quinta-feira, 30 de abril de 2020

ENTRE MIM E SI

ENTRE MIM E SI

Uma vidraça, um muro, um rio, o oceano
E quanto possa haver entre mim e si!
Ela foi-se embora; eu já parti
E nada mais restou senão engano.

Ela levou consigo o quotidiano
E memórias de quanto havia ali.
Eu nunca mais voltei ao que vivi,
Seguindo meu caminho, não sem dano.

Evito certo ponto da cidade
Onde em tal nostalgia a mente evade,
Que súbito, porém, m'embarga a voz

Restara esse lugar abandonado
Onde nenhum vestígio foi deixado
Do que compartilhamos entre nós.

Betim - 30 04 2020

quarta-feira, 29 de abril de 2020

TÉRMINO

TÉRMINO

O tempo que eu levei até a porta
Não foram só segundos; foram anos…
Imensas esperanças, ora enganos,
Passam diante dos olhos na hora absorta.

Eu escrevi, decerto em linha torta,
Um bilhete sem culpas e sem planos,
Mas cheio dos adeuses mais mundanos
De quem há muito tempo não se importa.

Parto para onde houver algum futuro,
Para não mais passar nosso presente
Vivendo com excesso de passado…

E embora tudo seja tão obscuro
E novo… Sei quanto há à minha frente
Mais do que temos sido lado a lado.

Betim - 29 04 2020

MANHÃS DE FANTASIA

MANHÃS DE FANTASIA

Da noite mais escura enfim desperto
Para poder saudar o novo dia,
Ao longo de manhãs de fantasia,
Alvorecendo sobre o meu deserto.

Preciso manter o olho bem aberto
Para enxergar de novo mais poesia.
Que desde o sol nascente se irradia
Às pegadas de meu caminho incerto...

Parece muito mais do que o deslumbre
Das luzes matinais se me cegando
Depois de inelutável pesadumbre...

Auroras neblinadas vêm chegando
E se me vão cercando ao que penumbre
Mais fumaças d'amor de quando em quando.

Sete Lagoas - 25 05 1996

SUBLIME

SUBLIME

Estou triste esta noite, muito triste.
Tanto que até capaz de fazer versos…
De modo geral, eu entre eus dispersos
Em meio à algaravia que se assiste.

Tal tristeza por mim ainda insiste
Em fazer eu me outrar por eus diversos.
Eu sou um deus que ao criar seus universos
Distrai-se sem saber sequer se existe…

A inexacta medida do sublime
Na noite ecoa vozes sacrossantas,
Cujo cantar alhures me redime.

E ainda que através de mil gargantas,
Exijo um verso meu que legitime,
Ser triste, muito triste, vezes tantas…

Santa Bárbara - 23 08 1996

terça-feira, 28 de abril de 2020

TRISTES SONS

TRISTES SONS

São tristes sons, tanto ou mais do qu'eu,
Estes versos que trago aqui de novo.
Soem como um lamento enquanto trovo,
Ao achar em mim tudo o que for meu.

A voz m'ecoa além um espondeu,
Como fosse o falar de ignoto povo:
Soam como compõe: Um velho novo,
Ao achar-me a verdade que perdeu.

Tristes sons, apesar de tão sinceros,
São meus versos que vida e obra fazia 
D’esses meus muitos eus que me confundem.

Trovar é achar. Ser um deus d’eus meros;
Compor os sons que n’alma se me fundem,
Quando no quotidiano acha poesia.

Formiga - 03 04 1996

LUGAR DE FALA

LUGAR DE FALA

Não me limito a fala ao meu lugar
Tampouco falo apenas do que sou.
Ignoro meu lugar -- esse onde estou --
E aqueles que me querem limitar.

Eu vou falar do qu'eu quiser falar.
Não vou pedir licença a quem falou
Que apenas esse ou aquele vivenciou
E, portanto, têm algo a partilhar.

O mundo das ideias, logo, das falas
Não cabe nos lugares que intercalas
Entre o que vês correto ou desejável.

Não raro, a fala do outro é pertinente,
Mesmo que para ti seja somente
Um equívoco estúpido improvável...

Betim - 28 04 2020

domingo, 26 de abril de 2020

AQUÁRIO-MÚNDI

AQUÁRIO-MÚNDI

Escrever sobre História nos dias confusos que correm é tão necessário quanto colectar os factos que se sucedem em velocidade vertiginosa no mundo actual. Os primeiros vinte anos do Terceiro Milênio parecem ter encontrado enfim um marco limítrofe enquanto período histórico com o advento da Pandemia de Covid-19 mais a profunda crise do Capitalismo Financeiro d'ela decorrente. Embora ainda nos encontremos em pleno processo, todos somos unânimes em afirmar que nada será como antes quando os dois grandes acontecimentos citados acima concluírem seu desenvolvimento. O novo equilíbrio entre as nações, bem como o fortalecimento de instituições supranacionais como a OMS indicam uma nova ordem mundial onde agência globais tornam-se protagonistas na acção coordenada contra problemas que não são -- ou não podem mais ser -- resolvidos apenas por decisões nacionais. A democracia nacionalista, em certa medida, passa ser suplementada pela tecnocracia das agências internacionais. Repare-se que não há qualquer juízo de valor, mas antes uma descrição objectiva da acção da OMS ao longo da Pandemia é do poder que agências afins adquirem face à inequívoca capacidade das nações independentes em reagir ao problema posto sobre a mesa de negociações. A vacina, o tratamento, o controle de disseminação e consequências econômicas da Pandemia forçou-nos a buscar uma solução necessariamente de alcance global, assim como o próprio novo corona vírus se mostrou.

De certo modo, a História é como um aquário no qual os factos e as narrativas propostas pelos historiadores sedimentam lentamente. Isto posto, a verdade histórica pode ser vista como a descrição das camadas que se acumulam no fundo do aquário, mas nada impede que um movimento revisionista levante esse saber estante, mudando o modo como compreendemos o passado. De qualquer modo, o turbilhonamento também cessa n'algum momento e as camadas voltam a assentar para consolidar novamente o saber histórico. História é ciência, mas é também memória colectiva. Quanto mais distantes os factos em relação à sociedade, mais as pessoas têm de confiar na descrição dos historiadores, visto serem estas as camadas mais sólidas e profundas de nossos registros enquanto Humanidade.

A imagem dum AQUÁRIO-MÚNDI como representação imagética do esforço de descrição do passado remete aos horizontes que amostras de solo ou gelo escavado em sondagens apresenta, mas com a vantagem de não serem pontuais, sim sistêmicas, no referido aquário. Se catalogarmos as fontes de informação sobre os períodos sedimentados e formos capazes de as avaliar criticamente quanto à confiabilidade -- discriminando a mera opinião do cronista-historiador e os factos que comenta -- poderemos produzir tentativas de saberes sobre o passado sem deixar que preferências intelectuais cristãs ou marxistas -- por exemplo -- se coloquem feito lentes sobre os olhos na hora em que olhamos para as camadas consolidadas no fundo do aquário.

Essa camada superficial representada pelos últimos vinte anos -- o fim d'uma Era! -- ainda se apresenta como água turva diante dos observadores da conjuntura histórica. Não obstante, é dentro d'esse aquário imaginário que tenho posto o que atravessamos em relação com o passado. Houve muitas outras crises sanitárias no passado sim, mas jamais estivemos tão conectados enquanto habitantes d'esse Planeta. Jamais soubemos tanto sobre o flagelo que nos aflige e, provavelmente, jamais reagimos com tanta responsabilidade quanto agora. Mais do que o vírus em si, vemos a cooperação entre as nações mitigarem os danos é apontarem as saídas da crise. Talvez os cientistas é os tecnocratas cresçam sobre as lideranças políticas n'esse cenário. Talvez se mantenham importantes nas decisões acerca do controle de doenças, segurança alimentar e mesmo ordenamento econômico ao redor do mundo. Talvez seja um mundo novo surgindo diante dos nossos olhos nas águas turvas do Aquário-Múndi onde tenho entendido a História.

Betim - 26 04 2020

sábado, 25 de abril de 2020

LIVRE-PENSADOR

LIVRE-PENSADOR

Desagradável tanto a estes que àqueles,
Falava a quem quisesse m'escutar.
Se nunca quis pacotes de pensar,
Tampouco desdenhei a força d'eles.

Sempre escolhi, porém, frases imbeles
Para então debater sem m'exaltar.
Visto de tudo e todos duvidar,
Sem ver se mais fidalgos ou mais reles.

Penso que tão-somente me aprofundo
Em face das misérias d'este mundo
Buscando ter saberes, não razão.

Aliás, se alhures deixo meus escritos
Não me iludo de serem mais bonitos...
Apenas ponho ali meu coração.

Betim - 25 04 2020

VÉSPERAS

VÉSPERAS

Para quem não quer mais estar ali,
Todo dia é dia antes de ir embora...
A vida parecia estar lá fora,
Onde esvoeja livre o colibri.

Ela já não queria ser d'aqui,
Havendo tanto azul estrada afora:
-- "Amanhã há-de ser!"-- diz sem demora,
Cuidando do que ainda a prende a si.

Ela vivia em vésperas de ousar
O caminho que leva para frente
E parte para nunca mais voltar.

Mas sua vida inteira, simplesmente,
Pela janela aberta viu passar
Um dia antes de ser muito contente.

Betim - 25 04 2020

sexta-feira, 24 de abril de 2020

ADENDO

ADENDO

Posso complementar vos escrevendo
Algo que pode ou não ter sido escrito.
Sempre se complementa algo já dito
Se, inadvertidamente, já dizendo...

Por isso, todo poema é um adendo
Dos poemas que antes li, mas acredito
Entregar o meu modo mais bonito
Àquilo que já velho se fazendo.

Escrevo mais reversos do que versos
Visto que em minhas páginas, dispersos,
Uns muitos desaforos vida afora...

E, se alguma poesia eu alcancei,
Foi antes por negar-me lei ou rei
Para escrever algures como agora.

Betim - 24 04 2020

EPISÓDICO

EPISÓDICO

Aconteceu foi d'eu trazer à balha
Alguma insofismável bagatela.
Ou o fósforo atirado da janela
Caindo ainda aceso sobre a palha...

A coisa em si apenas me acanalha
A despeito da fúria extrema d'ela.
N'uma hora triste e grave como aquela,
Fiquei meio de lado em minha falha:

Ela regurgitava imprecauções
Do mesmo modo como inquisidores
Violentam as palavras e as razões.

Elevado a vilão de seus horrores,
Restou-me defender os meus senões
Co'o silêncio dos últimos amores.

Betim - 24 04 2020

quinta-feira, 23 de abril de 2020

NORTE MAGNÉTICO

NORTE MAGNÉTICO

Tatuara ela uma rosa há muitos anos
Querendo-a tão vermelha quanto o amor.
Vez ou outra a retocava em seu fulgor,
Sempre co'a cor mais viva dos mundanos.

Mas desbotou-se à pele nos enganos
Que lhe rasgando o peito de estupor.
Já não vê senão cinzas sobre o ardor,
Exaurida entre mais perdas e danos...

Tatua sobre a rosa uma outra rosa:
Dos ventos, com os pontos cardeais,
No afã de ter a pela mais formosa.

E p'ra não s'esquecer d'isso jamais
Onde o Norte Magnético, ardilosa
Sobre a seta abrevia: N(unca) M(ais).

Betim - 23 04 2020

quarta-feira, 22 de abril de 2020

TIRA-GOSTO

TIRA-GOSTO

Talagada...! Ressábio d'aguardente
Com retrogosto puro de caiana...
Carece de tirar o gosto ao dente
Como do céu da boca a acre cana.

Tragam mandioca frita com banana
Mais a carne de sol servida quente:
O gosto de salgado mais latente
Pede-me outra talagada tropicana!

Assim a pinga tira o gosto à boca
Qual da carne que tira o gosto à pinga
E mais tiro após tiro se provoca.

Tira-gosto na mesa m'endominga,
Igual tatu que nunca sai da toca:
Só esquentando rabo na caatinga...

Betim - 22 01 2020

terça-feira, 21 de abril de 2020

PANDEMIA

PANDEMIA 

Contágio em progressão exponencial 
E o planeta a hibernar involuntário. 
Mas, quando o solidário é solitário, 
Fazer nada é fazer o essencial 
-- Ainda que haja mortos no final. 

Contagem de doentes em geral 
E após fazer dos leitos o inventário: 
O invisível parece imaginário, 
Mas enche enfermarias no hospital. 
-- Ainda que haja mortos no final. 

Nas ruas, mais vazias que o normal, 
Apenas mascarados sem salário  
Vagam em meio ao caos comunitário, 
Com risco de contágio, pois, viral. 
-- Ainda que haja mortos no final. 

E não há solução: Tudo é mortal. 
A fome em casa e o vírus no cenário... 
A morte se tornou algo ordinário; 
Covas nos cemitérios, afinal, 
-- Somos milhões de mortos no final. 

Betim - 21 04 2020 

LITERÁRIO

LITERÁRIO

Era o eu lírico face ao tu dramático
Alguma historieta a se narrar.
Que o ele, impessoal ou não, vem parolar
Ou pela omniciência ou pelo enfático...

Mas reunidos através do Fado errático,
Tornemo-nos o nós d'algum lugar!
Ou senão algum vós co'o qual falar
Em vista do desfecho sorumbático.

Páginas e mais páginas escreva
Aquele que por linhas vãs se atreva
Aos elos entre os eles e os aqueles.

Esteja para as pessoas e seus nomes
Esse substantivar vão de pronomes
Desde o mais excelente ao mais reles.

Betim - 21 04 2020

POESIA, TU

POESIA, TU

- "Poesia, tu que rasgas onde dói,
Revela alhures essa minha tristeza:
O mundo sobre os ombros mais me pesa
Sob esta armadura de anti-herói…"

"Enquanto teu veneno me corrói,
Mostra-me outro revés da Natureza!…
Minhas trevas à luz da insã beleza
Mais realcem que a ruína me destrói."

"Saiba tua verdade eu exortá-la,
E a soledade para exorcizá-la,
Antes que o ódio consuma o coração."

"Em sacrifício, sangue eis a aplacar-te
E traduzir-te - inútil, mas bela arte - 
Vai, canta para mim minha canção!…"

Belo Horizonte - 15 05 1995

segunda-feira, 20 de abril de 2020

VAGO LUME

 VAGO LUME 


Às vezes, quando a vida me angustia,

Vago em círculos após o lusco-fusco

E varo a noite incerto do que busco, 

Perdido todo o ideal; toda a utopia…


E escrevo sem saber quanto escrevia:

Vago lume que aos olhos não ofusco. 

Versos? Mero rabisco que rebusco,

Tão ininteligível a poesia!...


Eu vivo essa jornada tão confusa

N’uma ânsia de que a angústia se traduza

Em coisas que sequer consigo ler.


Sem embargo, atravesso a noite escura

Em modo de total autoprocura,

Chegando exausto e só ao amanhecer...!


Betim - 13 05 1993


HALO LUNAR

HALO LUNAR

Longe, círculo longe à lua cheia,
-- Auréola de luz que ora o olho fita... --
Brilha na noite fria em vã visita
Quase ao prumo da meia-noite e meia.

Soberana no céu; do mundo alheia,
Faz-se a lua maior e mais bonita,
Como se visse súbito esquisita,
Dentro do imenso anel que lhe rodeia.

Dizem: "Círculo longe, chuva perto"...
Alta noite, mantenho-me desperto
A ver a maravilha do luar.

Pois ainda que a chuva se aproxime
Da noite em claro a lua me redime
Completamente entregue ao meu olhar.

Boachat - 15 05 1995

RÉQUIEM

RÉQUIEM

- "Bardos, silenciai os alaúdes!
Elevai os lamentos mais atrozes.
Sede do limbo enfim as graves vozes
Que ecoam através dos ataúdes…"

"Vós, que já profanais as solitudes
Com cânticos aflitos e ferozes,
Ora sois dos meus versos os virtuoses
Se n'eles recordais minhas virtudes…"

"Levai em procissão o largo canto,
Que não pertence a mim, mas sim a vós,
Pois dados tanto ao riso quanto ao pranto."

"Vosso cantar conserve minha voz!
N'um réquiem que soe como um acalanto
Até meu canto ser de todos nós!…"

Belo Horizonte -01 02 1996

domingo, 19 de abril de 2020

PALAVRAS

PALAVRAS
Palavras pulam ululantes nos fonemas,
Paralelepipedamente decompostas.
Para todos gostos e desgostos, dispostas
Para palavrar juras e palavrear poemas…
Palavras buscas para resolver problemas;
Palavras burilas para encontrar respostas.
Para ti, para além de sintaxes impostas
Pelo que questionas sem tremer e sem tremas.
Palavras livradas no livro a ti, captivo.
Palavras escravas que no papel tu gravas;
Palavreado escolhido passado em teu crivo.
Palavras escritas são o poema que lavras,
Pois tu, poeta, és fruto de tudo ao que me privo;
Palavras são tudo. E até mesmo palavras.
Capitão Andrade — 20 11 1995

LICENÇA POÉTICA

LICENÇA POÉTICA 

— ”Com licença da palavra,” — vos diz o poeta,
 

E a palavra dá licença à poesia e ao designo, 
Para dizer mais do que diz, assim benigno, 
A palavra na licença torne completa. 

Dizer o que quer dizer da forma correta,
 

O poeta à poesia, nem digno nem indigno, 
Põe o significado a transcender seu signo; 
Pede licença poética à sintaxe reta. 

No princípio era a palavra e a palavra estática
 

Estava no dicionário em desuso estético,
Esperando desesperada a pôr em prática. 

Na poema a palavra é licenciada errática,
 

E estava na ponta da língua o dizer poético:
— ”Vós estáveis estéreis n’uma língua apática...!” 

Belo Horizonte - 21 02 1995
 

ADÁGIO

ADÁGIO

Do que s’escreve nunca se abra a boca,
Embora pela boca a frase dita
Não cale a dor do peito, apenas grita.
Seja sua desdita muita ou pouca… 

Palavra dita ao léu, um tanto louca,
Como a poesia sobre a linha escrita:
Revisitada a ponto de infinita,
Me aflige na garganta quase rouca.

Algo será poesia ao dizer tudo,
Se, e somente se, for dito sincero,
E por sincero digam ser absurdo. 

Procuro ouro na lama em que chafurdo:
Seja poesia o adágio alheio ou mero
Grito dado no ouvido do pior surdo!

Gov. Valadares — 19 09 1995

sábado, 18 de abril de 2020

TODAS AS PESSOAS

TODAS AS PESSOAS

singular primeira pessoa
O POETA

 — ‘Vê, musa, quanto brilha este olhar ao te olhar…!
Cada olho feito um círio em vão delírio tenho.
Eu por ti, minha bela, uma vez mais eu venho
Na mentira do amor à vera acreditar.’

‘Não poderia o actor personagem se outrar?…
Nem o artista mais belo haver-se em seu desenho?…
Eu, poeta, que em cantar tão-só a ti m’empenho,
Buscando ser amado, amador sou a amar…’

‘Pois sim, musa, o poetar tem suas liberdades.
Tu contra o arqueiro a flecha, entanto, desferiras
Ao me ferires tolo e todo de saudades.’

‘Apura o ouvido, escuta: Uns acordes de liras!!
Ou mentiras que o amor faz a mor das verdades,
Ou senão, em verdade, a mais bela das mentiras.’

* * *
singular segunda pessoa
A MUSA

 — “Mas que liras, poeta? Acaso tu deliras?
Tudo o que escuto são tuas insanidades
Com que, inoportuno, aos ouvidos invades,
Dizendo-te ferido à flecha de minhas miras…”

“Acorda, poeta, e não verás veras mentiras.
Pela Estética, o artista haja como verdades:
No engenho, a busca esteta à originalidades;
Na arte, a veracidade a quanto tu te inspiras.”

“Chamas-me musa ou luz que brilha em teu olhar,
Não penetras, porém, as trevas que contenho,
Nas angústias de quem procura m’encantar.”

“Canta, poeta, e escuta as verdades que tenho:
Belas mentiras tua arte pode contar,
Mas sabes pouco ou nada às brumas d’onde venho.”

* * *
singular terceira pessoa
O NARRADOR

O poeta à musa canta e encanta co’o cantar
Na luz em seu olhar, dá ao canto arte e engenho…
Crepita pelo peito um abrasado lenho,
Enquanto sente o ardor da musa a lhe queimar.

A musa ao poeta conta aonde o amor vai dar.
Devendo a arte à verdade ainda mais empenho.
Ser personagem ou mais belo no seu desenho,
À vera é ser mentira, ‘inda que bela ao olhar.

O poeta lança a flecha às vastas soledades,
Tentando haver a musa entre belas mentiras,
Para lhe afagar o ego a ver suas vaidades.

A musa torna a flecha e o faz arder em piras,
Ferindo-o, ela fez d’amor e o amador verdades,
Ao pôr o poeta a ouvir uns acordes de liras…

* * *
plural primeira pessoa
O POETA E A MUSA

— ‘Ora m’escusa, musa: O delírio é bem-querer,
Na poesia há verdade apesar do erro humano.
Escuto soar a lira além por não sem dano
Co’a mais bela mentira a verdade dizer.’

 — “Pois sim, poeta, verdade em teu canto uso ver,
Escuto em cada verso as liras, salvo engano,
Longe ao lugar-comum de nosso quotidiano:
As liras que ouves tu outros possam te ler.”

 — ’’’Nós outros, poeta e musa, ousamos na obra lida
Como fôssemos um: Dois entes interiores
Pessoa unificada onde arte produzida.’’’

’’’Aos outros somos nós, à vera, tão melhores
Se, e somente se, artista e arte por toda a vida,
Oferecida em verso a improváveis leitores.’’’

* * *
plural segunda pessoa
AOS LEITORES

 — ’’’A vós, leitores, eis a cantar-vos amores
O poeta que, cantando a musa em tanta lida,
Por vossos corações busca a canção sentida
E serdes vós também na poesia amadores.’’’

’’’Lestes após da musa ao poeta os desprimores…
A musa se vos faz poesia quando lida,
O poeta da poesia em vós faz sua vida;
E a historieta segue aos vossos vãos pendores.’’’

’’’Vós outros vedes quanto há o poeta por plano:
Ao cantar sua musa aos outros fazer ver
Poesia que ilumine, enfim, o ser humano…’’’

‘’’Nós vos vemos, porém, o poeta se perder:
Onde a flecha que o fere, em todo canto ufano,
A musa, qual Alma e Amor, o poeta ao escrever.’’’

* * *
plural terceira pessoa
O AMOR E A ALMA

O filho da Beleza em amor foi se perder,
Depois de vão causar a tantos tanto dano.
Cai pela própria flecha ali, em desengano,
Aos pés de Alma, então sem mais poder.

Mais bela que a Beleza, à Alma fora querer,
D’ela se aproximou com ardiloso plano,
Cerca, o acertou, porém, o querer mais insano:
Flecha que despertada a Alma lhe fere o ser.

Torna-se um amador o Amor à dor havida
Que por fado soia haver mais dissabores,
Pela alma cuja a carne em amor malferida.

E embora aos corações suscite maus amores,
Fere-o Alma para lhe pôr n’alma a dor sentida,
E à ferida d’amor Amor sentir as dores.

Betim — 18 04 1994

quarta-feira, 15 de abril de 2020

ÆDES FICTUM

ÆDES FICTUM

Os olhos veem o espaço em forma mais volume
E os planos sob a luz no desenho se tomem:
Verdade obra a Beleza em mãos de gentil-homem,
Que submete a Natura os signos e ao costume.

Qual fora a Torre erguida em adobe e betume,
Da extrema confusão os sons todos se domem.
Onde uma arquitetura extravase do abdômen
Em gritos e ecos vãos para o infinito cume...

Os olhos veem o vácuo ao sólido habitado
E, ao gizar abstracções, o concreto se desdobra
A fim-de que a existência eternize-se na obra.

Eis: Forma e conteúdo hão enfim concordado
Em templo feito pelo homem e para os seus
À abóboda celeste onde habita tudo Deus.

Belo Horizonte - 06 11 1999                         


O ENTORNO

O ENTORNO

A paisagem s'estende em impressão
Onde se busca além a luz do instante.
Vendo o caminho, vejo-me caminhante;
E vou, co'a meta aos olhos e a alma à mão.

O que há transfigura-se intenção
Que às linhas da criação levava avante.
A aura brinca nas rugas do semblante,
Transforma-se, portanto, em expressão.

A forma reinterpreta essa paisagem.
E abre, mesmo não sendo ainda nada,
Elementos que cercam e interagem.

O entorno lhe perfaz resposta dada:
O edifício é erguido outra mensagem
Tornando-se paisagem habitada.

Belo Horizonte - 15 04 1997

COMUNIDADE

COMUNIDADE 

Mas onde falta tudo, até mesmo esperança,
É preciso construir; despertar nossas mentes;
Que a vontade do povo então reúna as gentes:
Braços em mutirão que a nós todos alcança.

É empreito de vida e risco que se lança,
A fim-d’haver união de todos os  presentes
Em lugar de esperar, como se indiferentes,
S'entregando a violência, amargura e vingança.

Ser co'o povo -- não para o povo -- é ser no agora.
E, embora o olhar se perca em tal desigualdade,
O senso de pertença é o que afinal vigora.

De mãos dadas, até que venha a claridade,
Àqueles que vêm vindo antes mesmo da aurora
Partícipes da paz em comum unidade.

Betim - 19 09 1999

terça-feira, 14 de abril de 2020

SUBÚRBIO

SUBÚRBIO

Como fossem pseudópodes de ameba
A expansão da cidade vista de cima...
Onde a pobreza por matéria-prima,
Do que já não é nem sítio nem gleba.

Dos córregos de esgoto se perceba
O avanço dos barracos morro acima
E os caminhos de roça sem estima
Que a pátina de poeira tudo enseba.

Duas vezes ao dia um trem azul
Ou um ônibus sem mais capacidade
Leva-e-traz quem vai para a Cidade.

Borda da mata, chão de terra, paul...
Onde se vive apenas da esperança
De a Cidade chegar na vizinhança...

Betim - 23 05 1998

EXISTENZMINIMUM

EXISTENZMINIMUM 

Arranha-céu arranha ao léu o fundo d’alma,
Ao m'esconder o céu como se fosse seu.
Sobra-me a sombra sobre... Um prumo o rumo deu,
Me obscurecendo o sol na tarde que cai calma.

Subo andares andando 'inda co'os pés em palma
E a altura altera a vista ao que baço avisto eu
-- Não sei se acrofobia ou miopia ao olho meu --
Que me sumisse o chão segundo antigo trauma...

Prédios me prendem entre esquadradas paredes.
Pedra e cal, tal-e-qual qualquer apartamento
Aparta a mente insã nos nós de tantas redes.

Aperta o Ser a exígua aldeota de cimento,
Que, sem céu, sol ou chão, as insapientes sedes:
Moradia onde habita o único pensamento.

Belo Horizonte - 20 04 1993

segunda-feira, 13 de abril de 2020

KANDINSK

KANDINSK

Talvez a História d’Arte omita, entanto,
Um pintor que pintava uma paisagem
Prostra-se desolado face à imagem,
E observa na palheta mais encanto.

Viu o que ninguém via. Daí, portanto,
Deixando as flores míopes sem mensagem,
Mira as formas informes qual miragem
De sua aura evadida... Mas enquanto

Qual criança redescobre as cores puras
Já livres da coerência co’as figuras,
Ensimesmadamente, a aurora aguarda.

Degenera a arte o geômetra ultralírico!
E a expressar o universo pós-onírico
O Bravo Azul irrompe na vanguarda.

Betim - 14 04 1999

SEM-TÍTULO nº 1

SEM-TÍTULO nº 1 

Violentam olhos cores saturadas 
De luz e movimento sobre o plano; 
Buscam formas gizar o gesto humano 
Em vagas geometrias impensadas; 

Novas cosmogonias são ousadas 
Pelo artista ante o branco de seu pano,
Procurando-se em meio ao quotidiano   
Multicores a serem desvendadas. 

Sistemas e universos onde cores 
Nos são apenas cores e nada mais; 
Quando não semióforos de horrores 

Pelo inconsciente a todos os demais
Que irão se procurar, observadores, 
Sobre telas oráculos pessoais. 

Belo Horizonte - 12 02 1998

FLOR-DE-VIOLETA

FLOR-DE-VIOLETA

Na dor, colhamos flores à Natura
Onde a melancolia se apresenta:
Os pigmentos do ciano e do magenta
N'um céu crepuscular se nos figura…

No amor, ousemos prismas de ternura
Decompondo da luz ultraviolenta
As ondas onde o azul ao rubro enfrenta
Em meio aos tons da réstia claro-escura.

Luz, claramente brilha sobre o amor,
Resplandecendo a aura face ao poeta,
Em iridescente olhar, violácea cor.

Cor, belamente tinge-se dileta
Em pétalas sublimes, roxa flor;
Tão misteriosa cor flor-de-violeta…!

Belo Horizonte -12 04 1997

domingo, 12 de abril de 2020

LIBERDADE

LIBERDADE

Em face dos desastres do fracasso
E até contra a verdade de tais factos,
Sustém, atlante, teus ideais intactos,
‘Inda que o mundo pese no teu braço.

Ecoe teu brado livre pelo espaço,
Desafiando os reis que, estupefactos,
Em reacção decretam duros Actos,
Contando te vencer pelo cansaço.

-- “Meu coração não caiu!” -- tu dirás antes.
Embora sobre a ponte de teus sonhos
Façam ruir por sob passos consonantes...

Erguerão tua voz outros afinal,
Apesar dos carrascos, que bisonhos,
Sorriem esperando a ordem fatal.

Betim – 19 09 1999

SOPA DE OSSOS

SOPA DE OSSOS

D'olhos abertos veria aqui estar
Outra verdade além impercebida,
Ao invés de contemplar-me sem-saída,
Havendo em vista os outros do lugar:

São hoje companheiros de manjar,
Que têm na sopa de ossos sobrevida…
Em derredor do lume sendo servida,
Àqueles que se aquecem sob o luar…

Mas súbito sucumbo à metafísica,
Desanuviam-se as faces macilentas...
Carnes dadas a vermes pela tísica...!

Abandonado a um canto, eu olho e vejo:
Como se sombras mesmo nevoentas,
Dos morituros o último desejo!

Betim - 20 10 1999

CAMINHO DE SOMBRAS

CAMINHO DE SOMBRAS

Uma rua n'um bairro suburbano
Entre casebres, lotes e monturos.
Postes ritmam caminhos inseguros,
Dando profundidade ao último plano.

Plena, a luz da manhã ao quotidiano
Escalona no chão sombras de muros,
Fazendo contrastar claros-escuros
Por onde se anda sem futuro ou plano

As calçadas tomadas pelo entulho
Seguem cheias de lixo, vidros, caixas
Arbustos, poças d'água, pedregulho...

Vão dar na encruzilhada, sobre as faixas,
Onde crianças miúdas e cabisbaixas,
Levando igual formigas grande embrulho.

Betim -15 06 1998

sábado, 11 de abril de 2020

INSTANTE DE LUCIDEZ

INSTANTE DE LUCIDEZ

Em meus olhos cintila essa luz tida
Quando, na vigília ébria, o desespero,
N'um sorriso entre cínico e insincero,
Por sobre débeis lábios tem guarida.

A custo vou seguindo a minha vida...
Como se um zero à esquerda d'outro zero…!
Sendo esse lamento onde nada espero,
Minh’alma já de si mesma esquecida.

Nada mais do que um bêbado... O que fiz?!
Congratulo-me a cada atroz desgraça
Por conseguir-me ser tão infeliz!...

De tudo, resta essa última trapaça,
Onde enfim reconheço -- um tanto vis... --
Meus olhos refletidos na vidraça.

Belo Horizonte – 12 06 1996

MISCELÂNEA

MISCELÂNEAS

N'um caldeirão cultural,
Tenho misturado gostos.
Entre locuções, apostos,
Vírgula e ponto final,
Escrevo meus desgostos.

Mestiço, aliás, o meu jeito
Já é algo meio a meio...
Verbalizar me é o anseio
Posto à conta do sujeito
Que, oculto, deixo alheio.

De vera, proseio; poeto.
Escrevo sobre o Japão
Ou sobre o meu coração
Com mesmo assombro repleto
De vã imaginação.

Mas cozinho em fogo brando
Esse sopão revirado
Que, de letras adornado,
Vos sirvo de vez em quando,
Ao lume bem temperado.

Se vós de letras gostais,
Do caldeirão a servir,
Um pouco de tudo a vir
Para provar sempre mais:
É favor m'o repetir!

Betim  - 11 04 2020

sexta-feira, 10 de abril de 2020

OLHOS EM FUGA

OLHOS EM FUGA

Fosse o mundo outro eu era um diletante
De imagens e sons bons: Arte pela Arte...
Buscaria a Beleza em toda parte
Pois me regozijando a cada instante.

Só quereria o belo e o interessante,
Alheio ao que é vulgar para, dest’arte,
Elevar -- no que fora minha parte --
Os espíritos lúcidos ao arfante.

Os meus olhos, porém, partem em fuga
A ver o que a distância lhes revela
Da miséria que à Metrópole subjuga:

Somente há desalento… Da janela,
Enquanto o cenho vinca uma outra ruga,
Nego aos olhos qualquer miragem bela.

Belo Horizonte - 10 04 1998

FINAL LIXO

FINAL LIXO

De repente eu, herói de minha história,
Morro de morte estúpida ‘inda novo…
Sou, no final de tudo, o que reprovo,
Cercado de fracasso e luta inglória…

Não foi bonita a minha trajetória,
E nada fiz de grande pelo povo.
Chego ao fim sem ver algo de novo
Ou tampouco uma pena meritória.

Por amor ou por vã filosofia
Fui reverente a quem sequer existe,
E quis fugir ao mundo na utopia.

Mas o mal que há em mim sempre persiste
E lavra em depressão minha agonia,
Tanto que até me alegro de ser triste.

Betim — 03 04 2020

OLHANDO PARA O ATLÂNTICO

OLHANDO PARA O ATLÂNTICO 

Vi a glória dos céus vir sobre o mar 
Co'o sol dourando as ondas aos primeiros 
Instantes d'esse dia em verdadeiros 
Caminhos luminosos para o olhar. 

Na costa, com o oceano se agitar 
Mais o vento a envergar altos coqueiros 
N'uma força capaz de mil veleiros
D'esse continente a outro impulsionar. 

Já era hora de o dia amanhecer!... 
A noite mais escura enfim termina 
Para me haver um novo vir a ser. 

E o silvo d'além-mar que me destina
Para outra vida qu'eu saiba viver
Com milagres da luz sobre a retina. 

Itacaré - 19 06 2011 

PASSOS

PASSOS

O jugo que carrego ora m’esmaga
Sob o signo do mal que de mim nasce.
Meu pecado está sempre à minha face...
Sei que mero remorso não m’o apaga.

Não pelo peso, sim minha fraqueza,
Vou dobrando meus joelhos para a queda. 
Pois se do meu caminho o bem se arreda,
Sinto a matéria em toda a sua dureza...

Ouço então a gargalhada do diabo
Após m’enganar no erro a pouca fé...
Com seus sofismas eu por terra acabo.

Minha culpa! Mea máxima culpa! Eis-
Me decaído ao mal de odiosos reis,
Ver minh'alma imortal eterna ré!

Betim – 12 10 1998 

SORRIDENTE

SORRIDENTE

Quem me vê sério assim nem desconfia
Que ando a sorrir por dentro (ou para dentro?...)
Franzo o cenho a fingir que me concentro,
Mas me abro n'um espasmo de alegria.

Tento lhes esconder que me sorria
Como se de meu mundo eu fosse o centro...
Fico feliz por mim domingo adentro,
Imerso em minha própria fantasia.

Ainda que me tenham por sisudo,
Ao me verem distante e sempre mudo
Desconhecem o meu contentamento

Deveras, pois escondo dos olhares
Tal ânimo por todos os lugares
Para sorrir em paz todo momento.

Betim - 10 04 2020

segunda-feira, 6 de abril de 2020

HISPANIOLA

HISPANIOLA

-- "São como abris ou maios andaluzes" --
Das manhãs tropicais americanas...
Assim o Capitão às castelhanas
Se fez poeta (ou pintor...) d'aquelas luzes.

Munidos de facões e arcabuzes,
Feriram o áureo chão, serra, cabana...
E, em nome de pepitas, por semana,
Espalham em toda ilha cem mil cruzes!

Volve à Espanha, alguns anos depois,
Olvidado e perplexo -- "Por quem sois!" --
Enquanto o Continente é conquistado.

E seu nome de audaz descobridor
Ao cosmógrafo Américo, em seu favor,
Cede onde o Paraíso aproximado.

Belo Horizonte - 25 05 1996

AO ZÊNITE

AO ZÊNITE

—” Andemos, pois, a morte já não tarda, 
E ao zênite o sol sobe e desce do alto”. — 
O horizonte derrete-se no asfalto, 
E a estrada se lhe perde, árida e parda. 

Outro arauto do fim pela vanguarda 
D’um armagedon pelo sol de assalto...
Que mais diz a mensagem do arauto 
Que de tão triste fim memória guarda?

-- "É hora: O fim dos tempos se aproxima...
Uma a uma já se cumprem as promessas!
Volvei os vossos olhos para cima!..."

"Obscurecido por nuvens espessas, 
Eu vejo o sol dançando pouco acima
Até o céu nos cair sobre as cabeças!"

Belo Horizonte - 09 09 1999 

AO LUAR

AO LUAR

Essa luz limitada ou realidade --
“Argêntea...!” -- Quem nos foi que concedeu?
Não terá sido mais ávido do que eu
No afã de nos buscar sonho e verdade.

Fossem outras a face e a idade,
Teu olhar encontrando ora o meu
Brilhar-nos-ia o luar que se excedeu
Pairando pleno acima da cidade.

E, então, eu te diria: “Vamos juntos!...”
Apesar de pesares ou de assuntos
A lançar tantas sombras sobre nós.

Porém, ensimesmada em solidão,
Ocultaste tal luar do coração
Com tudo quanto fomos quando sós...

Betim - 05 03 2014 

domingo, 5 de abril de 2020

DE NOITINHA

DE NOITINHA

Quando as cigarras cantam de noitinha
E o arrebol sangra os longes do horizonte
Que a lua, alfange em prata, além desponte,
Se d'ela a estrela d'alva se avizinha!

Deveras, n'aquela hora tão sozinha,
Haja um concerto cá do alto do monte,
No qual a passarada outra vez conte
A bela melopeia que me convinha.

Avesso ao burburinho das cidades,
Encontre eu pelas brenhas alterosas
Lindas soledades,  poentes rosas...

De modo que com amplas liberdades,
Minh'alma evada além na serrania
Para eu me despedir de mais um dia.

Betim - 27 09 2013

ANOITECER

ANOITECER

Anoitece e s'esquece ora de mim,
O sol que s'entristece em solidão.
Parece que perece n'um grotão;
Parece que aparece ao confim.

Anoiteço e m'esqueço ora do fim...
M'entristeço e me peço algum perdão,
E um luar a iluminar-me escuridão;
E um lugar a encontrar-me paz enfim.

Meu coração é uma encruzilhada
Atravessando em vão um chão maninho
Por caminhos que nunca dão em nada.

E devo caminhar sempre sozinho.
Anoiteça e m'esqueça pela estrada,
Pois eu de nada nunca me avizinho.

Belo Horizonte - 15 02 1995