OCTAGÉSIMA SEGUNDA
Espaço para exibição e armazenamento de poemas à medida que os vou escrevendo. Espero contar com o comentário de leitores atentos e gente com sensibilidade poética por acreditar que o poema acabado não precisa ser o fim de uma experiência, sim o início de um diálogo.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
OCTAGÉSIMA SEGUNDA
terça-feira, 29 de dezembro de 2020
HOLOGRÁFICO
HOLOGRÁFICO
A imagem que se forma no vazio
Chega a brilhar no fundo da retina...
Por arte cinemática ilumina
A mensagem enviada em desvario.
Das formas impalpáveis desconfio,
Enquanto a realidade se imagina
N'uma virtualidade que alucina,
Visto que semelhantes ao arrepio!
Eu tenho para mim que a projeção,
Pretendendo falar ao coração,
Me fez mais triste o meu olhar tristonho.
De maneira que aquele sentimento
Tornasse o audiovisual em movimento
Como a mulher amada em meio ao sonho.
Sobrália - 29 12 2020
domingo, 27 de dezembro de 2020
FOGO SELVAGEM
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
ESPATIFADO
ESPATIFADO (aforisma)
E o meu coração, cansado de bater em vão, simplesmente se parte em mil pedaços.
Betim — 25 12 2020
OCTAGÉSIMA PRIMEIRA
OCTAGÉSIMA PRIMEIRA
VINTE E QUATRO DE DEZEMBRO
VINTE E QUATRO DE DEZEMBRO
Quero chorar mas já não tenho mais lágrimas.
O amor mais bonito se perdeu
em mil tentativas-e-erros. Não há mais nada.
Eu gostaria de ter alguém a que culpar,
mas a verdade é que estou triste demais
para raciocinar. Acabou por cansaço,
por distração e até por decepção.
Eu quis muito -- posso dizer -- foi a coisa
que mais quis na vida. Perder esse amor de vez
é quase tão doloroso quanto morrer.
Estou meio morto agora. Meu peito bate,
mas o sangue embaça meus olhos tristes.
Preciso esquecer -- é que me resta -- tenho-de esquecer.
Amanhã será Natal. Jesus menino, salva-me d'essa tristeza sem fim.
Eu sei que fiz quase tudo o que podia, mas a sensação de derrota é imensa: Perdi a pessoa mais importante da minha vida. Nada mais faz sentido.
Ela será feliz novamente e isso é tudo que me consola. Eu não consegui fazê-la feliz.
Ela sabe que nunca vou deixar de amá-la, mas isso não parece importar mais. Ela seguiu em frente enquanto eu permaneço parado, sem esperança.
Meus lábios murmuram: Feliz Natal! Eu te amo muito... Mas as palavras se perdem pelo quarto escuro.
Adeus, meu grande amor. Vai com Deus. Eu seguirei também.
Betim - 2020
quinta-feira, 24 de dezembro de 2020
AMARO
AMARO
É muito ruim amar quem já não te ama
E te chama de amor sem nem te amar.
Se todo amor um dia há-de acabar,
Restem em paz as cinzas d'essa chama.
Andando infeliz quem muito reclama
Decerto tem motivo o desgostar:
Há quem confunda amores com folgar
E sempre faz da noite uma derrama...
Amaro. Muito amaro aquele amor,
Em cuja boca o beijo é sem sabor,
Depois de tantas falas celeradas.
Amara. Desamar quem não te amou.
Pois o tempo de amar já te passou:
-- "Sumam com ilusões enamoradas!"
Betim - 23 12 2020
terça-feira, 22 de dezembro de 2020
RAPINA
RAPINA
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
OCTAGÉSIMA
COPAS ENVERGONHADAS
COPAS ENVERGONHADAS
Cheias de não-me-toques, as coroas
Dos altos eucaliptos pelo vento
Ondulam a ciciar n'esse momento
Em que caminho longe das pessoas.
Sob o rumor das ramas passo lento,
Rememorando coisas más e boas...
Mas me pego encantado a tecer loas
Ainda às pudicícias vãs do evento:
Sim, as árvores têm suas vergonhas,
Assim como ora tenho meus remorsos,
Em meio a horas tão sós quanto tristonhas.
Pois apesar de todos os esforços,
Somos só solitários a afastar
O bem e o mal de quem quer nos tocar.
Sobrália - 21 12 2020
domingo, 20 de dezembro de 2020
ANDROCIDA
ANDROCIDA (rondel)
Viúva e negra, tece a aranha
O casulo onde jaz o amante.
Gira qual fuso a peça estranha:
Uma mortalha horripilante…
Grávida de prole triunfante,
Devora-o qual presa tacanha.
O casulo onde jaz o amante,
Viúva e negra, tece a aranha.
Grávida de prole tamanha,
Gira qual fuso delirante
Quem fez d’amores artimanha…
O casulo onde jaz o amante,
Viúva e negra, tece a aranha.
Sobrália — 20 12 2020
TRANSAMAZÔNICA
TRANSAMAZÔNICA
Mais dia menos dia vou-m'embora,
Rodar por roças novas onde o sol
Traz ainda mais perto o seu farol
E faz rachar a terra que se cora.
Diz-que quando o aguaceiro se demora,
Não vai trator de esteira nem patrol.
Somente a mosquitada onde terçol,
Malária, dengue, berne, catapora...
Para cada trecho ínvio haja morada,
Fazendo a travessia uma jornada,
Dias e dias preso ao lamaçal...
Quem porém das águas passa o inverno
Reine, pobre diabo, n'esse inferno
Sem lei nem grei da selva tropical!
Sobrália - 20 12 2020
PAPOS ALEATÓRIOS
PAPOS ALEATÓRIOS
Falo e não sei do qu'eu estou falando.
Escuto e não entendo ou sequer tento.
Parecer ser parece o meu intento,
Mas meneio a cabeça quando em quando.
Concordo mesmo em nada concordando.
Emendo as frases sem mais pensamento.
Sei o outro interromper todo momento
E mesmo assim eu sigo divagando.
Pelo gosto de ouvir a minha voz
Não deixo haver silêncios entre nós
Como tivesse pânico em pensar.
Incapazes d'algum desejo análogo,
Passamos o estranhíssimo diálogo
Todo o tempo falando sem parar.
Sobrália - 19 12 2020
sábado, 19 de dezembro de 2020
DOS INSECTOS
DOS INSECTOS
1.
Sobre o breu do brejo
dezenas de vagalumes
vão pisca-piscando.
2.
Cricrilava um grilo.
Na noite imensa da roça
o som das estrelas.
3.
Delicadamente,
a borboleta amarela
nos lírios dos pauis.
4.
Nuvens de mosquitos
voejam ao entardecer --
pássaros em festa.
5.
Junto do telhado
um ninho de marimbondos
prospera co'os donos.
6.
Atravessa a estrada
uma fila de formigas --
folhas andarilhas.
Sobrália - 19 12 2020
SEXAGÉSIMA NONA
SEXAGÉSIMA NONA
sexta-feira, 18 de dezembro de 2020
TRECHO VARIANTE
TRECHO VARIANTE
Hoje atalho por dentro a estrada velha
Sem as curvas do vale rio abaixo:
Um viaduto elevado sobre o riacho
E um túnel logo após que s'emparelha.
Então, passando o trecho, olho de esguelha
E relembro como era ali embaixo,
No tempo em qu'eu andava cabisbaixo
Com rugas a cravar a sobrancelha.
De vera, foram muitas travessias
Tristes em meio a tristes desventuras,
Que tanto obscureciam os meus dias.
De modo que o caminho em meio à serra,
Agora abandonado, em si encerra
O meu lugar-comum de sós agruras.
Antônio Dias - 17 12 2020
PATÉTICA
PATÉTICA
Se gosto de sorrir com seu sorriso,
Também gargalho em suas gargalhadas.
É muita areia? Dou duas carradas!
Trocentas horas extras, se preciso...!
Tem graça a sua vida no improviso
E o gosto peculiar para piadas...
Falas tão graciosas que engraçadas,
Mas que sempre me põem de sobreaviso.
Parece sem temor de aparecer
Pois faz chorar de rir quem quer que fosse
Como nada tivesse p'ra perder.
O riso que ora tenho ela quem trouxe...
Sem vergonha de si e do que quer,
Tudo o que faz a vida ser mais doce.
Betim - 16 12 2020
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
SEXAGÉSIMA OITAVA
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
AS MENINAS
AS MENINAS
Parecem-se igual duas gotas d'água
Nas pupilas dos olhos espelhadas
-- As meninas me passam alvoraçadas;
Com as maçãs do rosto ardendo em frágua! --
Jamais eu poderia olhar com mágoa
Àquelas traquinagens descuidadas,
Se o coração, em fortes ressacadas,
É um mar onde o amor, rio, deságua...
Elas correm de costas para mim
Como se me corressem outrossim
Pelo tempo que tudo quer levar.
Caminham sempre juntas na memória,
Por alguma alameda ora ilusória,
Tão parecidas são em meu olhar.
Betim - 15 12 2020
CADERNETA
CADERNETA
Passou pela cabeça e eu escrevi.
Pois antes de ser verso ou pensamento
Fora a contemplação do vão momento
Ou algo de interessante que eu ouvi.
A folha em branco esteja sempre ali
Onde a escrita repouse sem intento
Para desanuviar meu sentimento
E depois me lembrar do que esqueci...
Tenho sempre no bolso; bem à mão,
Alguma caderneta de rascunho
Que me recebe as letras de ocasião.
E, senão de meus dias testemunho,
Haja ao menos dos gestos a expressão
D'esse afã de poetar de próprio punho.
Betim - 15 12 2020
segunda-feira, 14 de dezembro de 2020
DOIS MIL ANOS DEPOIS DE CRISTO
DOIS MIL ANOS DEPOIS DE CRISTO
Não houve Natal quando ele nasceu.
Tampouco no solstício d'outro inverno
O mundo parou para olhar o eterno
E receber aquele que Deus deu.
Não sabem se de facto aconteceu:
Anjo, virgem, massacre, luz, governo...
Todavia, o que há entre o céu e o inferno,
Em outro sonho humano se perdeu.
Contaram dois mil anos -- vai saber!... --
O tempo que calhou de acontecer
Aquele nascimento obscurecido.
De tudo, a única coisa que nos resta
É essa mui ruidosa e estranha festa,
Que inventaram para um recém-nascido.
Ubatuba - 28 12 1999
domingo, 13 de dezembro de 2020
SEXAGÉSIMA SÉTIMA
SEXAGÉSIMA SÉTIMA
SEXAGÉSIMA SEXTA
SEXAGÉSIMA SEXTA
ENTRESSONHO
ENTRESSONHO
Durmo como estivesse esvaziado
De qualquer vão vestígio de existência.
D'olhos fechados, vívida consciência
De imaginar-me à noite despertado.
Meu sono parecia tão pesado,
Que a morte não seria coincidência.
Visto aquela máxima indolência,
Enquanto eu totalmente desligado.
Entre nada e lugar nenhum, a mente
Não concebia o tempo onde o presente
Acontecia para todo mundo.
Apenas o vazio e o esquecimento.
E aquele fora o meu melhor momento
De todos qu'eu vivera n'esse mundo.
Betim - 12 12 2020
sábado, 12 de dezembro de 2020
ONZE DE DEZEMBRO
ONZE DE DEZEMBRO
Lidar com o desamor é ruim,
que nem roçar um beco com enxada cega!
Deixar de gostar é revirar o coração, uma desnatureza
confusa e doentia: Não querer quem tanto se quis.
Sempre dar um passo para frente
em direção ao novo e, logo após, um tropeço.
A gente cai no chão de mal jeito
e fica parado olhando
o futuro que não vem
e o passado que não passa.
A gente fica.
Às vezes acontece de topar com o outro
e é estranho:
A amada distanciada se torna quase nada.
Sua presença fria
nega o amor que dói na saudade da solidão.
Não. Não. Não.
Não é nada mais em nunca nem ninguém.
Não tempo há nem espaço no desencontro. Já deu!
Resta apenas a armadilha de se acostumar ao vazio
e desejar que acabe o fim.
Aqui não se diz que o copo está pela metade,
sim que está por meio,
não importa se está meio vazio ou meio cheio,
ou meio a meio…
Importa é ser honesto com os desejos
e admitir que se quer mais ou não.
Se carecer, sirva-se outra dose e até se abra outra garrafa.
Miséria pouca é bobagem, haja vista
que existir é se debruçar sobre o abismo
e dizer não à morte dia após dia.
Acabou? Abra-se outra e outra!
Betim — 2020
SEXAGÉSIMA QUINTA
SEXAGÉSIMA QUINTA
SEXAGÉSIMA QUARTA
* * *
quinta-feira, 10 de dezembro de 2020
SEXAGÉSIMA TERCEIRA
SEXAGÉSIMA TERCEIRA
SEXAGÉSIMA SEGUNDA
SEXAGÉSIMA SEGUNDA
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
AO OLVIDO
AO OLVIDO
Se tenho tanta coisa p'ra esquecer
D'esta que, bem ou mal, já m'esqueceu,
É porque o meu caminho se perdeu
Enquanto eu insistia em bem querer.
Talvez não fosse mesmo para ser
Ou quem virá será melhor do qu'eu.
Talvez não seja nada: Aconteceu...!
Passou e não há nada a se fazer.
Nomes, cores, lugares, sentimentos,
Pessoas, coisas, ares e momentos...
Tudo o que teve a ver com quem partiu.
Cedo ou tarde será tudo esquecido.
Deixando-me a memória rumo ao Olvido,
Indiferente a quem chorou ou riu.
Betim - 09 12 2020
DE MÃO BEIJADA
DE MÃO BEIJADA
Pretendia-se um lorde, o beija-mãos,
Entre mil gentilezas e mesuras.
E, em face d'outra vítima, as finuras
Que a polidez obriga aos homens vãos.
Entregues ao malandro, os olhos sãos
Veem suas intenções, então obscuras,
Como ambíguas promessas de venturas.
E disse por fim sim depois de nãos...
Beijando a mão até subir à nuca,
Armava para a pomba uma arapuca
Com lábia que desliza pelos lábios.
Depois de consumada outra conquista,
Sem olhar para trás, perde de vista
Os olhos que deixou quiçá mais sábios.
Betim - 09 12 2020
SEXAGÉSIMA PRIMEIRA
SEXAGÉSIMA PRIMEIRA
SEXAGÉSIMA
SEXAGÉSIMA
QUINQUAGÉSIMA NONA
QUINQUAGÉSIMA NONA
terça-feira, 8 de dezembro de 2020
QUINQUAGÉSIMA OITAVA
QUINQUAGÉSIMA OITAVA
À RISCA
À RISCA
As linhas no papel tenho seguido
À maneira d'um mapa do futuro:
Útil, firme, vistosa...O que procuro
Seja uma arquitetura do inavido!
Para gente viver que o construído
Se me projecta para além do obscuro,
Tornando-me pelo hábito maduro
Ao ser, senão mais sábio, mais sabido.
Desenho a planta baixa sobre a terra,
Enquanto cada estaca mais s'enterra
Para que o prédio mais alto s'eleve.
E o papel que me aceita o devaneio
Recorde meu engenho e meu anseio
Se tão longa a arte quanto a vida breve.
Betim - 07 12 2020
segunda-feira, 7 de dezembro de 2020
QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA
QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA
BACURAU
BACURAU
Ave de boca aberta, engole vento
Ao rapinar as nuvens de insectos.
Surpreende pela noite os circunspectos
Que vagam nas desoras ao relento.
Mal veem o seu contorno pardacento,
Mas bem lhe ouvem os lúgubres projectos...
Muitos sequer conhecem d'ele aspectos,
Tão obscuro que é seu avistamento.
-- ''Amanhã eu vou...'' -- lembra seu piado,
Como fosse um noctívago cansado,
Que hesita em deixar a madrugada.
Sim, vigia na noite a mata escura
Co'a mesma ensimesmada e só procura
Que o boêmio algures faz do nada ao nada.
Betim - 07 12 2020
QUINQUAGÉSIMA SEXTA
DAS ESTRELAS
DAS ESTRELAS
domingo, 6 de dezembro de 2020
AOS OLHOS
AOS OLHOS
Os olhos, tive-os sempre para si.
Mas ela, que tão belos olhos tinha,
Preferira olhar para si sozinha
No espelho d'outros olhos por aí.
Os olhos, desde qu'eu tão longe a vi,
Recordam sua mão por sobre a minha,
Como vaga miragem que mantinha
Aquela que não mais está ali.
Se vejo o que não vejo é porque o real
Parece-me incompleto no final,
Visto que apenas vejo o que me falta.
Reste que ela não veja mais a mim
Embora eu permaneça, ainda e enfim,
A ver sua ausência aos olhos salta.
Betim - 06 12 2020
POR QUÊ?!
POR QUÊ?!
Por via de regra, é assim no fim:
A pergunta ficando sem resposta…
A frase e o amor terminam sem proposta,
Senão mudar o assunto entre ela e mim.
Parece-me bem típico, por fim,
Repetir a pergunta a quem se gosta
E entender no silêncio alguma aposta
Ou que essas coisas sejam mesmo assim.
Isolada no fim ou interjeição,
A pergunta me queima o coração
E a mente de vazio se povoa.
Aliás, só o silêncio reticente
Responde essa pergunta para a gente,
Feito o vento que pelo abismo ecoa.
Betim - 06 12 2020
QUINQUAGÉSIMA QUINTA
QUINQUAGÉSIMA QUINTA
sábado, 5 de dezembro de 2020
QUINQUAGÉSIMA QUARTA
QUINQUAGÉSIMA QUARTA
QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA
QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA
QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA
QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA
sexta-feira, 4 de dezembro de 2020
QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA
QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA
Muita gente que se indaga
Sobre amar e ser amado.
Se amor com amor se paga,
Faz anos eu sou roubado...!
* * *
quinta-feira, 3 de dezembro de 2020
QUINQUAGÉSIMA
QUINQUAGÉSIMA
QUADRAGÉSIMA NONA
QUADRAGÉSIMA NONA
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020
QUADRAGÉSIMA OITAVA
QUADRAGÉSIMA OITAVA
QUADRAGÉSIMA SÉTIMA
QUADRAGÉSIMA SÉTIMA
QUADRAGÉSIMA SEXTA
terça-feira, 1 de dezembro de 2020
QUADRAGÉSIMA QUINTA
QUADRAGÉSIMA QUINTA
QUADRAGÉSIMA QUARTA
QUADRAGÉSIMA QUARTA
Para os lados do sertão,
Onde tudo é mais distante,
Contempla-se a imensidão.
Chamar os passos do errante.
* * *
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA
Muito antes d’haver estradas,
Atalhava eu pelo mato.
Sendeiro nas madrugadas:
Vereda a dar no regato.
* * *
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
M’BOICININGA
M’BOICININGA
Chocalha o rabo. Bote presumido
Co’a língua bifurcada para fora.
O homem enfeitiçado se apavora
E hesita face a face ao mais temido.
A vida inteira passa no intuído
Assalto que antevira n’aquel’hora
Em que o silvo atravessa trilha afora
Até que o tornozelo malferido.
A dor aguda logo paralisa
Mesmo porque o chocalho se lhe avisa
Que David outra vez venceu Golias…
De facto, se o gigante cai por terra
A serpente sinuosa a fugir erra
Pelo cerrado adentro tortas vias.
Betim — 29 11 2020
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA
Lume de quinta grandeza
Que anos-luz ilumina!
‘Té a Terra, em redondeza,
Pelos seus polos se inclina.
* * *
JURURU
JURURU
Tenho andado tão triste ultimamente
Como tivesse visto um anhangá…
Pouco ou nada valeu meu patuá:
Voltei das solidões bem diferente.
Vagas assombrações eu tenho em mente
Por sobre as realidades lá e cá.
Incerto o tempo todo de quanto há,
Espero pela morte tão-somente.
Confesso que me sinto tão sozinho
Que nem mesmo o cantar do passarinho
Consegue me trazer mais alegria.
Eu ando pelas matas noite e dia
E enfeitiçado sigo o meu caminho
Vivendo sem a tua companhia.
Betim — 30 11 2020
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA
Entra n’água e não se molha.
Vai no mundo e não se perde.
Voeja no vento qual folha
E cai na campina verde.
* * *
domingo, 29 de novembro de 2020
QUADRAGÉSIMA
QUADRAGÉSIMA
TRIGÉSIMA NONA
TRIGÉSIMA NONA
TRIGÉSIMA OITAVA
TRIGÉSIMA OITAVA
sábado, 28 de novembro de 2020
TRIGÉSIMA SÉTIMA
TRIGÉSIMA SÉTIMA
Pobrezinho, pobrezinho...
Foi o Romeu que morreu.
Lá na curva do caminho.
Mas antes ele do que eu!
* * *
TRIGÉSIMA SEXTA
TRIGÉSIMA SEXTA
Passa o dia em nuvens brancas;
Nuvens brancas pelo céu...
Velho Chico das carrancas,
Não me deixes ir ao léu!
* * *
sexta-feira, 27 de novembro de 2020
TRIGÉSIMA QUINTA
TRIGÉSIMA QUINTA
TRIGÉSIMA QUARTA
TRIGÉSIMA QUARTA
TRIGÉSIMA TERCEIRA
quinta-feira, 26 de novembro de 2020
TRIGÉSIMA SEGUNDA
TRIGÉSIMA SEGUNDA
TRIGÉSIMA PRIMEIRA
TRIGÉSIMA PRIMEIRA
TRIGÉSIMA
TRIGÉSIMA
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
VIGÉSIMA NONA
VIGÉSIMA NONA
VIGÉSIMA OITAVA
VIGÉSIMA OITAVA
terça-feira, 24 de novembro de 2020
VIGÉSIMA SÉTIMA
VIGÉSIMA SÉTIMA
Não há no mundo quem veja
A loucura do que diz...
Porque precisa ou deseja,
Todo mundo é infeliz.
* * *
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
VIGÉSIMA SEXTA
VIGÉSIMA SEXTA
Corre pela boca miúda
As safadezas da dona.
Gente que mal se desnuda
Vive a vigiar sua cona!...
domingo, 22 de novembro de 2020
VIGÉSIMA QUINTA
VIGÉSIMA QUINTA
Angu a dar com o pau
Na boca de quem não come...
Fazia o bem sendo mau,
Um outro home lobo do home.
VIGÉSIMA QUARTA
VIGÉSIMA QUARTA
Não confies na multidão
Que porfia em bajular.
Vivem dando ao falastrão
Corda para s'enforcar.
VIGÉSIMA TERCEIRA
VIGÉSIMA TERCEIRA
Depois de muito atropelo,
Da bateia tive trégua:
Com ouro em pó pelo pelo,
Eu levei e lavei a égua!
* * *
VIGÉSIMA SEGUNDA
VIGÉSIMA SEGUNDA
Ando pensando na vida,
Como soubesse vivê-la...
Frustrado já de saída,
Talvez me faltasse estrela.
sábado, 21 de novembro de 2020
VIGÉSIMA PRIMEIRA
VIGÉSIMA PRIMEIRA
Quem só de passado vive
Dizem ser algum museu.
Não esqueci onde estive;
Esqueci quem m'esqueceu.
VIGÉSIMA
VIGÉSIMA
DÉCIMA NONA
DÉCIMA NONA
DÉCIMA OITAVA
DÉCIMA OITAVA
sexta-feira, 20 de novembro de 2020
DÉCIMA SÉTIMA
DÉCIMA SÉTIMA
A verdade é que a mentira,
Mesmo quando bem contada,
Pela verdade suspira
Querendo ser revelada.
* * *
DÉCIMA SEXTA
DÉCIMA SEXTA
Oficina do Demônio:
A mente vazia e errante
Tem um único neurônio
Onde o tédio é imperante...
quinta-feira, 19 de novembro de 2020
DÉCIMA QUINTA
DÉCIMA QUINTA
De costas, olhando o mar
Está a mulher que amei.
Quem brilha no seu olhar
Confesso que já não sei.
* * *
quarta-feira, 18 de novembro de 2020
QUATRIDÉCIMA
QUATRIDÉCIMA
Dia sim; dia não, vejo
Outra esperança perdida.
Pouco vale meu desejo
Nos desencontros da vida...
* * *
TRIDÉCIMA
TRIDÉCIMA
Um galo na madrugada
Avisa vir vindo o dia.
Ninguém porém sabe a estrada
Por onde vem a alegria.
* * *
terça-feira, 17 de novembro de 2020
DUODÉCIMA
DUODÉCIMA
UNDÉCIMA
DÉCIMA
DÉCIMA
Quem maldades insinua
Atiça a ferida em brasa...
Dá-lhe que a porta da rua
É serventia da casa!
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
domingo, 15 de novembro de 2020
SÉTIMA
SEXTA
SEXTA
No açude de teus olhos,
Sou um salgueiro a chorar.
Mal reparas os desfolhos
D'outro outono a me chegar!...
* * *
QUINTA
QUINTA
Há, do outro lado da vida,
A própria vida espelhada
N'uma imagem refletida
Do nada ao infinito nada.
* * *
QUARTA
QUARTA
A vida -- dizem -- é dura
Apenas p'ra quem é mole.
Ao homem de triste figura
Já não há que lhe console.
* * *
sábado, 14 de novembro de 2020
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
PRIMEIRA
PRIMEIRA
Mais do que pobre na chuva
Tenho de mim reclamado...
Já me serve feito luva
Carapuça de coitado!
* * *
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
SUBÚRBIA
SUBÚRBIA
MOTE:
A folga de quem vive só no aperto
É tomar duas doses com o acerto.
GLOSA:
Os carros vêm e vão pela avenida
E o boteco recebe os operários.
As bebidas disputam seus salários
Enquanto as donas fazem a comida...
Eles querem a noite mais comprida
Em face do futuro agora incerto.
Fazem hora na volta da cidade
No gozo d'essa breve liberdade:
-- A folga de quem vive só no aperto
É tomar duas doses com o acerto.
Betim - 11 11 2020
DAS MANHÃS
DAS MANHÃS
1
Dias de alegria
e manhãs de fantasia --
sol de primavera.
2
No vale entre as serras,
um mar de névoas espalha
a clara alvorada.
3
Douradura efêmera
transluz o sol sobre o céu
enquanto madruga.
4
Desde cedo o sol
acaricia-me a pele
com dedos ardentes.
5
A caminho do eito,
o gafanhoto s'espelha
no orvalho das folhas.
6
Vai amanhecendo.
O sol s'eleva nos morros
e surpreende o poeta.
Betim - 11 11 2020
NOVE DE NOVEMBRO
terça-feira, 10 de novembro de 2020
CAÍ NO POÇO...
CAÍ NO POÇO… (rondel)
Pudesse eu escolher, menina,
Era tua a boca que beijo!
Ess’outra, d’olhos de rapina,
Pouco sabe de meu desejo…
— “Teu bem é esse?” — Já não vejo
Porque me deixaras tal sina…
Era tua a boca que beijo,
Pudesse eu escolher, menina!
— “Teu bem é esse?” — Ela?! Imagina!
Ess’outra não é quem desejo;
Meu beijo a ela mal se destina.
Era tua a boca que beijo,
Pudesse eu escolher, menina…
Betim — 16 05 2016
segunda-feira, 9 de novembro de 2020
COM SOFREGUIDÃO
sábado, 7 de novembro de 2020
DOS FRUTOS
DOS FRUTOS
1
N'um cesto de mangas
Amadurece o verão --
Cheiros de mormaço.
2
Enchente das goiabas:
Correndo na chuva grossa
crianças e frutas.
3
Por sobre o relvado
O gozo das horas doces --
Amores e amoras.
4
Barracos no morro e
bananeiras na ravina:
Vista de favela.
5
Jabuticabeiras
carregadas de meninos --
Com caroço e tudo!
6
Dentro da fruteira,
laranjas, maçãs e pêssegos
adoçando a visão.
Betim - 02 a 05 11 2020
quinta-feira, 5 de novembro de 2020
DAS NUVENS
DAS NUVENS
1
A chuva avançando
Ao chamado das cigarras --
Céu de arrumação.
2
Topo neblinado,
o Itacolomi s’esconde...
Invernou nas serras!
3
Pesadas qual chumbo,
nuvens baixas sobre o mar
são oceanos no céu.
4
Na glória dos céus,
o sol vaza pelas nuvens:
Eis o olho de Deus!...
5
Coroada de nimbos
reina a lua sobre a vila --
Nocturno enluarado.
6
Ao prumo do sol,
céu azul com nuvens brancas
espalha o verão.
Betim - 02 a 05 12 2020
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
IN DUBIO PRO VICTIMA
IN DUBIO PRO VICTIMA (artigo de opinião)
Enquanto escrevo o país arde contra a absolvição d'um homem acusado de estupro. Por falta de provas que corroborassem a acusação da possível vítima, o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, decidiu que não houve crime. Relação sexual, todavia, houve. A dificuldade em se provar o consentimento ou não da mulher gerou, segundo o que foi reportado na decisão, a dúvida razoável que livrou o réu. Canalizando a revolta dos vencidos na demanda judicial, o veículo de imprensa The Intercept Brasil divulgou as cenas chocantes do interrogatório a que a acusadora fora submetida pelo advogado de defesa do réu e a conclusão -- desnorteante, mas plausível diante das imagens -- de que vencera n'esse julgamento a tese d'um estupro culposo.
Não é incomum a imprensa lançar mão de expressões exageradas ou mesmo sensacionalistas com o objetivo de atrair a atenção da opinião pública. Na verdade, a ideia de estabelecer paralelo entre o homicídio culposo (aquele no qual o homicida não teve provada a intencionalidade da morte de outrem, embora sua responsabilidade sim) e uma modalidade de estupro na qual a consensualidade do parceiro no ato sexual possa ser ignorada é algo inusitado... O estupro culposo, alinhavado com a ideia de merecimento do ocorrido pela vítima em função de sua roupa, reputação e mesmo das circunstâncias, permitiu ao acusado André de Camargo Aranha sair pela porta da frente do Fórum ao passo que sua acusadora, a jovem Mariana Ferrer, fosse desqualificada como alpinista social basicamente por ser pobre e bonita. A culpa, entenderam o juiz e o promotor, foi do Universo... Ou melhor, da vítima que interpretou uma relação sexual não consentida (ela estaria embriagada ou narcotizada) como estupro.
Aliás, por via de regra em caso de estupro, a culpa é sempre da vítima até que se prove o contrário. Isso não é bom. Não é bom para nós enquanto sociedade onde, estatisticamente, acontece um estupro a cada oito minutos, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2020. Mais do que decidir se houve justiça ou não no caso de Mariana Ferrer, a preocupação do Judiciário brasileiro deveria ser, também, civilizatória. Isto é, há estupros demais no Brasil e uma das razões são as próprias peculiaridades do crime: Na falta de provas e testemunhos contundentes, restam apenas os depoimentos de acusado e acusador. É a palavra de um contra a do outro, de modo que sempre haverá dúvidas sobre a verdade dos factos. E, como sabemos, in dubio pro reu... O Judiciário, há séculos, prefere se omitir a errar. O que pode até ser razoável na maioria das vezes se tornou uma licença para estuprar impunemente, haja vista sempre haver dúvida razoável n'um crime que se pode se confundir com intimidade. Com efeito, o que diferencia o estupro do acto sexual comum é a compreensão que os envolvidos têm do que aconteceu. Isso, por si só, deveria fazer o Judiciário mudar o modo como aprecia esse tipo de acusação e, sobretudo, como decide sobre a culpa.
É interessante que a sociedade mude quando identifique situações que promovem a criminalidade e a desigualdade. Supor dúvida razoável em casos de estupro tem, historicamente, beneficiado estupradores e silenciado vítimas. Não há solução à vista com tal sistema. Em casos de acusação de estupro, o ônus da prova deveria ser do acusado, jamais da acusação que, em tese, é vítima de um crime gravíssimo. Em termos civilizatórios, ao menos, teríamos pessoas mais preocupadas em ter o consentimento dos parceiros do que interpretando sinais de consentimento. Urge àqueles que se pretendem bem intencionados aprenderem a respeitar a vulnerabilidade de quem está diante de si, seja pela juventude; seja pela condição física ou mental. Na dúvida, sejamos pela (possível) vítima.
Betim - 04 11 2020
sábado, 31 de outubro de 2020
ISTMO
ISTMO
Entre marés revoltas eu sou rocha
Lúcida e eternamente atormentada.
Elevação deserta em meio ao nada,
Que das ondas em fúria vã debocha.
Faixa de terra estreita que se arrocha,
Ligando uma península avançada
Ao continente como ponte-e-estrada,
Enquanto o extremo sol se põe em tocha.
Os dois mares que avançam contra mim
Erodem com violência minhas costas
No afã de que nova ilha houvesse enfim.
Resisto sem perguntas nem respostas
Aos trabalhos do mar se, ao cabo e ao fim,
À terra alheias linhas são impostas.
Ubatuba - 22 12 1996
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
MÚSICA INSTRUMENTAL
MÚSICA INSTRUMENTAL
De certo modo, a música instrumental é expressão sonora não limitada pelo verbalismo. Pode até pretender significados, mas o faz com a subtileza do não dito; com a liberdade do sugerido. Pode ser, mas também não ser. Aliás, difícil afirmar se triste ou reflexiva a música que toca sem palavras... Mas, exacto por não se sustentar em nenhum idioma, deseja-se universal sob títulos genéricos como "Concerto n° 2", ou coisa que o valha. A música instrumental paira acima de todo desejo de nacionalismo vernáculo ou de bairrismo provinciano, outorgando-se um vago limite onde, sem dizer nada, expresse-se tudo.
Não admira que essa ausência de densidade de significado permita, por via de regra, a prolixidade de sessões improvisadas por horas ou peças minuciosamente compostas para orquestras com dezenas de instrumentos. Melômanos, afinal, não se impressionam à toa. A diversidade das variações sobre o mesmo tema a desenvolver-se em peculiaridades insuspeitadas aguça a atenção do ouvinte atento ao mesmo tempo em que segue como música de fundo quase imperceptível na conversa do café... Há ouvidos e ouvidos! Sem embargo, a música continua tocando, vibrante, por instrumentistas em êxtase face a plateias que variam do mesmerizado ao indiferente. Tudo parece apenas uma melodia a se reinventar infinitamente.
Avessa à música popular e suas letras grudentas, o instrumental parece exigir uma imersão mais profunda do ouvinte, mas, sobretudo, do instrumentista. Ali, a música existe não para ser ouvida, mas sim para ser tocada. É a diversão dos músicos alheios ao público. Este, se for capaz, alcance o delírio coletivo que presencia... Nefelibatas da berlinda, os músicos se apresentam preocupados em tocar para si mesmos. Dir-se-ia que tocam para seus instrumentos soarem harmônicos n'um afã do belo pelo belo tão-somente. A arte ensimesmada que propõem é linguagem que não se exige sentido, sim sentimento. É abstrata como a pintura não figurativa: Não está ali para ser interpretada por terceiros. Essa obra que prefere sugerir a dizer desdenha as letras e os vocábulos para ser, sobretudo, agradável. Oxalá os homens e mulheres d'este tempo se permitam cada vez mais a beleza de músicas sem palavras e até sem título!...
Betim - 30 10 2020
TRÍPTICO
TRÍPTICO
O PAI - painel esquerdo
Havia nos seus olhos tamanha ânsia,
Mirando -- para além da morte -- o nada,
Que a alma se lhe fugia na mirada
A buscar um sentido na distância.
Era o próprio retrato da inconstância.
Por sob uma luz pouco afortunada,
Trazia agora co’a face enrugada
Um sorriso d’após segunda infância.
Esquecido à poltrona em que jazia,
Sentava-se curvado sobre o abdome
Enquanto perscrutava o fim do dia.
Mas tinha algo que nunca se consome
E como que a lembrar-se que existia,
Quedava a repetir o próprio nome...
***
OS DOIS IRMÃOS - painel central
Já costumavam ter seus olhos tristes
Um ar entre incrédulo e arredio,
Parecendo esperar o já tardio
Alvoroço da vida com maus chistes.
Indiferentes, jogam feito alpistes
Seus vinténs ao som d’algum assovio.
Pés descalços que ignoram qualquer frio,
Qual cavaleiros sem arreios ristes.
Tão meninos e já conhecem tudo
O que o mundo dos homens mente e malda,
Onde a dor mal se oculta ao rosto mudo.
Por essas e outras, olham ora à balda,
Simulando ser o avesso o que não são
Enquanto vem a idade da razão.
***
A MÃE - painel direito
Como a Virgem Maria de Caieiro¹,
Faz-se meias pelas tardes da existência.
Vã, a luz invernal vem com veemência
Sobre seu rosto, mãos e o talhe inteiro.
Amêndoas as pupilas... Ao candeeiro,
Brilham a paz da sua própria essência;
Têm-lhe a sabedoria da vivência.
Devotada a um ideal mais verdadeiro.
Vê-se, na parede, uma Anunciação,
Ao fundo da saleta aconchegante,
Dando sentido a só composição.
O mais são os detalhes d’este instante:
A luz, a lã, o riso expectante...
Aos olhos já em só contemplação.
Betim - 14 10 1998