sábado, 31 de dezembro de 2022

PERCURSO

PERCURSO


Trajetória plotada sobre um mapa,

Onde lugares vistos no caminho.

O mundo é bem maior se me avizinho

Da distância marcada à cada etapa.


O sentido da vida ora m’escapa,

Contudo, sigo em frente o burburinho

Do córrego a descer devagarinho

Sem mais razão senão chegar à lapa.


Percorro vales, montes e cidades

Indiferente a metas ou verdades,

Tão-só pelo prazer de ver paisagens.


E o desenho ficando de lembrança

Me faz voltar a dedo na esperança

De sempre reencontrar boas viagens


Betim - 31 12 2022


quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

PERAMBULANTE

PERAMBULANTE


Andando à toa tenho descoberto 

Pequenas maravilhas da cidade,

Na qual vivo faz anos… Na verdade, 

Somente agora eu ando d’olho aberto…!


Por senhor de meu tempo e liberdade,

Flano por avenidas, longe ou perto,

Tão-só a recolher do dia incerto

Uns lampejos de intensa claridade.


Não distingo se mísero ou se pródigo

Serei eu por seguir meu próprio código,

Enquanto perambulo pelas vias.


Vou, por assim dizer, o tempo todo

Poetando iluminuras sem o engodo

De toda compra-e-venda de alegrias.


Belo Horizonte - 20 12 2001


PALACETE

PALACETE 


Um vestíbulo gótico sombrio

Atrás d’arcos erguidos por gigantes.

Portas à altura d’homens importantes,

Onde brasões de antigo senhorio.


Ecos de bem-te-vis no átrio vazio

Denunciam meus passos hesitantes,

Enquanto vejo tudo como d’antes

Em vidas que nas pedras fantasio.


N’um palco abandonado de entremezes,

Actores já não contam seus reveses

Tampouco musicistas se apresentam.


Sem embargo, caminho entre ruínas.

E as glórias dos vitrais pelas retinas,

As lentes do sublime m’as aumentam.


Belo Horizonte – 11 11 1999 



MIRABOLANTE

MIRABOLANTE


Desenha arquiteturas impossíveis

A habitantes ainda não nascidos.

Ideia livres vãos além vencidos

Por estais tensionados em desníveis!


Com torres de metais incorruptíveis,

Quase a tocar os céus, antes proibidos,

Evoca de Babel os alaridos

Contra todos os deuses inservíveis!


Tanta imaginação n’uma estrutura

Parece menos sonho que loucura 

Do gênio que deseja a imensidão


E traça um risco humano na paisagem

Porque aceita o papel qualquer bobagem

Ou porque tem o mundo em sua mão.


Belo Horizonte - 28 12 2022


TRILHO DAS ALMAS

TRILHO DAS ALMAS


Sombra da torre sobre o espelho-d’água. 

Sonho feito de imagem-pensamento: 

Luar, que atravessando o firmamento,

Reflete-se n’um trilho que deságua.


Em claro-escuro; em luz e sombra. N’água,

Aterra a mente a torre em desalento…

Em silvos, ouço o frio uivar no vento

E o mais é solidão e névoa e mágoa. 


Sombra da torre sobre fundo rio,

Quando as almas vêm e vão pelo luar

E, entre ranger de dentes, calafrio.


Pelas sombrias horas um segredo:

Sonho no sonho um trilho alvilunar,

Por onde as almas vão sem desenredo. 


Gov. Valadares - 12 05 1994 


EXCERTOS AO ACASO

EXCERTOS AO ACASO


Escrever é o ofício dos meus ossos.

Contudo, “mentes livres, mãos escravas”…

Visto os livros oriundos de tais lavras 

Inacabados ante embargos nossos. 

 

Lembro de tristes troços e destroços, 

Todo entregue à aventura das palavras: 

— “Batei à porta céleres aldravas, 

Convivas de banquetes tão insossos”!


Embora em fantasias gaste a vida,

A ruínas há muito abandonadas,

Endireito ao leitor sua subida. 


Indiferente às letras alcançadas, 

Resolvo-me existência insabida: 

Um-mestre-de-obras-primas-quase-nadas. 


Betim - 09 09 1999

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

NAS ENTRELINHAS

NAS ENTRELINHAS 


Por sob o verso, o ser e o seu anverso,

Que, em fuga, se m’encontram paralelos. 

Entre a verdade e o facto é percebê-los 

Convergir nos confins do Universo. 


Tendencioso ao infinito, eu me disperso 

Em meio a girassóis ultra-amarelos; 

E digo sem dizer nem desdizê-los, 

N’aquilo que translato em cada verso. 


Submerso e oculto oráculo; Profético… 

Metáforas do nada, ofício e casta,

Os escribas do bíblico e do herético!


Toda divindade é poética. Mais vasta 

Uma interpretação se o texto hermético: 

Leem mil verdades mas nenhuma basta!  


Belo Horizonte - 20 01 1998


segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

AO MIRANTE

AO MIRANTE 

Encontro-me ao mirante a cismar versos…

Longe, toda a cidade descortina! 

E, instantânea, a poesia na retina  

Inventa-me topônimos diversos.  

  

Vejo os prédios em ouro sendo imersos  

Por outro amanhecer que desatina

E evade à realidade matutina,

Tendo ao belo horizonte olhos dispersos...  

  

Penso, n'essa amplidão que ora me cabe,  

Que se Deus tudo sabe, tudo vê  

E porque tudo vê, tudo Ele sabe! 

  

Ao especular de Deus o seu porquê, 

Acabe eu -- a não ser que o mundo acabe... -- 

Maravilhando em versos quem me lê. 

  

Brumadinho - 12 12 1999


O ESPADACHIM

O ESPADACHIM


Escreve-se romanças com as penas

De todos e ninguém o espadachim,

Que esgrimindo através de luas plenas,

Encontrava às palavras algum fim.


Belas mentiras a almas tão pequenas

Conta n’essas canções sem não ou sim

Como se a recordar fictícias cenas

E mais impressionar o povo assim.


Às voltas com floretes e florins,

Aventura-se em páginas intensas:

Príncipe sem princípios e sem fins.


Pois, escritas com sangue e desavenças,

Vêm derramar o amor por bandolins:

Cortesão de violentas renascenças.


Belo Horizonte - 23 07 1997


ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA

ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA


Certas palavras não podem ser ditas 

Sem que a verdade d’elas forte irrompa. 

Prescindem de ouropéis; de toda pompa, 

Quando um maior sentido as faz escritas. 


E aquele que ousar ver suas desditas 

Anunciadas ao vulgo por tal trompa,

Antes que cada verso outrem corrompa, 

Há-que se vazar cego as próprias vistas!... 


Assim, essa palavra impronunciável,

Sob pena de evocar imensa dor

Ou mesmo uma tristeza interminável,


Dê sentido ao sentimento de torpor,

Conhecido entre o estúpido e o inefável

Da mente abandonada ao próprio horror.


               *              *              *

 II 


Hei sido reticente quanto a mim, 

Mas ao puxar angústia, átrio do nada,

Minh’alma revelou-se desolada,

Por labirintos vãos do início ao fim... 


Encadeei palavras, mas, enfim,

Aonde vão se não chegam a nada?  

Após tudo, findei minha jornada 

Enclausurado à torre de marfim…


Por desvãos da memória a pena escreve 

Indiferente à lúcida derrota

E às remotas ruínas onde esteve.


No entanto, seja sim digno de nota:

Todo aquele que a versos vãos se atreve

Vagueie inopinado em terra ignota!


               *              *              *

III


Algo tem-de acabar com essa dor…

A angústia inenarrável do momento,

Que queda sobre mim sem mais intento

Com a fúria d’um anjo executor. 

 

E embora reste ver o sol se pôr

Imerso n’um total abatimento,

Ainda hei-de cantar de novo ao vento 

Um desencanto a mais de sonhador. 


Sonhos, deixo-os perdidos meus ideais.

E as luzes vão partindo com o sol

Em meio a pensamentos vãos demais. 

 

Pouco difere a aurora do arrebol...

Tudo não passa d’uma angústia a mais

Do peixe que suplica pelo anzol.


Belo Horizonte - 12 12 1998


PANOS DE VIDRO

PANOS DE VIDRO


As linhas do edifício convergindo

Para um ponto de fuga vertical

S’encontram no infinito virtual:

Paralelas que na óptica deslindo.


Revestido de vidro e de metal,

Há-de espelhar os céus porque mais lindo

É ver n’ele a paisagem refletindo

Como fosse alta torre de cristal.


Com efeito, uma joia da cidade,

Onde linhas em fuga o olhar evade

Em face da beleza construída.


De sorte que uma tela tão imensa

Espelhe, ao que se vê e ao que se pensa,

Pontos de fuga para a própria vida.


Nova Lima - 23 12 2022


GRÃO DE POESIA

GRÃO DE POESIA


Se em ti há um poeta adormecido,

Que se perdeu de si em toda parte; 

Ou mesmo envergonhado de poetar-te, 

Visto um irrelevante presumido. 


Deixa estar… Cultiva em ti tua arte

Por teu grão de poesia ora esquecido.

Faze-o brotar de novo,  enternecido,

Que logo em muitos ramos se reparte.


Recria a cada página o Universo 

E o envolve de agradável fantasia,

Semeando mais ao largo e mais disperso.


Ao fim hás-de colher com alegria,   

Pois, farás alimento de teu verso

A corações famintos de poesia.                                        


Belo Horizonte - 12 05 1998

sábado, 24 de dezembro de 2022

SEM FALSA MODÉSTIA

 SEM FALSA MODÉSTIA


Como um jogador preso à roleta,

Sem mérito senão o de apostar,

Lanço versos esdrúxulos pelo ar,

À espera da leitura que os completa.


Não cuido do que ganho sendo poeta,

Embora gaste os dias, sem cessar,

N’uma obsessão difícil de explicar,

Senão como deslumbre vão de esteta.


Escrevo com receio de que a sorte

Ou a musa — vai saber?... — não me conforte,

Como um jogador entre trapaças.


Em todo caso, sou o que podia:

Caminhante em estado de poesia

Face a céus refletidos em vidraças.


Nova Lima - 23 12 2022 


CARPE DIEM

CARPE DIEM


É preciso manter-me ‘inda desperto.

É preciso saudar o novo dia.

E mais uma manhã de fantasia, 

Na imensidão do coração deserto. 


É preciso ter o olho bem aberto. 

É preciso saldar toda a ousadia.

Que ao poetar, aprendiz da nostalgia, 

Por entrelinhas tortas chega ao certo. 


É preciso bem mais que o necessário

Para se aproveitar o dia à toa

N’um caminhar errático e arbitrário.


E é por precisão mesmo que a pessoa 

S’esperance, apesar do tempo vário,

Que seja o mundo belo e a vida boa!…


Sete Lagoas - 05 05 1996

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

TRISTES SONS

TRISTES SONS


Meus versos, tão estúpidos quanto eu,

Que os confesso ao vazio e me comovo

Com tal autopiedade enquanto trovo

Que chego a soluçar como um sandeu…!


O abismo ecoa longe o pranto meu,

Que o vento uivando faz um canto novo

Ou algaravia vã de ignoto povo,

Que n’essas cercanias já viveu.


Uns versos vãos, mas veros e sinceros.

D’um trovador de tão triste figura,

Que só tem por plateia a noite escura.


Mas coube a mim fazer o que fazia,

Ou seja, mesmo em meio a desesperos,

Dar às tristezas voz pela poesia. 


Formiga - 12 03 1996    


VAIDADE DAS VAIDADES

 VAIDADE DAS VAIDADES 


Aonde as coisas qu’eu esqueço vão

Nos desvãos da memória envelhecida?

E esses poemas, falando ou não da vida,

Quem me dirá que não foram em vão??


Como a viga que, após vencido o vão, 

Sobre si via nenhuma fora erguida…?

Ou como alguma língua já perdida, 

Tendo sido não será um sopro vão?    


Alguém talvez encontre esse legado, 

E ria das quimeras das idades; 

Ou lamente a miséria do passado; 


E ao recordar-me os feitos e as verdades 

— Páginas d’um caderno amarelado — 

Julgue isto a vaidade das vaidades…


Belo Horizonte - 15 01 1995 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

CATAS

CATAS


Mineiro de garimpos exauridos,

Restou-me catar quartzos no aluvião…

Pois é, pedrinhas brancas pelo chão,

Que levo por lembrarem tempos idos:


Criança, andava d’olhos espremidos

A ver quanto tesouro em minha mão!

Poeira d’ouro fino, grão por grão,

E logo após dobrões sendo fundidos…


Hoje, homem feito já, sigo sozinho,

Olhando para o chão todo o caminho,

N’uma mineração de pedras vãs.


Algo tão semelhante da poesia: 

Eu catar brilho aos versos que fazia,

Como fosse encontrar velhas manhãs.


Betim - 21 12 2022

 

CÍRCULO LONGE

CÍRCULO LONGE 

 

Longe, círculo longe à lua cheia, 

Halo lunar que em êxtase o olhar fita…!

Era coisa de encher os olhos, sita 

Em meio aos céus, à meia-noite e meia. 


Perto, uma tempestade relampeia

Como chamasse chuva a lua aflita.

Conforme o povo antigo ‘inda acredita, 

Que ao circular a lua mais clareia. 


A lua, toda nua, em seu dossel

S’exibe feito fêmea ensimesmada

Dentro do anel de prata pelo céu. 


Mas antes de chegar esse aguaceiro,

Que o círculo promete à madrugada

Possa maravilhar-me o luar primeiro!


Açucena - 12 12 1995 


ÓRFICO

ÓRFICO 


Aedo primevo, descera até o inferno

Sem conhecer a morte, só o amor.

Cantando a Hades e a sombras ao redor,

Deixou as profundezas sem governo:


Cessou Sísifo o seu trabalho eterno,

Assim como as danaides o mal lavor.

Nem Tântalo, o sedento, teve ardor

Senão ouvir d’Orfeu o canto terno…!


Depois de comover a tudo e todos,

Concedem libertar a sua amada,

Que torna com o poeta pela estrada.


Contudo, perde a bela d’entre lodos:

Na ânsia d’antes rever o seu sorriso,

Vagueia sem inferno ou paraíso.


Belo Horizonte - 16 05 1998


terça-feira, 20 de dezembro de 2022

MOTIVO

MOTIVO


— “Vai, poesia, mais fundo aonde dói, 

Eis-te um motivo: Toda essa tristeza... 

O mundo sobre os ombros que me pesa, 

Nas sombras d’este olhar de anti-herói”.

 

“Sim, destila o veneno que corrói

Meu coração partido e sem grandeza:

Em decadentes versos, a beleza  

De ruínas que o tempo em vão destrói”.


“Atravessa-me n’alma imensidões, 

E encontra alguma luz nas solidões,

Antes que tanta angústia me consuma”.


“Como a vida que em nadas se reparte

Possas, poesia  — inútil-mas-bela-arte —

Também existir sem razão nenhuma”.

 

Belo Horizonte - 12 03 1995 


LICENÇA POÉTICA

 LICENÇA POÉTICA 


—”Com licença, palavra” — diz o poeta —

“Para que o verso alcance o que designo, 

Talvez te reentender seja benigno, 

A seres na poesia mais completa.”


“O que se quer dizer quando se poeta?

Muito mais que um sentido fidedigno,

É dar significados onde o signo

Se translate sem leitura incorreta”


“Neologisticamente, todavia,

Eu consiga banhar-te de poesia

N’uma escrita ora fluida; ora errática.”


“Palavra, se permites outro verso,

Aceita-me ora ambíguo e até disperso,

Sob pena de morreres língua apática.”


Belo Horizonte - 06 20 1995


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

PALAVRÃO

PALAVRÃO


Saiu falando aos berros que nem louca…

Até porque, na boca, a palavra dita 

Não cala ao peito a dor, somente a grita.

Seja a sua desdita muita ou pouca. 


Mas, aquela palavra que treslouca, 

Ela a fará poesia quando escrita.

E a dor, antes sublime que infinita, 

Apesar da garganta quase rouca.  


Logo será poesia ao dizer tudo, 

Se, e somente se, for dito sincero, 

E, justo por sincero, seja absurdo. 


Não fique o dito por não dito mudo, 

Seja a palavra escrita em desespero

Grito dado ao ouvido do pior surdo. 


Gov. Valadares - 05 10 1995

ADAMASCADO

ADAMASCADO


Enchendo de florões um gabinete,

Paredes revestidas de tecido.

Com hastes em dourado, retorcido,

Em cada rococó um ramalhete.


Um fundo esverdeado, que remete

Às planícies do vale amanhecido,

Destaca por contraste distinguido

O ornato que em detalhe se repete.


Cenário de importantes decisões,

À escrivaninha, saltam da gaveta

Manuscritos de vastas solidões...


Ali, por entre livros, ele poeta

E se perde nos vãos do adamascado,

A ver, do piso ao teto, decorado.


Belo Horizonte - 17 12 2022


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

PÚSTULA

PÚSTULA 


E púbis abaixo, intumescida,

Parecia olhar feito um olho mal.

A pele, mais sensível que o normal,

Doía só de pensar ser espremida…


Embora oculta, afeta toda a vida,

Dilacerando o trato genital.

Aquilo constrangia, tal-e-qual

A chaga d’um pecado malferida!


Um corpo estranho quase a supurar

E não parte de mim infeccionada

N’uma podre erupção de linfa e pus.


Só assim eu conseguia observar

A masculinidade devastada

No abcesso sob os meus escrotos nus.


Belo Horizonte - 10 10 1993


METAS

META/POEMA

intropoética

A meta é a poesia, não o poema.
O poema é resultado da poesia:
O instante cujo encanto principia
Vertido no sentido e seu fonema.

O poema é onde a escrita mais s’extrema;
É quanto de poesia eu traduzia
No que desnecessário escreveria
Com metro, ritmo, rima e até dilema…

A escrita que é reescrita na leitura, 
Não só interpretada e assimilada
Do poema sobre o poema que se poeta.

Portanto, metapoema: Não procura 
Nem responde à questão especulada
No arranjo de vocábulos do poeta…


  *      *      *

 

META/LINGUAGEM  

sublingual  

A meta é algo além; é projecção
Do vir-a-ser do encanto que me inquieta
N’uma verdade ainda analfabeta, 
Que apenas sentimento ou sensação. 

A linguagem permite-se expressão, 
Quando o verso subverte a sua meta:
Mais do que outra mensagem, busca o poeta
Chamar para as palavras atenção… 

A meta da linguagem na poesia
Não é comunicarmos algo a alguém,
Mas sim lhe transmitir o encantamento.

Ao fim, metalinguagem: Haveria-
De pôr beleza o quanto nos convém 
Na escrita deslumbrada do momento.
 

*      * *

 

META/TEMA 

anagramado 

A meta é solução, não um problema, 
Horizonte que o poeta olha profeta; 
O tema, a imensidão além dileta 
Onde a meta brilhante jaz qual gema. 

A meta se anagrama a ser o tema
Do poema que a si mesmo tem por meta: 
O tema é tudo d’entre a meta e o poeta. 
A meta é tudo após escrito o poema. 

A meta e o tema, poético anagrama
Que dá tanto objetivo quanto assunto
Enquanto a meta ao tema se amalgama. 

Ou seja, metatema: Por que poeto?
De quanto me rearranjo ou desconjunto,
Para que em verso o espírito inquieto?


     *      *      *

 

META/TEMPO  

axiomático

A meta não é fim em si apenas; 
É limite que busco a ver além. 
O tempo é tudo quanto se me obtém 
Pela transformação a duras penas. 

A meta não é tempo d’horas plenas 
Ou até mesmo um fim em si, porém, 
O tempo n’um só lapso se contém, 
Gerando dimensões bem mais amenas.

À meta e ao tempo faz-se a realidade
Enquanto um movimento continuado
E poético do ser ao vir-a-ser

Ou senão, metatempo: N’outra idade,
Um tempo sem futuro nem passado
Longo o bastante para eu m’esquecer. 

 

*      * *

META/POÉTICA  

linearidade

A meta é, quanto mais saber de si, 
O poeta saiba mais saber-se só; 
A poética é trazer de volta ao pó, 
Algum belo topônimo em tupi. 

A meta é a poesia que perdi 
Ao m’escrever, somente e só, por dó. 
Na poética, os versos vão por mó, 
De tanto remoídos dentro em mi.  


A meta da poética, outro rito 
Onde vão duas retas paralelas 
Indo de mais a menos infinito. 

Assim, metapoética: Pensamento 
Em razão da emoção do que é escrito 
Em forma de poesia em movimento. 

 
*      * *

META/POIESE 

invenção

A meta é ver beleza na saudade: 

Belo é o que faz abrir os olhos; 

Navega o poeta, nau por entre abrolhos,

Amarrado no mastro da verdade. 

 

A meta é ter desejo e liberdade: 

Vero é-o que me liberta de restolhos; 

Imprime o poema, tipos entre fólios,

Acorrentado à rocha da vontade.

 

A meta, bela e vera, outra obra prima

S’encontre pelo ardor que à pena anima

Na intenção de sentido dada ao poema.

 

No mais, metapoiese: Onde a invenção 

Renove toda a escrita na emoção  E sempre surpreender seja seu lema.


*      *  *


META/MIMESE  

verossimilhança

A meta, a imitação da realidade. 

No que, senão provável, bem possível.

A meta, o extraordinário e até o incrível

Como se fossem vidas de verdade.

 

A mimese, profunda qualidade   

Que se procura na arte; no intangível

A mimese, copiando o perceptível,

Amplie toda a sensibilidade.

 

Busca mimetizar tudo ao redor

O poeta ao se compor belas mentiras

Ou especular verdades sobre o amor.

 

Também, metamimese: Ele embeleza

Com descritivas penas suas liras,

Mas em verdadeiríssima grandeza. 


*      * *

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O OLHO DE HÓRUS

O OLHO DE HÓRUS


O olho que tudo vê, segundo diz

Todo aquele em mistérios iniciado,

Evoca do deus morto-e-reencarnado

A vingança contra o mal e seus ardis.


O olho que olha nos olhos do infeliz

E os atravessa a ver a que fadado::

Vidente do futuro e do passado,

Faz contemplar dos mortos o país.


Só quem sabe da vida após a morte,

N’um olhar que, profundo, nos conforte,

Até partirmos com ou sem revolta.


Ouro Preto - 11 12 2022


domingo, 11 de dezembro de 2022

AUTOINDULGENTE

AUTOINDULGENTE


Preciso me perdoar por ser horrível,

Pois, no fundo, eu apenas sou instável.

Sou de mim meu juiz mais implacável

Sempre a me lamentar do irreversível.


Em face d’um abismo intransponível,

Confesso o meu azar irretocável…

Pareço, em todo caso, o inescusável,

Cumprindo a solidão o mais possível.


Deveras, condenado a condenar-me,

Eu passo ao largo e logo toca o alarme:

Eis outro depressivo inveterado…


Mas ‘inda que m’entenda um pessimista,

Não há melancolia que resista

O sol vazando às nuvens em dourado!!…


Ouro Preto - 11 12 2022


sábado, 10 de dezembro de 2022

AJUNTAMENTO

AJUNTAMENTO


Onde um mundaréu de gente junta,

Vive a paredes-meias; casa a casa.

Ninguém ali se apressa nem se atrasa,

Somente alguma prosa o povo assunta.


Nas póvoas afastadas, quem se ajunta

Cria de filho a neto e não se casa.

Parece que o lugar se lhes embasa

A vida sem resposta nem pergunta.


Alheios a proclamas de cartórios,

Celebram porta adentro seus casórios,

E dão às coisas uso, não valor.


De sorte que sequer guardam papéis…

Confiam que entre si sejam fiéis

E a única garantia seja o amor.


Camacho - 15 10 2022


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

PONTO NEVRÁLGICO

PONTO NEVRÁLGICO

 

Ao nervo do molar o osso na sopa

Molesta feito um raio entre sinapses…

A dor ali se instala com seus ápices,

Rasgando-te, minh’alma, igual estopa.

 

Tão logo te surpreendem a alva popa,

Abandono-me à espera que colapses,

Ou, no limite de ti mesma, relapses

Como quando a aflição contigo topa. 

 

Em espasmos sucumbe a metafísica,

Enquanto a dor domina-te a consciência

Já sem filosofar sobre a existência.

 

Qual carne dada aos vermes pela tísica,

Empalideço a face e o pensamento,

No cerne d’um sagaz questionamento.

 

Betim - 23 05 1999 


quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

NÃO MORRO DE AMORES

NÃO MORRO DE AMORES


Um tipo muito bem apessoado,

D’aqueles que acompanham bem as modas.

Circula nos salões das altas rodas,

Afetando-se ao extremo refinado.


Passa ainda por muito conversado

Ao se infiltrar alheio em ricas bodas

E após correr em flerte às moças todas

Com ares de galã enamorado…


Cumprimento-o de longe quando o vejo

E não lhe dou assunto no gracejo

Que esse infeliz me faz todas as vezes.


Suporto-lhe a figura, em todo caso,

Como se fosse o cúmulo do atraso

Que me desentretém d’outros reveses.


Betim - 07 12 2022


sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

CABOTAGEM

CABOTAGEM


Costear as tuas curvas desejadas

Sem nunca me afastar por mar aberto.

Assim vou navegando a vento incerto

E sob imensas noites estreladas.


De longe, elevações alcantiladas,

Seus seios no peito descoberto.

Após, descendo ao púbis, um deserto

Onde praias s’estendem encantadas.


Dias de sol e lua sobre o mar

Com teu corpo moreno para amar

Na exploração de tuas coxas nuas.


Assim quero lembrar sempre de ti:

Beleza que do mar eu conheci;

Prazer que à flor da pele me insinuas…


Ubatuba - 20 12 1996 


ARDORES

ARDORES


Quem amo tem no olhar raios de sol  

E ainda quatro faces como a lua.

Parece hipnotizar se se insinua

Tão ardilosa quanto a isca no anzol.


Belo é lhe surpreender sob o lençol,

Ao acaso de enrolões, a pele nua…!

Pois mesmo adormecida continua

Fazer-me suar e arder igual terçol. 


Atravessando a noite assim desperto,

Padeço em ver seus gostos tão de perto

Sem os poder tocar como queria.


Quem amo nem suspeita quanto passo.

E ainda lh’estreitando o peito lasso,

Apenas lhe acarinho a testa fria…


Belo Horizonte - 12 05 1996


AMORES DOENTIOS OU LIMERÊNCIA

AMORES DOENTIOS OU LIMERÊNCIA


Adormecida em sonho,  igual princesa

À espera d’um herói belo e valente…

Como se imersa em bruma, niveamente,

Evanescendo em pálida beleza.


Andava em realidade sem defesa,

Em face da obsessão de sua mente:

D’aquele que deseja avidamente,

Se fez a predadora e ainda a presa…!


Vivia o que imagina estar vivendo

Ou mesmo d’um grande amor morrendo

E não o que de facto acontecia.


Tanto queria amar e ser amada,

Que se perdera, só e amargurada,

Entregue a uma total monomania.


Belo Horizonte - 12 12 1999


FLOR, MINHA FLOR

FLOR, MINHA FLOR


Minha flor, qu’eu te colha com carinhos…

Quando, da espera ao encontro, incontida,

Me reténs na infindável despedida,

Como fosse eu partir por descaminhos…!


Não te anseies d’alheios burburinhos,

Tampouco haja outra lágrima vertida…

Estava escrito amarmo-nos p'la vida

Entre os versos de antigos pergaminhos.


Fomos, que nem os lírios vicejantes,

Em meio a borboletas, dois amantes:

No juncal, orvalhamo-nos n’um beijo.


Esteja o nosso amor eternamente 

A luz do teu encanto florescente, 

Nos corações, oh flor do meu desejo...


Belo Horizonte - 12 09 1996


quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

COMPANHEIRA

COMPANHEIRA


A mulher que acompanha meus caminhos…

Luz dos dias; razão dos meus cuidados;

Dos prazeres; dos ais enamorados;

Dos olhares d’amor; dos bons carinhos...


A mulher que é rosa entre os espinhos,

Assim como a alegria em meio aos fados.

Que me ensinou a rir dos maus passados,

E até a conversar co'os passarinhos…!


A mulher amorosa, ela é amada.

É quem a passo guia-me na estrada,

De mãos dadas seguindo a vida inteira.


Aquela por quem busco a madrugada;

Com quem reparto o pão para a jornada,

Esta mulher é minha companheira.


Betim - 01 12 2022


quarta-feira, 30 de novembro de 2022

DELÍRIOS

 DELÍRIOS


— “Mas, dizei-me vos-outros, vos conjuro!

Que notícias haveis d’aquela que amo.

Vede: O amor faz rodeios feito o ramo

D’uma videira em torno do inseguro.”


“Quanto desassossego e desapuro?!...

Que idéias imperfeitas ora tramo?!...

Vós que me ouvis, medi o quanto clamo:

– Onde s’encontra aquela que eu procuro?...


“Eis que as luzes que tive hoje são trevas

E a angústia toma o espírito após levas

De ausências e silêncios desiguais”


“Pois o amor – ou a loucura, se o entendeis —

Às vezes vai de encontro às próprias leis.

Sede-me vós juízes de meus ais!”.


Betim - 12 12 1996


LIDES D’AMOR

LIDES D’AMOR


Às curvas do seu corpo o ardor perpassa

Com lascivas carícias sobre a pele.

Regalo-me de ti se mais me impele,

Voluptuosamente a sua graça.


Submeto-me à vontade que me abraça,

E as leis do amor que impõem a todo aquele,

Que antes a bela amou; que após a vele,

E ao sono seu desejo então renasça.


Teu corpo adormecido do meu lado

Entre lides d’amor quedou prostrado…

Mas mesmo de partida eis-me amador:


Graças, bela, por horas tão gozosas!

Deixo-te enamorado algumas rosas,

E um soneto a vermelho tinto d’amor...


Belo Horizonte - 12 05 1996


terça-feira, 29 de novembro de 2022

VIGÍLIA

VIGÍLIA

Àquela que amo escrevo este soneto,

Movido por saudades desmedidas.

Na esperança que as rimas comovidas

Possam lhe consolar o peito inquieto.


Mesmo distante busco o seu afeto 

Em vigílias por noites tão compridas,

Que anseio pelo dia em nossas vidas

Em qu’eu n’ela estarei enfim completo.


Se ela sorri, sorri toda a Natura 

Como seu sorriso fosse de luz pura

Ou semelhante ao sol por céus abertos.


E é com a sua imagem luminosa,

Que velo a madrugada silenciosa,

Atravessando páramos desertos.


Belo Horizonte - 02 10 1997


INDECÊNCIAS

INDECÊNCIAS


Mais promete a beleza da mulher 

Quando faz recordar doces prazeres,

Mostrando os ombros nus entre afazeres

Para acender-me os olhos de querer.


Parece em me atentar mais s’entreter,

Certa de ter em mim novos lazeres.

Na ânsia de devorar-me sem talheres,

Chega perto demais por m’envolver:


Encosta no seu colo a minha face

De modo que ao virar-me (se eu ousasse…!)

Teria já meus lábios no seu sexo…


Finalmente, ao entreabrir o seu decote,

Ela se achega fungando em meu cangote

Para me balbuciar coisas sem nexo…


Belo Horizonte - 13 08 1999

LÍRICA

LÍRICA

Fossem tão bons os versos quanto a musa,

Que com doces carinhos m'os inspira,

Já não diriam rude a minha lira,

Ou mal de nossa história por confusa…


Cantasse o amor mundano, como se usa,

No qual com exageros se delira,

Talvez o aplauso alheio se me ouvira,

Mas não os seus suspiros de reclusa.


Embora grande o amor, falta talento

Para dizer ao seu contentamento,

Que a amo em cada sílaba medida.


Reste-me da poesia essa intenção

Ao lhe tentar falar ao coração,

Senão mais entendida, mais sentida.


Belo Horizonte - 07 07 1997


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

UM ENCONTRO HUMANO

UM ENCONTRO HUMANO

As almas não se encontram, bem dizia

Manuel Bandeira em sua “Arte de Amar”,

E por que se haveriam-de encontrar

Se entre corpos cada um mais se perdia?!

Almas gêmeas… Estranha alegoria!

Quando tão melhor um comum lugar

Onde os corpos s’encontram a gozar

Dos prazeres em plena fantasia.

Talvez seja só eco ao que intuíra

Platão ao comentar do hermafrodita,

Cujo gênero em duplo se acredita.


Se não verdade, mais bela mentira!

Ou seja, a arte amorosa do prazer

No ambíguo-mas-humano bem-querer.


Belo Horizonte - 13 12 1998


PRAZER, AMOR!

PRAZER, AMOR! (fado)


Antes de te conhecer, 

Nem me conhecia…

Vivendo sem teu querer, 

Eu sequer vivia,

Tal o afã d’eu m’esquecer

Na noite vazia…!

Antes de te pertencer,

Não me pertencia…


Inconsciente como algum 

Sonâmbulo em sonho.

Sempre no lugar comum 

D’algum bar medonho

Onde apenas sou mais um

A beber tristonho.

Até que, sem pudor nenhum,

Olhos em ti ponho.


Ao te conhecer, amor,

Eu me conheci.

Já não m’escondo da dor,

Se junto de ti

Tudo tem muito mais cor;

Nunca me senti

Como agora, trovador,

Tão feliz aqui.


Antes de te conhecer, 

Nem me conhecia…

Vivendo sem teu querer, 

Eu sequer vivia,

Tanta a ânsia d’eu m’esquecer

Na noite vazia…!

Antes de te pertencer,

Não me pertencia…


Belo Horizonte - 12 03 1996


PSICOSSOCIAL

PSICOSSOCIAL


No fundo dos teus olhos eu olhei.

E lá, jazem segredos abissais…

— Onde luz nenhuma não chega jamais —

Nos recônditos d’alma, t’encontrei.


Por sobre a tua pele eu te toquei.

De séculos de dor, os negros ais

Ecoavam existências desiguais…

Nas sombras da cidade, t’escutei.


Não é teu sofrimento só mental,

Se ausente da pirâmide social

Caminhas alta noite pela rua.


Tua dor sobretudo é exclusão,

Mas passas, invisível, na ilusão

De que catas estrelas para a lua.


Belo Horizonte - 08 05 1998

PLATÔNICO

PLATÔNICO 


Em meio a escuridão plena e soturna,

S’especula da luz inteligível

Des’ que Pandora, em gesto irreversível,

Esperanças deixou ao fundo da urna.


Havendo, além das trevas d'essa furna,

De aparecer de facto luz sensível

Talvez o mundo feito assim visível,

Nos mostre a realidade ao fim nocturna.


Mas se em sombras se vive toda a vida,

No amor alguma luz é presumida

Apesar dos grilhões que nos proíbem.


Que se ilumine o amor dentro das almas,

De modo que, espelhadas, sejam calmas,

Enquanto os corpos nus se desinibem…!


Santa Bárbara - 07 30 1997


domingo, 27 de novembro de 2022

DE TODO O CORAÇÃO

DE TODO O CORAÇÃO

E eu, embora calado e pensativo,

Tenho guardado em mim tanta ternura,

Que sinto o peito arder de calentura,

Enquanto o meu olhar do teu captivo.

Em meio a turbilhões de anseios vivo,

Pois — no ápice do prazer e da loucura —

Te amar tem sido insólita aventura,

E extremo d’um desejo subversivo…

Tenho ainda em meus dedos teu calor,

Depois de mil carícias ao sabor

Das curvas pelo teu corpo desnudo.

Do mesmo modo os lábios bem molhados

Eu trago de teus beijos namorados…!

Eu ardo de te amar mais do que tudo.

Betim - 12 05 1997

CHE PECCATO…

CHE PECCATO…


Que fizemos, amor, de nossas vidas,

Hoje perdidas sem qualquer sentido…?

Que pode ter com o amor acontecido

Se era luz e ora trevas insabidas?…


Que mal nos faz sangrar tantas feridas

Depois de anos tendo convivido?

Quantas histórias temos presumido,

Ao invés de conversarmos sem saídas…?


Que desastres nos perde o amor que é tudo?

Que t’encontra e depois me deixa mudo??

Que nos separa embora nos amando…?


Que encanto salvará nosso amor doente???

Que milagre o fará eternamente ???

Que pecado deixá-lo!? Que miserando?!


Betim - 08 09 1998


sábado, 26 de novembro de 2022

MORTO DE AMOR

MORTO DE AMOR

Este amor me tem feito muito mal,

Como andasse de noite no sereno

A procurar nas sombras mais veneno

Para esquecer teus olhos afinal.


Pareço um morto-vivo funcional,

Vagando pelo mundo ultraterreno…

Recoberto de culpas, me condeno

Por eu querer tão bem alguém tão mau!


Eu te amar me tem sido um infortúnio

De lunático uivando ao plenilúnio

Sem que nada na vida me conforte.


Que tu me ames ou não já nem importa,

Apenas te lamento a ideia torta

De haveres com amor me dado a morte.


Betim - 02 05 1998


PROVA D’AMOR

PROVA D’AMOR


Se o ouro se prova ao fogo; o amor, na dor.

É preciso passar pelos reveses

Para que a vida a dois algumas vezes

Cresça co’os infortúnios ao redor.


É nas adversidades que melhor

Transparecem um ao outro estupidezes…

Com o tempo, semanas viram meses

E algo mais complicado vira o amor. 


Tantos dizem “eu te amo” o tempo todo

E tantos de facto amam a seu modo,

Que o amor precisa sempre ser provado.


Se o que muito se diz, pouco se sente

Quem ama muito faz e segue em frente

Ou nada significa ser amado.


Betim - 20 08 1997 


FLAGELOS

FLAGELOS


Nós nos ferimos, eu e tu sangrando

Os nossos corações à flor da pele!

Incerto ao que o futuro nos revele,

Considero o vazio quando em quando…


O facto é que as farpas vão cravando

Fundo de cada peito antes imbele.

Quanta desfaçatez ‘inda desvele

Nosso amor n’esse estado miserando?!?


Do modo que medido eu fui por ti,  

— Cheio de imperfeições — eu te medi:

Em sílabas dispus grave torpor. 


N’este metro, só versos infelizes…

Feridas se tornando cicatrizes,

Enquanto os corações em desamor.


Betim - 16 08 1998


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

QUARTO DE HOTEL

QUARTO DE HOTEL

Noite alta e o coração anda desperto

A rever a silhueta contra a luz

D’aquela que amorosa me conduz

A um lugar em mim indescoberto.


Em todo caso, o quarto está deserto:

N’um sonho o seu sorriso me seduz.

Eu paro a recordar-lhe os ombros nus

E os seios no decote semiaberto…


Agito-me na cama a noite toda

Certo de que a distância me incomoda

Mais que a solitude d’estas horas.


Assim, na escuridão, tua presença

Parece atravessar a noite imensa

A me trazer de volta sem demoras.


Santa Bárbara - 12 07 1997


O LIVRO DOS MORTOS

O LIVRO DOS MORTOS


Com maus versos e sem ressentimentos,

Te tenho escrito poemas amorosos.

Apesar dos momentos mais ditosos,

Eu contigo vivi padecimentos…


Talvez houvesse até merecimentos

Ou tenha tido luzes n'alguns gozos,

Mas o amor tem caminhos tortuosos

Nos quais se deixa horrores por tormentos…


Vivi intensamente a minha vida

Como homens de pirâmides antigas

Fizeram escrever pelas paredes.


Porém, minha miséria é desmedida:

Perdidas as amadas e as amigas,

Restarão as desculpas que me pedes!


Ubatuba - 31 12 1999


AQUELA QUE ME DEIXA

AQUELA QUE ME DEIXA

Uma mulher me veio em meio ao sonho:

Dizia que me amava, mas partia.

E eu, tomado de estúpida apatia,

Segui de longe seu andar tristonho. 


Desperto de cenário tão bisonho,

A recordar-me a imagem que fugia: 

O porte senhoril, a face esguia...

À luz, seus olhos baixos recomponho.


Mas não fixei seu rosto, coisa alguma.  

Sequer soube d'um nome a ter chamado,

Se todas as mulheres e nenhuma.

 

Era ela um recordar, porém, sonhado; 

Alguém que à minha mente desarruma...

Aquela que me deixa em meu passado.


Belo Horizonte - 07 09 1997

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

SAUDOSO

SAUDOSO E eu pensava saber o que é saudade... Ou ter falta d’alguém não doesse tanto…! Como calar tantos ais tristes de espanto, Se vivo desolado em soledade? Quão longe estou de ti n'esta cidade?! Tão distante não me ouves mais o canto… Escusa, minha amada, se me encanto Contigo eu conheci felicidade…! Contigo, as horas são-me mais breves, E até as dores sobre mim mais leves Se tuas mãos sustentam-me o rosto. Sem ti, porém, eu vivo em desconsolo. Saudoso de carinhos, deito ao solo, Transido de carências e desgosto… Brumal - 17 06 1997

LAUDAS PERFUMOSAS

LAUDAS PERFUMOSAS


Se eu derramar um poema em teu ouvido

E, linda, me beijares com ternura,

Talvez os versos valham-me a procura

Nos escuros recônditos d’Olvido.


Contassem-me do olhar incendido

Que s’espelha em teus olhos de luz pura,

Pode ser qu’eu poetasse com ventura

Acerca d’este amor que tens vivido.


Então, somente então, do que sinto

Diriam estes ais que não desminto 

E t’escrevo ao lembrar horas saudosas.


Porque a alma me roubaste com um beijo,

E o corpo me ardeste de desejo,

Recebe-me tu, laudas perfumosas...


Belo Horizonte - 21 12 1997


ENLUARADA

ENLUARADA


Afasto dos mundanos minha pena

E a caminho de ti eu peregrino.

Onde, ora profano; ora divino 

Teu olhar se revela à lua plena.


Eu me demoro a olhar para esta cena

Quando a ti, enluarada, me destino. 

Até que o coração em desatino

Diante de teu sorriso se apequena.


Ao toque de teu rosto tão-somente

Vejo que não és mármore, sim gente!

E que me queres quanto eu te quisera.


Já de damas-da-noite se perfuma

O teu jardim de casa envolto em bruma…

Tu te banhas de luar à minha espera!


Santa Bárbara - 24 07 1997


SERENÍSSIMA

SERENÍSSIMA


Este amor que vivemos, minha amada,

Enche horas de suspiros e de ensejos,

Enquanto estrelas caem aos teus desejos

E o luar se nos derrama em serenada.


Triste é mirar a noite ora estrelada

Se, sozinho, ao violão elevo arpejos

Na esperança de a ti ofertar beijos:

— “Estrela d’alva em minha madrugada!...”


A luz se acende em tua escrivaninha

E logo uma silhueta se adivinha 

À voz que se derrama em serenata.


Ao chamado dos versos, de repente,

Assomas à janela a ver contente 

No céu a lua plena pôr-se em prata.


Santa Bárbara - 31 01 1997


quarta-feira, 23 de novembro de 2022

BOA NOITE... BOM DIA!

BOA NOITE... BOM DIA!


Todas as noites, sinto ao ver chegar

A hora em que ela sorri se despedindo.

Suspiro de deixá-la ao encontro findo,

Ansioso de amanhã a reencontrar…!


Sei que ando pela rua sem lugar

E apresso a madrugada que vem vindo.

Vou sonhando acordado o rosto lindo,

Que já me acostumei a acarinhar.


Logo logo virá um novo dia

E a tristeza dará azo à alegria

De a ver enamorada novamente.


Entrementes, um outro pôr-de-lua

BOA NOITE... BOM DIA!


Todas as noites, sinto ao ver chegar

A hora em que ela sorri se despedindo.

Suspiro de deixá-la ao encontro findo,

Ansioso de amanhã a reencontrar…!


Sei que ando pela rua sem lugar

E apresso a madrugada que vem vindo.

Vou sonhando acordado o rosto lindo,

Que já me acostumei a acarinhar.


Logo logo virá um novo dia

E a tristeza dará azo à alegria

De a ver enamorada novamente.


Entrementes, um outro pôr-de-lua

Me faz dar meia volta à sua rua

Para velar teu sono ternamente.


Betim - 12 04 1997

Para velar teu sono ternamente.


Betim - 12 04 1997

ANTES DO AMOR

ANTES DO AMOR


No princípio, era o amor. Antes de tudo,

O amor estava em mim a gerar vida.

O amor era uma história a ser vivida

Dentro d’um coração enfim desnudo.


Já quanto a ser feliz, eu não me iludo…

O amor é antes algo que convida

A ver o que virá logo em seguida.

Jamais um fim em si mesmo, contudo.


O amor é continente indescoberto

Que a linha do horizonte traz, decerto,

Àquele que navega quanto havia.


E eu, que me faço nauta para amar,

Pela fé, desde as praias d’aquém-mar,

Ainda antes do amor, eu já o via.


Betim - 12 07 1996

SOBRESSALTO

SOBRESSALTO

 

De súbito me vêm uns calafrios,

Como se aragem forte em corredor

Levantando papéis ao meu redor

Se fizesse presença nos vazios.

 

Pego-me a perscrutar sótãos sombrios,

De todo enmimesmado n’um torpor:

— “Felizes para sempre enquanto for…

Parece uivar o vento entre baldios.

 

Trêmulo, fecho os olhos e me cubro,

Enquanto outro crepúsculo aurirrubro

Prenuncia nos campos mais geada.

 

E incerto da verdade que me pasma,

Fico como esperasse algum fantasma

Em vigília por toda a madrugada.

 

Betim - 06 06 1992