:
A rainha mais o valete
Despem-se manto e colete…!

Pálida, a luz matinal
Suavemente se derrama
Sobre os lençóis pela cama,
Onde o desnudo casal
— um varão e sua dama —
Ensaia amorosa trama.

Pela beleza da fêmea
O prazer tão prometido:
A nádega à mão — “Querido!
Faz logo inveja à gêmea…”

Outro carinho atrevido;
Outro prazer desmedido.

Amantes regozijados,
Se vê em seu repousar:
Enfim o ardor dar lugar
À languidez dos ousados,
Ora entregues ao desfrutar
De ser amado e de amar

Tudo, porém, tem final:
A alvorada traz o dia!
Em face da hora tardia,
Mal se despede o casal,
A disfarçar toda a orgia
D'aquela noite vadia.

Belo Horizonte - 07 08 2022


terça-feira, 23 de agosto de 2022

FALAÇÃO

FALAÇÃO

Pois é: Falar, dá sede; ouvir, dá sono.
Quando o discurso evade em digressões,
Renuncio a quaisquer interações,
E já deixo a verdade com seu dono!

Cansado de absolutos, abandono
A aula que descambou em vis sermões
De quem arrota grandes opiniões,
Tratando todo o mais com desabono.

Depois de muito ouvir, passo a falar
E, à maneira dos outros do lugar,
Eu entulho a assembleia de argumentos.

Assim, seca a garganta; dura língua,
Deitando a falação os deixo à míngua,
Mediante intelectuais padecimentos.

Belo Horizonte - 12 08 2006

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

BANALIDADES

 BANALIDADES


Seria melhor falar do café forte,

Que me desceu queimando goela abaixo…

Ou então que tenho andado cabisbaixo

E penso mais no amor do que na morte.


Talvez falar ao léu não te conforte…

Tampouco sei se ainda eu cá m’encaixo!

Parece que andas meio para baixo

Ou simplesmente estás sem muita sorte.


Falar do frio, não do que te aquece…

De quantos dias mais para a quermesse…

Se cheia ou se minguante é hoje a lua.


Deixa estar! A questão é de quereres 

Ser-me ou não a mulher entre as mulheres:

Tu, em minha loucura; e eu pela tua.


Betim - 06 01 2021


domingo, 21 de agosto de 2022

FILIOQUE

FILIOQUE


Uma palavra; um pingo n’uma letra…
E todo o Cristianismo é posto em Cisma!
As nações em conflito ao alheio prisma
Enquanto a divisão se lhe penetra.

Nome de Deus nem mesmo se soletra
Onde a interpretação de si de abisma:
Tem mais povo quem tem maior carisma
Ou quem seus argumentos forte impetra...

E do Filho procede igual do Pai
O Espírito que santo enfim se abstrai
Nos primeiros concílios das igrejas.

No entanto, nem Trindade ou Unidade
Souberam da divina realidade
Senão para haver mais e mais pelejas!

Betim - 21 08 2022

COM FRIEZA

COM FRIEZA

 

Quer-se bem-sucedido pela vida

Aquele que controla cada impulso 

E mesmo face ao choro já convulso

Sustém uma mirada distraída...

 

Dirão de sentimentos desprovida

A alma d’alguém que sempre meio avulso;

Indiferente ao bom como ao repulso,

Pois sombra semovente envilecida.

 

À parte qualquer forma de juízo,

Faz tão-somente quanto for preciso,

Sem qualquer concessão às emoções.


No fim, há-de vencer a tudo e todos

Por esconder dos olhos seus engodos,

Enquanto vai partindo corações.


Betim - 20 08 2022


INCONSEQUENTE

INCONSEQUENTE


Fiz-lhe um favor que não me favoreceu.

Pediu, como estivesse a ela obrigado,

Para si tanto o obséquio quanto o agrado

De desfrutar de tudo o que era meu.


Fácil desmerecer aquilo qu'eu

Pude fazer por nós... Todo o cuidado,

Enquanto andamos juntos, lado a lado,

Para assuceder como assucedeu!


Quando pessoas são tão-só degraus,

Os meios já não são nem bons nem maus,

Visto justificados pelos fins.


Vejo-te agora próxima do topo!

Mas eu, como um perfeito misantropo,

Recordo dias bons em horas ruins...


Belo Horizonte - 15 08 1994

sábado, 20 de agosto de 2022

PLATINUM BLONDE

PLATINUM BLONDE


Apesar da azulzíssima mirada, 

Seu sorriso metálico enferruja…

De facto, é de admirar na dita cuja

Pátinas pela pele salpicada.


Do certo modo a loura platinada

Anda, de cara limpa e boca suja,

A ocultar sob as luzes quanto fuja

Da imagem de mulher enamorada.


Desinibida sim, mas mais ainda:

Estava tão marcante quanto linda,

Fazendo brilhar olhos onde passa.


Promessa de prazer sua beleza.

Ostenta, balzaquiana, essa certeza

De ser, a um só tempo, ardor e graça.


Belo Horizonte - 15 08 1992

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

SUBLIMAÇÃO

SUBLIMAÇÃO

Havia uma garota conversando
Com as flores e as pedras do caminho.
Admirada de tudo, ainda a adivinho
A arder cidade afora em fogo brando.

Vejo ampla a paisagem enquanto ando,
Quando, súbito, eu d'ela me avizinho.
Sorri comigo mesmo, pois sozinho
Àquela estranha cena ia observando.

E ela sorriu de volta, indecifrável,
Pronta a me devorar com seu enigma,
Pois feito ora de luz; ora de estigma.

E manteve o olhar fixo, mas afável.
Até que, partindo, o encanto me deixou
Junto às flores e às pedras que ela achou.

Ouro Preto - 02 02 2012 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

LESBIANISMO TARDIO -SEXOPATIA IMAGINÁRIAS

LESBIANISMO TARDIO


Fenômeno sexual cada vez mais presente em nosso quotidiano, a súbita atração de mulheres maduras por outras mulheres — fossem estas lésbicas “de nascença”; fossem estas sáficas eventuais — envolve sobretudo a consciência do papel nefasto do Patriarcalismo nos relacionamentos cis e heterossexuais. Com efeito, a uma altura da vida em que já não se vê oprimida pelos papéis sociais que exigem da mulher uma sexualidade tradicional, seja como filha de alguém; esposa de alguém, formadora/cuidadora de alguém e, por último mas não de somenos, mãe de alguém. Os papéis sociais aliados à formação patriarcalista fazem com que a mera possibilidade de envolvimento afetivo-sexual da mulher com outra mulher fosse existencialmente incompatível com a condição humana feminina, isto é, um ser que tem no potencial de formar outro ser mediante o encontro humano. Aparentemente, toda mulher deveria se reprimir qualquer impulso lésbico sob pena de jamais ser mãe, de acordo com esse viés tradicional da sociedade sobre sua existência. Uma vez compreendido que tal contradição de papéis é sobretudo artificial, a mulher se sentiria livre para ousar não só novos amores, mas sim novas formas de amar.

Não obstante, vivenciados a filialidade, os relacionamentos heteronormativos e a maternidade, a mulher se perceberia pronta para novas vivências. Não faltando, aliás, argumentos excepcionais em favor do lesbianismo para os novos relacionamentos d’uma balzaquiana, a saber:

- desnecessidade de uso de contraceptivos;
- ínfimo risco de violência sexual ou mesmo de feminicídio;
- compreensão mútua dos ciclos e alterações de humor;
- melhor sensibilidade e compreensão nas relações sexuais;
- maior tolerância em relação às questões morais do Patriarcalismo (infidelidade, prostituição, abandono de lar etc…
- maior tolerância com as questões fisiológicas e psicológicas da saúde da mulher, em especial no que concerne à baixa de libido ou mesmo à dispareunia.

O carácter sexopático d’este fenômeno se expressa, todavia, antes nas pessoas em geral em face da mulher de meia idade que “de um dia para o outro” assume um relacionamento lésbico absolutamente inédito em sua vida. Sexopática é a estupefacção alheia, não o comportamento lésbico tardio em si. De certo, esse fenômeno questiona todas as ideias correntes sobre sexualidade, logo, tem potencial para transformar toda a relação das pessoas com seus arranjos afetivos. O jamais ter olhado com afeição ou desejo para outra mulher não impede, per si, tal encontro humano. O que se considera digno de nota é porque esse primeiro impulso lésbico tem acontecido com cada vez mais frequência após os quarenta anos. Além das razões pragmáticas aventadas acima, percebe-se uma sincera decepção das mulheres de meia-idade para com as promessas jamais cumpridas de adequar-se ao lugar que o Patriarcado que lhe destinou, insistindo na desimportância da sexualidade em face das glórias da vida familiar em detrimento das limitações heteronormativas. 

Ao contrário do safismo/aquilianismo  — onde se percebe uma posição mais fluida e/ou instável com a homossexualidade — o lesbianismo tardio constrói toda uma sexualidade nova sobre as ruínas da antiga. Trata-se de uma descoberta de novos papéis sociais do que a busca d’uma existência alternativa ou descolada da sociedade. A mulher de meia-idade ao assumir uma existência homoafectiva não se afasta de sua posição social, ao contrário, traz para a sociedade a “normalização” do amor entre mulheres como um facto tão digno e comum quanto qualquer relação heterossexual. Aliás, todo o passado da lésbica tardia, com seus relacionamentos amorosos inclusive, são reconsiderados tendo em vista a emergência de recomeço que a meia-idade impõe sobre as pessoas. A ideia de mudar tudo para tentar de novo de modo diferente parece muito sedutora à essa altura da vida. Não mulheres ressentidas por não terem se descoberto lésbicas antes, visto que não o eram mesmo. Repare-se: Não saíram do armário pois jamais haviam entrado antes. 

É a quantidade imensa de casos similares que tem feito com que muitos estudiosos passassem a se debruçar sobre o lesbianismo tardio no afã de encontrar razões de ordem psíquica para um comportamento sexual que se acreditava firmemente vinculado às descobertas sexuais da adolescência e às escolhas comportamentais da mocidade. Isto porque as teorias sexuais vigentes tendiam a demonstrar que a opção sexual se daria entre os 16 e os 22 anos, mais ou menos na mesma época em que o indivíduo escolhe uma carreira profissional. A opção ou orientação sexual era vista segundo as citadas teorias como um impulso irresistível ao qual o indivíduo seria incapaz de ignorar ou rechaçar, definindo-o enquanto homossexual. Houve até quem falasse em determinismo genético ou biológico para explicar “a exceção à regra” que a homossexualidade se apresentava para os teóricos comportamentais do século passado.

Hoje em dia, em todo caso, a homossexualidade é vivida pela mulher de meia idade como uma opção prazerosa e racional. Algo que se consolida com a visão que relacionamentos heteronormativos (família, filhos e tais…) são por via de regra menos espontâneos e mais rígidos do que os relacionamentos lésbicos, onde o encontro humano, o prazer sexual e o companheirismo são mais valorizados do que questões patrimoniais ou de segurança jurídica.

Como essa sexopatia tem ganhado contornos de pandemia, a reacção da sociedade patriarcalista a denuncia como questão a ser “curada” pelo bem da “família”. Esposas-e-mães a preferir relações homossexuais ao casamento pode ser o início de um processo de implosão da sociedade tal como a conhecemos. A revisão das teorias comportamentais sexuais em face do fenômeno do lesbianismo tardio pode mudar tudo o que se conhece sobre sexualidade humana e seu psiquismo, onde se pode prenunciar um mundo onde os relacionamentos sejam fruto de encontros humanos não condicionados pelo gênero sexual.

Betim — 12 08 2022

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

RASURAS

RASURAS 

 

Seu nome estava  em minha pele escrito,  
Feito tatuagem p'reu nunca esquecer. 
Letras que pareciam me envolver  
N'um amor extremado e quase aflito.  
Por meses eu segui o extremo rito,  

De amizade tornada bem-querer.  
Amava em desespero de a perder, 
Quer porque poeta; quer porque maldito. 

A rir-me pôs seu nome à flor da pele,  
Mas, após ver a quanto o amor impele,  
Deixara-me à mercê só de loucuras: 

Um nome escrito como se feitiço, 
Não por enamorada, longe d'isso... 
Para ao final oculto sob rasuras. 

Belo Horizonte – 01 11 1991  

COMPLEXO DE HELENA - SEXOPATIAS MAGINÁRIAS

 COMPLEXO DE HELENA - SEXOPATIAS MAGINÁRIAS

Como todos os complexos psicopáticos, o complexo de Helena se refere mais propriamente sobre a associação de doenças mentais e um conjunto de sintomas típicos decorrentes de situações existenciais específicas a ponto de causar estranhamento aos indivíduos neurotípicos. De difícil diagnóstico pela séria carga de controle moral que acompanha as pacientes por parte do restante da sociedade, o helenismo se define enquanto consequência do excesso de atenção-admiração-julgamento-expectativas que as mulheres muito bonitas recebem das pessoas o tempo todo ao longo de suas vidas.

A história de Helena de Tróia, a mulher que suscitou um conflito internacional por deixar o esposo-rei para viver como o amante-príncipe, é preciosa para descrever as características da complexada helenista, a saber, uma mulher que tem na beleza uma arma de destruição em massa. Empoderada por uma beleza fascinante, a mulher percebe haver um papel social elevado para si se permitir usar da sedução para conquistar homens em posição de comando ou mesmo alavancar sua fama em meio às mídias pop-artísticas e às redes sociais. Cientes do impacto que provocam sobre as pessoas, a helenista assume uma posição ambígua de gozo pelo excesso de atenção bem como de sofrimento pelo excesso de julgamento. São desejadas tanto quando invejadas, o que lhes afasta progressivamente do contacto comum e da exposição continuada para círculos mas restritos de convivência. De certa maneira, é como se a beleza feminina fosse intimidadora o bastante para influenciar toda sorte de encontro humano que atravessa a vida das complexadas. Pode-se destacar como sintomas típicos do complexo de Helena:

- personalidade narcisista e egocentrismo;

- cinismo estrutural comportamental;

- excessiva frieza afectiva e realismo emocional;

- baixa libido ou mesmo assexualidade funcional;


Pode se firmar que todos os tabus religiosos e morais recorrentes nas mais diversas culturas ao longo da História no sentido de normatizar sobre o pudor feminino tinham, por via de regra, inibir a possibilidade de dar destaque às mulheres do povo através da beleza. Vestimentas como véus, burcas, capuzes, perucas etc... foram infligidos às mulheres ao longo dos séculos para indistinguir  as mulheres. N'esses contextos, apenas mulheres da realeza ou da nobreza poderiam se apresentar culturalmente com mais liberalidade, ainda que submetidas aos mesmos tabus. A estas mulheres de alta sociedade, além da beleza física somava-se o esmero da educação e o talento artístico de modo a criar um corolário de virtudes que a destacassem. A helenista se percebe no mundo como uma mulher merecedora de atenção generalizada e a potencializa com excessivo apuro nos cuidados com a aparência e o vestuário. 

Além da conversação e da polidez, cultiva a helenista o senso de observação e se acostuma a fazer para si análises de personalidade das pessoas de seus círculos sociais. Têm propensão ao autoritarismo e não raro são conservadoras no campo das ideias, embora dificilmente expressem opiniões controversas ou se apresentem a debater o que seja sem controlar o fio da conversa. Notadamente espirituosas, desqualificam o interlocutor rebelde com apreciações risíveis acerca d'algum ponto fraco do oponente antes que a conversa se revele desagradável, sempre dominando a cena. Esse ar de superioridade latente construído a partir d'uma beleza intimidadora faz da helenista uma pessoa com pouco senso de realidade e absolutamente incapaz de colocar no lugar d'aqueles a quem considera menos afortunados. Adquire com o tempo a estranha convicção de que todos estão a seu serviço, tal a quantidade de mimos, regalos, presentes e deferências que os outros, como se encantados, lhe dedicam. Helenistas não têm amigos, têm séquitos; não têm amores, têm oportunidades. São continuamente denunciadas como alpinistas sociais, mas a verdade é que o senso comum exige beleza extraordinária para famoso "le phisique du rôle"  dos membros dos círculos elitistas. 

Paradoxalmente, são tão atraentes quanto assexualizadas... Na verdade, enxergam no sexo apenas mais um instrumento de sedução do que um prazer propriamente dito. Não que se neguem à prática sexual, antes à sexualidade. No fundo a helenista considera o seduzido uma pessoa moralmente fraca, ou melhor, um títere manipulável. Logo, a encantadora jamais se encanta. Se a beleza é a promessa do prazer — como advoga Sthenhall — a beleza feminina seria a promessa d'um encontro humano excepcional, tanto afectivamente quanto sexualmente. Logo, é d'essa ideia verificada no senso comum que se constrói o palácio de vaidades da helenista. A contínua promessa do prazer mantêm seus admiradores enredados a suas ambições e retroalimentam sua autoestima a ponto de considerarem dano colateral o rastro de destruição que deixam ao longo de suas existências. Nomes, pessoas, dignidades e até nações, como no caso de Helena de Tróia, sacrificados na fogueira de seu altar.

Betim - 15 05 2022

sábado, 13 de agosto de 2022

DOS GUILHERMINOS

DOS GUILHERMINOS


1.

Pela WEB hoje em dia,

dizem que nem mesmo as traças 

vivem de poesia…


2.

Embora admirável,

o autor de rimas nipônicas

tem viés questionável.


3.

Rimarei hai-cais

ao menos em guilherminos

ou senão jamais!


4.

Kigô de primavera,

a cerejeira florida

no jardim impera.


5.

A lua deitada

nas galhas d’araucária 

— noite de geada!


6.

Coisa de brasileiro

colocar rima em haicais…

Poetar prazenteiro!


Betim - 13 08 2022


ONZE DE AGOSTO

 ONZE DE AGOSTO


Penso que já deve ter vivido um homem,

cuja vida fora minuciosamente determinada.


Cada gole d'água; cada colher de comida, cada sopro de ar respirado... Tudo!

Tudo metodicamente descrito e controlado para observar 

quantos segundos a mais de vida

o corpo humano poderia adquirir,


Penso n'este ser humano que

jamais tocou n'algo contaminado por patógenos

ou se intoxicou com venenos.


Penso no progresso da Medicina

após bilhões de objectos de estudo vivos e mortos

necessários para oferecer a este único

toda uma existência sem doenças.


Trilhardário, suponho, dispôs de meios

para não conhecer a lenta corrupção que nos degenera a todos.

Nunca tomou sol demais nem de menos; nunca

fora exposto a um ambiente fora da zona de conforto, nunca

se aproximou de outro ser humano sem proteção.


Astronauta na Terra, jamais tocou senão a própria pele

e tampouco conheceu senão informações,

máquina perfeita de pensar e sentir.


Este que suponho estar no meio de nós 

busca-se imortal para além dos facto biológicos

e vive em META ou qualquer outra realidade virtual

com uma humanidade absolutamente pós-humana,

porque imorredoura.


Pois, ainda que venha a morrer, não importa...

Sua existência, para além do físico e do metafísico, permanece

a vida que prospera em laboratório, porque

em condições ideais de temperatura e pressão.


Anônima e anódina.


Betim - 2022


A NEUROTÍPICOS

A NEUROTÍPICOS


Talvez a ditadura da maioria 

Seja a normalidade interpessoal.

Pois, vive-se tentando ser normal,

Ainda que sem luz nem alegria.


Vive-se, na esperança d’algum dia

Ser capaz de pensar-sentir igual

Aos outros, para o bem ou para o mal,

Por uma imitação rasa e vazia.


Ser diferente é ser inadequado;

É, por via de regra, estar errado;

Ou bem, por todo o tempo, andar fingindo.


Talvez um dia abrindo-se as cabeças

Verão normalidades às avessas…

E então, ser esquisito será lindo!


Betim - 19 08 2022








sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A NARCISISTA

 A NARCISISTA


E tu, a amas? Bom, ela também!… …se ama…!

Se ambos amores têm o mesmo objecto

Ambos também s’enciúmam do que, dilecto,

Veem para si arder a própria chama.


Não te ama ela senão o amor que clama

Para si por astúcia do intelecto.

Logo tomarás parte de seu séquito

E lhe acompanharás o infindo drama.


Vós — tu e ela — havereis algum amor,

Enquanto ela sentir de ti o ardor,

Que mais lhe favorece pela vida.


Por ti, ela não sente sequer pena…

Seu amor, que era pouco, se apequena

Até tudo acabar sem despedida.


Betim - 11 08 2022



quarta-feira, 10 de agosto de 2022

NÃO TITUBEEI

NÃO TITUBEEI


Em face das falácias dos obtusos,

Não deixei de falar o que pensava.

Fosse correto ou não, não me negava

A questionar conceitos por confusos.


Jamais me conformei com certos usos,

Tampouco dava amém a quem pregava

Mudar a manter tudo como estava

Na má-fé de historiar em parafusos…


Denuncio a maldade do bonzinho 

Assim como a inverdade do bisonho,

Ambos a sofismar pelo caminho.


Porém, livre é todo homem em seu sonho:

Ainda que ao deserto ande eu sozinho,

Quem anda pelas sombras vai tristonho.


Betim - 10 08 2022



terça-feira, 9 de agosto de 2022

DE TUDO UM POUCO

 DE TUDO UM POUCO


Sou tudo aquilo que admiro,

Mas também o que condeno.

Às vezes, insone ao sereno,

Plenamente dou um giro

E aeroplano terrapleno…


Roubei o fogo dos deuses

Mais o amuleto dos reis!

Para o arrepio das leis

Tenho empenhado enfiteuses

De terras de alheias greis.


Sou um louco para os sãos

E um santo para os devassos.

Alguém de meios escassos

Que habita entre os desvãos

De ainda impossíveis paços!


Às vezes bom sendo mau,

Pois que faz mal querer bem…

Sou tudo o que me convém:

Quem nada nunca de igual

Está contido e contém!


Entre ser e ter, viver!

Entre tudo e nada, o sonho…

Seja eu alegre ou tristonho

Um pouco de tudo a ver

E me pôr no que componho!…


Betim - 08 08 2022





quarta-feira, 3 de agosto de 2022

NO GUARDANAPO

NO GUARDANAPO


Versos de bar e cantadas

Postos no papel.

Escolhas certas e erradas:

Vão dedos e anel!

Escritas embriagadas

E o peito em tropel…


Outro beijo de batom…

Impresso na folha.

Outro mimo de bombom…

Entregue a quem olha.

Outro ardor fora de tom…

À livre escolha!


Onde palavras gentis,

Quase obsequiosas,

Para um encontro feliz

Ou horas auspiciosas!

Falem por quem nada diz

Letras caprichosas:


A folha em branco que aceita

Outro galanteio

É a mesma em que rejeita

O desejo alheio…

Tua beleza perfeita,

Encantado, anseio!


Versos de bar e cantadas

Postos no papel.

Escolhas certas e erradas:

Vão dedos e anel!

Escritas embriagadas

E o peito em tropel…


Betim - 03 08 2022

SOB FORTE EMOÇÃO

SOB FORTE EMOÇÃO

Não me ames para logo me odiares
Por não te amar tanto quanto me amas.
Amor e ódio têm quase as mesmas chamas
Quando queimam estúpidos azares…
 — E, se enfim me perderes, me matares!

Não te quero jamais a te julgares
Príncipe a me salvar de sujas lamas.
Ao passo que, alterado, em vão me chamas…
Tão pura feita puta em teus altares!
 — E, se enfim me perderes, me matares!

Não fiques regulando meus olhares!
Ainda que eu me deite n’outras camas,
Não venhas m’enredar em tristes tramas,
Em que eu mereça sim me maltratares.
 — E, se enfim me perderes, me matares!

Por favor, não me mates por me amares!
Se, por mais me quereres, mais reclamas;
Trazes a novos dias velhos dramas
Para, de amado, odioso te tornares.
 — Para enfim me perderes e matares!

Brumadinho — 30 07 2022

HORA PÚRPURA

HORA PÚRPURA


De bordos vermelhos se recobre

Todo o chão da alameda onde o outono

Colore de tons púrpura o adro nobre,

Pondo em tela um jardim anos sem dono.

Já minh'alma captiva se descobre

Nas folhas secas, rútilo abandono.


Toda já de flores adornada,

Colore a flamboaiã também o chão.

Tendo uma seguindo a outra, enfileirada,

Se alcatifa um arrás de coroação,

Que cobre belamente toda a estrada,

Findando das floradas a estação.


Ao largo, um poente sobre as serras

Muda todo em lilases o ocidente

Enquanto, desvalido entre guerras,

Um rouxinol cantando-me eloquente

Pela beleza excelsa d'estas terras,

Eu m'entrego ao momento tão-somente.


Forte farfalha o vento pelas copas

Que em redemoinho agita-lhes as folhas.

Mas, aqui e acolá, rubras cachopas

D'onde a saúva ávida de escolhas...!

Mas mesmo o formigueiro e suas tropas

Pouco faz contra púrpuras desfolhas...


Mais longe segue em fuga na alameda

O olhar na claridade vesperal...

Eu paro enternecido face à queda

Da folha a desprender-se em espiral,

Pois, tapete vermelho m'envereda

Pelas mais ricas horas, afinal.


......................................................


Se comigo estivesses, entretanto,

Por toda essa beleza sublimada,

Eu me consumiria ao teu encanto

A ver-te o entardecer pela mirada

Luzir também em flamas de acalanto

N'uma ternura enfim compartilhada.


Porque tanto mais bela é a beleza

Quando pelo cristal do amor é vista!

E mais garrida a cor na Natureza

Se mirada enamorada lh'a conquista!

Amor, nos transformando com agudeza...

Mas com que belas artes? Com que artista?!


Tu, minha linda. Tu, somente tu!

Só tua companhia luminosa

Faz artístico o belo nu e cru.

Se me olhas passional e extremosa:

Cores de maravilhas ao olhar nu

Em gradiente de púrpuras ao rosa!


Se contigo estivesse, esse arrebol

Seria, além de belo, prazenteiro...

Qual lágrima de fogo, um rubro sol

Faria vermelhar o céu inteiro

Em teu olhar, sanguíneo tornassol,

Onde o gozo anuncia-se sendeiro.


Se contigo estivesse, essa alameda

Seria, além de bela, inesquecível...

Pois tapete de pétalas; vereda:

A teus mimosos pés o andar sensível

Onde, guiando cego, nos conceda

Amor enfim o encontro irreprimível.


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Mas, como não estás, a solidão 

Questiona da beleza seu sentido.

Sem ti, o olhar se perde sem razão 

E o entardecer encara comovido:

Se contigo estivesse, tal visão

D'amor eu viveria enternecido.


Betim – 13 05 2019