quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ESTRANHA ESCRITA

ESTRANHA ESCRITA


Verso após verso, a métrica perfeita

Dá às sílabas ritmo e por fim rima.

Cada frase com menos mais exprima,

Onde o sentido ao som melhor se ajeita.


Nos mínimos detalhes endireita

A forma e o conteúdo em obra-prima…

Seguidas revisões, de baixo a cima,

A compor com imagens a hora afeita:  


Assim como ao salão d’espelhos, logo

O lume ardente d'uma única vela

Faz brilhar mais de mil olhos de fogo!


Também pela poesia -- estranha escrita --

Um universo inteiro em si revela

Ao pretender-se íntima e infinita.


Betim - 30 12 2021


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

AMEBOIDE

AMEBOIDE


Lá de cima, a cidade até parece

Uma ameba em comum fagocitose

Que talvez, assexuada, de si goze,

Soltando-se amebinha enquanto cresce…


O verde sob o cinza reconhece

Ora Apocalipse; ora Apoteose,

O desmate a mostrar-se estranha pose

Na aerofotografia onde aparece.


Se trama de avenidas e travessas,

Da cidade um perímetro às avessas

Faz como a entamoeba ao abrir clarões.


Pois, espaços entre arquiteturas

Continua a avançar infraestruturas

Em expansão urbana por sertões!


Belo Horizonte - 21 12 2021

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A MEU RESPEITO

 A MEU RESPEITO


Tudo o que penso sobre mim

Tem a ver co’o que está no peito.

Respeito é bom e exijo sim

De quem deseja o direito.


Respeito é bom desde o conceito 

De que somos iguais no fim.

Tem a ver co’o que está no peito

Tudo o que penso sobre mim.


Respeito é bom e devo enfim

A quem seguir mesmo preceito,

Dando e recebendo outrossim.

Tem a ver co’o que está no peito 

Tudo o que penso sobre mim.


Belo Horizonte - 21 12 2021

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

À RÉCUA

À RÉCUA 


Quem não pede licença, sim desculpa,

E tende a agir conforme as circunstâncias,

Faz exigir por tantas inconstâncias,

Que à Justiça outra estátua vil s'esculpa!…


E o que premeditado se desculpa,

Somente é outra chance para errâncias

D'um homem bom imerso em más ânsias,

Até que admita a si a própria culpa.


D'este modo, o malfeito vale a pena,

Ao passo que a verdade se apequena

Por sob as vistas grossas d'Excelências…


Recua tão-somente em dar a volta

Para enquanto abre campo à rédea solta,

Cobrir-se d'ouro até as excrescências!


Belo Horizonte - 20 12 2021

AJARDINADO

AJARDINADO


Interessa-me ver o quanto chupa

De néctar um errante beija-flor;

Cuidar dos besourinhos ao redor

Ou surpreender a abelha sob a lupa.


Soubesse a borboleta desde a pupa

Vir a ser entre as flores outra flor,

Talvez se desejasse furta-cor,

Face à bela que a amar tão-só se ocupa.


A tarde caía lenta e sem cuidados,

Quando mil estorninhos apressados

Vieram burburinhar na laranjeiras…


Pois o sol, muito embora se ocultasse,

Anunciava que então eu desposasse

Àquela que enrubesce as cerejeiras…


Belo Horizonte - 20 12 2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

BISMILÉSIMO ANO

BISMILÉSIMO ANO


Se alguma utilidade os erros têm,

É a de relembrar-nos imperfeitos.

Há dois milênios sonha-se conceitos,

E más escolhas tidas para o bem….


Os profetas do fim (eles também…!)

Marcaram para o Christo novos feitos

E no bismilésimo ano, contrafeitos

Mantém todos olhando para o Além.


Mas, ainda que em vão, vão pela terra

Muitos homens obscuros nos desterros

Que armavam os mais crentes para a guerra.


Vêm na noite escura, andando aos berros:

-- "Quem, em nome de Deus, a História encerra?!"

Se alguma utilidade têm os erros…


Belo Horizonte - 19 09 1999

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O HOMÔNIMO

O HOMÔNIMO


Ele se chama tal como eu me chamo.

Não sei d'ele, tampouco ele de mim,

Mas lhe tenho empatia mesmo assim

Ao sabê-lo escritor qual me proclamo.


Se eu, tanto quanto ele, mais reclamo 

D'essa vida vivida para o fim,

Talvez que vindo ele d'onde eu vim

Pela árvore dos Cunhas âmbos ramo.


Ricardos, cá nós dois somos de pia

E nas letras buscamos a alegria

Que a nós nos tem negado o quotidiano.


Visto que o curso estranho d'estas vidas

Mal desviara um do outro nossas lidas,

Antes por maldição que por engano...


Betim - 15 12 2021

SE VIVO A MORRER D'AMORES

SE VIVO A MORRER D'AMORES 


SE VIVO A MORRER D'AMORES


Se vivo a morrer d'amores

É porque de vós, Senhora, 

Tal saudade me apavora...

Tanto que só tenho horrores,

Enquanto não nos vem a aurora...


Passa o dia sem demora

Após a noite sem pudores,

Lembrando nossos ardores

Face à solidão d'agora,

Fria sob os cobertores...


A morrer d'amores, flores

Vos traz aquele que chora

E ainda ao sereno implora

Ornar-vos com belas cores,

Enquanto não vem nossa hora.


Eu vivo a morrer, Senhora,

Sem vosso olhar; sem candores

A consolar minhas dores...

Se mais e mais s'enamora

Minh'alma em vossos fulgores!...


Igarapé - 11 12 2021

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

RESSAQUINHA

 RESSAQUINHA


Mal acordo tomando o meu café

N'um lagoinha que -- puts!-- servira pinga...

Vendo o povo que cedo s'endominga,

E vai à igreja em frente ao cabaré.


Co'a mente mareada vou na fé,

Depois d'outra noitada de rezinga.

Desafiador, o sol de mim se vinga,

Enquanto a cambalear fico de pé.


Então recordo a lua na sarjeta,

Que na noite anterior me vira poeta

E boêmio a seguir de bar em bar.


Rimas martelavam na cabeça,

Onde a manhã, espada, me atravessa,

Tirando as ideias todas do lugar.


Betim - 08 12 2021

domingo, 12 de dezembro de 2021

ONÍRICO

ONÍRICO (rondel)


Tanto melhor a realidade

Quando fora antes sonhada.

Tão mais bela do que a jornada

É a lembrança; é a saudade…


Toda realidade, em verdade,

É melhor quando imaginada.

Quando fora antes sonhada

Tanto melhor a realidade!


Quando se fizer realizada,

A imaginação que m’evade

Então há-de ser recordada!

Quando fora antes sonhada

Tanto melhor a realidade!


Belo Horizonte - 11 12 2021

sábado, 11 de dezembro de 2021

A PÃO E ÁGUA

A PÃO E ÁGUA


Tenho passado a pão e água os meus dias,

Desgostoso da vida e seus prazeres.

Pois cada gozo alterca com sofreres,

Em meio a mais tristezas que alegrias.


Entre azares se perdem fantasias

Tal como auroras entre os afazeres…

Tempo se desperdiça com haveres,

Enquanto um grande amor entre porfias.


Este estranho jejum a que me obrigo

É obra involuntária de mendigo

Que pouco ou nada tem de piedosa.


É dissabor total com o que vivo!

Se o tens por sacrifício sem motivo

É que me desconheces toda a prosa.


Betim - 07 11 2020

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

SUB-REPTÍCIAS

SUB-REPTÍCIAS


Não raro, sob palavras bem gentis

Se ocultam intenções quase rasteiras.

Mentiras se pretendem verdadeiras

Nas bocas dos mais vãos e dos mais vis…


Dar fé às tais lorotas do infeliz

Azeda até conversas costumeiras,

Que ele intenta passar por brincadeiras,

Aqui e ali jogando seus ardis.


Por debaixo dos pés dos rastejantes,

De certo há armadilhas ultrajantes,

Cujo laço retém sempre o mais crente.


Pois que, por expressões subliminares

A maldade se inculca nos azares

De quem, manipulado, era inocente.


Betim - 08 12 2021

domingo, 5 de dezembro de 2021

TANTO FEZ; TANTO FAZ

TANTO FEZ; TANTO FAZ


O que não importara no passado

Tampouco importa agora no presente.

O que fizeste (ou fazes) tão-somente

Permanece no amor que tens deixado.


Se não trazes co’o peito enamorado 

Teus carinhos e carícias, descontente,

Verás o peito amante de repente

Partir face a um amor desencontrado...


Andaste caminhando junto ao abismo 

Sem veres teu terrível egoísmo

Te guiando a passos largos para o nada.


Um dia, tu voltarás por onde foste

E o que terás a ti talvez desgoste

N'uma casa vazia e abandonada.


Betim - 04 01 2021

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

VIDAS PASSADAS

VIDAS PASSADAS

Não. Não me fales mais belas mentiras!
Tampouco m'embriaguem teus amores...
Tantas memórias...! Tantas! Tantas dores...
Tantos ais! Tantas fúrias!! Tantas iras!!!

Tu me viste entre exus e pombas-giras...
Gente em roda elevada por tambores,
Quando a ti revelaram-se obsessores
Encostados a mim em vãs catiras...!

Sim, parece ter sido n'outra vida...
Mas hoje escuridão tão-só me cerca
'Té que a buscar-te em sombras eu me perca.

Eu te vejo e pareces resolvida.
Deixas-me pelo Limbo para o Olvido
Como ao teu lado eu nunca antes vivido...

Betim - 05 01 2021

sábado, 6 de novembro de 2021

SOLEDADES

 SOLEDADES


Às vezes, entre as horas vagabundas,

Deixo o  olhar me levar pelos caminhos

E alonjar-me por páramos sozinhos

De vidas tão mundanas quanto imundas...


É por estas alturas infecundas,

Onde o cume contrasta aos céus vizinhos,

Que troco os meus problemas comezinhos

Pelas imensidades mais profundas...


Aonde nem um eco de voz chega,

Enfim meu coração desassossega

No encontro do silêncio que me apraz:


-- "Soledades dos altos do penedo...!

A mirar tão sem ânsia quão sem medo,

Sim eu, aqui e agora, estou em paz".


Belo Horizonte - 06 10 2021

terça-feira, 2 de novembro de 2021

RAZÕES DO CORAÇÃO

 RAZÕES DO CORAÇÃO


MOTE: 

Antes estar triste-mas-solidário

Ao lado de quem amo,

Do que estar alegre-mas-solitário

Junto de quem não amo.


GLOSA:

Antes se querer bem quem está mal,

Do que somente ter alguém ao lado.

Ou se alegrar com quem, enamorado,

Te quer bem sem que tu queiras igual

Com teu coração a outrem destinado.

Se a alegria é apenas um momento,

Que passará tão-logo houver havido,

É-nos mais necessário algum sentido

Maior do que tão-só divertimento

Para viver com quem tu tens vivido.


Betim - 06 10 2021

domingo, 24 de outubro de 2021

UMA DE JOÃO-SEM-BRAÇO

UMA DE JOÃO SEM BRAÇO


Aqueles que fingem ser quem não são,

acabam se tornando o que nunca foram.


Dei uma de João-sem-braço.

Arracaram-m’o! 


Ou melhor, tal como o famoso João, eu o escondi sob farrapos e me expus à piedade alheia. Poeta, luto o vão combate da Poesia.


Pessoa lhe fez um poema “O braço sem corpo brandindo um gládio”. E seu braço arrancado e heroico, com armadura e tudo, lhe atravessou os sonho…


Fingidor que sou, tornei-me eu um joão, isto é, algum; qualquer um.

Despersonalizei-me na persona do pedinte falso-aleijado. 


Uma personagem da tacanha capital colonial. De janeiro a janeiro, um rio de ruas onde ninguém é o que é: Cariocas do caos!

 

Afinal, n’uma Cidade Maravilhosa não posso ser, também eu, uma maravilha?


Talvez andasse pelos arcos da Lapa declamando poemas ininteligíveis. O décimo bêbado equilibrista de hoje…


Talvez convencesse, actor sem palco, que minhas misérias merecem atenção do respeitável público…


Talvez bebesse até cair e acordasse sem calças com a cabeça na guia da calçada com o sol d’um sábado de praia m’estraçalhando as ideias com sua realidade extrema.


Não passo d'um merda. Vivo de linguiça frita e fardos de cerveja barata. Moro n'um barracão de dois cômodos, meu existensminimum… Rodo de cêgê-zinha varando a Metrópole de ponta a ponta atrás de freelas de fome! No mais, escrever feito um louco e pagar para ser lido em antologias aleatórias. Quando dá na telha, eu m'embriago e saio madrugada afora como fosse um profeta do nada: outra personagem da noite do Rio de Janeiro.


Sou

 desleixado demais para ter uma mulher;

 distraído demais para ter um filho;

 alternativo demais para ter uma carreira.


Fui desleixado demais para ter uma mulher, 

distraído demais para ter um filho,

alternativo demais para ter uma carreira.


Vivo tomando porrada na cara e me levantando para tomar mais. Sou patético.


Vou te mandar a real. Sou de Minas. Jamais estive no Rio de Janeiro em minha vida. 

Tenho esposa, filhas e carreira e moro n’uma casa até boa. 

Mas, na minha fantasia, 

eu queria ser o merda que descrevi no poema, ou seja, 

uma pessoa preocupada em viver, não em ter ou ser,

uma pessoa livre que se dedica unicamente à poesia. 


Dar uma de joão-sem-braço, como se sabe é dar um golpe. 


É fingir ser um aleijado para compadecer o outro e receber d’ele uma esmola. 

No fundo, é isso que faço: visto-me de poeta para receber um aplauso aqui e outro ali. 

Proponho-me uma autocrítica mordaz e negativa que descreve exatamente a minha fantasia: ser uma poeta que vaga pelos arcos da Lapa, embriagado e livre. 


Talvez eu ame demais essa minha vida desgraçada, pedinte de aplausos por versos vãos nas madrugadas cariocas.


Mas, dou uma de João-sem-braço e faço alguém acreditar que poeto… E toda minha insignificante e solitária existência na verdade são desconfortos necessários para trazer às letras uma frase autêntica de humanidade.


Pedinte falso-aleijado sim. Mas poeta!


Betim - 23 10 2021



quarta-feira, 20 de outubro de 2021

DAS AVES

DAS AVES (haicais)


1.

Sobre o espelho d'água

súbito alça voo a garça --

Leque d'alvas penas.


2.

Em berro de cores,

A canindé mais s'ecoa:

-- Urgh… Arara! Arara!


3.

Em preto e tons laranjas,

Olha o bico de tucano!

Palheta de cores.


4.

Voam ao pôr-do-sol 

Mil andorinhas em nuvem --

Uma boa viagem.


5.

Martela na tarde

O trinca-ferro harmonioso...

Bigorna e marreta!


Belo Horizonte - 15 10 2021

terça-feira, 19 de outubro de 2021

CORAÇÃO DOS OUTROS

CORAÇÃO DOS OUTROS

Nunca sabemos tudo sobre todos,
Ou melhor, não sabemos quase nada...
Mesmo uma companheira de jornada
Tem-nos tantos segredos quanto engodos.

Por se decepcionar de muitos modos,
Cada um tem sua vida tão guardada,
Que ninguém vai aonde sua estrada
Começa entre fontes ou entre lodos.

Como se n'um palheiro um alfinete,
A gente em vão procura a verdadeira
Verdade a revelar a pessoa inteira.

Mas é por seu amor que se compete,
Até seu ser-no-mundo ter com o Olvido:
Amamos sempre alguém desconhecido.

Belo Horizonte - 15 10 2021

sábado, 16 de outubro de 2021

POR QUEM SOIS, MINHA SENHORA

POR QUEM SOIS, MINHA SENHORA


Por quem sois, minha Senhora,

Vinde-me agora à janela!

Quem tão boa quanto bela

A este que tão-só vos adora

Dai a mercê mais singela…


Dai-me outr’hora como aquela

Que à vossa face ‘inda cora

Quando adentrei sem demora

E às matinas na capela

Vos vi orar logo à aurora...


Dai-me como aquela outr’hora,

Por quem sois, ó minha bela!

Deixai de qualquer querela

Havida entre nós vida afora.

E vinde ouvir-me à janela.


Há-que escutar o que vela

E mais de vós s’enamora...

E mais e mais vos adora...

Seja altar vossa janela

À minha nossa senhora…!


………………………………..


sábado, 9 de outubro de 2021

MÚSICA ANTIGA A CANTIGA

MÚSICA ANTIGA A CANTIGA


Música antiga a cantiga,

Embora de letra nova...

Minha amada, minha trova

Ouvi, pois, se se bendiga

Ou se há-que volver à cova!...


A verdade a ver se prova

Quando a arte ao nada periga.

Haverá quem não consiga

Ver d'arte antiga a arte nova

Ou algo da nova na antiga.


Haverá quem não persiga

O encanto do que se trova:

Cantiga d'Amor em prova

De meus ais, amada e amiga,

Que em vossos ós me renova!


Minha amada, minha trova

Ouvi, pois, se se bendiga:

Cantar-vos-á nova e antiga

Em cantiga antiga e nova…

Nova poesia a cantiga. 

....................

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

MINHA SENHORA, EM GRÃ COITA

MINHA SENHORA, EM GRÃ COITA


Minha Senhora, em grã coita

Me veem vossos olhos verdes.

Lembrai, tão-logo me verdes:

Um que ao sereno pernoita 

Na esperança de o quererdes.


Vistos mais verdes os verdes,

O vosso olhar mais me açoita

Quando o sereno na moita

M’enregela sem me verdes, 

Minha Senhora, em grã coita.


O vosso olhar mais me açoita

Quando vós sem me saberdes

À espera... Sem me verdes

No amor de vós em mi' coita

Junto à moita de valverdes…


E se acaso não quiserdes,

Um que ao sereno pernoita

Esp’rançoso, junto à moita,

Lembrai verdes ao me verdes

Vossos olhos em mi' coita.


…………………………


domingo, 3 de outubro de 2021

COITA D’AMOR, TAMBÉM EU

COITA D’AMOR, TAMBÉM EU

Coita d’amor, também eu

Tenho vivido a morrer...

Na angústia de não saber

Por quem, sozinha no breu,

Tendes mais pálido o ser.

Vós, Senhora, um bem-querer

Deixastes p’lo peito meu.

Mas que de vós se perdeu,

Quando ao vosso bel-prazer

Outro ardor vos aqueceu.

Desde então, ai! Que faço eu,

Senão penar meu sofrer?

Aonde eu irei sem ver

Vossa face, se no breu

Tendes mais pálido o ser?

Que faço senão sofrer?

Que faço do peito meu

Que por vós já se perdeu?

Se por mau ou bom prazer,

Outro ardor vos aqueceu?…

…………………………...






sexta-feira, 24 de setembro de 2021

EM MANGAS DE CAMISA

EM MANGAS DE CAMISA


Literato, eu a pena pela enxada

Tenho trocado ao ver estes roçados.

E, cavoucando o chão de meus cuidados,

Semeio versos sobre a terra arada.


Onde antes serenou a madrugada,

Logo atravesso os eitos enlameados,

Enquanto passarinhos, com trinados,

Vêm para me saudar essa alvorada.


Mas volto da lavoura à escrivaninha

Para assobiar, brejeiro, outra modinha

Com a leveza mesma d'uma brisa.


É entre lá e cá que sou feliz:

No afã de me encontrar, como se diz,

Eu toco a vida em mangas de camisa.


Betim - 24 09 2021

PEDESIS

PEDESIS 


Fugaz e aleatória, a resultante

Da micropartícula flutuante:

Módulo e direção sem sentido...


Oscilando pelo caos, errante,

Muda de lugar a todo instante

Em seu ir-e-vir enlouquecido.


Qual cambaleia o ébrio navegante

Por trajectória periclitante...

Outro semovente desvalido!


Antes tal percurso incessante

Descreve superfícies durante

Do que linhas tortas para o Olvido.


A ver que, pelo acaso inconstante,

Hão-de transitar -- que interessante...! --

Até os íons do átomo partido.


Ou até nanomatéria faiscante...

Corpúsculos randômicos diante

Do infinitésimo conhecido.


Betim 20 09 2021

ÀS PRESSAS

ÀS PRESSAS


Deixei a minha casa e a minha vida.

Xícaras fumegando sobre a mesa

E a lâmpada da copa ainda acesa,

Enquanto me apressava de partida.


Por uma légua e meia, sem guarida,

Caminhara eu só com minha tristeza.

Não tinha aonde ir, mas, saí ilesa.

Ainda que com a alma mal-ferida...


Sem mais planos senão sobreviver,

Atravessei desertos; soledades...

Incerta de quaisquer meias verdades.


Só parei de caminhar ao amanhecer

Coberta já de pó e sem saber

Sequer se por ciúmes ou saudades.


Belo Horizonte - 16 09 2021

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

PÁ-CARREGADEIRA

PÁ-CARREGADEIRA


A berma de cascalhos que se ondeia

Para fora da lâmina e do arame,

Abre caminho para o macadame

Que pavimenta a rua rumo à aldeia.


Mas gira inexorável a correia,

Forçando sobre tudo que ali se ame:

Os jardins, os pomares e o baldrame

Da casinhola antiga feita areia...


A máquina a passar sobre o passado

Enterra sob o entulho revirado

Os últimos vestígios d'um lugar.


Para quem trafegar mais distraído

Ignore que nas curvas vãs d'Olvido

Ainda resta histórias por contar.


Betim - 15 09 2021

terça-feira, 14 de setembro de 2021

UM FAZ-DE-CONTA

UM FAZ-DE-CONTA

Vem, por uma hora ou duas, companheira,
Esquecer que essa é vida tão confusa;
Se eu o teu poeta e tu a minha musa,
Enamorados sob a cerejeira…

Fantasia uma tarde aventureira, 
Em cujo amor t'entregas sem recusa
E, a depender da máscara que se usa,
Seres cômica ou trágica ou caveira…

Faz de conta que o mundo é todo nosso
E que te amar é tudo quanto posso,
Tomado de prazer pelas mãos tuas…

E imagina que estando tão juntinhos,
Nós sigamos por todos os caminhos
Felizes afinal! Uma hora ou duas…

Betim - 14 07 2021

UNS PELOS OUTROS

UNS PELOS OUTROS


À altura do piquete dezessete,

-- Depois de muitas horas mato adentro --

Lonas e uma bandeira bem no centro,

Que algum lugar no mundo nos promete:


A tuia e a tenda (quase um palacete...!)

Junto à cerca das roças. Adedentro,

Tem alface, taioba, couve, coentro...

E as flores d'um ipê como tapete!


Em roda da lavoura andava o povo,

Quando ao poente com eles eu, de novo,

Assentados em terras tão agrestes.


Tão-somente a união que faz a força,

Contra tudo o que a lei se nos distorça...

Posseiros sob as órbitas celestes!


Pará de Minas - 02 06 2021

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

CARNE PARA CANHÃO

CARNE PARA CANHÃO Avante! Pela grande Vitória; Por saudosa memória; Por um lugar na história; Por uma luta inglória; Ou uma glória ilusória; Ou por deixar a escória, Ou uma honra meritória; Ou tão-só oratória… Avante! Sim, pela espada e a cruz; Por Alá ou Jesus Pelo silvo do obus; Pelo túnel de luz; Ou por mais males crus A cobrir-nos de pus; Ou por mais corpos nus À mercê de urubus… Belo Horizonte — 07 09 2021


A CARTA

A CARTA


A carta que escrevi n'esse caderno

Aqui deixei por anos, escondida.

-- Muita coisa difícil de ser lida… --

Enfim, só de encontrá-la me consterno.


Amor, seja infinito; seja eterno,

Não deixou senão dor em minha vida:

Ei-la aqui! Uma carta irrefletida,

Onde meu coração em desgoverno!…


Desolados, a forma e o conteúdo

Nas mal traçadas linhas d'uma escrita

De garranchos nervosos sobretudo.


Página que m'ecoou uma hora aflita…

Queda silente enfim no criado-mudo

E bem guardada d'olhos se acredita.


Betim - 23 02 2000

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A CONVITE

A CONVITE 


E se um cartão, Senhora, o nobre perfil

Vos surpreendesse à lua embevecida,

E em vossos verdes olhos, distraída, 

Tivésseis ante vós um outro abril,


Quando o amor ao talento dava ardil

E com versos vos tive enternecida...!

Lembraríeis de mim para em seguida

Vos sorrirdes com graça feminil.


Quieta, com vossos olhos no passado

E meu convite à mão sobre o regaço,

Vós me recordarias enamorado.


E assim como o luar por vosso braço,

Tocar-vos-ia o peito sem pecado

Nos versos que vos fiz em fino traço.


Belo Horizonte - 04 04 1998

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

DAS LETRAS

DAS LETRAS


1.

-- O que faz um poeta?

-- Vive de buscar deslumbres!...

Um acaso ao ocaso.


2.

Escrever é arte

Onde letras feito estrelas --

Palavras luzentes.


3.

Vede já no prelo 

os tipos enfileirados.

Versos vindo a lume!


4.

Na linha da vida,

escrevi dores e amores...

Autor de mim mesmo.


5.

Uma iluminura:

Do eu-poético ao tu-amado,

Nós em verso-e-prosa.


Betim - 06 09 2021




















domingo, 5 de setembro de 2021

FLORAÇÃO

FLORAÇÃO


No fundo do quintal,

eu, maravilhado,

admiro-lhe a breve

metamorfose:


Vestida de noiva 

ela, negra,

cobre-se de branco.


Maior tesouro não há...

Em flor e em véu,

Jabuticabeira.


Betim - 05 09 2021

terça-feira, 31 de agosto de 2021

DOS MONTES

DOS MONTES (haicais)

1.
Tarde ensolarada.
Nas neves do monte Fugi
Eu saúdo o Belo!

2.
Subo ao Rola-Moça:
O mar de morros de Minas
Ondula nos olhos.

3.
As ervas dos altos
A medrar ferruginosas --
Flores sobre rochas.

4.
A ver a alvorada,
Da soledade do cume...
Caçador de brumas.

5.
Por penhas a pique,
O majestoso Roraima
Arrebanha nuvens.

Betim – 30 08 2021

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

SOBERANO

SOBERANO


Desamarelo, 

o ipê perde as flores, 

espalhando-as ao chão.


Resta a árvore seca e escura 

contra o céu.


Assentada, todavia, 

sobre um tapete imperial.


Betim - 24 08 2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

RAPAZOLA

RAPAZOLA

Eu tinha dezessete; ela, trinta e tantos... Eu era virgem e ela sabia disso. Quando terminamos nossa primeira foda, ela me disse: -- "Rapazola, vou te ensinar as sacanagens!" Sacanagem, como todos sabem, tem dois sentidos. Evidente que ela m'ensinou ambos. 

A partir d'aquela noite, tornamo-nos amantes. Eu a seguia como um cachorrinho na esperança de fodê-la outra vez. Contudo, ela era doutora na arte da enrolação. Na verdade, a coisa era complicada mesmo: Amásia -- não teúda e manteúda, mas chamego de mais de dez anos... -- ostentava de braço dado um bacana casado que vinha d'outra cidade vê-la de vez em vez. Em vista do que vivemos juntos, penso que folgava com forasteiros como eu para se distrair, feito mulher desimpedida. Eu, cabaço que era, nem acreditava finalmente estar com uma mulher que dava. Fazia doce, é verdade, mas dava.

Mesmo hoje, passado um lustro inteiro, ainda lembro em detalhes d'ela: Tinha olhos claros, puxados para verdes, onde a íris era d'um cinzento frio que lhe dava ares etéreos de deusa. Os lábios grossos beijavam nervosos e húmidos, com gosto. Sua pele, morena e apessegada, tinha aquela penugem descolorida que eu adorava eriçar. 

Nua, porém, era uma força da natureza! Na primeira vez, despiu-se em pé, de costas para mim, revelando um curvilíneo tão formoso que me fez poetar: "Curvas mesmas de vespa a silhueta..." -- escrevi sobre ela anos após. De vera, tinha um par de nádegas inchadas sustentadas por pernas desproporcionais. Espetáculo!  Ao virar-se, topei com seus seios grandes onde redondos onde as auréolas se inchavam e m bicos hirtos a concordar com a generosidade das nádegas rijas. Depois d'um sarro meio desajeitado (da minha parte, evidente) ela terminou de me despir, me sentou na cama e veio sobre mim. -- Rapazola! -- ordenou ela -- "Mete em mim!" Quando eu a penetrei é comecei a bombar nela, a danada soltou aquela frase que se diz para todos, mas que a gente finge que elas só dizem para a gente --"Que caralho mais gostoso!" -- Eu sorri e ela gozou.  

Dia seguinte m'evitou. Saiu cedo do sítio onde eu fazia pousada e foi para a fazenda onde morava com o pai já velhinho. A irmã, muito parecida de rosto com ela, era casada com um moço que morava n'um casebre pr'os lados da rua, como chamam n'aquela parte do vale do Doce os vilarejos de casas e vendas aglomerados n'uma ou duas ruas. Coisa de distrito de quinhentos habitantes distante uns trinta quilômetros por estrada de chão até o asfalto. A irmã era a direita, diziam no lugar; quanto à minha, gostava d'uma história torta que só ela. Ambas estudaram magistério e eram professorinhas na escola do município. Davam aulas na sede também, apesar da lonjura, sendo reparadas como mulheres lindas, ambas, n'aquele grotão de meu Deus.

Digo que era amásia porque, embora trabalhasse, gozava d'um padrão de vida muito diferente de sua irmã: Sempre muito arrumada e perfumada, recebia às vistas de todos o seu caso vindo de carro esportivo, uma semana sim é a outra não. Os dois sumiam pelas cidades vizinhas...

Sem embargo, quando não estava com ele, atraía-me até a casa d'ela é ficávamos folgando juntos enquanto seu pai lidava com a roça. Tardes e tardes tépidas de saudosa memória... Era maravilhoso estar com ela. Pena fosse tão raro!

Foi como amante da amante que me coloquei n'aquele triângulo. Era uma posição cômoda, admito, visto que ela, ladina que era, jamais se demorava com ele na vila, de modo que nunca vi o moço senão de passagem dentro de seu carro com ela de carona evitando me olhar. Ela adorava me pôr esperançoso de vê-la, mas, uma vez empertigado à sua porta, percebia sempre sua casa cheia para que não pudesse me aproximar. Ainda assim trocávamos olhares, sorrisos, indiretas e até trança-mãos, ainda que na discrição segredada dos culpados que s'escondem para gozar. Eu, completamente encantando, dizia lhe querer mais do que o outro e que me casaria com ela se enfim o deixasse. Ela me olhava de volta com uma ternura sem medida, mas logo quebrava o enleio dizendo, com toda sabedoria do mundo, que nós dois não tínhamos futuro: -- "E como será d'aqui a cinco anos? E d'aqui a dez anos? Estarás jovem e eu, velha... Não suportarei me apegar e te perder assim. Prefiro não te ter de todo e tampouco ser toda tua!" --  concluía me mirando com olhos rasos d'água, mas firmes. Não havia argumento que lhe convencesse do contrário, embora hoje eu saiba que ela estava certa. Não era para ser. O amor "oiseau rebelle"

Cansado d'aquela enrolação sem fim, comecei a sair com uma colega dela, professora no mesmo grupo escolar. Nem de longe tinha o seu garbo... Para piorar, era crente é só daria para mim casando... Retraída, jamais cedia às minhas investidas de galo novo cheio de libido. A outra, a que realmente eu queria, olhava de longe aquele namoro rindo de mim com a certeza de que me levava para a sua cama quando bem entendesse. Certa vez, chegou a mangar de mim: "Vocês são dois fofos!" adivinhando que minhas investidas jamais abriam caminho por aquele decote pudico... Ela fazia questão de estar presente, angustiando-me com sua sensualidade, enquanto eu tentava manter o decoro diante de minha namoradinha... Era patético mesmo. 

Quando fui embora d'aquela vila, certo de que jamais voltaria, nenhuma das duas me viu partir. Ainda se pegava carona no carro do leite então. Eu saí cedo, fui até o asfalto junto com os latões de leite, atravessei o rio Doce de canoa e peguei o trem Vitória-Minas para a Capital. Ainda trabalhei no vale do Doce mais uns três anos n'outras cidadezinhas, mas nunca voltei àquela para vê-la. Desde então, ela habita em meus sonhos, eternamente balzaquiana, sem envelhecer um dia, com o mesmo garbo que m'encantou quando eu era um rapazola. Quando eu era o seu rapazola. 

Betim - 20 03 2020

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

PLENA

PLENA

Das nuvens arrumadas para a chuva
Surge, imensa, uma lua plena a pino.
Mas já era noite alta quando o sino
Despertou-a em seu leito de viúva.

Logo se enluarou toda a cabreúva
Pela praça a pender o tronco fino
E a espalhar um aroma feminino,
Que a seu luto servia feita luva...

Ela sentiu o peito arder enquanto
Um rouxinol boêmio com seu canto
Remoçava seus olhos d'esplendores.

E o arraial que dormia ao pé de si
Silenciava expectante aqui e ali
Às vésperas de glórias e de amores!

São Thomé das Letras - 20 07 2021

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

ÁGUA COM AÇÚCAR

ÁGUA COM AÇÚCAR


Embora fosse doce, uma bebida

Servida entre a fúria e o desespero.

Tal quem se medicasse um destempero

Deixando mais sangrar sua ferida.


Pelo álcool que lhe falta, mal se olvida

A angústia que em minh'alma reverbero:

Batendo em retirada do entrevero,

Atravesso outra noite mal dormida...


Engulo -- 'inda rescaldo ao fogo extinto --

O líquido a resfriar tantas paixões

Que arderam n'um sinistro quanto sinto.


Solução, tomo às pressas sem senões.

E enquanto me perdesse ao labirinto,

A beijos preferir sós ilusões...


Betim - 12 08 2021

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

MALMEQUERES

 MALMEQUERES


Não te odeio ao não me amares mais.

Talvez me odeie ao não mais ser amado...

Tampouco culpo a ti; antes o Fado

Por ainda te indagar d'estes meus ais!


E mesmo qu'eu quisesse, a ti jamais

Conseguiria odiar... Embora errado,

Mantive o coração esperançado,

A repetir promessas tão irreais...


Não! Não me amas mais... Eu sei. Eu sinto.

Se tanto t'esperei, é que me minto

Na crença de que um dia tu me amasses.


Foi tudo em vão: O amor passou por nós.

Pois, pétala após pétala, tão sós

Vivendo d'hesitantes desenlaces...


Betim - 06 01 2015

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

EM FINS DE DEZEMBRO

EM FINS DE DEZEMBRO


Foram dias sem sol; noites sem lua,

Aqueles que, passado o Solstício,

Trouxeram-me o momento mais difícil

D'esta vida que apenas continua.


Horas e horas vagando pela rua

Tidas no bizarríssimo exercício

De rondar por beirais de precipício

A ecoar-me ganidos de dor crua.


Alheio a tudo e todos, andava eu

Às festas que costumam dar o povo,

N'um Natal em que nem Jesus nasceu...


Nenhum excesso mais eu me reprovo.

E, para esquecer quanto aconteceu,

Vou celebrar em vão outro Ano Novo!...


Guriri - 31 12 2020

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

PONTO CULMINANTE

PONTO CULMINANTE

Muito acima das terras circundantes
Estende-se tão longe o panorama,
Que o sol em raios d'ouro se derrama,
Tal glória de Deus a almas triunfantes!

E as nuvens recortadas por instantes
Do céu azul que ao fundo lhes conclama
Refulgem como houvesse dentro chama
A brilhar-me sobre os olhos expectantes.

O topo é o lugar do solitário,
Onde a contemplação e o imaginário
Se confundem  em pleno regozijo.

Ali, a dar vazão aos sentimentos,
Faço meu canto ecoar aos quatro ventos
Até, qual chuva, cair sobre o chão rijo.

Brumadinho - 31 07 2021

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

AQUI E ACOLÁ

AQUI E ACOLÁ


Cá, dentro dos meus olhos, tudo está.

N'um mar de morros baixos pelas terras,

Ainda tu co'os ventos por mim erras

-- Poema d'amor e dor antigo já.


Lá! Para além do que há ou que haverá,

Por longes onde o céu azula as serras,

Do mundo n'estes altos te desterras

Até onde a mirada em fuga vá.


Pensando em ti há tempos tão distante,

Eu vivo minha vida entorpecido

Na espera de rever o teu semblante.


Entre cá e lá, luto contra o Olvido,

Descortinando do alto do mirante

As brumas que entre nós têm existido...


Belo Horizonte - 05 08 2021

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

DESMOTIVACIONAIS

DESMOTIVACIONAIS (aforismas)


I


O verdadeiro perdedor é aquele que perde para si mesmo. Perder para outros melhores é ter sido superado, não insuficiente. 


O topo é um lugar gélido, nebuloso, remoto e solitário onde ninguém consegue permanecer muito tempo.


Após outro fracasso redundante, faze como as cigarras: enterra-te n'um buraco para sair, no mínimo, vinte anos depois.


Resiliência não é tomar porrada na cara e manter-se de pé, mas sim cair e fingir-se de morto. Antes um covarde morto-vivo que um temerário vivo-morto.


Acostuma-te à poeira, quer bem ou mal sucedido. Todos a habitarão pela eternidade.


Tua mulher te abandona? Teus amigos te evitam? Teus filhos s'envergonham de ti? Eis a vida!


Repetes que o mundo está errado, quando na verdade teus erros são teu mundo...


Não te apresses nas carreiras da vida. Não há pódios nos subterrâneos.


Ser o maior não é o melhor. Ser o pior, tampouco. Sê o melhor para ti, ainda que debaixo da ponte.


Quem perde a direção e o sentido segue na resultante do acaso. Não somos todos guiados pela biruta dos ventos?


O coração dos outros é terra que ninguém vai -- dizem os antigos. Mesmo assim, seguimos buscando as ilhas semoventes do bem-querer!


Betim - 04 08 2021 

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

MERIDIONAL

MERIDIONAL


Desnorteado...

Desorientado...

Desocidentalizado...


Estou muito ao Sul

De tudo que é civilizado; religioso e lucrativo.


Estou muito ao Sul

Das Belas-Artes e da Alta Cultura...

Da Grande Literatura...!


À toa

Estou de boa

Deitado, dentro da canoa.

 

Ao Sul,

Ao céu azul!

Ao sol d'América do Sul.


Desnorteado...

Desorientado...

Desocidentalizado...


Sou do Sul.

Estou ao Sul; muito ao Sul...!


Betim - 02 08 2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

IMBECIS...!

IMBECIS...!


Um, tomando mentiras por verdades,

Vai negar tudo quanto não lhe agrada;

Outro lhe reverbera a presepada,

Valendo-se de absurdas liberdades;


Um outro justifica insanidades

No afã de defender seu camarada;

Ou ainda outro que, por e para nada,

Se faz niilista mor de nulidades.


Facto é que existe muita gente assim,

Que sorri para a mão que a esbofeteia,

Sem distinguir sequer um não d'um sim.


E, ao escrever suas vidas sobre a areia,

Relativizam desde o início ao fim

Em troca d’outra taça meio cheia…!


Betim - 27 07 2021

domingo, 25 de julho de 2021

PEDRA SOBRE PEDRA

PEDRA SOBRE PEDRA (gazal)


Mais das pedras que das letras,

São Thomé costuma parecer...


Pedras das quais é feita a cidade,

Ao construir o ser no vir-a-ser:


Pedras empilhadas as paredes

Das casas e igrejas a envolver.


Pedras em lajeados pelas ruas

Nas quais tropicar lhe é conhecer.


Pedras ladrilhadas nas calçadas

Por degraus de subir-e-descer.


Pedras amontoadas trás-as-lavras

Em minerações d'amanhecer.


Pedras nas colinas escarpadas

Que despenham o olhar a ver.


Pedras são-tomés escalavradas,

Ao tempo para o que der e vier


Pedras sobre pedras entre gentes,

Que ali s'esmeram em bem-viver


Pedras letradas, mas de poesia.

Onde é preciso vir para crer.


São Thomé das Letras - 21 07 2021

sábado, 10 de julho de 2021

VIDA A DOIS

VIDA A DOIS


Se nem tudo são flores nos amores,

Tampouco só de espinhos os caminhos.

Noites há de carinhos, bombons, vinhos...

E outras de dissabores, mágoas, dores...


Quando, entreolhos, ardores furta-cores

Brilham por comezinhos desalinhos,

Nossos peitos sozinhos mais vizinhos

Se veem como os amores entre as flores.


Esse sonho sonhado lado a lado

Quer-se experienciado, não louvado,

Qual ídolo de barro oco sobre o toco!


Mas quanto há de infinito mais bonito

Mostre-se, tanto dito quanto escrito,

N'um capricho barroco dorminhoco.

Belo Horizonte - 10 07 2021

DESMEMORIADO

DESMEMORIADO

Tendo esquecido as chaves e os motivos
Qu’eu levava ao lugar qu’eu estava indo,
Cheguei onde não ia e fui bem-vindo:
Topei feliz com dois olhos festivos!

Tudo o que me impedia (medos, crivos… )
Larguei n’um caminho agora findo.
N’outro — mais que perfeito; mais que lindo — 
Têm teus beijos meus lábios captivos.

Decidido a viver tão-só d’amores,
Abandonava ao léu as minhas dores
Ao invés de carregá-las pelo escuro.

E assim, no afã de amar e ser amado,
Trazer vagas lembranças pr’o futuro
E deixar velhas mágoas no passado.

Betim — 08 07 2021

terça-feira, 15 de junho de 2021

ASSIMETRIAS AGRADÁVEIS

ASSIMETRIAS AGRADÁVEIS


D’ouro, a linha progride em caracol:

Vértices de retângulos harmônicos

Moldam estruturais arquitetônicos

No jogo dos volumes sob o sol.


E o casario em torno do farol

Faz-se um fundo de pontos daltônicos,

Que contrastava em planos antagônicos

Às fachadas dispostas ao arrebol.


Sugere movimento, embora estático,

Haver-que ora recuo; que ora avanço,

A ousadia das massas em balanço.


Urdo o absurdo do abstrato matemático,

Buscando assimetrias agradáveis

Erguidas de alicerces insondáveis…


Belo Horizonte — 06 06 2021

segunda-feira, 7 de junho de 2021

INADEQUADO

INADEQUADO


É o estar certo em sempre estar errado,

Visto jamais ser quem devia ser...

Exigem-me melhor eu parecer,

Embora a ser o pior acostumado.


Dizem-me que sou tão desajeitado,

Que, mesmo m'esforçando p'ra valer,

Quanto eu mais faço menos sei fazer,

Em tudo estando muito equivocado.


Cuido que sendo quem eles me querem

Algo melhor de mim talvez esperem

E enfim me aceitem como um homem bom.


Sinto, porém que não faz diferença:

Quem tão certo de tudo já se pensa

Tem no me inadequar seu maior dom.


Betim - 07 06 2021

terça-feira, 25 de maio de 2021

AMIGOS DAS LETRAS

 AMIGOS DAS LETRAS


Livro em punho, reúnem-se na praça

Para o Encontro Marcado desde a aurora…

Em meio ao burburinho, quem lá passa

Mal percebe a conversa vida afora,

Que o bronze, patinado, lhes embaça,

Enquanto a eternidade se demora.

Vates, deram à pena qualidades

Que envolvem suas almas de saudades.


E a cidade que viu seus nobres passos

Agora os rememora ternamente

Em cena que alheava dos cansaços 

Pessoas que os indagam, frente a frente:

Imaginam nos livros os espaços

Onde a hora d’elas próprias se apresente…!

Ávidas de encontrar nas narrativas

Uma vaga certeza que estão vivas.


Belo Horizonte - 05 05 2021


sexta-feira, 21 de maio de 2021

O CASO DO VESTIDO - Carlos Drummond de Andrade : Impressões sobre o poema e o poeta.

O CASO DO VESTIDO - Carlos Drummond de Andrade : Impressões sobre o poema e o poeta. 

por Ricardo Cunha.

Reunindo poemas produzidos entre 1943 e 1945, Drummond publicou o livro A Rosa do Povo, d’onde veio a lume esse poema narrativo de 75 dísticos em redondilha maior: O CASO DO VESTIDO.  N’essa época, o colapso dos países centrais capitalistas e comunistas em meio a um conflito mundial de destruição sem precedentes pôs em crise as esperanças da modernidade alicerçadas no desenvolvimento econômico e no progresso científico. Se o grande desafio dos poetas de então era o de não sucumbir ao pessimismo dos factos, tampouco lhes interessava o refúgio n’um lirismo intimista mas desconectado d'aquele tempo. Afinal, sobre o que escrever quando os temas poéticos por excelência, como os sentimentos e as sensações, parecem despropositados em face da Grande Guerra? Nosso poeta escolheu contar, talvez até para denunciar o Patriarcalismo, o caso d’um triângulo amoroso ocorrido n’uma família provinciana e religiosa, isto é, uma família mineira do início do século vinte não muito diferente d'aquela em que cresceu.

O poema, n’uma primeira leitura, chama a atenção pela história em si, na qual amor e relacionamento são marcados pela dor e pela inconstância. Contada em forma de diálogo entre uma Mãe e suas Filhas, o tal caso familiar explica a guarda d’um vestido de renda cheio de transparências sensuais que as filhas admiram enquanto a Mãe lhes repele, primeiro a cobiça e, após, a curiosidade. Por fim, sem ter como fugir à realidade exótica d’aquele vestido impudico em casa tão respeitável, a Mãe narra, em linguagem levemente arcaica, uma história que é, no fim das contas, a história decisiva d’aquela família, a saber, o enamoro do Patriarca por uma mulher descomprometida, jovem e sedutora que apareceu na cidadezinha, e que culminou com o abandono da família pelo Pai. 

Há, todavia, um elemento na narrativa que se repete três vezes e lhe dá um sabor realmente único. Chamei-os, na falta de nome melhor, de polissíndetos da desgraça... São trechos em que cada um dos vértices d’esse triângulo amoroso sofre uma sequência tão desastrosa quanto dolorosa de situações humilhantes basicamente por amarem em demasia o outro que ama um outro ou ninguém: Primeiro, o Pai passa o diabo desdenhado pela Dona de Longe, em cujo vestido do título ela se exibe poderosa e terrível. Humilhada, a Mãe narra a seguir sua descida ao inferno da rejeição com a perda de seu marido e de sua condição social: Carrega sozinha a criação das filhas n’um ambiente hostil a mulheres separadas. Todavia, ao fim ao cabo, eis a redenção da Mãe com a volta arrependida da Dona de Longe, com o famigerado vestido nas mãos, para contar sua desventura de amar quem deixou de lhe amar, abandonando-a também. A redenção se completa em seguida com a volta do Pai, ainda que este venha sem remorso aparente e indiferente às consequências das escolhas que fez. Como um Patriarca típico, volta para casa como se nada tivesse acontecido. Aliás, também a Mãe, sublimada com a reviravolta inesperada, tenta se convencer de que não houve, no final das contas, fora apenas um acidente de percurso, como se sua felicidade dependesse d’uma farta dose de autoengano... Não obstante, o vestido continua pendurado no prego da porta para provar que aquele caso, com a tempestade de sentimentos que causou, aconteceu. 

A meu ver, deve se considerar essa história antes um triângulo amoroso do que uma mera infidelidade, tendo em vista a estranha relação que se cria entre as duas mulheres. Há uma espécie de empatia às avessas: A Dona de Longe apenas ficou com o Pai “a pedido” da Dona Casada, gozando de seu poder de devoradora de homens e destruidora de lares depois de talvez ter sido, ela mesma, julgada pela sociedade conservadora da época. Por meio da Mãe humilhada e do Pai rastejante, a bela em seu vestido rendado se vinga de todos aqueles que sempre lhe censuraram a vida livre e alternativa. Ela decidiu ficar com um homem pelo qual não se sentia atraída, também, para denunciar a hipocrisia dos moralistas: Sim, desejo sexual lhe é uma coisa muito importante para ser sublimada por trás de bons costumes e satisfazê-lo seria a única coisa honesta a se fazer. Contudo, o sofrimento da Mãe fora intenso e real, ainda que seu amor não fosse romântico -- quer de perdição; quer de salvação -- e muito menos sensual. Amava, assexuada, como mulher de família diante d’um homem egoísta que tem suas necessidades. Mesmo vivendo n’uma época que preconiza a busca da felicidade e a satisfação da sexualidade como a nossa, é difícil não condenar o Pai por buscar uma vida diferente… Algum tempo depois, a Dona de Longe volta humilhada, como se vítima d’um carma. Encontra, porém, apenas silêncio após narrar um sofrimento amoroso semelhante àquele vivido pela própria Dona Casada. O que fica é apenas um vestido de renda que já não veste mais ninguém. Ressignificando-se, o vestido permanece para a Mãe como despojo d’uma guerra íntima, mas também como relíquia d’um perdão impossível.

Drummond revisita o tema do amor como desencontro humano em vários de seus poemas. O amor lhe é um mistério insondável, absolutamente caprichoso e inconstante: A amante de ontem é a companheira de hoje e a abandonada de amanhã… Amor sempre se transforma em dor, é uma questão de tempo. Embora a Mãe do caso sugira ter sido vencedora em sua persistência, tal vitória é uma vitória de Pirro, pois, perde quase tudo para ganhar muito pouco. Ele voltou, é verdade, mas não voltou por amor, sim porque precisava voltar a um lugar onde ainda fosse alguém considerado. Tampouco a Mãe o recebe de volta por amor, mas antes por costume e condição social para voltar a ser Dona Casada com a presença do marido em sua casa. Afinal, o que há ainda para amar n’aquele homem depois de toda a falta de amor que ele demonstrou pela esposa? Ela, no entanto, ainda o ama, talvez muito mais do que antes. Ela quer manter tudo como está e reza, todos os dias, para que a mulher que levou seu homem, não volte nunca mais. O amor, ao menos n’esta fase já madura do poeta, se apresenta antes como um desastre do que como um embevecimento. 

Triste de quem ama! Há-que estar sempre de sobreaviso... -- parece se impor como moral da história o último verso. 

Betim - 21 05 2021


domingo, 9 de maio de 2021

MARIAMA

MARIAMA 

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

Mariama
Maria ama...
Seu povo chama
Para louvar Nossa Senhora. 

Mariama,
Maria ama...
Avó mucama.
Hoje dança quilombola.

Seu canto é um brado livre;
Sua fé,
libertação.
Respira em tudo que vive;
Ressoa por cada irmão!

Na praça onde se convive,
Seu nome é
celebração.
Por céus em que nunca estive,
Convida-me à
comunhão.

É Mariama, aê!
Ê ê ê ê... Mariama!

Aparecida do Norte - 15 07 2017

segunda-feira, 3 de maio de 2021

BENTINHO E CAPITU

BENTINHO E CAPITU


Dizem que o coração d'outros é terra

Ignota e longe aonde ninguém vai.

Quanto n'estas paragens sobressai

É um segredo só que tudo encerra.


Mas quem tenta sondar a verdade erra,

— Vaga pelo deserto… Incerto cai! —

Pensa, tonto, que a sua mente o trai:

Tesouros, sonhos?… Junto ao nada enterra!


Contudo, o engano n'ele já não cabe…

Pode a boca calar-se — o corpo fala!…

Ou cada olho fechar-se — a alma sabe!…


Não. Nem o seu sorriso — brilho à opala —

Tampouco a sua lábia — em lábios frios —

Haverão-de ocultar seus desvarios.


Sobrália - 15 03 2014

sexta-feira, 16 de abril de 2021

DESESTRESSE

DESESTRESSE


No claustro avarandado do mosteiro,

Onde um jardim fechado sob sol pleno,

Da imensidão do mundo me apequeno,

Havendo-me, em verdade, verdadeiro.


Verdes folhas reluzem no canteiro

Como se n'algum plano ultraterreno...

E os repuxos no tanque mais sereno

Me desnudam o olhar de forasteiro.


Deixei no porticado meus anseios

E sentei, pés descalços, junto à borda

Entregue à profusão de devaneios:


Livre do que s'esquece ou se recorda,

Sentindo os males meus como se alheios,

A brisa a sussurrar me desacorda.


Betim - 15 04 2021

segunda-feira, 5 de abril de 2021

PASSARINHO

 PASSARINHO


Se você ouvir meu coração

[ bater mais forte

E ver que o amor me é uma questão 

[ de vida ou morte...


Quando você lembrar de mim

[ no fim do dia

E sorrir do que foi enfim

[ melancolia...


Enquanto o sol se põe distante 

[ e envergonhado

E a vida, desinteressante,

[ vai sem cuidado...


Canta para mim, meu passarinho! Canta...

Abre os meus ouvidos de mansinho: Encanta...!


Que então meu coração sossega

[ enternecido

Enquanto minh'alma se entrega

[ aos vãos d'Olvido.


Até de mim sua lembrança

[ será bonita

Onde a canção uma esperança 

[ já se acredita.


E o sol poderá ir embora

[ sem mais tristeza

Pois seu canto me trouxe agora

[ a sua beleza.


Canta para mim, meu passarinho! Canta...

Abre os meus ouvidos de mansinho: Encanta...!


Betim - 01 04 2021

COM CERTEZA

COM CERTEZA 


Está certa de que está certa

A que fala de tudo e todos.

Mas, dos males do mundo alerta,

Ignora-se os próprios engodos!


Tem boas falas e maus modos:

Escancarando a boca aberta,

A que fala de tudo e todos

Está certa de que está certa.


Tem sua farsa descoberta

Enquanto rasteja nos lodos

E a dúvida d'outros desperta...

A que fala de tudo e todos

Está certa de que está certa.


Betim - 04 04 2021

segunda-feira, 29 de março de 2021

CONSTERNADO

CONSTERNADO

Se tenho caminhado sem mais meta
pela rua...

Se enquanto m'embriago, na sarjeta
boia a lua...

Se em meus sonhos dormes tão inquieta;
toda nua...

Se o luar lembra no mar minha silhueta
sobre a tua...

Se então vejo brilhar-te a aura repleta
de luz crua...

Se a poesia tão pouco serve ao poeta
na dor sua...

Se a vida, mesmo quando é incompleta,
continua...

Guriri - 31 12 2020

quinta-feira, 25 de março de 2021

OS PÉS PELAS MÃOS

OS PÉS PELAS MÃOS (rondel)

Falava do que nem pensava...
Dizia o que sequer sentia!
Por parecer ser, enganava.
Para parecer ter, fingia.

Com uns, era igual cotovia.
Com outros, que nem fera brava.
Dizia o que sequer sentia...
Falava do que nem pensava!

Para se afirmar, renegava:
Para tudo e todos mentia
O que de si mesmo ocultava.
Dizia o que sequer sentia...
Falava do que nem pensava!

Betim - 25 03 2021

terça-feira, 23 de março de 2021

TRAJECTÓRIA

TRAJECTÓRIA 


Há pessoas que encontram a poesia ao longo de suas vidas. Umas entendem que ela faz perceber através das palavras o inusitado nas pessoas e nas coisas. Outras, por outro lado, escrevem para si mesmas n'um movimento cada vez mais profundo dentro de si mesmos. Creio que me identifico com o segundo tipo... Escrevo desde a adolescência e sigo escrevendo, embora já um homem de meia idade. Nunca o fiz por desejar notoriedade ou deixar por meio das letras algum legado. Na verdade, não me importo muito com a indústria literária ou de entretenimento: Jamais pretendi viver da escrita, ao contrário,  sempre reservei o direito de, ao menos nos versos d'um poema, ser totalmente livre do mundo e suas responsabilidades. Escrevo poesia, talvez, porque quase ninguém paga para ler.  Quem leu, leu porque quis e gostou porque achou bom. Nunca me motivou o comercial nem o acadêmico da Literatura. Logos, não escrevo para vender livros ou ou gerar teses de mestrado.


Trajectória, dizem alguns, é o caminho descrito por algo em movimento. Sou um poeta em curso que bem recentemente começou a expor seus escritos para a incompreensão alheia. Sim, para não quer vender seus alfarrábios as páginas virtuais facilitaram muito as coisas. Comecei a publicar poemas na web apenas em 2015, embora já escrevesse há 24 anos...!  Ocupei alguns espaços; afastei-me d'outros, mas jamais me deixar pelo compadrismo literário de aplaudir para ser aplaudido. 


Em tempo: Divido com minha precária ocupação de poeta a pretensão de ser fotógrafo e a responsabilidade de ser arquiteto. Pago minhas contas com projetos enquanto devaneio com letras. Os instantâneos?  Penso ser outra crise de meia idade! Penso ser feliz com tudo o que faço, bem ou mal, mas devo confessar que preocupo os mais próximos com essa mania de escrever sempre que posso. Hipérgrafo, dizem de mim os entendidos... Mas, oportuna ou inoportunamente, viver entre as letras tem me ajudado a ser com mais profundidade tudo o que sou.


Escrevo, mais amiúde, versos de forma fixa, isto é, com estrutura estrófica, metro, ritmo e rima. Escrevo versos livres também, por via de regra, quando aflitos demais para caber em esquemas. Vez em quando, prosaico, arrisco um conto ou uma crônica. Escrevi um romance: PASSIONAL - Notas d'um bilhete suicida, mas não tive dinheiro para imprimir e publicar. Não muito raro, pago uns tostões para ser lido em antologias, mas com tanta discrição que eu mesmo me esqueço que contribuí para elas. Gosto quando alguém senta para conversar comigo sobre poesia, mas ainda é algo muito raro. Às vezes encontro uma turma legal para teclar e trocar impressões, ainda que a maioria dos literatos deseje sobretudo ser declarado gênio antes dos vinte anos...


Eu não. Até porque tenho mais de quarenta!


Betim - 11 03 2031

RAIO DE SOL

RAIO DE SOL


Raia o sol enquanto ela me sorri

E outro dia alvorece na janela.

Alegria e beleza os lábios d'ela

Entreabertos ao beijo... Bem ali...!


É assim desde qu'eu a conheci:

Um sol em seu sorriso se revela

Como se a própria luz surgisse n'ela

E todo um Universo houvesse em si. 


Acordar ao seu lado todo dia

É ter nos olhos cheios de ternura

Dois espelhos onde ela reluzia!


É uma mulher feita de luz pura,

A doce amada em minha companhia,

Que me acorda sorrindo com candura.


Betim - 21 03 2021

quinta-feira, 18 de março de 2021

ATRÁS DAS LENTES

ATRÁS DAS LENTES


Tem um olho que vê e outro que percebe

As minúcias de quem se lhe rodeia

E já se pretende amigo em meio a ceia...

Folgado feito um príncipe na plebe!

-- Pois míope entre sombras devaneia.


Na ideia de que dando se recebe,

A outros faz elogios à mancheia

E desata a falar da vida alheia

Às voltas com quem come e com quem bebe.

-- Pois míope entre sombras devaneia.


Anda pelo jardim junto da sebe,

Construindo-se castelos seus de areia.

Incerto já do que ama e do que odeia

Ou do mundo como ele lhe concebe...

-- Pois míope entre sombras devaneia.


N'um espelho d'água o luar s'embebe

Enquanto ao redor tudo clareia.

Logo emerge do fundo uma sereia

Ao náufrago que, enfim, desapercebe

-- Quem míope entre sombras devaneia.


Belo Horizonte - 05 01 2021

quinta-feira, 11 de março de 2021

DESAPAIXONADO

DESAPAIXONADO


Um desejo de amar maior que o amor

Que de facto se sente pela amada

Pode ter sido a ideia enamorada,

Que então se permitiu com dissabor.


Amar sem ser amado sem valor

Torna mesmo uma gema lapidada,

Ao fazer de infinitos quase nada

Em meio a grosseria e despudor.


Não se respeita aquele que permite

Dizer gostar d'alguém que lhe desgosta,

Se viciado em veneno se admite!


E deixa-se abater por quem s'encosta 

Até que exploda feito dinamite,

Pois já não há pergunta nem resposta...


Betim - 02 01 2021

segunda-feira, 8 de março de 2021

O MITÔMANO

O MITÔMANO


O pior dos mentirosos é aquele

Que acredita ser real sua ficção,

Andando, de ilusão em ilusão,

Às voltas com que os outros pensam d'ele.


Ou melhor, ignorando o que revele

De verdade em mentiras sem noção.

Após negar além da compreensão

Até que a realidade lhe atropele...!


Mas descaradamente mente em tudo,

De maneira que, mesmo estando mudo,

Sua mudez também é de mentira.


Por dentro, maquinando as inverdades

Pretende distorcer com liberdades 

O imenso egocentrismo que lhe inspira.


Betim - 06 03 2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

PARTILHA

PARTILHA 


Nada tenho que já não te pertença

E nada sou que já não seja teu.

Sem te amar sequer eu sou mais eu

Andando tal-e-qual sombra que pensa.


Mais do que ser teu par, ser-te presença

Mesmo depois que tudo se perdeu...

Ao ver que nem venceu nem convenceu

A solidão sensata em noite imensa.


Contigo, passo o dia em fantasia

Como se a garimpar nossa alegria

Entre veios de pedra preciosa.


Porque te amo o dia hoje é mais bonito

E a cada dia mais eu acredito

Que a vida pode ser maravilhosa.


Betim - 04 03 2021 

segunda-feira, 1 de março de 2021

TIPOGRÁFICO

TIPOGRÁFICO


Os tipos espalhados sobre a mesa

À espera das palavras e seus versos

Parecem ter em si mais universos

Que os infinitos que há na Natureza.


Prensa, tinta e papel mais a destreza

Dos olhos tão atentos quanto imersos

Às voltas com tabloides controversos

Ou contos de mistério e de tristeza.


No prelo, em vista da última versão,

Como Literatura em gestação

Surgia no papel em frente e avesso.


Montando cada fólio letra a letra,

Mais a argúcia do mestre lhe penetra

Até que o manuscrito enfim impresso.


Pará de Minas - 28 02 2021

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

CEGUEIRA NOTURNA

CEGUEIRA NOTURNA


Por lentes que desfocam todo o fundo,

Olho e não vejo, à noite, pelos cantos

Mais que sombras e vultos onde espantos

À luz d'algum archote moribundo...


Surpreendo-me ao topar no breu profundo

Com estrepes ocultos nos recantos

E, aos trancos e barrancos, desencantos

Se sucedem a cada vão segundo!


'Té quando do mercúrio a luz feérica

Tenho ofuscada a vista periférica

Feito quem cambaleia nas bodegas.


Sigo sem ver aonde eu estou indo,

Como se algum desastre perseguindo

Pelas ruas escuras, quase às cegas...


Betim - 22 02 2021

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

PROENÇA

PROENÇA


D'olhos verdes, cabelos gris e azuis...

Parecia antes fada do que gente,

Voejando à minha volta displicente 

Que nem os vaga-lumes nos pauis.


Talvez de cancioneiros medievais,

Entre as trovas d'amor d'um bardo errante

Houvesse figurado o peito amante

D'aquela bela dama e de seus ais.


O facto é que não era d'este mundo

O amor que me inspirou desde o fecundo 

Dia em que, encantadora, m'encantou.


Assim, pelos jardins da fantasia,

Lançando sobre mim sua magia,

Como um raio de luz que me cegou.


Betim - 21 02 2021

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

ESTRUPÍCIO

ESTRUPÍCIO


Qual o salário do salafrário?

Qual a desordem d'esse ordinário? 


Quanto ganha para ser escroto?

O esfarrapado a falar do roto...


Quanto lucra pelo seu sarcasmo?

Destratando-nos até o espasmo!


Que bem tem o mau com tanto mal,

Quando um peçonhento tal-e-qual?


Como consegue dormir à noite,

Se sua língua dos mais açoite?


Como consegue passar o dia,

Se extremada sua antipatia?


Tão desagradável desde o início,

Outro estúpido este estrupício...


Betim - 02 02 2021

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

GIRASSÓIS E ROSAS

 GIRASSÓIS E ROSAS 


Com quantas flores faz-se um ramalhete

Capaz de reluzir nos olhos d'ela?

Com quais o seu sorriso se revela

Enquanto a boca em beijos se derrete?


Três girassóis! As rosas, seis ou sete:

As brancas e as vermelhas; a amarela...

Ao que, namoradeira na janela,

Meu amor as receba co'o bilhete.


Admirada do arranjo do florista,

Tanta delicadeza não resista

Para eu humilde honrar sua beleza


E ela, entre mil carinhos e ternuras,

Perdoe-me eventuais descomposturas

Com regalos da própria Natureza!


Betim - 13 02 2021

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

DE VOLTA

DE VOLTA


Eu, que te amo tanto, já nem sei

Onde terminas tu e começo eu...

Foste um imenso amor que se perdeu

E, nas voltas do fado, reencontrei.


Nem lembro que senti ou que pensei.

Apenas quis estar ao lado teu.

Quando ao salto no escuro sucedeu

Voltar para a mulher que mais amei.


Um coração partido restaurado

Que apenas tem amor para te dar

Vai deixando o passado no passado.


Mantendo para frente o meu olhar

Eu vejo tanto amor por ti guardado

Que nem em outra vida há-de acabar.

 

Betim - 08 02 2021





COMO ÉS

COMO ÉS


Talvez eu não te amasse se tu fosses

Alguém que te disseram ser melhor...

Amo-te como és: Nem mais nem maior,

Sim juntos a construir vidas e posses.


Pois tu, desde meus dias mais precoces,

Tens sido para mim tão linda flor,

Que eu, de resto, encontrei em teu calor

Entre beijos passar as horas doces. 


Não te quero a melhor entre as melhores,

Mas sim a mais amada entre as mulheres,

Embora me causando imensas dores ...


Apenas sei que enquanto me quiseres

Eu hei-de te querer, por teus amores,

Ferir-te com o ferro que me feres.


Betim - 07 02 2021

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

ENTRETEMPOS

ENTRETEMPOS (aforisma)

O único tempo em que se vive é o presente. O passado já foi e o futuro ainda virá. Não obstante, não se vive sem lembranças, tampouco sem esperanças.

Betim - 31 01 2021

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

SOL MAIOR

SOL MAIOR

Não é o lugar, sim a companhia,
Que faz uma manhã de sol maior.
Como a escala me soa bem melhor
Quando nos dedos d'ela principia.

Não são os factos, sim toda utopia
De nos termos um ao outro sem pavor,
Até que enfim possamos contrapor
Uma canção de amor e de alegria.

Não é uma outra música; outro tom,
Sim fazer um arranjo antigo bom:
Pegar uma canção triste e mudá-la...

Não é que seja certo nem errado,
Sim esse mesmo acorde reinventado:
Do amor em sol maior a inteira escala.

Betim - 01 02 2021

sábado, 30 de janeiro de 2021

AUTOCOMPAIXÃO

AUTOCOMPAIXÃO

Olha para quem és com tais franquezas, 
Que nem teu maior crítico faria.
Repara onde a tristeza; onde a alegria,
E encontra em teu amor veras riquezas

Deixa de ter nos gestos asperezas
E estende o teu olhar com empatia.
Duvida de qualquer sabedoria
Pautada tão somente por certezas.

Entende que as misérias d'essa vida
São um saco inútil que levamos
A ser deixado logo na saída. 

E tem só os que amas por teus amos.
Faz-se ao caminho ao olhar desde a partida 
Enquanto de mãos dadas caminhamos.

Betim - 30 01 2021

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

ÁBACO

ÁBACO

Em dezenas, centenas e milhares...
Separa-se unidades por linhas,
Nas quais fazia o cômputo das vinhas
Ou terras, ouro e escravos dos lugares.

As riquezas do rei e seus azares
Somados-subtraídos por mãos minhas,
De escriba das regiões circunvizinhas
No censo dos palácios e dos lares.

Nas contas coloridas dos valores
Computei do Magnânimo os favores
E o luxo contumaz de toda a corte.

Agora, vejo a rapina dos seus bens
Co'os mesmos que lhes davam "parabéns!"
Celebrando por fim a sua morte.

Betim - 27 01 2021






segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O ENFEZADO

O ENFEZADO

Uma prisão de ventre formidável
Depois de muitas noites mal dormidas
Fê-lo ora irritadiço; sem guaridas
Que tem o ser humano sociável.

Capaz de responder o intolerável,
Primava em ter palavras indevidas
Que afastavam pessoas conhecidas
Pois seu comportamento detestável.

A barriga lhe doendo empazinada
Deixava a sua mente atormentada
E ainda sem nenhuma tolerância.

Às voltas com o ventre sempre cheio,
Parecia não ter pudor do alheio
Com fezes promovendo-lhe tal ânsia.

Betim - 25 01 2021

domingo, 24 de janeiro de 2021

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS (tercetos)

Sentado no mais alto parapeito,
Suspiro ante meu último momento,
Olhando para baixo contrafeito.

Subi ao derradeiro pavimento,
Que do alto do edifício sobreavança
Lavado pela chuva e pelo vento.

Cá m'entrego à total desesperança,
Enquanto o corpo todo em calafrios
Se agita co'o que trago na lembrança.

Às voltas com extremos desvarios,
Oscilo como um junco na lagoa
Durante a tempestade aos ventos frios...

Lamento apenas ser essa pessoa
Que o Universo esmagou indiferente
E cujo uivo, por fim, o abismo ecoa.

Sim, é o fim que tenho à minha frente.
Ou melhor, o jogar-me sobre o nada
E assim sumir do mundo de repente.

Minh'alma de si mesma abandonada
Clama pelo vazio das alturas
D'onde eu surpreendia a madrugada.

Angustiado após tantas desventuras,
Vim a estas desoladas soledades
Debulhar meu rosário de amarguras:

Em meio a desacertos e inverdades,
Vivi buscando paz a mim e aos meus,
Encontrando somente insanidades...

Quantas vezes roguei aos pés de Deus?! 
Quantas vezes pedi por lenitivo?!
Sozinho, para os astros digo adeus...

Em face já da morte, ainda vivo,
Contemplo-me avançando para o abismo
Do afã de me matar enfim cativo.

Deveras, deixo todo humano egoísmo 
No pátio cimentado do edifício
Contra o qual lavo em sangue insão batismo.

Relembro desde o fim o meu início 
A ver, uma a uma, minhas vãs misérias
Marcadas pela dor e pelo vício.

E o amor que se perdeu... Pelas artérias
Pulsa m'envenenando o coração...!
Um corpo dado a vermes e bactérias.

Olhando para baixo, um sim ou um não.
Imaginava a queda em minha mente
E minh'alma deixando o corpo ao chão...!

Um impulso mais forte para frente
E todo o sofrimento se acabava,
Fazendo parecer um acidente. 

Pois diante do vazio eu m'encontrava...
Certo de atravessá-lo n'um segundo,
Enquanto a minha mente errante errava.

Considerei a dor de todo mundo
Em face do que foi e o que será
Depois de me jogar no vão profundo.

Apenas quem na noite escura está
Entende esta infinito desespero
Que me persegue aonde quer que eu vá.

A presença dos outros mal tolero
De modo que m'encontro em soledade.
Igual um zero à esquerda d'outro zero.

Pensei na solidão ter liberdade,
Mas liberdade burra a solidão
Àquele que ao vazio a mente evade.

Pois ouvi as razões do coração,
E n'elas me perdi enamorado,
Tendo, por fim, tão-só desilusão.

Olho à frente, mas vejo só passado,
Revendo, obstinado, meus amores
De quem a vida tem me separado. 

Rememorei também tantos horrores
Dos dias mais estranhos d'esta vida
Nos quais eu conheci extremas dores.

Como antevi minh'alma adormecida
Dissociada do ser atormentado
Que do alto parapeito s'encomprida

Depois eu vi meu corpo espatifado,
Como um cristal partido em mil pedaços
No piso por si mesmo abandonado.

E vi aqueles meus últimos passos
Que tendo a este vazio me trazido
Projeta-me, afinal, aos vãos espaços. 

Senti até o espasmo destemido
De encontrar com a morte lá embaixo 
Como se pelo fim me decidido.

Mas saí do parapeito cabisbaixo 
E desfiz os meus passos para o nada
Descendo por escadas prédio abaixo.

Cheguei ao pilotis no fim da escada
Onde antevi meu corpo desabado,
E minh'alma de mim já desligada.

Olhei o parapeito abandonado
E me vi a mim mesmo entristecido
Como se ainda n'ele eu assentado.

Vi o quanto eu estava 'inda perdido
Às voltas co'os fantasmas que desvi
Que tenho a vida toda convivido.

Porém, não me matei e nem morri
Passei somente a noite mais escura
D'entre todas as noites que vivi.

Betim - 24 12 2020

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

AMOR E DOR: ARDOR

AMOR E DOR: ARDOR (fado)

Chama-me de amor...
Para ti, este é meu nome.
Sara a minha dor;
Este mal que me consome!
Para mim, ardor:
De ti tenho sede e fome.

Chama-me "meu bem"
Como eu fosse só bondade
E de mim também
Logo tivesses saudade.
Sou tão-só alguém
Que te ama de verdade.

Ama-me, carinho,
Ternamente, eternamente...
Por onde caminho
Ao teu lado eu sigo em frente
Sem ti, eu sozinho
Fico a tudo indiferente.

Chama-me de amor...
Para ti, este é meu nome.
Sara a minha dor;
Este mal que me consome!
Para mim, ardor:
De ti tenho sede e fome.

Betim - 21 01 2021

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

COM CARINHO

COM CARINHO

Há-que falar d'amor se for de ti.
Senão, melhor calar, nada dizer:
Há quem fale d'amor sem conhecer;
Sem entender sequer se chora ou ri.

Que sei d'amor contigo eu aprendi
E nada que vivi fez t'esquecer.
Possa tu ao meu lado ainda ter
Tudo que ao te tocar em mim senti.

Adoço a minha língua se te falo,
Assim como me amarga se me calo
E deixo de dizer o quanto te amo.

Mas de nada me vale ter carinho
Se tenho de guardá-lo aqui sozinho
Pela noite vazia em que te chamo.

Betim - 18 01 2021

PESSOA PÚBLICA

PESSOA PÚBLICA

Aquele que aparento aos outros não
É quem de facto sou quando me sinto.
Entre ser e parecer muito lhes minto
Nos muitos que me sei em solidão.

Passando pela rua, uma ilusão
Projeto pretendendo ser distinto.
Se pensam bem de mim, eu não desminto.
Sem d'eles ter sequer uma opinião!

Caminho ao largo, não através de...
Uma voz em minh'alma grita: -- "Sê!"
E sigo eu existindo n'esse mundo.

Aquele que aparento aos outros traz
A firme convicção de ser em paz,
Olhando para dentro o mais profundo.

Betim - 17 01 2021

sábado, 16 de janeiro de 2021

NEG(ÓCIO)

NEG(ÓCIO)

Se quando não se está fazendo nada
Ainda há algo humano sendo feito,
Ao poeta se lhe apraz certo conceito
Onde a pessoa a si mesmo se agrada.

Mesmo em sombra e água fresca trabalhada
Vem a escrita explicitar o contrafeito
Estado de espírito do sujeito,
Que se nega o descanso da jornada.

Deveras, sua mente tão febril
Soubera dizer não ao mercantil
Escambo entre prazer e obrigação.

De sorte que nas nuvens da poesia
Encontra um não-lugar; uma utopia
Onde reina absoluto o coração.

Betim - 16 01 2021

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

TEU

TEU

Eu, que nunca fui nada senão teu,
Sem ter o teu amor nem sei quem sou.
Por Fado ou por paixão, ainda estou
Perdidamente entregue, encanto meu!

Maldigo o tempo vão que se perdeu
Longe do que o carinho nos sonhou.
Eu pertencer-te é tudo que restou
Desde que teu olhar cruzou o meu.

Procurei na distância algum caminho
Depois que me perdi assim sozinho
E triste sem a tua companhia...

Pois mesmo na mais funda escuridão
Não deixas de tocar meu coração
Certa de que eu tão-só te pertencia.

Betim - 14 01 2021

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

SEJA LUZ

SEJA LUZ

O que quer que sejas;
Onde quer que estejas;
Tanto quanto vejas...

Seja luz!...

N'esta ou n'outra vida;
N'uma hora perdida;
Tendo ou não saída,

Seja luz!...

Sim, seja luz, ilumine
A vida dos que têm te amado!
Amor é quem está do teu lado.

Sim, seja luz, fascine
Olhos que brilham pelos teus
E têm na tua luz a luz de Deus

Seja luz!...

Seja luz!...

Betim - 12 01 2021

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

NONAGÉSIMA

NONAGÉSIMA 

Atravesso a noite imensa 
A caminho da saudade.
O que se sente ou se pensa?
Lembranças da mocidade...

       *   *   * 

domingo, 10 de janeiro de 2021

RESTAURO

RESTAURO

Aquilo que já foi bonito um dia
Possa brilhar de novo igual mil sóis!
Possa florir nos campos girassóis
N'um mar de primavera e de poesia.

Saiba curar no peito essa agonia
De meu olhar perdido em arrebóis...
Qual sobre a fosca pátina, aerossóis
Renovando co'as cores da alegria.

Que o velho seja enfim novo de novo
E nos traga a esperança d'um renovo,
Anunciando as ramas da florada.

E que ainda haja amor nos corações
Capaz de iluminar escuridões,
Saudando as brumas níveas d'alvorada.

Betim - 10 01 2021


sábado, 9 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA NONA

OCTAGÉSIMA NONA 

Aparências enganosas 
Iludem desiludidos. 
Nas veredas amorosas 
Permaneciam perdidos. 
 
       *   *   * 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA OITAVA

OCTAGÉSIMA OITAVA 

Não era oito nem oitenta, 
Sim outro triste pós-coito... 
Um que jamais se contenta 
Nem se tiver oitenta e oito! 
 
       *   *   * 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA SÉTIMA 

OCTAGÉSIMA SÉTIMA 

Se a ocasião faz o ladrão, 
-- Por demasiado humano ... -- 
Era todo cidadão 
Sem carácter, salvo engano. 
   
       *   *   * 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA SEXTA

OCTAGÉSIMA SEXTA 

Todos os gatos são pardos 
Na noite escura que passa. 
Todos os homens são tardos 
No dia d'uma desgraça. 
 
       *   *   * 

SETENTA VEZES SETE VEZES

SETENTA VEZES SETE VEZES

Quantas vezes perdoei quem me feriu?
Tantas quantas houvesse a lhe perdoar...
Aquele que não erra não ouse amar
Nem sinta muito quem nada sentiu.

Peço desculpas pelo que se viu
Em nossas vidas sem comum lugar. 
Hoje, distante, sei até faltar 
Espelho que me mostre menos vil.

Perdi meu grande amor. Eu perdi tudo...
Eu, de tão agoniado,  calo mudo 
Tristezas que m'ecoam nas entranhas. 

Deus queira ao perdoar ser perdoado
Para eu poder amar quem tenho amado 
E deixar essas noites sós e estranhas.

Sobrália - 30 12 2020

domingo, 3 de janeiro de 2021

DECÊNCIA

DECÊNCIA (aforisma)

Ser decente: Encontrar uma pessoa e não deixá-la pior do que quando a encontrou.

Betim — 03 01 2021

OCTAGÉSIMA QUINTA

OCTAGÉSIMA QUINTA 

Mentira tem perna curta... 
Não vai longe o mentiroso... 
Quem à verdade se furta 
Não tem sossego nem gozo. 
 
       *   *   * 

OCTAGÉSIMA QUARTA

OCTAGÉSIMA QUARTA 

Sabe Deus que tenho andado 
Buscando um lugar ao sol. 
Nas estradas do passado 
Não reluz novo arrebol. 
 
       *   *   * 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

OCTAGÉSIMA TERCEIRA

OCTAGÉSIMA TERCEIRA 

Dizem que a última que morre 
É a esperança do fiel. 
Feliz de quem Deus socorre 
E tarda em tê-lo no céu! 
 
       *   *   *