AQUÁRIO-MÚNDI
Escrever sobre História nos dias confusos que correm é tão necessário quanto colectar os factos que se sucedem em velocidade vertiginosa no mundo actual. Os primeiros vinte anos do Terceiro Milênio parecem ter encontrado enfim um marco limítrofe enquanto período histórico com o advento da Pandemia de Covid-19 mais a profunda crise do Capitalismo Financeiro d'ela decorrente. Embora ainda nos encontremos em pleno processo, todos somos unânimes em afirmar que nada será como antes quando os dois grandes acontecimentos citados acima concluírem seu desenvolvimento. O novo equilíbrio entre as nações, bem como o fortalecimento de instituições supranacionais como a OMS indicam uma nova ordem mundial onde agência globais tornam-se protagonistas na acção coordenada contra problemas que não são -- ou não podem mais ser -- resolvidos apenas por decisões nacionais. A democracia nacionalista, em certa medida, passa ser suplementada pela tecnocracia das agências internacionais. Repare-se que não há qualquer juízo de valor, mas antes uma descrição objectiva da acção da OMS ao longo da Pandemia é do poder que agências afins adquirem face à inequívoca capacidade das nações independentes em reagir ao problema posto sobre a mesa de negociações. A vacina, o tratamento, o controle de disseminação e consequências econômicas da Pandemia forçou-nos a buscar uma solução necessariamente de alcance global, assim como o próprio novo corona vírus se mostrou.
De certo modo, a História é como um aquário no qual os factos e as narrativas propostas pelos historiadores sedimentam lentamente. Isto posto, a verdade histórica pode ser vista como a descrição das camadas que se acumulam no fundo do aquário, mas nada impede que um movimento revisionista levante esse saber estante, mudando o modo como compreendemos o passado. De qualquer modo, o turbilhonamento também cessa n'algum momento e as camadas voltam a assentar para consolidar novamente o saber histórico. História é ciência, mas é também memória colectiva. Quanto mais distantes os factos em relação à sociedade, mais as pessoas têm de confiar na descrição dos historiadores, visto serem estas as camadas mais sólidas e profundas de nossos registros enquanto Humanidade.
A imagem dum AQUÁRIO-MÚNDI como representação imagética do esforço de descrição do passado remete aos horizontes que amostras de solo ou gelo escavado em sondagens apresenta, mas com a vantagem de não serem pontuais, sim sistêmicas, no referido aquário. Se catalogarmos as fontes de informação sobre os períodos sedimentados e formos capazes de as avaliar criticamente quanto à confiabilidade -- discriminando a mera opinião do cronista-historiador e os factos que comenta -- poderemos produzir tentativas de saberes sobre o passado sem deixar que preferências intelectuais cristãs ou marxistas -- por exemplo -- se coloquem feito lentes sobre os olhos na hora em que olhamos para as camadas consolidadas no fundo do aquário.
Essa camada superficial representada pelos últimos vinte anos -- o fim d'uma Era! -- ainda se apresenta como água turva diante dos observadores da conjuntura histórica. Não obstante, é dentro d'esse aquário imaginário que tenho posto o que atravessamos em relação com o passado. Houve muitas outras crises sanitárias no passado sim, mas jamais estivemos tão conectados enquanto habitantes d'esse Planeta. Jamais soubemos tanto sobre o flagelo que nos aflige e, provavelmente, jamais reagimos com tanta responsabilidade quanto agora. Mais do que o vírus em si, vemos a cooperação entre as nações mitigarem os danos é apontarem as saídas da crise. Talvez os cientistas é os tecnocratas cresçam sobre as lideranças políticas n'esse cenário. Talvez se mantenham importantes nas decisões acerca do controle de doenças, segurança alimentar e mesmo ordenamento econômico ao redor do mundo. Talvez seja um mundo novo surgindo diante dos nossos olhos nas águas turvas do Aquário-Múndi onde tenho entendido a História.
Betim - 26 04 2020
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